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Considerações acerca do mecanismo da prisão preventiva no Brasil a partir da Lei nº 12.403/2011

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Agenda 09/07/2012 às 08:55

4. A LIBERDADE PROVISÓRIA E A FIANÇA NA NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL:

A antiga sistemática do Codex impunha que, primeiramente fosse verificado se o crime admitia ou não liberdade provisória. Hodienarmente, diante da ADI nº 3.112, em relação ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) e da nova redação da Lei nº 8.072/90 dada pela Lei nº 11.464/07, apenas a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) e na hipótese de intensa e efetiva participação em organização criminosa (Lei nº 9.034/95) a liberdade provisória será inadmissível.

A mesma vedação ocorre na Lei de Drogas (Lei nº 11.340/06), porém, como se trata de crime equiparado a hediondo, certamente seguirá o seu destino, isto é, permitirá a aplicabilidade do instituto da liberdade provisória aos seus infratores.

A reforma legislativa imposta pela Lei 12.403/11 alterou o critério qualitativo (penas de reclusão ou detenção) para determinação dos casos em que a Autoridade Policial poderia arbitrar fiança, bem como para os casos de cabimento de Prisão Preventiva, adotando doravante um critério quantitativo (pena máxima acima de 4 anos para a preventiva e até esse patamar para a fiança pela Autoridade Policial – artigos 313, I e 322, CPP).

Neste diapasão, Eduardo Luiz Santos Cabette e Regina Elaine Santos Cabette comentam:

Ao optar pelo critério quantitativo o legislador impõe ao jurista uma avaliação numérica do caso concreto para estabelecer a afiançabilidade pela Autoridade Policial e o cabimento da preventiva. Essa avaliação numérica pode ser muito simples, apenas observando o tempo máximo de prisão abstratamente cominado em cada tipo penal. Por exemplo: no furto simples, cuja pena máxima é de 4 anos (reclusão de 1 a 4 anos) cabe fiança pela Autoridade Policial e não cabe preventiva. Já no estelionato, sendo a pena máxima de 5 anos (reclusão de 1 a 5 anos), não cabe fiança pela Autoridade Policial e cabe o decreto preventivo. Mas, as questões podem se complicar quando presentes concursos de infrações penais, crime continuado e causas de aumento ou diminuição de pena. No caso das agravantes e atenuantes genéricas não há problema, pois que é razoavelmente cediço que estas não devem influir no cálculo do "quantum" da pena "in abstrato", mas somente serem aplicadas no momento da cominação efetiva, pois que nem sequer apresentam um valor de exasperação ou diminuição expresso. Havendo, porém previsão de aumento ou diminuição por qualquer motivo deverão entrar em jogo as operações aritméticas para determinação tanto da afiançabilidade pela Autoridade Policial como do cabimento ou não do decreto preventivo pelo critério da pena máxima. Embora deva trabalhar com operações básicas, lógica elementar e números racionais simples, não há como fugir o operador do direito do uso da matemática em seu dia a dia. (CEBETTE: CABETTE, 2011, p.1)

De fato após a Lei 12.403/2011, assim que o magistrado receber o auto de prisão em flagrante deverá, fundamentadamente: relaxar a prisão, na hipótese de prisão ilegal; caso seja legal, verificará sobre a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código e, se revelar inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou não sendo caso de prisão preventiva, nem de qualquer outra medida cautelar, a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (Código de Processo Penal, artigo 310)[6].

Neste momento, se o Juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal (causas excludentes de ilicitude), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória (sem fiança), mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. Trata-se, aqui, de liberdade provisória, sem fiança, vinculada, porém ao comparecimento aos atos processuais. Nada impede, igualmente, que a liberdade provisória aqui prevista seja cumulada com outra medida cautelar.

Percebe-se que a fiança ganhou uma nova e providencial roupagem que poderá implementar a sua efetividade no tocante ao princípio da segurança pública. Agora, com a Lei 12.403/11, há uma oportunidade de revitalização da fiança, que deverá ser encarada autonomamente, pois é mais uma das medidas cautelares cabíveis no processo penal.

O juiz Rodrigo Esperança Borba explicita alguns exemplos de utilização da fiança em conformidade com a Lei 12.403/2011:

Pense-se num caso que ocorre até usualmente: o réu simplesmente não comparece ao interrogatório. Decretar preventiva para "assegurar a aplicação da lei penal" nesses casos é muito radical, até porque a autodefesa é disponível. Mas, agora, é possível tranquilamente se afirmar que caberia a fixação de fiança "para assegurar o comparecimento a atos do processo" (art. 319, VIII, CPP).

Outro exemplo: réu bilionário, com casa na Itália, e nacionalidades brasileira e italiana, que frequentemente viaja. Em vez de decretar a sua prisão, pode-se fixar uma fiança bem polpuda para garantir o seu comparecimento aos atos do processo. Em caso de descumprimento (falta de pagamento), metade é perdida imediatamente (art. 341 e 343) e a sua prisão poderá então ser neste momento legitimamente decretada (art. 312, § único, CPP).

Mais um exemplo: réu que é acusado de ter provocado rombo ao erário público está se desfazendo do seu patrimônio. A fiança servirá para garantir indenização do dano e pagamento de pena de multa em caso de eventual condenação (art. 336), sendo seus requisitos menos rigorosos do que o sequestro (rectius: arresto) previsto no art. 125 do CPP. Em suma, há um escalonamento para o uso das cautelares.

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Os requisitos vão ficando mais rigorosos à medida que se caminha de, v.g, uma mera obrigação de comparecer ao Juízo até se chegar à prisão. A fiança está aí no meio desse caminho, devendo o juiz avaliar quando se mostrará adequada entre as demais medidas cautelares previstas. (BORBA, 2011, p.1)

A nova redação do artigo 322, do CPP[7] previu que a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Nos demais casos a fiança será decretada pelo juiz prevento, que decidirá em quarenta e oito horas, independentemente de ser apenada com detenção ou reclusão, sendo tal distinção indiferente para tanto.

Quantos aos requisitos para a fiança, a sistemática persiste, ou melhor, se o caso em tela contiver qualquer das causas positivadas nos incisos dos artigos 323 e 324 a infração penal será inafiançável.

Tratam sobre o tema os novos dispositivos, ipsis litteris:

Art. 323. CPP:  Não será concedida fiança: 

I - nos crimes de racismo; 

II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; 

III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; 

IV - (revogado); 

V - (revogado).

Art. 324. CPP: Não será, igualmente, concedida fiança: 

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; 

II - em caso de prisão civil ou militar; 

III - (revogado); 

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). (BRASIL, 2011)

Jeferson Botelho elenca os crimes em que há possibilidade de fiança:

Analisando a legislação penal, sobretudo, o Código Penal, com a nova mudança do Código de Processo Penal, depois que entrar em vigor a lei poderá a autoridade policial arbitrar fiança nos seguintes crimes:

1) Homicídio culposo – art. 121, § 3º; 2) Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento – art. 124; 3) Violência doméstica – art. 129, § 9º; 4) Perigo de contágio venéreo – art. 130, § 1º; 5) Perigo de contágio de moléstia grave – art. 135; 6) Abandono de incapaz – art. 133, caput; 7) Maus-tratos na forma qualificada – art. 136, § 1º; 8) Sequestro e Cárcere privado – art. 148 caput; 9) Furto simples – art. 155, caput; 10) Extorsão indireta – art. 160; 11) Supressão ou alteração de marca em animais – art. 162/12) Dano qualificado – art. 163, Parágrafo único; 13) Apropriação indébita – art. 168, caput; 14) Duplicata simulada – art. 172; 15) Induzimento à especulação – art. 174; 16) Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações – art. 177; 17) Emissão irregular de conhecimento de depósito ou “warrant” – art. 178; 18) Receptação – art. 180, caput; 19) Violação de direito autoral – art. 184; 20) Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem – art. 202; 21) Aliciamento para o fim de emigração – art. 206; 22) Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território brasileiro – art. 207; 23) Violação de sepultura – art. 210; 24) Destruição, subtração ou ocultação de cadáver – art. 211; 25) Vilipêndio a cadáver – art. 212; 26) Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente – art. 218-A; 27) Bigamia – art. 235; 28) Simulação de autoridade para celebração de casamento – art. 238; 29) Simulação de casamento – art. 239; 30) Abandono material – art. 244; 31) Abandono intelectual – art. 247; 32) Explosão – art. 251, § 1º; 33) Uso de gás tóxico ou asfixiante – art. 252; 34) Perigo de inundação – art. 255; 35) Desabamento ou desmoronamento – 256; 36) Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico – art. 266; 37) Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, na forma culposa – art. 273, § 2º; 38) Outras substâncias nocivas à saúde pública – art. 278; 39) Medicamento em desacordo com receita médica – art. 280; 40) Quadrilha ou bando – art. 288; 41) Falsificação de papéis públicos – art. 293, § 2º; 42) Petrechos de falsificação – art. 294; 43) Falsidade ideológica em documento particular – art. 299; 44) Falso reconhecimento de firma em documento particular – art. 300; 45) Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica – art. 303; 46) Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins – art. 306, Parágrafo único; 47) Fraude de lei sobre estrangeiro – art. 309 e 310; 48) Peculato mediante erro de outrem – art. 313; 49) Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento – art. 314; 50) Emprego irregular de verbas ou rendas públicas – art. 315; 51) Abandono de função em faixa de fronteira – art. 323; Parágrafo único; 52) Resistência qualificada – art. 329, § 1º;53) Contrabando ou descaminho – art. 334; 54) Falso testemunho ou falsa perícia – arts. 342 e 343; 55) Coação no curso do processo – art. 344; 56) Fraude processual – art. 347, Parágrafo único; 57) Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança – art. 351, § 3º; 58) Arrebatamento de preso – art. 353; 59) Patrocínio infiel – art. 355; 60) Sonegação de papel ou objeto de valor probatório; 61) Contratação de operação de crédito – art. 359-A; 62) Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura – art. 359-C; 63) Ordenação de despesa não autorizada – art. 359-D; 64) Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura – art. 359 –G; 65) Oferta pública ou colocação de títulos no mercado – art. 359 –H. (BOTELHO, 2011).

Ainda no que tange a fiança, a Lei sobre drogas, 11.343/06, em seu artigo 33, § 2º, prevê como crime afiançável a conduta de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga. Já no Estatuto do Desarmamento, lei 10.826/2003, agora, a autoridade policial que arbitrava fiança na conduta criminosa de posse irregular de arma de uso permitido, poderá também arbitrar nos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo e arma de fogo, artigo 14 e 15, respectivamente.

Na lei dos Crimes Ambientais, lei 9.605/98, poderá a autoridade policial arbitrar fiança nos crimes de exportação para o exterior de peles e couros de anfíbios, provocação de incêndio em mata ou floresta, o corte ou transformação de madeira de lei em carvão, o desmatamento, a causação de poluição de qualquer natureza, a produção, processamento, embalagem, importação, exportação, a guarda, armazenagem, ou uso de substância tóxica, nociva ou perigosa à saúde humana, a disseminação de doença ou praga que possa causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora, ou aos ecossistemas, a destruição, inutilização ou deterioração de bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, a alteração de aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, o falso testemunho de funcionário público contra a administração ambiental, respectivamente artigos 30, 41, 45, 50-A, 54, 56, 61, 62, 63, 66, da Lei Ambiental.

Ainda não se permite a fiança nos crimes de racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo e os definidos como crimes hediondos na forma da Lei 8.072/90, nos crimes cometidos por grupos armados civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, na prisão civil ou militar ou quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.

Quanto ao valor da fiança, o artigo 325 do CPP[8] estabelece os parâmetros de sua fixação. Por oportuno, se o crime é suscetível de fiança, ante a precária situação econômica do autuado, o juiz poderá conceder liberdade provisória sem fiança, sem prejuízo de aplicação de uma ou mais medidas cautelares diversas da prisão.

Lado outro, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, a fiança poderá ser prestada. Em caso de recusa ou retardamento na concessão da fiança por parte da autoridade policial, o preso, ou alguém por ele, poderá mediante simples petição, requerê-la ao juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Caso o réu seja condenado, o dinheiro ou os objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, mesmo que ocorra a prescrição, depois da sentença condenatória. Por sua vez, se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto.

Vale mencionar que o artigo 341 do CPP nos informa as situações em que a fiança será quebrada: a) regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; b) deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; c) descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; d) resistir injustificadamente a ordem judicial; e) praticar nova infração penal dolosa.

O juiz pode decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou até mesmo pela decretação da prisão preventiva, se ocorrer a quebra injustificada da fiança. Ademais, importará na perda de metade do seu valor. Por outro lado, haverá a perda da totalidade do valor da fiança se o condenado ou acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta.

Por fim, será recolhido ao fundo penitenciário, o valor da perda da fiança deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado.

Sobre a autora
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Cláudia Mara Almeida Rabelo. Considerações acerca do mecanismo da prisão preventiva no Brasil a partir da Lei nº 12.403/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3295, 9 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22170. Acesso em: 22 nov. 2024.

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