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Competência para fiscalizar na Lei Complementar nº 140/11

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Agenda 15/09/2012 às 14:36

A regulação trazida pela nova lei afetou de modo especial a atribuição de licenciamento ambiental e de fiscalização dos órgãos ambientais, não impondo qualquer limitação da competência comum.

Resumo: O artigo trata da competência dos órgãos ambientais para fiscalizar a partir da publicação da Lei Complementar 140/11. Pretende-se responder às dúvidas sobre a competência comum para fiscalizar a partir da regulamentação da novel legislação, focando na atribuição para fiscalização dos órgãos ambientais. A revisão da doutrina e jurisprudência demonstra que o entendimento majoritário é no sentido da manutenção da competência comum. A LC 140/11 cumpriu o mandamento constitucional do art. 23 da Constituição Federal e regulamentou a competência comum da União, Estados e Municípios para proteção do meio ambiente. A regulação trazida pela nova lei afetou de modo especial a atribuição de licenciamento ambiental e de fiscalização dos órgãos ambientais, não impondo qualquer limitação da competência comum.

Palavras-chave: LC 140/11, COMPETÊNCIA, FISCALIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE, LICENCIAMENTO.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. PROBLEMA DE PESQUISA. 3. OBJETIVO. 4. METODOLOGIA. 5. REFERENCIAL TEÓRICO. 6. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO. 6.1 DO PODER DE FISCALIZAÇÃO. 6.2 DA DUPLICIDADE DE AUTUAÇÃO. 6.3 DO MOMENTO DA AUTUAÇÃO. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 8. REFERÊNCIAS


1. INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei Complementar 140/2011 surgiram algumas dúvidas de procedimento e receio de que pudesse ter havido fragilização da defesa do meio ambiente, com eventual redução da competência para fiscalização.

A preocupação maior na fragilização da defesa do meio ambiente restava em suposta redução das competências dos órgãos federais para fiscalizar, em especial do IBAMA. Todos conhecem a deficiência administrativa dos órgãos ambientais, em especial dos órgãos de alguns estados da federação, e qualquer redução do poder de polícia dos órgãos federais poderia, sem dúvida, significar redução da proteção do meio ambiente.

A preocupação, contudo, não parece ter fundamento. Efetivamente, a lei complementar veio cumprir o mandamento constitucional do parágrafo único do art. 23 e fixou normas para a cooperação. Dispõe o referido artigo:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

O texto constitucional é claro. A competência para proteger o meio ambiente é comum de todos os entes da federação. A Lei Complementar 140/11, portanto, não poderia reduzir um milímetro sequer da competência para fiscalização de qualquer ente federado, e não o fez. O mandato constitucional é para fixação de normas de cooperação em vista do equilíbrio do desenvolvimento. Houvesse redução da competência comum estaria o texto eivado de inconstitucionalidade.

Como se demonstrará no presente artigo, a redação final dada pelo Senado Federal não apenas manteve a competência comum como a expressou ainda mais com o texto do art. 17, § 3º. O texto é afirmativo em dizer que a competência do órgão licenciador para fiscalizar, encontrada em outros dispositivos da mesma lei e no caput do art. 17, não retira a competência dos demais entes federados em fiscalizar. Assim é o texto justamente porque a lei complementar não poderia contrariar a letra da constituição. Esta, aliás, a preocupação final do Senado quando, em emenda de redação, corrigiu o texto oriundo da Câmara que poderia importar em interpretação equivocada de redução da competência comum.

Não há sequer qualquer precedência do órgão licenciador, ou prevalência do seu poder de fiscalização ou, ainda, atratividade do poder de fiscalização para a atividade de licenciamento. A previsão do § 3º do art. 17, de que prevalecerá o auto de infração do órgão licenciador, não é novidade na legislação brasileira e apenas cuida de evitar que haja possibilidade de dupla punição pelo mesmo fato, bem como haja sobreposição de atividade administrativa, contrariando o princípio da eficiência. O art. 76 da Lei 9.605/98 já previa que o pagamento das multas impostas pelos estados e municípios substituiria a multa federal. O texto da lei anterior era confuso, incompleto e foi, em boa hora, aprimorado.


2. PROBLEMA DE PESQUISA

A atribuição comum para fiscalizar é tema palpitante e, com a publicação da Lei Complementar 140/11, muitas questões surgiram. Com a regulamentação complementar resta responder se todos os órgãos ambientais têm plenos poderes de fiscalização. A fiscalização ficou vinculada à atividade de licenciamento ou é independente? Há subordinação entre os entes federativos na atividade de fiscalização?


3. OBJETIVO

O artigo terá como objetivo apresentar os limites do poder de fiscalização dos diversos órgãos ambientais. Verificar se há limitação ou subordinação do poder de fiscalização à atividade administrativa de licenciamento. Examinar se a LC 140/11 limitou ou reduziu a competência comum para a proteção do meio ambiente.


4. METODOLOGIA

O artigo será realizado com a revisão bibliográfica do tema e a revisão da jurisprudência sobre a matéria. Cuidará de delimitar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais buscando orientar a competência para fiscalização dos órgãos ambientais.


5. REFERENCIAL TEÓRICO

A competência para fiscalizar é comum. Todos os entes da federação podem e devem proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas, conforme o texto do art. 23 da CF, e devem autuar sempre que necessário.

A competência comum é facilmente compreendida por todos e não há qualquer dificuldade maior apontada pela doutrina ou jurisprudência. A União, Estados e Municípios exercem sua competência de forma comum, cumulativa. Não há subordinação, proeminência de um ente sobre o outro. A competência comum é cumulativa, ou seja, mais de um ente pode exercer a mesma atividade.

Por ser competência comum e cumulativa é que o parágrafo único do art. 23 da CF previu que lei complementar iria disciplinar a cooperação. A constituição busca a aplicação eficiente dos recursos públicos e a máxima proteção ambiental. A previsão da competência comum é para que nenhuma agressão ao meio ambiente fique impune por falha de algum órgão. O art. 225 da CF também prescreve neste sentido e coloca a proteção ambiental não apenas como dever do Estado, mas como responsabilidade de todos. O direito ao meio ambiente saudável é tão fundamental que quis o constituinte premia-lo com a máxima possibilidade de defesa.

Não pode o legislador infraconstitucional, portanto, limitar esta máxima proteção ao meio ambiente. A máxima proteção, contudo, não é alcançada quando falta eficiência administrativa. Por isso há necessidade de lei complementar que regulamente a atividade de todos os responsáveis pelo controle ambiental de modo que as atividades administrativas sejam mais amplas e eficazes possíveis.

Caso não houvesse regulamentação do trabalho cooperativo, cerne da competência comum, certamente se reduziria a eficiência da administração. Poderia haver excessos e contradições de controle em algumas atividades e lugares e ausência em outros. A escassez de recursos públicos exige que sua aplicação seja a mais proveitosa possível. Neste sentido, a norma complementar regulamenta como se dará o exercício da competência comum, bem como informa quais soluções, e os prazos, para as atuações comuns ou divergentes dos diversos órgãos ambientais.

Qualquer pesquisa rápida pode apresentar a compreensão clara da competência comum, como apresentado por Antonio Henrique Lindember Baltazar:

A competência comum, cumulativa ou paralela é modelo típico de repartição de competências do moderno federalismo cooperativo, nela distribuem-se competências administrativas a todos os entes federativos para que a exerçam sem preponderância de um ente sobre o outro, ou seja, sem hierarquia.

Em nosso ordenamento jurídico-constitucional sua delimitação foi estabelecida no art. 23 da Constituição Federal, onde se apresentam as atividades administrativas que podem ser exercidas de modo paralelo entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, onde todos os entes federativos atuam em igualdade, sem nenhuma prioridade de um sobre o outro.

Deste modo, a atuação de um ente federativo não depende da atuação de outro, e, da mesma forma, a atuação de um ente federativo não afasta a possibilidade de atuação de outro. A competência comum, ou paralela, se expressa na possibilidade da pratica de atos administrativos pelas entidades federativas, onde esta pratica pode ser realizada por quaisquer delas, em perfeita igualdade, de forma cumulativa (CF, art. 23).

Portanto, com o objetivo de fomentar o cooperativismo estatal, dispôs o Legislador Constituinte que, no âmbito da competência comum, lei complementar deverá fixar normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único).

Importante é assinalar que a competência comum não se refere a atividades legislativas, sob pena de os entes da federação legislarem diferentemente sobre o mesmo assunto, com a possibilidade de imperar o caos social. (BALTAZAR, 2012, p. 2108)

Andreas Joachim Krell, por sua vez, entende que a competência comum deve ser interpretada sistematicamente:

A proteção do meio ambiente prevista como competência comum a todos os entes federados há de ser interpretada sistematicamente, à luz do que dispõe o art. 225, para que o interesse primordial seja sempre a proteção do meio ambiente. (KRELL, 2003, p. 70.).

Edis Milaré também se manifesta no mesmo sentido:

A competência para fiscalizar está igualmente prevista no art. 23 da Constituição de 1988 e se insere, portanto, dentro da competência comum de todos os entes federados. A interpretação do referido artigo, no tocante à fiscalização ambiental, deve ser feita de forma ampliativa, no sentido de que a atividade seja exercida cumulativamente por todos os entes federativos (MILARÉ, 2009, p. 881.).

Assim cabe a todos os entes da federação a responsabilidade pela fiscalização. Não se confunde a atividade de licenciamento com a atividade de fiscalizar. A jurisprudência é tranquila no sentido de que as atividades são distintas. Qualquer ente da federação pode fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras, ainda que não seja responsável pelo licenciamento. Anota-se decisão do TRF1 neste sentido:

A fiscalização, por sua vez, se perfaz na possibilidade de se verificar a adequação de atividades ou empreendimentos às normas e exigências ambientais, sancionando aquelas que estejam em desacordo. Tal fiscalização pode ocorrer em atividades sujeitas ou não ao licenciamento e em momento anterior, concomitante ou posterior à emissão da licença. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 1ª Região. Apelação Cível 2000.33.00.014590-2 BA, Rel. Mônica Neves Aguiar da Silva. Brasília: DJ 04/09/2009, p. 1691.).

A Lei Complementar 140/11 não reduziu a competência comum dos entes da Federação. Pelo contrário, confirmou o poder de fiscalização de todos os entes para toda e qualquer situação. Previu expressamente no § 3º do art. 17 que a competência do órgão licenciador para fiscalizar não impede a competência comum dos demais entes. É a letra da lei:

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

E não poderia ser diferente, esta foi a grande preocupação do constituinte original, que não apenas previu a competência comum para o cuidado ambiental no art. 23, como dispôs no art. 225 que a defesa do patrimônio ambiental é dever de todos e obrigação do poder público.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Portando, a disciplina trazida pela Lei Complementar 140/11 não reduziu o poder de fiscalização dos entes da federação e a atividade de fiscalização não se confunde com o licenciamento. Este é o eixo teórico a ser trilhado no artigo a ser apresentado.


6. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

6.1 Do poder de fiscalização

As atividades de fiscalização e licenciamento são facetas da mesma competência comum para a proteção do meio ambiente. Não há, contudo, confusão entre as duas atividades e uma não vincula a outra e também não há qualquer subordinação. Ora, como a competência é comum para proteger o meio ambiente, não poderia a fiscalização estar limitada às atribuições de licenciamento. Esta limitação importaria em significativa redução da competência comum, não poderia ser entendida como divisão de atribuição e importaria em afronta à Constituição.

Nada disso é novo ou de difícil compreensão. Conforme exposto acima, o texto do § 3º do art. 17 não apenas não limitou a competência comum como reafirmou que todos os entes da federação devem fiscalizar em todos os casos em que houver dano ao meio ambiente. Aliás, no rigor da Constituição, a lei complementar não poderia efetivamente limitar a competência comum. Não poderia a lei complementar limitar no sentido de reduzir. A limitação possível é apenas no sentido de regulamentar a atuação, dar contorno, informar como se dá a cooperação e o trabalho comum dos diversos entes. Ou seja, o disciplinamento da competência comum não pode ser feito com a redução de qualquer poder da competência comum. Somente a constituição poderia impor qualquer redução da competência comum ou dispor de forma diversa. A lei complementar pode e organizou a atuação comum para dar maior eficiência possível para atividade administrativa, nos exatos termos do art. 3º, III, da CF. Deu contornos para evitar o conflito de atribuições e harmonizar as políticas e ações administrativas.

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Para o leitor apressado o caput do art. 17 e o art. 7º, XIII, que se repete nos arts. 8º, XIII, e 9º, XIII, parecem limitar à fiscalização ao ente responsável pelo licenciamento. Não é o que se apreende da leitura integrada do texto. Entender dessa forma seria fazer letra morta do texto do § 3º do art. 17 e limitaria, inapropriadamente, a competência comum, bem como limitaria a defesa do meio ambiente, patrimônio indisponível da coletividade. Dispõe os referidos textos da lei:

Art. 7º São ações administrativas da União:

XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;

(...)

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Como a lei não tem palavras inúteis e não admite contradição, a interpretação correta do texto leva à conclusão de que não há limitação dos demais entes quando se descreve as ações administrativas do responsável pelo licenciamento. Quer o texto reafirmar que cabe ao ente licenciador “exercer o controle”. Ou seja, não pode o órgão licenciador apenas autorizar, mas deve ter mecanismos e instrumentos adequados e eficientes para o controle contínuo das atividades potencialmente poluidoras. Este controle se faz também pelo instrumento da fiscalização. Mas é obrigação do ente licenciador organizar o aparato estatal para o controle contínuo e não episódico. O controle não pode se restringir ao momento do processo de licenciamento. Deve-se observar que aqui a LC 140/11 foi extremamente cautelosa em prever expressamente esta obrigação do ente licenciador, sem afastar, em nada, a obrigação de fiscalização comum e geral que cabe a todos os entes da federação.

Portanto, mesmo que um ente não seja competente para licenciar ele é competente para fiscalizar, podendo, inclusive, autuar todos os responsáveis por qualquer dano que vier a ser causado, em atividade licenciada ou não.

Não há, portanto, qualquer contradição entre o § 3° do art. 17 e seu caput e os artigos citados acima. Todas as disposições organizam as atividades administrativas e confirmam a competência comum dos diversos entes da federação.

A tese mínima da PFE/IBAMA sobre Competência Fiscalizatória do Ibama esclarece:

A fiscalização, por sua vez, se perfaz na possibilidade de se verificar a adequação de atividades ou empreendimentos às normas e exigências ambientais, sancionando aquelas que estejam em desacordo. Tal fiscalização pode ocorrer em atividades sujeitas ou não ao licenciamento e em momento anterior, concomitante ou posterior à emissão da licença.[1]

Com a fiscalização, busca-se, muitas vezes, cessar o dano ambiental em regime de urgência, sendo que essa atividade não possui critério rígido de definição de atuação, como ocorre com o licenciamento, razão pela qual poderá ser exercido por qualquer ente federado.

(...)

Pode-se verificar, portanto, que as atividades de licenciamento e fiscalização ambiental são facetas do poder de polícia ambiental lato sensu e as regras de competência para essas atividades estão insculpidas no mesmo artigo 23 da Constituição Federal. Apesar disso, o tratamento e a definição das regras de competência licenciatória e fiscalizatória devem ser feitos de forma peculiar, tendo em vista a natureza distinta que as caracterizam e a legislação infraconstitucional em vigor.

(...)

Verifica-se, dessa forma, que o licenciamento e a fiscalização ambiental são atividades autônomas e que se propõem a alcançar objetivos distintos, atuando uma, prioritariamente, no campo da prevenção e a outra, eminentemente, no campo da repressão, razão pela qual se mostra plenamente justificável a diferenciação das regras de competência para essas atividades.

(...)

No que tange ao poder de polícia ambiental, especificamente, este “é exercido mais comumente por meio de ações fiscalizadoras, uma vez que a tutela administrativa do ambiente contempla medidas corretivas e inspectivas, entre outras”,[2] incluindo as ações de polícia ambiental, a coibição da prática de infrações, e a imposição de sanções aos infratores.

(...) Convém citar a precisa lição de Curt Trennepohl:

A penalidade administrativa é imposta pelo Estado, no exercício do seu poder de polícia. Sua aplicação pela autoridade competente é obrigatória, não se facultando discricionariedade para o agente público aplicá-la ou não. Não existe a vontade do administrador e sim a vontade da lei, sendo obrigação do primeiro aplicar a pena na proporção estipulada pela segunda.[3]

Saliente-se que, com fulcro no que foi exposto acima, mormente em razão da distinção entre a natureza das atividades de fiscalização e licenciamento, no que se refere à fiscalização, não há espaço para se falar em especificação e delimitação de competência, como ocorre com a competência para o licenciamento.

Por essa razão, não se deve atrelar a competência para fiscalizar à competência licenciatória. Aquela é comum e, ante a prática de infração ambiental, o Ibama, tomando conhecimento dela, não só poderá, mas deverá exercer as atividades atinentes à polícia ambiental fiscalizadora.

(...)

Qual poderia ser o interesse público, mormente no que diz respeito à proteção do meio ambiente, em cercear a ação de qualquer ente ou órgão dotado de poder de polícia ambiental nos casos em que se verifica violação de legislação ambiental?

É totalmente incompreensível a tentativa de blindar aqueles que ofendem ao meio ambiente, sob o argumento de que o princípio da preponderância de interesse deve ser também aplicado para a competência fiscalizatória.

(...)

O fato de um empreendimento ou atividade estar em processo de licenciamento num determinado órgão ambiental não afasta o poder de polícia dos demais. Assim, caso se configure que um órgão licenciador é inepto ou permanece inerte ou omisso, a qualquer tempo, outro pode exercer a fiscalização sobre a atividade ou obra (não sobre o órgão em questão), autuando e promovendo a apuração da infração através do processo administrativo próprio.[4]

Compartilhando desse entendimento, transcreve-se trecho do julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, nos autos do Processo nº 2002.72.08.003119-8:

O licenciamento deferido pela FATMA, órgão estadual de controle ambiental, não exclui a possibilidade de que o IBAMA no exercício da competência prevista no art. 23, VI, da CF/88, impeça a realização da obra, uma vez constatada a degradação do meio ambiente.

(...)

O Superior Tribunal de Justiça em julgado recente afirmou a sua posição no sentido de desvinculação entre as competências para licenciar e fiscalizar, admitindo que a atividade de polícia ambiental em sentido estrito foi comumente atribuída a todos os entes da federação, nos termos do que dispõe a Constituição Federal e a Lei 9.605/98.

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AMBIENTAL - MULTA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS - OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL - POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO - FISCALIZAÇÃO DO IBAMA - POSSIBILIDADE.

1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar. (...).[5]

O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão proferida na Suspensão de Tutela Antecipada nº 286/BA, posicionou-se no sentido de admitir o exercício da fiscalização por parte do Ibama, ao constatar o descumprimento das normas ambientais, com o fim de impedir degradações indevidas. Asseverou, ainda, o STF a necessidade de uma atuação dos entes estatais em regime de cooperação, a fim de dar uma melhor aplicabilidade ao que dispõe o art. 23 da Constituição Federal, buscando o fomento do desenvolvimento sustentável. Abaixo, segue trecho da citada decisão:

Em primeiro lugar, ressalto que a questão do licenciamento ambiental no Brasil está a merecer maior atenção de todos os entes federativos e de seus respectivos poderes, no sentido de uma melhor definição do quadro de suas atribuições na realização de um efetivo federalismo cooperativo e para que se produzam ganhos objetivos na concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

(...)

É preciso destacar que não há dúvida de que existe uma fiscalização inerente ao exercício de licenciamento ambiental por parte do órgão competente para tanto. O que se espera, nesse sentido, é que o órgão competente para licenciar exerça amplo controle e fiscalização nos limites do processo administrativo de licenciamento ambiental, sem interferências de outros órgãos integrantes do SISNAMA, ressalvadas eventuais exceções previstas em lei.

Entretanto, o artigo 23 da Constituição e a legislação federal como um todo apontam como dever de todos os entes integrantes do SISNAMA a fiscalização de descumprimento das normas ambientais e o impedimento de degradações ambientais indevidas, fornecendo-lhes instrumentos adequados para a prevenção e a repressão de eventuais infrações contra a ordem ambiental[6].

Saliente-se, ainda, com fulcro no que foi exposto acima e nos julgados trazidos à baila, que, em relação à competência fiscalizatória, não há espaço para se falar em competência própria, como ocorre com o licenciamento. A competência para o exercício do poder de polícia ambiental, em sua faceta fiscalizatória, é comum e deve ser executado por Municípios, Estados, Distrito Federal e União, por intermédio de seus órgãos e autarquias instituídas para esse fim.

Na realidade, é inviável que se adote os mesmos critérios do licenciamento, para se fixar e delimitar a competência fiscalizatória do Ibama. Com efeito, impossível se exigir a averiguação da extensão nacional ou regional do impacto (como ocorre com o licenciamento) para, só então, permitir-se a atuação do órgão ambiental. O iminente dano ambiental não espera por tal exame, ainda mais que a verificação da extensão do dano nem sempre é clara. A prosperar tal entendimento, estar-se-ia inviabilizando o exercício da fiscalização ambiental, o que traduziria frontal esvaziamento de toda a principiologia contida na Carta de 1988. (PFE/IBAMA, Teses Mínimas Competência Fiscalizatória, 2010)

A fiscalização, portanto, não se confunde com o licenciamento. Este é justamente o cerne deste artigo. A Lei Complementar 140/11 regulamenta a cooperação também quanto ao poder de fiscalização, mas como dito, não reduziu a competência comum.

É importante, contudo, discorrer sobre situações diversas que podem advir em fiscalização de empreendimentos licenciados ou licenciáveis.

A fiscalização pode se deparar com dano ambiental promovido em área em que o infrator não requereu a licença devida. Neste caso a autuação não traz maiores dificuldades. Após a lavratura do auto de infração cabe a comunicação ao órgão licenciador, que poderá também autuar. Havendo nova autuação do órgão licenciador, o auto ou autos dos demais entes são substituídos e podem ser arquivados, caso haja duplicidade de autuação caracterizada pela identidade de tipo e sujeito passivo. A cobrança das obrigações pecuniárias, administrativas e ambientais fica na responsabilidade exclusiva do órgão licenciador.

Pode haver, porém, situação mais complexa quando o dano ocorre em empreendimento licenciado. Neste caso o dano pode ocorrer por vários motivos. O dano pode existir porque o empreendedor extrapolou os limites da licença ou, ainda, tendo respeitado a licença, pode ser causado por fator não previsto. Pode, ainda, na pior das hipóteses, o dano ser causado porque a licença possui vício. Nesta hipótese a autuação deve ter como sujeito passivo não apenas o empreendedor, mas também os responsáveis pelo vício na emissão da licença.

Havendo licença ou sendo licenciável a atividade, e tendo havido dano, qualquer ente pode autuar e deverá comunicar ao órgão licenciador. Caso o dano seja em razão de desrespeito à licença concedida ou por fator não previsto nos estudos, é muito provável que órgão licenciador lavre multa própria e passe a acompanhar o processo, substituindo as eventuais multas do órgão ambiental comunicante.

Contudo, quando a multa for dada por dano em razão de licença viciada a situação torna-se bem complexa. É comum que órgão licenciador não tenha agido com as cautelas devidas, ou mesmo que haja vícios de diferentes ordens e tenha sido permitido empreendimento em local proibido ou fora dos padrões exigidos pela legislação ambiental. Neste caso, a multa não significa interferência na competência licenciatória do órgão. Mas é muito importante que sejam reunidos elementos de prova suficientes para sustentar a autuação.

O vício da licença emitida não pode ser confundido com situações limites de decisão do órgão licenciador. A matéria ambiental é complexa e multidisciplinar. É frequente que haja opiniões distintas sobre se determinado elemento técnico permite ou não o empreendimento. Sempre podem surgir divergências se a situação da obra se enquadra na legislação ambiental ou se importará em risco. Neste caso de zona cinzenta, cabe ao órgão licenciador o poder de decisão, conforme prevê o § 1º do art. 13. A divergência dos demais órgãos deve ser manifestada nos prazos legais, mas a decisão final é do órgão licenciador. O mesmo está previsto no art. 3º, III, com exigência expressa de harmonia, evitando-se sobreposição de atribuições e conflitos.

A multa, portanto, para os casos de constatação de vício na própria licença deve ter as cautelas acima apresentadas. Deverá ser bem fundamentada e deve ser expedida contra todos os responsáveis pelo dano. Conforme o caso, pode se responsabilizar os empreendedores, os responsáveis pelos laudos e estudos e até mesmo os responsáveis pela licença, tudo na medida de sua culpabilidade, conforme prevê o art. 2º da Lei 9.605/98. Devem ser lavradas tantas multas quanto forem os responsáveis. Não há bis in idem, visto que ainda que o fato seja o mesmo, e até podendo se repetir o tipo infracional, o infrator é distinto para cada multa. O tipo infracional também pode ser diferente, dependendo da atividade de cada agente. Um pode ser responsabilizado pelo estudo falso, outro por licença falsa, etc. É importante que fique devidamente esclarecida a participação de todos os agentes.

Após a lavratura da multa, deve-se comunicar ao órgão licenciador. Contudo, como a multa, neste caso, detectou que há vício na própria licença, é possível que o órgão licenciador discorde e não lavre multa própria. Assim, a multa já expedida não será substituída ou arquivada e terá seu curso normal. Todos os agentes envolvidos na infração terão oportunidade de defesa, bem como poderão provar no processo administrativo que a conduta era adequada.

Desta forma, não há interferência na competência para licenciar. Estas ocorrências provam que a competência comum para fiscalizar, prevista no art. 23 da CF e na LC 140/11 é justamente para evitar o dano ambiental com cuidado máximo. O dano, como visto, também pode ser causado por falha do órgão licenciador. O bem ambiental é de tal ordem que quis o constituinte provê-lo de segurança máxima, impondo o dever de controle para vários órgãos e para toda a coletividade. Tudo é corroborado pela previsão constitucional ampla do art. 225.

As situações práticas, contudo, não são simples, e para o fiel cumprimento do mandamento constitucional e legal, seria de bom alvitre que os órgãos ambientais editassem normas prevendo a forma e os momentos de agir da fiscalização.

A norma deveria cuidar de elencar quais as atividades licenciáveis pelos órgãos municipais, estaduais e federais, para que ficasse fácil e eficiente a comunicação aos órgãos licenciadores. Deveria também prever quando a administração pode iniciar a apuração de possível dano com a comunicação ao órgão licenciador ou quando a multa deveria ser expedida incontinente.

Importante também seria otimizar a fiscalização para as atividades de responsabilidade de licenciamento de cada órgão. O texto do art. 7º, XIII, que se repente nos arts. 8º e 9º, exige o acompanhamento constante das atividades licenciáveis ou autorizáveis pelo órgão. Assim, no caso do IBAMA, seria fundamental o controle das atividades no mar territorial, nos portos, nas terras públicas, que abrange grande parte da Amazônia, e nas questões de grande monta afetas especialmente ao ente federal, que por ter repercussão nacional e internacional não podem ser eficientemente cuidadas por entes regionais ou locais.

6.2 Da duplicidade de autuação

Ponto importante a ser destacado é a previsão do art. 17, § 3º que diz prevalecer o auto de infração do ente licenciador quando houver duplicidade de autuação. Não se trata aqui, como já dito à exaustão, de qualquer limitação do poder de fiscalização. A solução para duplicidade de autuação já existia na lei pátria no art. 76 da Lei 9.605/98, in verbis:

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

O texto da Lei 9.605/98, contudo, não respondia a todos os problemas concernentes à duplicidade de autuação. Observe-se que a solução era exclusivamente financeira, não havia preocupação quanto aos demais efeitos da autuação. Como se sabe, a questão financeira, nem de longe é a questão mais importante de uma autuação ambiental. A pena pecuniária cumpre função pedagógica e não arrecadatória. Mesmo que se defendesse a função arrecadatória da pena, esta estaria em último plano. Além do mais, a solução anterior informava que a multa federal era substituída sem qualquer critério, e não resolvia sequer o conflito entre uma multa estadual e municipal. Mas mais grave de tudo era o fato de não informar qual ente deveria seguir com as exigências administrativas e legais para recuperação do dano ambiental.

A solução do art. 17, § 3º da LC 140 é mais equânime, completa e adequada. A lei complementar adequadamente informa que não há prevalência de qualquer ente. A multa federal não será sempre substituída. Aliás, não havia qualquer razão para esta previsão anterior da substituição financeira da multa federal. Com a nova disposição, quis o legislador concentrar a atividade administrativa em um único ente e usou como critério o ente que já concentrava a atividade de licenciamento. Adequado o critério, e quando a atividade for licenciada pelo ente federal, ainda que o ente estadual lavre multa, o auto de infração federal não será substituído.

Deve-se, contudo, analisar com precisão para saber quando realmente há duplicidade de autuação. Somente há duplicidade quando o sujeito passivo e o tipo infracional forem absolutamente idênticos. Faltando algum elemento de identidade, não se estará diante de duplicidade de autuação e não há incidência da regra do art. 17, § 3º. Por exemplo, em um mesmo empreendimento pode haver uma multa por atividade sem licença e outra por agressão à APP. Caso outro órgão também lavre multa por atividade sem licença, prevalecerá a multa do órgão licenciador. Mas se não houver duplicidade em relação à multa por dano à APP, a multa já lavrada, ainda que não seja pelo órgão licenciador terá seu curso, mantidas todas as exigências ambientais e administrativas. De outro lado, caso a multa seja lavrada contra o construtor e o órgão licenciador lavre multa contra o empreendedor, que pode ser diverso, também não haverá duplicidade. Sendo o sujeito passivo distinto, cada um responderá nos termos de sua responsabilidade, conforme art. 2º da Lei 9.605/98.

A substituição de autos de infração pelo auto de infração do órgão licenciador, como se observa, não limita a competência comum. Pode a lei complementar, no teor do art. 23, dispor a forma como se dará o exercício da competência comum. Foi justamente o que ocorreu com o texto legal. O mesmo ocorre com a divisão das atribuições para licenciar, alertando-se que não se confundem as competências e momentos do licenciamento e da fiscalização. Este é o espírito da aplicação do art. 3°, inc. III, que procura evitar a sobreposição das atribuições para alcançar a eficiência administrativa.

A substituição do auto de infração não importa em redução da competência de fiscalizar e não importa no enfraquecimento da fiscalização. Pelo contrário, ela apenas pretende tornar mais eficiente a fiscalização e informa qual órgão será responsável pela apuração completa da infração e que deverá exigir a recuperação do dano. Observa-se que as atividades dos órgãos ambientais não estão imunes a controle. A disposição de concentração não importa em enfraquecimento do cuidado ambiental. O dano já autuado por um órgão já será de conhecimento público, com exposição dos motivos e necessária informação ao Ministério Público e demais meios próprios de controle. Assim, o prosseguimento das exigências ambientais pelo órgão ambiental licenciador, ainda que não tenha sido o que primeiro autuou, passa pelos mecanismos institucionais de controle que garantem eficiência administrativa.

Como já dito acima, a substituição ocorre apenas se a autuação for pelo mesmo fato, pelo mesmo tipo infracional e contra o mesmo sujeito passivo. Caso o órgão não licenciador tenha aplicado multa por licença viciada, estudos falsos, etc., a multa por outro tipo infracional do órgão licenciador não terá o condão de impedir o prosseguimento das apurações em razão dos danos ou vícios já autuados.

A organização/distribuição da competência comum, disciplinada pela LC 140/11, portanto, não reduz a competência comum e não padece de qualquer vício de constitucionalidade. A fiscalização pode ser feita por qualquer ente da federação e não está adstrita ao órgão licenciador. Aliás, em muitos casos, o próprio agente do órgão licenciador deverá ser responsabilizado pelo dano e a fiscalização de outro ente da federação normalmente é mais eficaz, neste caso, por estar apartada do processo de licenciamento.

Esta é uma grande e importante inovação da LC 140/01. Para impedir o bis in idem previu o texto do § 3º do art. 17 que quando houver autuação do mesmo fato por mais de um ente da federação prevalece o auto de infração do órgão que tenha atribuição para licenciar ou autorizar.

Portanto, não mais subsiste no mundo jurídico o art. 76 da Lei 9605/98. Apenas para as infrações anteriores a LC 140 aplica-se a regra revogada, visto que a lei não retroage.

Desta forma, havendo no processo de auto de infração, prova de autuação pelo órgão licenciador, pelo mesmo fato, contra o mesmo sujeito passivo e pelo mesmo tipo infracional, pode-se arquivar o processo. A multa do órgão licenciador substitui a multa dos demais entes da federação em todos os aspectos. Todas as penas e cuidados ambientais e administrativos serão aplicados pelo órgão licenciador que também será obrigado a exigir a reparação do dano.

6.3 Do momento da autuação

Prevê a Lei 9.605/98:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

(...)

§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.

Como explanado, não houve qualquer limitação ao poder de fiscalização dos diversos entes da federação. A Lei 9.605/98 informa quais autoridades administrativas têm o dever da fiscalização, bem como prevê que o servidor que deixar de apurar será corresponsável pela infração.

O § 2º art. 17 da LC 140 determina que, na iminência ou ocorrência de degradação, o ente que tiver conhecimento deve determinar as medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando ao órgão competente para as providências cabíveis.

Não informa o texto legal se as medidas importam em autuação ou apenas medidas acautelatórias.

A própria leitura do texto parece, contudo, determinar que a medida seja mesmo a autuação imediata. Observe-se que a determinação de comunicação aparece na sequência do texto. Caso o legislador pretendesse apenas medidas acautelatórias e a comunicação para que o órgão licenciador autuasse, bastaria prosseguir o texto do § 1º. Mas o § 2º é mais incisivo e determina que sejam procedidas todas as medidas devidas. Segue ainda a previsão do § 3º informando que não há impedimento de autuação de todos os órgãos. Aliás, não havendo limitação do poder de fiscalização, qual seria a razão a impedir a autuação imediata, salvo algum elemento que necessite de apuração complementar?

O § 3º do Art. 70 da Lei 9605/98 não foi revogado e leva também a esta conclusão. A responsabilidade pela proteção ambiental alcança a todos e a autuação deve ser imediata. Por óbvio, pode a administração iniciar a apuração com a comunicação ao órgão licenciador/autorizador para a fiscalização pertinente, mas somente nos casos em que não haja iminência ou não haja ocorrência do dano. Para não caracterizar a omissão deve sempre ser sopesado o efeito que o tempo da comunicação ao órgão licenciador poderá ter em relação ao dano ambiental.

A aplicação de medidas acautelatórias antes da lavratura de auto de infração deve ser reservada para as situações em que há necessidade de prosseguir nas apurações para determinar algum elemento necessário para a lavratura do auto.

Deve-se registrar que o §2º diz que nos casos de “iminência” ou “ocorrência” as medidas para interromper o dano devem ser aplicadas. O texto leva para os casos de flagrante ou de risco iminente do dano. No caso de denúncias ou informações que não se configurarem em iminência ou efetivação do dano, poderia ser feita a comunicação ao órgão licenciador. Nestes casos, o tempo despendido na comunição não importará em agravamento do dano e o órgão licenciador estará mais munido de informações para exercer sua atividade conforme dispõe os art. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII. Mesmo neste caso, após a comunicação, ainda não estaria afastada a competência comum para fiscalizar. Acaso o órgão licenciador permanecer inerte, deve-se lavrar o auto de infração.

Portanto, tendo a autoridade ambiental se deparado com degradação ou sua iminência deve expedir de forma imediata o auto de infração e comunicar ao órgão licenciador. Deixar de autuar e apenas comunicar ao órgão licenciador, mesmo que se lavre embargo, não parece ser a forma mais segura da atividade administrativa. O próprio embargo, sem a multa, somente pode ser lavrado em condições excepcionais, quando não se tem certeza do dano ou quando se notifica para apresentar documentação pertinente, ou, ainda, quando há necessidade de apuração de algum elemento necessário à autuação. No curso de operação, o flagrante leva à autuação, visto que a comunicação ou simples notificação, além de poder importar em omissão, torna a atividade administrativa menos eficiente. Isto porque em momento futuro, caso haja necessidade de autuação, poderá ser custoso e difícil encontrar os responsáveis ou reconstituir os elementos de prova do dano. Nova atividade administrativa posterior importará sempre em mais custos.

Deve-se considerar também que, com a autuação imediata, cabe ao autuado trazer aos autos a prova de que foi autuado pelo mesmo fato e pelo mesmo tipo infracional pelo órgão licenciador, o que facilita a instrução do processo e torna mais eficiente a atividade administrativa. Aplicando-se apenas medidas acautelatórias e a comunicação ao órgão licenciador, ter-se-ia, no futuro, que fazer análise dos fatos autuados pelo órgão lincenciador e hipóteses infracionais, o que tornaria ainda mais complexa e ineficiente a atividade de fiscalização.

O simples embargo e a comunicação exigiriam análise posterior da atividade de fiscalização do órgão licenciador. Acaso se entendesse por eventual omissão do órgão licenciador, haveria necessidade de emitir multa futura específica. Esta forma de proceder tornaria a atividade de fiscalização mais complexa, acrescida da conhecida dificuldade em receber informações de outros órgãos. Por fim, a análise a posteriori da atividade do órgão licenciador, com possível lavratura de multa, poderia mais facilmente configurar interferência em outro órgão do SISNAMA.

Por outro lado, deve-se ter em vista que as medidas acautelatórias, ainda que possam ser aplicadas antes da autuação, são sempre efetivadas em preparação ao processo principal de autuação. O mais recomendado é que as medidas acautelatórias sejam acompanhadas da respectiva autuação. Neste sentido segue texto que trata da matéria de apreensão de bens, mas que se aplica, em todos os sentidos, também para os embargos e outras medidas acautelatórias.

A aplicação da apreensão, no momento da fiscalização, não deve ser tratada como uma sanção, de forma a desconsiderar o direito ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Trata-se da mais necessária medida acautelatória, que se impõe na maioria dos casos de cometimento de infração ambiental.

Diante da ocorrência de uma infração administrativa, o agente ambiental, em entendendo pela necessidade de adotar medida acautelatória de apreensão de bens relativos à infração, poderá fazê-lo como ato preliminar de apuração da infração administrativa. O objetivo é prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo (art. 101, § 1º, do Decreto nº 6.514/08).

(...)

No entanto, há casos em que, diante da gravidade da atividade irregular e em face do perigo de se continuar a prática da infração, são tomadas providências acautelatórias que, em razão da urgência, não tem como obedecer a um processo legal preliminar.

Tais medidas não se confundem com as sanções administrativas. São apenas meios que o legislador colocou à disposição do ente administrativo detentor do Poder de Polícia para garantir o cumprimento da função da sanção administrativa, que só consubstanciar-se-á após o devido processo legal administrativo. 

Nesse sentido, destaca Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar a incidência do princípio do devido processo legal nas infrações e sanções administrativas, consoante determinação constitucional:

Esta exigência da Lei Maior erige dificuldades práticas no caso de certas sanções, como por exemplo, na aplicação de multa de trânsito, e sugere – nisto, equivocadamente - que também haveria a mesma dificuldade relativamente a hipóteses como as de apreensão de equipamentos de caça ou pesca efetuada fora das exigências legais, ou de alimentos comercializados em más condições de higiene, ou a destruição, por este motivo, de xícaras ou copos rachados, encontrados pela Fiscalização em bares ou restaurantes populares.

Quanto às multas de trânsito, ter-se-á de entender que a lavratura do auto de infração por parte do agente de trânsito – e que, por razões óbvias, não tem como deixar de ser feita imediatamente e serem aturados rigorismos formalísticos – é apenas uma preliminar do lançamento da multa, o qual só se estratifica depois de ofertada a possibilidade de ampla defesa e se esta for desacolhida.

Quanto às outras hipóteses não procederia a dúvida, pois não seriam sanções administrativas, mas providências acautelatórias, e, por isto mesmo, em face da urgência, desobrigadas de obediência a um processo preliminar.

(...) Quase sempre tais providências precedem sanções administrativas, mas com elas não se confundem. Assim, e.g., a provisória apreensão de medicamentos ou alimentos presumivelmente impróprios para consumo da população, a expulsão de um aluno que esteja a se comportar inconvenientemente em sala de aula, a interdição de um estabelecimento perigosamente poluidor, quando a medida tenha que ser tomada sem delonga alguma, são medidas acautelatórias e só se converterão em sanções depois de oferecida oportunidade de defesa para os presumidos infratores. Como se vê, em certos casos a compostura da providência acautelatória é prestante também para cumprir a função de sanção administrativa, mas só assumirá tal caráter, quando for o caso, após conclusão de um processo regular, conforme dito. (In Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, São Paulo: Malheiros, 2005, págs.793/795).

Logo, outra conclusão não se pode ter senão a de que a aplicação efetiva de uma sanção administrativa demanda o devido processo administrativo, seja o mesmo iniciado com um ato preliminar, como no caso da multa, seja pela aplicação de uma providência acautelatória, como no caso da apreensão cautelar de produtos ou instrumentos envolvidos na infração, que precederá a sanção administrativa de apreensão/perdimento do bem. Assim, as medidas acautelatórias só se tornarão efetivamente sanção quando houver atendimento ao direito de defesa do infrator e julgamento pela autoridade competente (art.71, da Lei Federal nº. 9.605/98), confirmando-se definitivamente a medida.

(...)

Nesse sentido, também a lição de JOÃO BATISTA GOMES MOREIRA:

As medidas cautelares são “o contraveneno do tempo”. A tutela cautelar da Administração consiste em medidas para assegurar, no processo administrativo, a realização definitiva da tutela jurídica. No processo administrativo, como no processo judicial, pode acontecer a necessidade de imposição de medidas urgentes, sem prévio contraditório, o qual, entretanto, não fica excluído, mas apenas postergado. Justificam-se certas providências, antecipadamente à conclusão do processo, em face do risco de lesão grave e irreparável ao interesse público. Não se cuida de um poder autônomo, mas instrumental, restrito e proporcional à finalidade de preservar a eficácia da tutela principal. É, por isso, um poder-dever implícito na norma de competência administrativa, o que não nega a conveniência de que seu exercício seja expressamente disciplinado, no intuito de evitar abuso da discricionariedade que lhe é inerente. (in, Direito administrativo – da rigidez autoritária à flexibilidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p.370-371).

(...)

Por todo o exposto, neste caso, conclui-se que a atividade da Administração de apreender os instrumento/objetos da infração, antes de lavrar os autos de infração, configura medida cautelar administrativa, que somente se tornará penalidade administrativa após o devido processo administrativo. In caso, houve apenas o deslocamento do contraditório e da ampla defesa para momento posterior, logicamente, antes do julgamento da(s) penalidade(s) em comento. (...) (PFE/IBAMA,Teses Mínimas Possibilidade De Aplicação De Medida Acautelatória, 2010)

Pelo exposto, diante da iminência ou degradação deve-se autuar e aplicar as medidas acautelatórias. Não é aconselhável aplicar apenas as medidas acautelatórias, visto que estas são preparatórias do processo principal, bem como é no processo que se decidirá sobre a correção ou não das medidas aplicadas.

A OJN 17/10 tratou da atribuição de fiscalização do IBAMA em Unidades de Conservação de responsabilidade do ICMBio e pode ser útil para a compreensão da aplicabilidade das competências comuns.

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades potencialmente poluidoras dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público.

Conforme ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o “poder de polícia age através de ordens e proibições, mas, sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras”, “pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 34ªed, p. 141).

(...)

Importante ainda salientar que a competência material é comum a todos os entes federados, que devem proteger o meio ambiente independentemente da verificação da predominância do interesse. Cabe aos órgãos executores do SNUC, diante de situações de perigo concreto ou abstrato, decidir o momento de atuar. (PFE/IBAMA, OJN 17, 2010)

Como dito acima, a decisão sobre o momento da autuação ou comunicação ao órgão ambiental licenciador deve ser sempre sopesada com a situação fática. Caso haja dano ou iminência de degradação o aconselhável é a autuação imediata, mesmo porque o acompanhamento administrativo dos efeitos da comunicação pode não ser eficiente e levar à futura responsabilização por omissão. Continua a referida orientação:

O conceito de atuação supletiva deve ser analisado com parcimônia, uma vez que o dano não aguarda a chegada do órgão ambiental competente. Supletivo, segundo o novo Dicionário Aurélio, é o “que supre ou se destina a suprir”. Se há perigo iminente de dano a uma Unidade de Conservação, está autorizada a atuação supletiva do IBAMA, podendo-se concluir que as medidas de precaução não foram aplicadas a contento.

Diante da iminência do dano, o IBAMA não pode aguardar que o ICMBio seja chamado a atuar para, só então, diante da inércia deste, vir a agir. Raciocínio assim vai de encontro aos Princípios Constitucionais do Meio Ambiente e pode ensejar a responsabilidade civil do ente omisso. É que, ressalte-se, a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e pode decorrer de atos ilícitos e lícitos, bastando apenas que sejam comprovados os seguintes elementos: ação/omissão, nexo causal e dano. (PFE/IBAMA, OJN 17, 2010)

Fica claro, assim, que o procedimento mais adequado diante do dano ou iminência de degradação é a autuação imediata, devendo-se, após, comunicar ao órgão licenciador, encaminhando-se, inclusive, cópia do auto de infração e todos os documentos pertinentes. A comunicação é para que o órgão licenciador possa cumprir com sua obrigação de controle contínuo da atividade, conforme dispões os art. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII. A comunicação é para as providências cabíveis, conforme os incisos relacionados. Veja-se que não informa que se deve comunicar para o órgão licenciador autuar. O órgão licenciador pode simplesmente entender que a autuação já foi adequada e apenas aplicar as demais providências a cargo do licenciamento, como suspender a licença, exigir estudos e provas complementares, intensificar a fiscalização, verificar a regularidade dos controles próprios do licenciamento ou mesmo emitir novos e distintos autos de infração, porquanto a análise do órgão licenciador pode detectar outras infrações que não foram possíveis de identificação no momento da fiscalização anterior. Tendo o órgão licenciador todos os documentos relacionados à atividade, com mais facilidade poderá observar infrações que não seriam percebidas com uma fiscalização de rotina, como, por exemplo, a apresentação de documentação falsa ou propositalmente insuficiente. Assim, a melhor política administrativa do ente licenciador é emitir nova multa apenas quando a primeira não foi adequada e necessita de correções.

O sentido da cooperação entre os diversos órgãos do SISNAMA é justamente poder exercer, com a máxima eficiência, a competência comum do poder de fiscalização.

Sobre o autor
Henrique Albino Pereira

Procurador Federal em Florianópolis (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Henrique Albino. Competência para fiscalizar na Lei Complementar nº 140/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3363, 15 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22623. Acesso em: 22 nov. 2024.

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O artigo é fruto de trabalho acadêmico e não reflete obrigatoriamente o entendimento jurídico de órgão ambiental federal ou sua representação jurídica.

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