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Tráfico de drogas e substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Uma análise evolutiva do tratamento da matéria no ordenamento jurídico brasileiro

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2 TRÁFICO DE DROGAS

Em razão dos inúmeros danos causados pelo uso de drogas, sua comercialização é, em regra, proibida em nosso país, sendo regulada pela Lei n° 11.343/06, conhecida como Lei de Drogas. Esta Lei trata, dentre outros aspectos, dos crimes praticados em decorrência do uso, comércio, associação e outras condutas relacionadas, que encontramos a partir do artigo 33, sendo o tráfico de drogas, o mais recorrente, e, por tal motivo, a preocupação em reprimi-lo é cada vez maior, sendo cogitadas punições mais severas que as destinadas aos crimes comuns.

2.1 DEFINIÇÃO DE DROGA

 Segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas produzindo alterações em seu funcionamento (OBID, 2011).

 É considerada droga psicotrópica qualquer substância utilizada para alterar o funcionamento cerebral. Mas as alterações causadas pelo uso dessas drogas variam de acordo com a espécie utilizada. As drogas psicotrópicas são divididas em três grupos, e cada um desses grupos age de maneira diferente no organismo (CEBRID, 2011).

O primeiro grupo é o das drogas depressoras do sistema nervoso central, essa espécie de substância faz com que o cérebro funcione lentamente, são exemplos: o álcool, barbitúricos e inalantes. A segunda classe é a das drogas estimulantes do sistema nervoso central. Ao contrário das primeiras, essas aceleram a atividade de determinados sistemas neurais, fazendo com que o indivíduo tenha insônia e aceleração dos processos psíquicos, são exemplos: anfetaminas, cocaína e tabaco. Por fim, temos as drogas perturbadoras do sistema nervoso central, que produzem delírios e alucinações, causando distorções no funcionamento do cérebro, são exemplos: maconha, alucinógenos, LSD e êxtase (CEBRID, 2011).

 A Lei n° 11.343/06, conhecida como de Lei de Drogas, é norma penal em branco. Isto porque não traz em seu texto quais são as substâncias consideradas “Drogas”, ficando a cargo do poder executivo tal especificação, conforme se verifica no parágrafo único, do artigo 1° (BRASIL, 2006):

Para fins desta lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

 O órgão encarregado de editar a relação das substâncias entorpecentes proibidas em nosso país é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A lista de drogas ilícitas, de uso e comercialização proibidos, editada pela ANVISA, vigente nos dias de hoje, é a Portaria 344, de 1998, que é atualizada regularmente pelo órgão. Essa portaria traz uma relação das substâncias classificadas no Brasil como entorpecentes, psicotrópicas e de controle especial e conta hoje com 541 substâncias, a maior parte desse total formada por medicamentos (ANVISA, 2011).

2.2 TRÁFICO DE DROGAS E AUMENTO DA VIOLÊNCIA

 O aumento da violência tem afetado a sociedade como um todo, gerando sensação de insegurança e medo. Segundo recente estudo do IBGE sobre as causas de mortalidade no Brasil, observou-se que as causas de morte em nosso país não são as mesmas de antes. Segundo o instituto, nas últimas décadas reduziram drasticamente as mortes por causas evitáveis, como as relacionadas a doenças infecciosas, má nutrição e problemas relacionados à saúde reprodutiva, o que se deve notoriamente aos avanços da medicina e tecnologia. Por outro lado, se tornaram mais frequentes, e cada vez em maior número, as mortes causadas por doenças não transmissíveis e as violentas (IBGE, 2009).

 No decorrer de sua análise, os pesquisadores chamam atenção para algumas áreas onde a violência é generalizada, como por exemplo, os grandes centros urbanos e as favelas, onde acontece a maioria dessas mortes. Também chama atenção o fato das vítimas serem, em sua maioria, jovens entre 15 e 29 anos, do sexo masculino. Traçando um paralelo com a baixa nas taxas de mortalidade infantil, ocorrida principalmente nos últimos 20 anos, a pesquisa conclui que se tem preservado a vida dos recém-nascidos, mas que essas crianças sobreviventes têm grande risco de morrerem quando chegarem à juventude (IBGE, 2009).

 Sérgio de Oliveira Médici, ao tratar da proliferação do consumo de drogas, diz que essa foi uma das grandes dívidas deixadas pelos anos 60. Segundo o autor, foi a partir desse período que houve um aumento impressionante no consumo de entorpecentes, que até então era limitado a pequenos grupos marginais (1977).

 Além da degradação física que causa aos usuários e suas famílias, o consumo de drogas destrói a sociedade como um todo. O fato que mais contribui para a aniquilação da sociedade pelas substâncias entorpecentes é o quanto seu comércio aumenta a criminalidade.

 Um estudo realizado pela coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESEC/UCAM) e divulgado pelo Observatório de Segurança Pública (OBID), revela que, a partir de 1980, o tráfico de drogas se instalou nas favelas e bairros pobres de grandes cidades. Foi a partir dessa década que começaram as conhecidas guerras entre facções rivais que disputam o controle desse mercado altamente lucrativo e também os confrontos sangrentos entre estes e a polícia. Nessas regiões o tráfico alicia crianças e adolescentes oferecendo renda e expectativas de futuro, que por serem muito mais atrativas que a vida miserável que levam acaba ganhando esses jovens para a criminalidade (RAMOS, 2011).

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 O estrago causado pelas drogas é incontroverso, prova disso são os processos criminais que tramitam em todo o país. São incontáveis os crimes cometidos em decorrência do uso ou tráfico de drogas. O vício destrói a entidade familiar, faz com que filhos matem seus pais, homens e mulheres vendam seus corpos em troca de porções de crack ou cocaína e pais abandonem seus filhos por não conseguirem nem sequer cuidar de si mesmos quando tomados pela dependência.

Os crimes praticados em decorrência das drogas não se limitam aos tipificados na Lei n° 11.343/06, indiretamente o uso ou o tráfico de entorpecentes são as causas da grande maioria dos ilícitos penais. Os furtos são preponderantemente motivados pela mantença do vício, assim como os roubos e os demais crimes contra o patrimônio. Homicídios e tráfico de armas são corriqueiros nas grandes redes de tráfico, como vemos todos os dias nos noticiários.

 Por conta da devastação causada pelo tráfico, não só as causas de mortalidade, mas também os motivos das condenações criminais mudaram muito a partir dos anos 60. Em 1907, 100% dos presos cumpriam pena por condenação por crimes contra a pessoa. Entre os 2.833 condenados na época, 2.422 tinham cometido homicídio; 53, tentativa de homicídio; 223, lesão corporal e 135, "violência carnal", há que se notar que a preponderância dos atentados contra a vida justifica-se pela forma como a justiça era vista na época, essa fase é marcada pela vingança privada, o que revela a causa do número elevado de homicídios e tentativas de homicídio. Em 1985, dos 39.609 presos, 57,8% foram condenados por crimes contra o patrimônio, que aparece a partir do anuário de 1943, e 26,5%, por crimes contra a pessoa. Já o tráfico e uso de entorpecentes (classificado como crime contra a Saúde Pública) é um fenômeno da década de 60 e, em vinte anos (entre 1965 e 1985), mais que triplicou o número de condenações (IBGE, 2003).

 Pelo exposto, podemos perceber o quanto é necessário que o Estado intervenha nesse caos originário do uso de drogas. Não por acaso, o sujeito passivo do crime de tráfico e dos demais crimes relacionados na Lei de Drogas é a Saúde Pública, pois não se pode mensurar o mal causado pela conduta de um indivíduo que trafica entorpecentes. Portanto, deve a reprimenda estatal ser justa e suficiente para atingir as funções retributiva e preventiva da pena.

2.3 ANÁLISE DO TIPO PENAL

 O tráfico de drogas, anteriormente regulado pelo artigo 12 da Lei 6.368/76, atualmente encontra sua previsão legal no artigo 33 da Lei 11.343/06. A compreensão da norma penal é pressuposto para a avaliação da suposta inconstitucionalidade da vedação abstrata à aplicação de penas alternativas e será realizada através do estudo do conceito do crime, seu objeto, sujeitos, conduta, elementos, momento da consumação e admissibilidade do delito na forma tentada.

2.3.1 Conceito do Crime de Tráfico de Drogas

 O conceito do crime de tráfico de drogas pode ser encontrado na própria Lei de Drogas (BRASIL, 2006), que o define da seguinte forma:

Art. 33 Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação regulamentar.

  §1° Nas mesmas penas incorre quem:

I – Importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – Semeia, cultiva ou faz colheita, sem autorização ou desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – Utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente em que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

 As vedações abstratas à substituição de pena da Lei de Drogas vão além desse artigo, mas nos limitaremos a analisar o tema no que tange aos crimes acima especificados.

2.3.2 Objetividade Jurídica

 O bem protegido pela norma penal em comento é a Saúde Pública.

Para Rogério Sanches Cunha, a objetividade jurídica pode ser dividida em tutela imediata, saúde pública, e tutela mediata, saúde individual de pessoas que integram a sociedade (CUNHA, 2011).

 Nucci (2008, p. 315), tratando dos motivos que tornam legítima a proteção estatal, comenta:

Não se permite que determinados entorpecentes circulem em sociedade porque seus danos, ao longo do tempo, já foram comprovados, não somente por médicos, cientistas, especialistas da área da saúde pública em geral, como também por fatos concretos passados. A saúde pública, bem jurídico imaterial, mas  que significa a possibilidade de que várias pessoas, em número indefinido, adoecerem e, por fim, morrerem, é tangida quando há tráfico de drogas.

 Outra observação quanto à tutela pretendida pelo tipo penal é que, o crime de tráfico é de perigo abstrato, ou seja, não se exige lesão ao bem jurídico ou a colocação deste em risco real e concreto para a configuração do crime, bastando apenas a ocorrência da conduta descrita na lei, independente do resultado. A condenação independe de prova de lesão, pois esta é presumida pelo legislador (NUCCI, 2008).

2.3.3 Sujeitos do Delito

 Em regra, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de tráfico. As exceções são no caput, pois a conduta “prescrever”, é crime próprio, privativo de médico ou dentista e no inciso III, do §1°, pois as condutas descritas nele só poderão ter como sujeito ativo quem tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância do local que se utiliza para o tráfico ou consente que outrem dele de utilize (MARCÃO, 2011).

 O sujeito passivo dos dispositivos em análise é a coletividade. Secundariamente, em razão do disposto no art. 40, VI, podem concorrer no pólo passivo: crianças, adolescentes ou pessoas incapazes de discernimento ou autodeterminação (CUNHA, 2011).

2.3.4 Conduta Criminosa

Pratica o crime de tráfico previsto no caput do artigo 33 quem realiza um dos 18 (dezoito) verbos descritos na normal penal. Cunha (2011, p. 195), ao analisar o tipo penal traz as seguintes definições:

Os dezoito verbos contemplados no art. 12 da Lei 6.368/76 foram mantidos (sem acréscimo). São eles: importar (trazer de fora), exportar (enviar para fora), remeter (expedir, mandar), preparar (por em condições adequadas para uso), produzir (dar origem, gerar), fabricar (produzir a partir de matérias primas, manufaturar), adquirir (entrar na posse), vender (negociar em troca de valor), expor à venda (exibir para a venda), oferecer (tornar disponível), ter em depósito (posse protegida), transportar (levar, conduzir), trazer consigo (levar consigo, junto ao corpo), guardar (tomar conta, zelar para terceiro), prescrever (receitar), ministrar (aplicar), entregar (ceder) a consumo ou fornecer (abastecer) drogas, ainda que gratuitamente (amostra grátis).

O inciso I, do §1°, traz mais 14 condutas descritas, que são: 1) importa; 2) exporta; 3) remete; 4) produz; 5) fabrica; 6) adquire; 7) vende; 8) expõe à venda; 9) oferece; 10) fornece; 11) tem em depósito; 12) transporta; 13) traz consigo ou 14) guarda. Descreve o inciso condutas análogas às do caput, mas enquanto aquele faz referência às drogas, este trata da matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. Trata-se portanto de cuidado do legislador em prescrever penas aos que colaboram em todas as fases da traficância, tomando precauções para que a punição estatal não recaia apenas sobre alguns indivíduos, mas a todos que de alguma forma contribuíram para o resultado final (BRASIL, 2006).

O inciso II do §1°, elenca mais três possibilidades do agente incorrer em tráfico. Neste também são descritas condutas primárias da rede de tráfico. Através desta previsão legal é possível punir quem 1) semeia; 2) cultiva ou 3) faz a colheita de plantas que constituam matéria-prima para a preparação de drogas (BRASIL, 2006).

Por fim, o inciso III é o amparo legal para punir os que utilizam ou permitem que o bem de quem têm a posse, propriedade, administração, guarda ou vigilância seja utilizado para o tráfico de entorpecentes (BRASIL, 2006).

Em qualquer dessas situações é exigido, além da prática dos atos descritos, mais um requisito: Que o agente esteja agindo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Se o agente está autorizado ou agiu conforme determinação, não há ilicitude. Apesar de parecer óbvio, o segundo requisito é essencial para a configuração do ilícito, pois excepcionalmente a exploração de drogas é permitida, desde que se enquadre em um dos casos dos artigos 2° a 31 da Lei n° 11.343/06 (MARCÃO, 2011).

 Embora a lei descreva diversas condutas, o sujeito que comete uma ou várias responderá por apenas um crime, por isso diz-se que o tipo penal em estudo é misto alternativo. Eventualmente poderá ocorrer concurso de crimes se o agente praticar os atos em tempo excessivamente distante um do outro (NUCCI, 2008).

2.3.5 Elemento Subjetivo

 Em todos os tipos penais aqui analisados, não há crime culposo. O dolo é sempre elemento necessário para a condenação, não podendo ser presumido (CUNHA, 2011).

2.3.6 Consumação e Tentativa

 Para que o crime de tráfico de drogas se consume, é suficiente a realização de qualquer das condutas previstas na lei (MARCÃO, 2011).

 Quanto à possibilidade de tentativa, a questão é controversa. Há os que defendem a possibilidade de existir tráfico na forma tentada. Nesse sentido:

Se a prisão do acusado se deu quando estava ingressando no território nacional com substância entorpecente, resta caracterizado o crime de tráfico na modalidade importar e na forma tentada e não na modalidade de trazer consigo, o que importaria na consumação do delito (BRASIL. TRF, 4ª R, Ap. 96.04.42481-5/PR, 2ª T., j. 17-10-1996, rel. Des. Fed. Jardim de Camargo, DJU de 20-11-1996).

E dos que entendem que inexiste a tentativa de tráfico. Nesse sentido:

O crime de tráfico de entorpecentes se exaure na modalidade de trazer consigo a substância entorpecente, não podendo se falar em tentativa. O tipo penal é de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois apresenta várias formas de violação da mesma proibição, bastando para a consumação do crime a prática de uma das ações ali previstas. Para a configuração do crime de tráfico de entorpecentes imputado à recorrida, basta o dolo genérico de levar consigo a droga, o animus de traficar (BRASIL. STJ. REsp. 283.679-SP, 5ª t., j. 6-6-2002, rel Min° Gilson Dipp, DJU de 5-8-2002).

A posição majoritária, doutrinária e jurisprudencial, é de que é inadmissível a tentativa do crime descrito no caput do artigo 33, por tratar-se de crime de perigo de dano abstrato (MARCÂO, 2011).

 Em relação aos delitos do §1, é admitida a forma tentada dos incisos I e II. Quanto ao inciso III, é admitida a forma tentada apenas na primeira modalidade: utiliza, considerando que o consentimento é ato instantâneo, e não seria possível tentativa nesse ato (MARCÃO, 2011).

Sobre as autoras
Natália Cristina Cunha Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

Viviani Gianine Nikitenko

Mestre em Direito pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Professora Assistente I do Curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Natália Cristina Cunha; NIKITENKO, Viviani Gianine. Tráfico de drogas e substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.: Uma análise evolutiva do tratamento da matéria no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22772. Acesso em: 23 dez. 2024.

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