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Kakai, advogado de Demóstenes: "caso é fácil". Será?

A posição do Supremo Tribunal Federal sobre a competência para quebra de sigilo das comunicações telefônicas e o encontro fortuito de provas.

Agenda 03/04/2012 às 15:47

Antes da captação da conversa com Demóstenes, o sigilo das conversas telefônicas de Cachoeira já tinha sido “quebrado” por autoridade judicial, por conta de indícios de envolvimento do “bicheiro” com a prática de crimes de corrupção ativa e passiva.

O advogado do Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Antonio Carlos de Oliveira Castro, Kakai, afirmou que o caso de seu cliente é fácil. Segundo ele, a interceptação telefônica que captou conversa do Senador com o “bicheiro” Carlos Augusto Ramos, Carlinhos Cachoeira, é nula. Segundo noticiado, antes da captação da conversa com Demóstenes, o sigilo das conversas telefônicas de Cachoeira já tinha sido “quebrado” por autoridade judicial, por conta de indícios de envolvimento do “bicheiro” com a prática de crimes de corrupção ativa e passiva.  A conversa com o Senador foi captada fortuitamente durante essas gravações, quando sequer se suspeitava de seu envolvimento com o “bicheiro”. Segundo o advogado, após a suspeita de prática de crime pelo Senador, nova autorização judicial seria necessária. Dessa vez, pelo Supremo Tribunal Federal, considerado que o Senador tem prerrogativa de foro.

O problema alude aos “conhecimentos fortuitos” em matéria probatória e o momento para determinar a autoridade competente para decretar a quebra de sigilo das comunicações telefônicas. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito[i]. O caso envolvia a quebra de sigilo telefônico por juiz federal de supostos crimes contra a ordem tributária – sonegação de impostos de competência da União – e crimes de quadrilha e roubo. Após a interceptação, colhidas as provas, constatou-se a inexistência de indícios de prática de crime federal. Por conta disso, o Juiz Federal declinou da competência para a Justiça Estadual. Discutia-se, na ocasião, a possibilidade de utilizar as provas colhidas com a autorização da Justiça Federal para embasar denúncia na Justiça Estadual.

Essa prova foi considerada lícita pelo Supremo Tribunal Federal. Para o Tribunal, a competência, para decretar quebra de sigilo telefônico, é fixada no momento da quebra. Nesse momento, a competência da justiça federal se justificava pela existência de crimes que atentavam contra interesses da União. A prova colhida posteriormente, ao comprovar a inexistência de indícios de crimes federais, apenas impedia a instauração de processo na Justiça Federal, mas não implicaria sua ilegitimidade. Isso só ocorreria se a autoridade judiciária já era, ao tempo de determinar a quebra, incompetente para a prática do ato. Quando não há denúncia, e a quebra tem que ser determinada durante as investigações, fixa-se a competência segundo os crimes atribuídos pela autoridade que investiga. Segundo afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, justificando esse ponto de vista:

“Nesse quadro, parece manifesto que seria um contra-senso sujeitar a licitude da prova casualmente captada a que o delito descoberto se compreendesse na competência do juiz que, com vistas a averiguação da suspeita de um outro – compreendido na esfera de jurisdição – houvesse autorizado legitimamente a interceptação”[ii]

 Outro fator que determina a licitude da prova fortuitamente colhida em interceptação telefônica: o crime tem que ser de catálogo. Não há norma no Direito Brasileiro, como a do Italiano, que estabeleça rol exaustivo dos crimes que podem ser provados por interceptação. No entanto, não é todo crime que pode ser provado por meio de interceptação. Deve ser punido ao menos com reclusão para que se autorize a medida extrema.  No entanto, o STF admite que a prova fortuita seja relacionada a crime punível com pena de detenção[iii], desde que a interceptação telefônica inicial esteja relacionada a crime punido com reclusão. De todo modo, a prova fortuita de crime deve estar na mesma linha do delito investigado. Como afirma Luís Flávio Gomes, adotando critério perfilado pela Corte Alemã para licitude da prova fortuita: “[...] a descoberta vale como prova se o fato encontrado casualmente está na mesma situação histórica de vida do delito investigado  (historichen Lebenssachverhalt[iv]). A discussão existe apenas em relação aos crimes encontrados em provas fortuitas que não guardem qualquer relação de conexão com o investigado. Seria o caso de autorizar interceptação por suspeita de prática de crime de contrabando e encontrar confissão de prática de homicídio. Nesse caso, a segunda prova não poderia servir para fundamentar denúncia, configurando apenas notícia-crime.

  No “caso Demóstenes”, não há peculiaridade (distinguishing) que implique decisão diferente da adotada no precedente citado e reafirmada em diversos julgados da Corte[v]. Nos dois casos, a quebra foi determinada por autoridade judicial que, à época dos fatos, tinha competência para determinar a quebra de sigilo. A discussão sobre se a competência por prerrogativa de foro é constitucional não serve para distinguir os casos. Até porque a competência da justiça estadual também é constitucionalmente delimitada. O fato de não ter sido tratada no texto constitucional não implica desconsiderar a norma constitucional que a delimita pela exclusão das competências fixadas para a Justiça Especial.

Além disso, a conexão entre os crimes supostamente praticados por Cachoeira, para os quais se autorizou a interceptação, e os que envolvem Demóstenes é evidente. Pelo menos em relação ao favorecimento do Senador em relação aos crimes contra jogo ilegal. A operação Monte Carlo teve início com a suspeita de corrupção de agentes públicos para favorecer a prática de jogo do bicho. Em sua origem, a investigação contra Cachoeira era feita pela Polícia Civil do Goiás, e as escutas eram autorizadas por Juiz Estadual. A competência só foi atribuída à Justiça Federal, e aí a operação Monte Carlo foi deflagrada pela Polícia Federal, a partir de indícios de envolvimento de funcionários públicos federais[vi]. Só nesse momento havia justificativa para tanto, já que a prática de contravenção de jogos de azar não atrai a competência da Justiça Federal. A descoberta de que Demóstenes Torres era um dos corrompidos por Cachoeira apenas aumentou o leque de criminosos. O delito atribuído ao Senador é o mesmo das interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça Federal. A conexidade intersubjetiva é evidente em relação aos crimes de corrupção passiva cometidos pelos demais agentes públicos corrompidos por Cachoeira. Além do que, há conexidade instrumental indiscutível entre praticar jogos de azar e corromper autoridades públicas para evitar a punição, já que se comete o segundo crime para que haja impunidade do primeiro.

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  Kakai, quando considera o caso fácil, está utilizando sutilmente a arte de vencer o debate sem ter razão. Segundo Schopenhauer, uma das técnicas para vencer sem ter razão, é apresentar uma ideia que pareça profunda e erudita, que soe como inquestionável[vii]. O advogado utiliza sua própria fama para engrandecer o discurso de que a prova contra Demóstenes é cabalmente ilícita. Parece que a estratégia é angariar a opinião pública, impedindo a renúncia e morte política fulminante de seu cliente. Mas a técnica de forjar a verdade vai além. Convence não só os leigos, mas também os tecnocratas da lei[viii]. É de se esperar que não convença quem já firmou posição clara a respeito do assunto: o Supremo Tribunal Federal.


Notas

[i] HC 81.260-ES. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 19.04.2002.

[ii] HC 81.260-ES. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 19.04.2002.

[iii] AI 626214 AgR-MG. Rel Min. Joaquim Barbosa. DJ 07.10.2010 

[iv] GOMES, Luiz Flávio; Donati, Patricia. Interceptação telefônica e serendipidade: "encontro fortuito de fatos ou agentes novos". Disponível em http://www.lfg.com.br. Acesso: 02 de abril de 2012.

[v] Cf, entre outros, reafirmando a jurisprudência da Cortte, HC 102293 –RS. Rel. Min. Ayres Britto. DJ 16-12-2011.

[vi] Cf. matéria na íntegra. Disponível em: <http://www.blogcidadania.com.br/2012/03/leia-a-espantosa-decisao-judicial-sobre-a-operacao-monte-carlo-2/> . Acesso: 02 de abril de 2012.

[vii] SCHOPENHAUER, Arthur.  Como vencer um debate sem precisar ter razão.  São Paulo: Topbooks, 2003, p. 240-241.

[viii] Cf. o rol dos “especialistas”: < http://www.conjur.com.br/2012-mar-31/citado-grampo-investigado-nao-prova-dizem-especialistas>. Acesso em 02 de abril de 2012.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, João Paulo Rodrigues. Kakai, advogado de Demóstenes: "caso é fácil". Será?: A posição do Supremo Tribunal Federal sobre a competência para quebra de sigilo das comunicações telefônicas e o encontro fortuito de provas. . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3198, 3 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21423. Acesso em: 22 nov. 2024.

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