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A recente decisão do STF quanto à aplicação do art. 41 da Lei Maria da Penha e suas implicações

Agenda 21/08/2012 às 16:32

Ao declarar constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha, que afasta a incidência dos Juizados Especiais Criminais, o STF dispensou a necessidade de representação, mas apenas para os delitos de lesão corporal leve e culposa.

Em sessão plenária realizada no dia 09 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal apreciou dois pedidos que versaram sobre o tema, no qual foi relator o Ministro Marco Aurélio.

No primeiro deles (ADIn n° 4.424-DF), ajuizado pela Procuradoria-Geral da República, o objetivo era se ver declarada a inconstitucionalidade dos arts. 12, inc. I, 16, a fim de que, a final, se reconhecesse que a ação penal, nos crimes que envolvam violência doméstica, é pública incondicionada, a prescindir, portanto, da prévia representação da vítima. A ADIn fazia referência, ainda, ao art. 41 da lei, para que a ele fosse dada uma interpretação conforme a Constituição.

O segundo (ADC n° 19-DF) tratava de uma ação manejada pela Advocacia-Geral da União, que visou a declaração da constitucionalidade dos artigos 1°, 33 e 41 da chamada Lei Maria da Penha. Isso porque, no que se refere ao art. 1°, alguns Tribunais vinham reconhecendo a inconstitucionalidade da lei por violar o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Quanto ao art. 33 da lei, que atribuiu ao juízo criminal a competência para conhecer da matéria enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Tribunais do país se posicionavam no sentido da inconstitucionalidade da norma, já que a matéria era de competência exclusiva do Estado para sobre ela legislar. No que tange ao art. 41, a inconstitucionalidade derivaria do impedimento criado pela lei da aplicação dos benefícios previstos na Lei n° 9099/95 aos crimes perpetrados em um contexto de violência doméstica. O objetivo do pedido, portanto, era obter o posicionamento da mais alta Corte do país para que se declarassem constitucionais tais dispositivos legais.

Cumpre, de plano e ainda que rapidamente, tecer alguma observação sobre a natureza jurídica das ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade. É sabido, assim, que a constitucionalidade da lei (lato sensu), pode ser controlada pelo julgador em um caso concreto, naquilo que se denomina controle difuso de constitucionalidade. Ou pode esse controle, como na hipótese em análise, ser realizado por meio de pedido ajuizado diretamente no Supremo Tribunal Federal, que exerce, nesse caso, um controle concentrado da constitucionalidade, nos termos do art. 102, inc. I, “a” da Constituição.

Pois bem. Sem maior aprofundamento no tema, por fugir ao âmbito do trabalho, deve se destacar, porém, o efeito vinculante que é próprio das decisões proferidas nessas espécies de ação, nos termos do § 2°, do art. 102, da Constituição, verbis: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Nem se argumente que, forte no princípio da livre convicção, poderia um Magistrado entender diversamente da decisão do STF. Não. Os efeitos irradiados a partir de decisões proferidas nessas espécies de ação a todos vinculam, tendo força de verdadeira lei, a não admitir, bem por isso, posicionamentos contrários. Destaque-se, a propósito, a lição do Gilmar Ferreira Mendes sobre o tema:

“Proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória, ficam os Tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente do efeito vinculante impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. É certo, pois, que a não-observância da decisão caracteriza grave violação de dever funcional, seja por parte das autoridades administrativas, seja por parte do magistrado (cf., também, CPC, art. 133, I). Em relação aos órgãos do Poder Judiciário, convém observar que eventual desrespeito à decisão do Supremo Tribunal Federal legitima a propositura de reclamação, pois estará caracterizada, nesse caso, inequívoca lesão à autoridade de seu julgado (CF, art. 102, I, "l")  (1).

A ADIn n° 4.424-DF foi acolhida por maioria de votos (vencido o Ministro Cezar Peluso), a fim de firmar a tese no sentido de que, nas lesões corporais leves e culposas, a ação penal é pública incondicionada. É preciso que se tenha presente, porém, que esse entendimento se restringe, apenas, aos crimes de lesões corporais leves e culposas. De sorte que, conforme destacado no Informativo n° 654, do Supremo Tribunal Federal, de 6 a 10 de fevereiro de 2012, “acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual”. E nem poderia ser diferente, afinal a necessidade de representação para os delitos de lesões corporais leves e culposas foi uma inovação introduzida com a Lei n° 9099/95, em seu artigo 88. Ora, ao declarar constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha, que afasta a incidência dos Juizados Especiais Criminais, por consequência afastou, também, a necessidade de representação mas apenas para esses dois delitos. Para os demais crimes (ameaça, por exemplo), que não foram atingidos pela Lei n° 9099/95 e sempre dependeram de representação, essa condição de procedibilidade continua sendo exigida.    

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A ADC n° 19-DF foi julgada procedente à unanimidade, a fim de declarar constitucionais os dispositivos da lei inicialmente mencionados.

É dizer, em resumo: com a decisão do Supremo, que a todos vincula, a ação penal, nos crimes de lesões corporais leves e culposas que envolvam violência doméstica, é pública incondicionada, a não reclamar, portanto, a prévia representação da vítima. Com isso, restaram prejudicados os inúmeros pronunciamentos em sentido contrário dos tribunais estaduais, bem como o firme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, após alguma divergência inicial, se consolidara pela natureza de ação penal pública condicionada quando praticada a lesão corporal no âmbito da lei em estudo. Também não mais se discutirá a constitucionalidade do dispositivo em exame – reconhecida pelo STF - que afasta a incidência da Lei n° 9099/95 aos delitos perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Tampouco se dirá que a lei é inconstitucional por afrontar o princípio da igualdade entre homens e mulheres ou por invadir o âmbito da competência estadual para legislar sobre a criação de varas especializadas ou definir a competência da justiça criminal enquanto não implantados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.


Nota:

(1) Revista Jurídica Virtual, Brasília, vol. I, n° 4, agosto de 1999.

Sobre o autor
Ronaldo Batista Pinto

Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista. Professor Universitário. Autor do livro “Violência Doméstica – “Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo”. São Paulo: Editora RT, 3ª. ed., 2011 (em co-autoria com Rogério Sanches Cunha). Autor do livro “Crime Organizado – Comentários à Lei n° 12.850/2013”, editora “Juspodivm” (em co-autoria com Rogério Sanches Cunha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Ronaldo Batista. A recente decisão do STF quanto à aplicação do art. 41 da Lei Maria da Penha e suas implicações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3338, 21 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22457. Acesso em: 22 nov. 2024.

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