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A responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal de créditos tributários e não-tributários

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Agenda 16/04/2012 às 09:10

Deve o julgador imputar a responsabilidade pelos créditos não-tributários aos sócios-gerentes que atuam infringindo lei, contratos ou estatutos, como o faz em relação aos créditos tributários.

Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a aplicação das normas de responsabilidade tributária do sócio-gerente à execução fiscal de créditos não-tributários. Para tanto, será abordado o tema da responsabilidade patrimonial, de forma a distinguir obrigação de responsabilidade, e, consequentemente, contribuinte de responsável. Na mesma esfera, falar-se-á da responsabilidade primária e secundária, apresentando a discussão do responsável secundário ser parte ou terceiro no processo de execução, e equivalendo a figura do responsável secundário ao responsável tributário. Posteriormente, adentrar-se-á ao tema do princípio da autonomia patrimonial, apontando para casos excepcionais de responsabilidade ilimitada do sócio, sejam eles presentes na legislação material e processual civil, tributária ou em leis extravagantes. Havendo coadunação entre o referido princípio com a desconsideração da personalidade jurídica, esta também será estudada, notadamente quanto à diferença para a responsabilização dos sócios. Neste ponto, parte-se para a responsabilidade tributária do sócio-gerente, apontando os dispositivos legais incidentes do Código Tributário Nacional e da Lei de Execução Fiscal, colacionando-se, outrossim, decisões jurisprudenciais acerca do tema. Por fim, analisar-se-á, em breves linhas, a Lei n° 6.830/80, mormente no tocante à equiparação dos créditos não-tributários aos tributários.

Palavras-chave: Responsabilidade patrimonial. Responsabilidade secundária. Responsabilidade tributária. Desconsideração da personalidade jurídica. Sócio-gerente. Créditos não-tributários.

Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade Patrimonial. 2.1. Obrigação x Responsabilidade. 2.1.1. Teoria Dualista 2.1.2. Teoria unitarista 2.2. Responsabilidade primária e responsabilidade secundária. 2.3. Obrigação e responsabilidade no direito tributário. 2.4. Responsável secundário: parte ou terceiro?. 3. Responsabilidade do sócio. 3.1. Sociedades não personificadas. 3.2. Sociedades personificadas. 3.3. Desconsideração da personalidade jurídica. 3.3.1. Diferença entre desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade. 3.4. Responsabilidade ilimitada. 3.4.1. No CDC. 3.4.2. Na ordem econômica 3.4.3. No meio ambiente. 3.4.4. Na fiscalização das atividades de abastecimento nacional de combustíveis. 3.4.5. Quanto aos créditos trabalhistas. 3.4.6. Quanto aos créditos tributários. 4. Responsabilidade tributária. 4.1. Responsabilidade de terceiros. 4.1.1. Responsabilidade de terceiros decorrente de atuação regular. 4.1.2. Responsabilidade de terceiros decorrente de atuação irregular. 4.1.2.1 Responsabilidade tributária do sócio-gerente. 5. Execução Fiscal. 5.1. A responsabilidade na Lei de Execução Fiscal. 5.1.1. A previsão do art. 4°, V da LEF. 5.1.2. A equiparação dos créditos tributários aos não-tributários 5.2. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 5.3. O projeto de lei n° 5.080/09. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

Os tributos são, sem dúvida, a maior fonte de arrecadação do Estado, que, através destes, busca concretizar os serviços públicos competentes a ele. Ao lado destes, porém, existem os créditos não-tributários, exemplificados, principalmente, pelas multas administrativas.

O dever do Estado de exigir os referidos créditos está intrinsecamente ligado ao dever das pessoas de pagá-los, mormente as pessoas jurídicas, as grandes responsáveis pelo movimento da economia.

Há, contudo, uma enorme distância entre a exigência e a efetiva arrecadação, o que culmina na inadimplência.

Uma das prováveis causas para esta inadimplência é a separação do patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, que se utilizam das normas protetivas para cometerem atos com excesso de poder ou infringentes de leis, contratos ou estatutos.

Não é incomum se deparar com situações em que um empreendedor dissolve irregularmente uma empresa, deixando para trás todo um passivo, ou mesmo se furta ao adimplemento das obrigações fiscais, registrando os bens da sociedade em nome próprio, com o objetivo de ver frustrada uma eventual execução contra a empresa.

O cotidiano cometimento dos referidos atos levou o legislador a criar hipóteses de responsabilização direta dos sócios, quer pelo tipo de sociedade constituída, quer pelo cometimento de atos ilícitos.

Diante disso, o trabalho que se inicia tem por escopo analisar os institutos da responsabilidade dos sócios e da desconsideração da personalidade jurídica, notadamente no tocante à execução fiscal de créditos tributários e não-tributários.

Para isso, será analisado, no primeiro capítulo, o instituto da responsabilidade patrimonial, distinguindo obrigação de responsabilidade, bem como responsabilidade primária de secundária, tanto no âmbito do Direito Processual Civil quanto no Direito Tributário.

Posteriormente, será introduzido o estudo da responsabilidade do sócio, tomando por base, em um primeiro momento, a atuação regular dos sócios. Após, analisar-se-á a responsabilidade dos sócios por atuação irregular, ocasião em que se discorrerá sobre a desconsideração da personalidade jurídica, principalmente quanto às diferenças entre este instituto e o da responsabilização. Por fim, finalizando este capítulo, tratar-se-á dos casos de responsabilidade ilimitada inseridos no Ordenamento Jurídico.

Em um terceiro momento, adentrar-se-á ao tema da responsabilidade tributária do sócio-gerente, dando consequente introdução à execução fiscal. Numa breve análise à lei que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, será discorrido o objeto do presente estudo, qual seja a possibilidade do redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente responsável pelo adimplemento dos créditos não-tributários, em decorrência de atuação com excesso de poder ou com infração à lei, contratos ou estatutos. Por fim, falar-se-á sobre o Projeto de Lei nº 5.080/09, em tramitação no Congresso Nacional, que promete realizar modificações na atual Lei de Execuções Fiscais, sobretudo em relação ao tema deste trabalho.


2. Responsabilidade Patrimonial

2.1. Obrigação x Responsabilidade

O direito das obrigações ensina que em uma relação jurídica entre credor e devedor, quando este cumpre a prestação, a obrigação é automaticamente extinta. Caso contrário, surge o inadimplemento, diante do qual, o credor deverá acionar o Poder Judiciário para ver o seu direito garantido. É nessa seara que o patrimônio do devedor, ou de terceiros responsáveis, deverá ser alcançado, a fim de que a dívida seja satisfeita. Trata-se, em outros termos, de responsabilidade patrimonial, explicitada no Código de Processo Civil no artigo 591, nos seguintes termos: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Referido dispositivo é essencial ao processo executivo, pois possibilita a sujeição do patrimônio do devedor, em caso de inadimplemento, à ação executiva.

É necessário, pois, para entender o tema da responsabilidade patrimonial, fazer uma distinção entre os termos obrigação e responsabilidade, exatamente pelo fato de poderem ocorrer o cumprimento da prestação ou o seu inadimplemento.

2.1.1. Teoria Dualista

Alois Brinz, jurista alemão do século XIX, trouxe à ciência jurídica a distinção entre débito (schuld) e responsabilidade (haftung), no âmbito do direito das obrigações, conhecida como teoria dualista. Schuld é o dever, atribuído ao sujeito passivo da obrigação, de realizar algo em favor do credor, seja dar, fazer ou não fazer. Haftung é a responsabilidade integrada na obrigação, que permite ao credor buscar um meio de sancionar o devedor pela sua inadimplência, com a finalidade de ver cumprida a obrigação.

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Em razão desta conceituação, Cândido Rangel Dinamarco[1] expõe que “enquanto a obrigação é estática e por si própria não autoriza movimentos em favor da efetivação, a responsabilidade é eminentemente dinâmica e está presente na ordem jurídica como elemento para operacionalização da tutela jurisdicional”.

Por este motivo, muitos autores, dentre eles, Carnelutti, Liebman e Buzaid[2], atribuem à obrigação um caráter material, e à responsabilidade uma natureza processual, uma vez que a primeira seria uma relação apenas entre credor e devedor, enquanto a segunda surgiria com o inadimplemento, caso em que o credor teria que se valer de uma ação executiva para satisfazer a dívida, entrando, pois, uma terceira pessoa na relação, que seria a figura do juiz.

Não é o outro o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[3], para quem “cumpre ao direito processual civil disciplinar a exigibilidade judicial das obrigações. Daí a razão pela qual as normas sobre responsabilidade patrimonial são normas de direito processual civil”.

Corroborando com a teoria dualista, existem, ainda, situações em que o devedor poderá não responder pela dívida com o seu patrimônio, ou ainda aquelas em que a responsabilidade pela dívida poderá ser daquele que não a contraiu. No primeiro caso, há obrigação sem responsabilidade, exemplificado com a dívida de jogo ou prescrita. No segundo caso, há responsabilidade sem obrigação, para o qual pode ser lembrada a hipótese do fiador, que será responsável pelo débito, mesmo não possuindo obrigações.

Álvaro Villaça Azevedo[4] defende a distinção de Brinz, dizendo que “quando a obrigação não se cumpre pela forma espontânea é que surge a responsabilidade”.

No mesmo sentido está Carlos Roberto Gonçalves[5], segundo o qual “a responsabilidade é assim, consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional”.

O Novo Código Civil adotou a teoria dualista, em razão de previsões de obrigação sem responsabilidade e de responsabilidade sem obrigação, como ocorre nas seguintes disposições:

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamen­to; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracteriza­do pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos ad­ministradores ou sócios da pessoa jurídica. (grifou-se)

Cumpre salientar que embora responsabilidade patrimonial não se confunda com desconsideração da personalidade jurídica, conforme se verá adiante, este último dispositivo compreende caso de responsabilidade sem obrigação, já que o sócio responderá pela dívida, sem ter a obrigação originária, pertencente à sociedade.

Não bastassem os dispositivos supra expostos, há ainda as previsões dos arts. 389 e 391 do CC[6], que acabam confirmando a distinção entre obrigação e responsabilidade, já que o legislador utiliza o termo “responde” para o que é, na verdade, obrigação e não responsabilidade.

Maria Helena Diniz assim também entende, ao dizer que “O art. 391 versa sobre o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, à semelhança do que já fizera, porém mais timidamente o art. 1.518 do Código Civil de 1916”[7].

2.1.2. Teoria unitarista

Lado outro, há a teoria unitarista, segundo a qual não há distinção entre obrigação e responsabilidade, sendo esta uma sanção ao descumprimento daquela, de modo que ambas comporiam uma mesma relação obrigacional. Dessa forma, não haveria que se falar em caráter material da obrigação, nem em caráter processual da responsabilidade, posto que fenômenos intrínsecos ao vínculo obrigacional, que, em contraposição à visão de Dinamarco[8], seria dinâmico.

O grande defensor dessa corrente é Antunes Varela[9], que rebate a existência de obrigação sem responsabilidade, dizendo que as obrigações naturais, que são exemplificadas pelas dívidas de jogo, não são verdadeiras obrigações jurídicas, em razão de não serem débitos passíveis de execução.

Contudo, o próprio conceito de obrigações naturais, nos permite concluir que são assim denominadas exatamente pelo fato do credor não ter qualquer garantia jurídica do adimplemento, ou seja, não há possibilidade de forçar o devedor a cumprir a obrigação. Caso contrário, estaríamos diante de uma obrigação civil.

Varela[10] ainda contesta a possibilidade de existir responsabilidade sem obrigação, aduzindo que “o fiador não é apenas responsável, é também devedor, embora acessessoriamente.”

Em que pese a acessoriedade da obrigação, observe que o próprio autor não descarta a responsabilidade do fiador, muito menos argúi ter o mesmo obrigação originária. E como bem assevera Silvio de Salvo Venosa[11].

Pelo contrato de fiança estabelece-se obrigação acessória de garantia ao cumprimento de outra obrigação. (...) Na fiança, existe responsabilidade, mas não existe o débito. (...) O fiador garante o débito de outrem, colocando seu patrimônio para lastrear a obrigação.

Não obstante as inúmeras discussões a respeito da real distinção, fato é que ambos os institutos são associados, já que a regra é a de quem deve, com seu patrimônio responde pela dívida.

Percebe-se, portanto, que a dualidade obrigação e responsabilidade está insculpida em nosso ordenamento, sendo institutos que não se confundem, mas que se complementam.

2.2. Responsabilidade primária e responsabilidade secundária

A doutrina ainda aponta para existência da responsabilidade primária, também chamada de originária ou de primeiro grau, e da responsabilidade secundária, da qual são sinônimos responsabilidade derivada ou de segundo grau.

Araken de Assis[12] diz que “o primeiro patrimônio aos meios executórios é o do devedor, a um só tempo obrigado e responsável. Esta situação se designa de responsabilidade primária”.

E continua

Mas, além do devedor, outros sujeitos e outros patrimônios eventualmente se sujeitam à demanda executória. Isto se explica pelo corte entre responsabilidade e obrigação. Embora sob o ângulo subjetivo em geral coincidam, não se afigura rara a hipótese de atribuição de uma e de outra a pessoas diversas.

Esta seria a responsabilidade secundária, em decorrência justamente da distinção entre schuld e haftung.

Aqui nos atentaremos para a chamada responsabilidade secundária, advertindo, desde já, que, a princípio, a responsabilidade derivada não exclui a responsabilidade originária, de tal modo que poderão ser demandados tanto o devedor principal quanto eventuais terceiros responsáveis.

2.3. Obrigação e responsabilidade no direito tributário

O direito tributário segue a mesma linha do direito civil, haja vista que a relação jurídico-tributária é notavelmente obrigacional, já que também há devedor e credor envolvidos numa relação jurídica, cujo objeto é a prestação econômica.

Ademais, assim como no direito civil, o direito tributário divide as obrigações em dar, fazer e não fazer. A primeira é classificada como obrigação principal e subsiste no fato de pagar tributo ou multa. As demais são consideradas como obrigação acessória. Esta classificação é importante, pois o Código Tributário Nacional sempre faz referência ao tipo de obrigação, e este trabalho tratará da obrigação principal, a qual será chamada apenas de obrigação.

Diferencia-se, contudo, o direito tributário do direito civil, em razão da presença, no pólo ativo, de um ente político ou pessoa jurídica de direito público a quem tenha sido delegada a capacidade ativa. O pólo passivo, por sua vez, é composto por um particular.

Este particular, entretanto, pode ser tanto contribuinte quanto responsável. Será contribuinte se possuir relação pessoal e direta com o fato gerador[13], e será responsável se não possuir, mas estiver obrigado ao pagamento por força de lei.

O CTN trata do sujeito passivo no art. 121, o qual reza:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Ressalte-se que para ser responsável é necessária a existência de vínculo com o contribuinte ou com o fato gerador, de tal modo que não é possível eleger qualquer pessoa como responsável tributário. Além disso, referido vínculo com o fato gerador não pode configurar uma relação pessoal, pois, se assim fosse, o sujeito passivo seria contribuinte.

Percebe-se, pois, que o denominado contribuinte nada mais seria do que o devedor, que, como bem apontou Araken de Assis[14], é, ao mesmo tempo, obrigado e responsável. O contribuinte tem, portanto, responsabilidade primária pelo débito. Ora, se o contribuinte é o responsável primário, pela própria exegese do artigo supracitado, extrai-se que o responsável tributário[15], em regra, é o responsável secundário, mesmo porque sua responsabilidade não surgiu com a obrigação.

Não é outro o entendimento de Bernardo Ribeiro de Moraes[16], ao dizer que a responsabilidade primária ocorre “quando a posição do sujeito passivo é ocupada pela mesma pessoa antes e depois do inadimplemento da respectiva obrigação”, enquanto a responsabilidade secundária incide quando “a lei tributária atribui o debitum a uma pessoa e a responsabilidade a outra”.

Ademais, em julgamento presidido no corrente ano, o Ministro Luiz Fux[17] fez referência à responsabilidade secundária tratar-se de responsabilidade tributária:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARGÜIÇÃO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. POSSIBILIDADE. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELA 1ª SEÇÃO. RELAÇÃO PROCESSUAL FORMADA APÓS A VIGÊNCIA DA LC 118/05. TERMO AD QUEM. DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO.

(...)

3. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

(...)

2.4. Responsável secundário: parte ou terceiro?

Pelo até então exposto, verifica-se que tanto o contribuinte quanto o responsável terão legitimidade para figurar no pólo passivo da ação de execução.

Neste ponto, a doutrina é dissonante, pois há quem entenda que legitimidade passiva não se confunde com responsabilidade patrimonial. Os adeptos desta corrente[18], na esteira do pensamento de Liebman, acreditam que responsáveis secundários são apenas terceiros e não legitimados, posto que não figurados originariamente no título da ação executiva, que na execução fiscal, seria a Certidão de Dívida Ativa. Entretanto, como bem ressalva Luiz Fux, o responsável secundário já respondeu com seu patrimônio, motivo pelo qual passa a ter legitimidade passiva na execução. Aliás, neste tema, muito bem expõe Araken de Assis[19]:

A falseta repousa na consequência de declarar esses responsáveis “terceiros” relativamente ao processo executivo. O conceito de parte não autoriza semelhante conclusão (...), e, de toda sorte, a própria noção de responsabilidade não induz tal duplicidade incompreensível de papéis. Na verdade, o obrigado e o responsável são partes passivas na demanda executória porque executados, sem embargo do fato de que à luz da relação obrigacional, o primeiro assumiu a dívida (e, por isso, também é “responsável”) e o outro não.

Fredie Didier Jr.[20] também defende esta corrente, dizendo que:

Parte é todo aquele que integra o processo com parcialidade, com interesse no seu resultado. E responsáveis primários ou secundários são partes passivas, são executados, apesar de o primeiro ser obrigado e o segundo, não.

Analisando as duas correntes, José Maria Rosa Tesheiner[21] aponta que:

No sistema do Código, são sujeitos passivos da execução as pessoas indicadas no artigo 568. Os indicados no artigo 592 são terceiros, cujos bens se sujeitam ao que Liebman chamou de responsabilidade executória secundária. Assim, os indicados no artigo 568 defendem-se por embargos do devedor: estes, por embargos de terceiro. Na verdade, no artigo 568, a Lei sequer usou a expressão “partes” e, no artigo 592, referiu-se a bens que ficam sujeitos à execução, e não a pessoas que pudessem ser havidas como partes ulteriormente inseridas no processo. Mas a doutrina mais recente, capitaneada por Araken de Assis, sem respeitar o sistema do Código, interpreta-o a partir do conceito de parte, tornado preconceito. Com essa leitura, o artigo 592 resulta desengonçado, com hipóteses heterogêneas, algumas a reclamar embargos do devedor; outras, embargos de terceiro.

A importância prática desta discussão reside no fato de que se o responsável secundário for considerado terceiro, o responsável tributário, na qualidade de responsável secundário como anteriormente visto, também o será. Ocorre que o art. 568, V do CPC denomina o responsável tributário como sujeito passivo[22].

Ademais, como bem assinalou Tesheiner, se o responsável secundário for terceiro, deverá se manifestar no processo executivo por meio de embargos de terceiro, enquanto se for considerado parte, poderá se valer dos embargos de devedor.

O ministro do STJ Teori Albino Zavascki[23], no julgamento do REsp 865532/PB, se posicionou da seguinte forma quanto ao tema:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL REDIRECIONADA AO SÓCIO-GERENTE DE EMPRESA DISSOLVIDA. EMBARGOS DE TERCEIRO. INTERPOSIÇÃO PELO SÓCIO-GERENTE. INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. CABIMENTO DE EMBARGOS DO DEVEDOR (ART. 1.046 CPC). PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE, PELO DECURSO DE PRAZO SUPERIOR AO PREVISTO NO ART. [16]DA LEF.

1. Os embargos a serem manejados pelo sócio-gerente contra quem se redirecionou ação executiva, regularmente citado e, portanto, integrante do pólo passivo da demanda, são os de devedor.

2. Admite-se, presentes certas circunstâncias - especialmente a da tempestividade (não atendida no presente caso) - o recebimento de embargos de terceiro como embargos do devedor. Precedente: EREsp 98484/ES, 1ª Seção, Min. Teori Zavascki, DJ de 17.12.2004

3. Recurso especial a que se dá provimento. (grifou-se)

Diante disso, percebe-se que o entendimento do STJ é no sentido de que os embargos de terceiros opostos pelo responsável tributário até são admitidos como forma de impugnar a execução, em razão do princípio da fungibilidade, mas o correto seria insurgir-se contra a execução mediante embargos de devedor, haja vista ser o responsável tributário parte e não terceiro.

Sem nos atermos a esta segunda importância prática, posto que não objeto do presente estudo, devemos remontar ao conceito de partes e de terceiro, para arrematar a discussão sobre o tema. Parte é quem pede e contra quem se pede a tutela jurisdicional; é quem participa do contraditório, o qual é adquirido pelo autor com a proposição da ação e pelo réu com a citação. Terceiro não é parte; é um sujeito estranho à relação jurídica processual já formada e, no processo de execução, cabe apenas intervenção de terceiros na modalidade de assistência simples. Como se sabe, contudo, nessa modalidade de intervenção, o terceiro participa do processo voluntariamente, de tal sorte que não há razão para atribuir o título de responsável a ele, já que a execução é forçada, pelo que não há que se falar em voluntariedade.

Diante disso, a mera responsabilidade, independente de assumi-la originariamente no plano obrigacional, ou tê-la adquirido posteriormente, por força de lei, é suficiente para que o responsável seja parte na ação executiva, ainda que de forma extraordinária.

Os responsáveis secundários, portanto, têm, em regra, legitimação passiva extraordinária. Isto porque não são os devedores propriamente ditos, mas respondem pelo inadimplemento com nome e patrimônio próprios.

Cumpre informar, todavia, que embora o responsável tributário se encaixe como responsável secundário, nem sempre a sua legitimidade será extraordinária. Explica-se. A regra é que a legitimidade dos responsáveis tributários seja extraordinária, porque eles respondem por débito alheio. Havendo, contudo, solidariedade, como no caso do art. 134, I do CTN[24], haverá legitimidade ordinária, posto que a responsabilidade apenas será transferida a outra pessoa que não o devedor, em virtude de um evento descrito na lei, de tal modo que o responsável “transforma-se” em devedor. Em se tratando, porém, da responsabilidade descrita no art. 135, III do CTN[25], que será o aqui estudado, haverá legitimidade extraordinária, uma vez que o sócio-gerente responderá pelo débito da sociedade, mas com nome e patrimônio próprios.

Para finalizar, apresenta-se um excerto do agravo de petição em embargos de terceiro do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, cujo relator foi Salvador Franco de Lima Laurino[26]:

Não é correto dizer que o responsável secundário - i.é., aquelas pessoas que sofrem a execução apesar de não serem devedoras - não tem legitimidade para integrar a execução como parte, na medida em que essa hipótese não figura no elenco de sujeitos passivos do artigo [568] do Código de Processo Civil. O argumento é falho porque os embargos de terceiro se destinam apenas à discussão sobre a responsabilidade, com o objetivo de permitir ao terceiro afastar a sujeição de seus bens à execução. Sempre que é admitida a responsabilidade para a satisfação da obrigação, o titular do bem atingido pela execução fica privado da possibilidade de opor exceções envolvendo a existência do crédito, o valor da obrigação, a regularidade da penhora, etc., o que claramente contraria o princípio do devido processo legal. Daí que "o mero responsável é legitimado à execução forçada apesar de não ser um devedor e seu nome não estar inscrito no título executivo; (...) como chega a ser óbvio, 'deve ser parte aquele que vai sofrer diretamente os efeitos da atividade jurisdicional' (Botelho de Mesquita). Seriam transgredidas as garantias constitucionais do contraditório e da paridade em armas se ele ficasse à margem da relação processual, sem ter sequer conhecimento dos atos de constrição realizados sobre seus bens e, conseqüentemente, sem ter oportunidade para reagir" (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, IV) (grifou-se).

Diante do exposto, conclui-se que o responsável secundário é legitimado passivo e não terceiro.

Destarte, tendo por base que o responsável tributário é responsável secundário, e que este é legitimado passivo, devendo, pois, ser citado para compor a demanda executória, nada mais correto do que dizer que se o nome do responsável não compõe a Certidão de Dívida Ativa – haja vista que sua responsabilidade foi verificada posteriormente à constituição desta –, ele deverá ser citado, momento em que ocorrerá o redirecionamento da execução fiscal.

Passa-se, então, a tratar do tema da responsabilidade do sócio-gerente.

Sobre a autora
Elaine Xavier Teixeira

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Elaine Xavier. A responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal de créditos tributários e não-tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3211, 16 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21513. Acesso em: 5 nov. 2024.

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