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Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal

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4. INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO

4.1 – O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito Humano Fundamental de Terceira Geração

Não bastasse a inconstitucionalidade do dispositivo em razão da violação ao direito adquirido, tal dispositivo também é inconstitucional por força de violar o princípio implícito da vedação ao retrocesso dos direitos fundamentais.

Para a necessária compreensão deste princípio, inicialmente, compete recordar a clássica classificação dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, bem como o reconhecimento do meio ambiente como direito fundamental de terceira geração pelo Supremo Tribunal Federal:

“O direito à integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o principio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (MS 22.164/SP, Trib. Pleno do STF, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.95, DJ 17.11.95, p. 39206. Disponível www.stf.jus.br acesso em 01 de junho de 2012)

É de se reconhecer que a característica do direito ao meio ambiente ser direito fundamental também decorre diretamente de ser corolário lógico do direito à vida, na esteira do que ensina José Afonso da Silva:

“O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida.(Direito Ambiental Constitucional, Ed. Malheiros, 4ª Ed., p. 70)

Sendo assim, não restam dúvidas ser o direito ao meio ambiente equilibrado um direito fundamental de terceira geração.

4.2 – A Eficácia Plena e Imediata das Normas Relativas aos Direitos Fundamentais

Fixada a premissa acima, é de se reconhecer que as normas atinentes aos direitos fundamentais, por força de determinação constitucional, são de eficácia plena e aplicação imediata, segundo se absorve da dicção do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal:

“art. 5º...

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

O legislador constitucional não poderia ser mais claro: a aplicação das normas de direitos fundamentais – e já se demonstrou que o direito ao meio ambiente é uma delas – tem aplicação imediata.

Neste sentido, no que diz respeito a esta aplicação imediata também aos direitos fundamentais ambientais, especialmente aqueles previstos no artigo 225, da Constituição Federal, Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros esclarece:

“Aqui passaremos a sustentar que, em virtude de sua condição de direito fundamental, em princípio, também para o artigo 225 da CF e as normas nele contidas (em que pese a existência de uma faceta programática), é válido o postulado contido no artigo 5º, § 1º, o qual confere aos direitos fundamentais aplicabilidade imediata e eficácia plena...” (Meio Ambiente Direito e Dever Fundamental, Ed. Livraria do Advogado, 2004, p. 147)

Também assim assevera Orci Paulino Bretanha Teixeira:

“A norma contida no art. 5º, § 1º, da Constituição, pode ser considerada um reforço da eficácia vinculante, inerente aos preceitos constitucionais em geral, especialmente os que digam respeito ao tema tratado. Na obrigação de tudo fazer para concretizar o direito fundamental ambiental, o Poder Público e seus agentes formalmente considerados, encontram-se obrigados ao cumprimento da legislação. Como o efeito vinculante decorre do art. 5º, § 1º, da Constituição, os direitos fundamentais não se encontram na esfera de disponibilidade nem do Poder Público nem dos particulares, porque o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível.” (O Direito ao Meio ambiente Ecologicamente Equilibrado Como Direito Fundamental, Livraria do Advogado, 2006, p. 118)

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Tratando-se de norma de eficácia imediata, a sua constitucionalização garante certa estabilidade, resultando em “um valioso atributo de durabilidade legislativa no ordenamento, o que funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências momentâneas, artificiais ou não.” (Antônio Herman Benjamim, in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, Coordenado por José Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite, Ed. Saraiva, 2007, p. 79)

Desta forma, há que se extrair da Constituição Federal nesta matéria a maior eficácia possível, sendo que ao estabelecer este tipo de direito, o Constituinte cria ao legislativo duas obrigações: a) uma negativa, ao não poder contrariar ao que está na Carta Magna; b) outra positiva, consistente em sempre implementar com maior força e efetividade os direitos ali previstos.

Sobre estas obrigações impostas ao legislador pelo Constituinte, vem ao caso a citação dos ensinamentos do professor Ingo Wolfgang Sarlet:

“Ainda neste contexto há que reconhecer a pertinência da lição de Gomes Canotilho, ao ressaltar a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Assim, num sentido negativo (ou proibitivo), já se referiu a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que, sob este ângulo, atuam como normas de competência negativas. Na sua acepção positiva, a vinculação do legislador implica um dever de conformação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e, neste sentido, também um dever de realização destes, salientando-se, ademais, que, no âmbito de sua faceta jurídico-objetiva, os direitos fundamentais também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica. É justamente com base na perspectiva objetiva dos direitos fundamentais que a doutrina alemã entendeu que o legislador possui deveres ativos de proteção, que englobam um dever de aperfeiçoamento (Nachbesserungspflichten) da legislação existente, no sentido de conformá-la às exigências das normas de direitos fundamentais.(A eficácia dos direitos fundamentais, Ed. Livraria do Advogado, 8ª Ed, p. 391 - grifo nosso)

Daquilo que foi exposto, verificam-se as premissas para a exposição ao princípio da vedação ao retrocesso.

4.3 – Do Princípio Constitucional da Vedação ao Retrocesso em Matéria de Direitos Fundamentais Ambientais

Daquilo o que foi exposto acima, já se pode iniciar uma primeira reflexão em matéria de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, qual seja, tais normas têm eficácia plena e aplicação imediata e impõem ao legislador o dever de não contrariá-las e também de implementar cada vez mais o seu conteúdo.

Justamente por tais motivos, não faria qualquer sentido que a Constituição Federal previsse uma garantia a um direito fundamental e, após o mesmo ser implementado por meio da legislação infraconstitucional, ser possível ao poder legislativo retroceder nesta proteção andando na contramão daquilo que foi desejado pelo legislador originário.

Ora, se a Constituição Federal previu um direito fundamental e tal direito veio a ser regulamentado e implementado pela legislação infraconstitucional – como aconteceu com o Código Florestal revogado, que foi recepcionado pela atual constituição – como seria possível entender pela constitucionalidade de uma lei que venha a contrariar aquilo que foi estabelecido nesta garantia?

É por isto que vem se consolidando na doutrina a existência do princípio constitucional implícito da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais e, em especial no caso aqui tratado, direitos fundamentais ambientais.

Ao explicar as razões e fundamentos constitucionais do princípio da vedação ao retrocesso, o já citado professor Ingo Wolfgang Sarlet em obra clássica sobre o tema denominada “A Eficácia dos Direitos Fundamentais” assenta de forma firme este princípio, conforme se vislumbra da citação abaixo, a qual pede-se vênia ao leitor por ser longa, mas necessária e ao autor por haver multilado partes do texto:

“A partir desta perspectiva e renunciando desde logo ao esgotamento e aprofundamento individualizado de todo o leque de razões passíveis de serem referidas, verifica-se que, no âmbito do direito constitucional brasileiro, o princípio da proibição de retrocesso (na sua dimensão mais estrita aqui versada) decorre – como já sinalizado – de modo implícito do sistema constitucional, designadamente dos seguintes princípios e argumentos de matriz jurídico-constitucional:

a) do princípio do Estado democrático e social de Direito, que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o qual necessariamente abrange a proteção da confiança e a manutenção de um nível mínimo de continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas e, pelo menos em certa medida, atos de cunho retrocessivo de um modo geral;

b) Do princípio da dignidade da pessoa humana....

c) do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais... o que, por seu turno, exige uma proteção também contra medidas de caráter retrocessivo, inclusive na acepção aqui desenvolvida;

d) As manifestações específicas e expressamente previstas na Constituição, no que diz respeito a proteção contra medias de cunho retroativo na qual se enquadra a proteção dos direitos adquiridos, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito) ...

e) O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito...

...

g) Negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito á vontade expressa do Constituinte. ...

h) .... o sistema de proteção internacional impõe a progressiva implementação efetiva da proteção social por parte dos Estados, encontra-se implicitamente vedado o retrocesso em relação aos direitos sociais já concretizados. ”

(A eficácia dos direitos fundamentais, Ed. Livraria do Advogado, 8ª Ed, p. 457-460 - grifo nosso)

O mesmo autor e na mesma obra, prevê expressamente este princípio em relação ao Direito Ambiental:

“As diversas possibilidades que envolvem uma noção abrangente de proibição de retrocesso encontram na seara do direito ambiental uma importante e peculiar manifestação, de tal sorte que se poderá falar aqui – como acentual Carlos Alberto Molinaro – em um princípio de vedação da retrogradação, já que o direito ambiental cuida justamente da proteção e promoção dos bens ambientais, especialmente no sentido de impedir a degradação do meio ambiente, o que corresponde, por sua vez, a uma perspectiva evolucionista (e não involucionista) da vida.” (obra citada, p. 447)

Por outro lado, constitucionalistas consagrados também defendem a aplicação deste princípio, como Luís Roberto Barroso:

“Merece registro, ainda, neste capítulo dedicado à garantia dos direitos, uma ideia que começa a ganhar curso na doutrina constitucional brasileira: a vedação do retrocesso. Por este princípio, que não é expresso mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instruir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido.

Nessa ordem de ideias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição.” (O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, Ed. Renovar, 7ª Ed., p. 158)

Em obra específica sobre o tema, Carlos Alberto Molinaro assim aponta:

“Portanto, em sede de direitos fundamentais, a proibição da retrogradação socioambiental) vincula o legislador infraconstitucional ao poder originário revelador da Constituição, não podendo a norma infraconstitucional retrogredir em matéria de direitos fundamentais declarados pelo poder constituinte.” (Direito Ambiental Proibição de Retrocesso, Ed. Livraria do Advogado, 2007, p. 111)

Também Orci Paulino Bretanha Teixeira reconhece este princípio na seara do Direito Ambiental:

“É exatamente o objetivo que protege o núcleo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, núcleo essencial e conteúdo mínimo do próprio direito. Por se tratar de uma garantia assegurada aos indivíduos – presentes e futuras gerações -, a proibição de retrocesso é da própria natureza dos direitos fundamentais.

...

Com assento constitucional, por força deste princípio, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado só é modificável in melius e não in pejus, uma vez que é expressão da sadia qualidade de vida e da dignidade da pessoa humana. ” (O Direito ao Meio ambiente Ecologicamente Equilibrado Como Direito Fundamental, Livraria do Advogado, 2006, p. 123 e 125)

Portanto, fica absolutamente evidenciado que não se pode admitir no atual Estado Democrático de Direito que a sociedade ande para trás na proteção aos direitos fundamentais, dentre eles, ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sendo assim, resta patente a inconstitucionalidade do dispositivo em questão também por violação ao princípio da vedação ao retrocesso.

Sobre os autores
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado; ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas. Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3358, 10 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22582. Acesso em: 22 dez. 2024.

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