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Breve retrospectiva jurisprudencial sobre a inconstitucionalidade da denominada “prisão ex lege”

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A prisão ex lege é aquela modalidade de prisão imposta para determinados crimes por força de lei, a qual veda a concessão de liberdade. O STF tem afastado sistematicamente as hipóteses desse tipo de prisão.

Cabe destacar, inicialmente, que a prisão ex lege é aquela modalidade de prisão imposta por força de lei, que prescinde de análise pelo Poder Judiciário, em que a lei estabelece uma vedação absoluta em relação à concessão de liberdade para determinados crimes. Há de se registrar que a prisão ex lege verifica-se, por exemplo, nos casos em que o legislador veda de maneira peremptória e absoluta a concessão de liberdade provisória.[1] Sobre o presente tema, cumpre afirmar que há diversos exemplos de dispositivos legais que impunham a prisão ex lege no ordenamento jurídico pátrio (vide art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 - redação original; [2] art. 7º da Lei nº 9.034/95, [3] art. 21 da Lei nº 10.826/2003, [4] e art. 44 da Lei nº 11.343/2006). [5]

Sendo assim, entende-se que a prisão ex lege deve ser objeto de maiores estudos, levando-se em conta, principalmente, a jurisprudência do STF sobre o presente tema, bem como os princípios constitucionais relacionados à vedação legal da liberdade provisória, com ou sem fiança. Dessa maneira, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão da constitucionalidade da prisão ex lege em diversas oportunidades.

No que tange à constitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003 (“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória”), por exemplo, cabe mencionar que o referido artigo foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Na ocasião, firmou-se o seguinte posicionamento:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 10.826/2003. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA. (...) AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA. (...) IV - A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo de arma de fogo", mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. VI - Identificação das armas e munições, de modo a permitir o rastreamento dos respectivos fabricantes e adquirentes, medida que não se mostra irrazoável. VII - A idade mínima para aquisição de arma de fogo pode ser estabelecida por meio de lei ordinária, como se tem admitido em outras hipóteses. VIII - Prejudicado o exame da inconstitucionalidade formal e material do art. 35, tendo em conta a realização de referendo. IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003. (ADI 3.112, Relator (a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/05/2007, DJe-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007 DJ 26-10-2007 PP-00028 EMENT VOL-02295-03 PP-00386 RTJ VOL-00206-02 PP-00538).[6]

Já no que concerne à vedação da liberdade provisória prevista no art. 7º da Lei nº 9.034/95 (“Art. 7º Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”), o Supremo Tribunal Federal firmou o seguinte entendimento:

 “EMENTA: “HABEAS CORPUS”. ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL. CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DO CRIME ORGANIZADO (ART. 7º). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: (...) A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada: “(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão 'ex lege', em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.”  (HC 94.404 MC, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 19/08/2008, publicado em DJe-159 DIVULG 25/08/2008 PUBLIC 26/08/2008 RTJ VOL-00207-03 PP-01310). [7]

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No entanto, no que se refere à constitucionalidade do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 (Art. 44.  Os crimes previstos nos arts. 33, caput, e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos), a jurisprudência do Excelso Pretório era no sentido de que o não cabimento da liberdade provisória se fundamentava no art. 5º, XLIII, da CF/88 (“Art. 5º (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”). [8]

Nesse sentido, é oportuna a leitura das decisões proferidas pelo STF nos seguintes julgados:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. NÃO-CABIMENTO [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ART. 5º, INC. XLIII]. EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO CRIMINAL EM FASE CONCLUSIVA. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO PODER JUDICIÁRIO. PRISÃO RESULTANTE DE SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO DIVERSO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está alinhada no sentido do não-cabimento da liberdade provisória no caso de prisão em flagrante por tráfico de entorpecentes --- interpretação respaldada no art. 5º, inc. XLIII da Constituição do Brasil. 2. Excesso de prazo. Inexistência: o encerramento da instrução criminal depende, no caso, apenas das alegações finais de co-réu, não havendo desídia por parte do Poder Judiciário. 3. Paciente que, ademais, encontra-se preso em conseqüência de sentença condenatória proferida em uma das diversas ações penais a que responde. Ordem indeferida. (HC 95.539, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 25/11/2008, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-03 PP-00515) [9]

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. RELAXAMENTO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESPECIALIDADE DA LEI 11.343/2006. PRESSUPOSTOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE Processo PENAL. DEMONSTRAÇAO. ORDEM DENEGADA. I - A vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas advém da própria Constituição, a qual prevê a inafiançabilidade (art. 5º, XLIII). II - A Lei 11.343/2006 é especial em relação à Lei dos Crimes Hediondos, não existindo antinomia no sistema jurídico. III - Presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial o da garantia da ordem pública, existindo sólidas evidências da periculosidade da paciente, supostamente envolvida em gravíssimo delito de tráfico de drogas, ao qual se irroga, ainda, a reiteração das condutas criminosas. IV - Ordem denegada. (HC 99.890, Relator (a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-232 DIVULG 10-12-2009 PUBLIC 11-12-2009 EMENT VOL-02386-03 PP-00484) [10]

Ocorre que tal posicionamento do STF foi acertadamente revisto e a Suprema Corte brasileira passou a afastar a prisão ex lege no caso de tráfico de drogas, ao estabelecer que a vedação legal da liberdade provisória prevista na Lei de Drogas (art. 44 da Lei nº 11.343/2006) era incompatível com a presunção de inocência e a garantia do devido processo legal e da ampla defesa.

Nesse sentido, é importante a leitura dos seguintes julgamentos do STF:

EMENTA: 'HABEAS CORPUS'. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DE DROGAS (ART. 44). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO 'DUE PROCESS OF LAW', DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (...) CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO 'STATUS LIBERTATIS' DAQUELE QUE A SOFRE. (...) Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do 'due process', dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:   '(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão `ex lege', em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.' (grifei)   Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, 'a priori', em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.   Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, 'Crime Organizado', p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, 'Comentários à Lei contra o Crime Organizado', p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 'As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração', p. 142/150, item n. 2, 'c', 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, 'Crimes Hediondos', p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.).   Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.   Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.   Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, 'Curso de Direito Administrativo', p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, 'Curso de Direito Administrativo', p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do 'due process of law' (RAQUEL DENIZE STUMM, 'Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro', p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, 'Direitos Humanos Fundamentais', p.  111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, 'Curso de Direito Constitucional', p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros). (...) Daí a advertência de que a interdição legal 'in abstracto', vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal. Igual objeção pode ser oposta ao E. Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento, fundado em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) ' no sentido de que '(...) a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é (...) fundamento idôneo para a não concessão da liberdade provisória nos casos de crimes hediondos ou a ele equiparados, dispensando, dessa forma, o exame dos pressupostos de que trata o art. 312 do CPP' (fls. 257 - grifei) -, constitui, por ser destituído de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual. O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do 'status libertatis' daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE ' HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.): 'A gravidade do crime imputado, um dos malsinados `crimes hediondos' (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, `ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5º, LVII).' (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)   'A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU. - A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público (...) Publique-se.   Brasília, 19 de dezembro de 2008.   Ministro CELSO DE MELLO Relator (HC 96.715 MC, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 19/12/2008, publicado em DJe-022 DIVULG 02/02/2009 PUBLIC 03/02/2009 RTJ VOL-00208-03 PP-0130 RCJ v. 23, n. 145, 2009, p. 149) [11]

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI N. 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691/STF. 1. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal 2. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 3. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 4. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. 6. Situação de flagrante constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula n. 691/STF. Ordem concedida (...) HC 100.745, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe-067 DIVULG 15-04-2010 PUBLIC 16-04-2010 EMENT VOL-02397-04 PP-01121) [12]

Também é importante mencionar a lição de GOMES & RUDGE (2009), que sustentam a tese que a prisão ex lege não encontra respaldo nos princípios estabelecidos pelo art. 5º, LVII, LXI e LXV, da CF/88. Cita-se trecho de obra que reflete o pensamento dos ilustres autores:

 “A questão que se coloca é a seguinte: poderia uma lei infraconstitucional proibir a liberdade provisória genericamente, tendo em vista o atual ordenamento constitucional? Absolutamente não! É que, entre os direitos e garantias fundamentais do artigo 5°, o constituinte colocou a liberdade do indivíduo como regra, e a prisão, como exceção, consagrando o princípio da não culpabilidade (presunção de inocência) e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisões. (...) A prisão provisória é medida excepcional, ou seja, só deve ser decretada quando necessária para preservar a eficácia do processo penal principal e nas hipóteses previstas em lei”.[13]

Outro ponto importante está relacionada à vedação da liberdade provisória que se encontrava prevista na Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Sobre o presente tema, RAMOS (2009) ensina que:

O cerne da questão diz respeito ao cabimento da liberdade provisória nos crimes hediondos. O artigo 2°, inciso II da Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos), em sua redação original, vedava expressamente a concessão de fiança e liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados.

Porém, a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XLIII veda apenas a concessão de fiança (e não de liberdade provisória) nos crimes hediondos e equiparados: "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;"

Assim, o que fez o constituinte foi restringir a concessão de fiança a certos crimes, mas de forma alguma objetivou proibir a liberdade provisória, pois esta pode ser concedida com ou sem fiança, nos termos da lei processual penal, conforme artigo 5°, inciso LXVI da CF: "LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;"

Nesta linha, o legislador revogou o inciso II do artigo 2°, da Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos) na parte em que vedada a liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados.

"Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II – fiança e liberdade provisória

II - fiança. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)"

Ora, no atual ordenamento constitucional a liberdade é a regra, e qualquer espécie de prisão cautelar deve ser devidamente fundamentada nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

O STF já se manifestou inúmeras vezes nesse sentido.

No HC 95.464-SP, o Ministro Celso de Mello enfatizou: "A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL" e "A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE." (STF HC N. 95.464-SP. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO) Portanto, qualquer prisão cautelar deve ser devidamente fundamentada com base em elementos reais, que serão analisados em cada caso concreto, de modo que a gravidade em abstrato do crime (seja hediondo ou não) não serve de fundamento para a restrição do status libertatis de alguém, sob pena de constrangimento ilegal.

Porém, a questão não é pacífica nem mesmo dentro do próprio STJ. A Sexta Turma, conforme verificamos no julgamento deste HC (HC 121.920-MG) e em precedentes, entende que não há óbice à concessão de liberdade provisória sem fiança nos crimes hediondos e equiparados, pois a Constituição e a Lei 11.464/07 proíbem apenas a liberdade provisória com fiança. HC 124123 / TO PROCESSUAL PENAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO - DEFEITOS DO FLAGRANTE QUE FICARAM SUPERADOS COM A PRONÚNCIA. NEGATIVA DE LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA QUE NÃO SE ESTENDE ÀS DEMAIS FORMAS DE LIBERDADE PROVISÓRIA - LEI 11.464/07 QUE SÓ PROÍBE A FIANÇA, REVOGANDO IMPLICITAMENTE A PROIBIÇÃO CONTIDA NA LEI 11.343/06, DADA SUA APLICAÇÃO GERAL EM RELAÇÃO AOS CRIMES HEDIONDOS PREVISTOS EM QUALQUER ESTATUTO. ORDEM CONCEDIDA, SALVO PRISÃO POR MOTIVO DIVERSO, DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. 1- Defeitos do flagrante ficam superados com a pronúncia, pois esta passa a constituir o novo título para a segregação provisória. 2- O princípio constitucional de inocência impede a prisão cautelar quando não se encontrarem presentes os seus requisitos, fundados em fatores concretos. 3- A proibição da liberdade provisória com fiança não compreende a da liberdade provisória sem a fiança. 4- A Lei 11.464/07 não impede a concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos, sendo de alcance geral em relação a todos os crimes dessa natureza. 5- Ordem concedida para conceder a liberdade provisória, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos atos processuais, salvo prisão por motivo diverso, devidamente fundamentada. (HC 124123 / TO Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 06/02/2009)

No entanto, a Quinta Turma possui entendimento diverso, não admitindo a liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados, pois a vedação à liberdade provisória sem fiança estaria implícita na vedação da liberdade provisória com fiança. HC 88957. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO, TENTATIVA DE HOMICÍDIO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. EXCESSO DE PRAZO. PLURALIDADE DE RÉUS E CARTAS PRECATÓRIAS. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. VERBETE SUMULAR 21/STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que os crimes definidos como hediondos constituem crimes inafiançáveis. 2. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança. (...) (HC 88957 / RS Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 04/12/2008)

Note que o problema está na interpretação da norma, devendo prevalecer a interpretação que atenda à máxima efetividade dos direitos fundamentais. Ou seja, devemos considerar a interpretação que privilegia o direito à liberdade do indivíduo, direito este que só pode ser excepcionado pela própria Constituição, que diz: "Art. 5°, LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" [14]

Por todo o exposto, sem a menor pretensão de esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos sobre o assunto, observa-se que o Supremo Tribunal Federal tem afastado sistematicamente as hipóteses de prisão ex lege, por entender que a prisão é uma medida excepcional e que a prisão ex lege representa uma ofensa aos postulados constitucionais da presunção de inocência, do “due process of law”, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. [15]

Sobre os autores
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Débora Dadiani Dantas Cangussu

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Breve retrospectiva jurisprudencial sobre a inconstitucionalidade da denominada “prisão ex lege”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3191, 27 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21380. Acesso em: 24 dez. 2024.

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