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Tráfico de drogas e substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Uma análise evolutiva do tratamento da matéria no ordenamento jurídico brasileiro

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3 ANÁLISE EVOLUTIVA DO TRATAMENTO DA VEDAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Compreendidos os aspectos inerentes à apreciação da problemática que motivou este estudo, passaremos à análise evolutiva do tratamento da matéria no ordenamento jurídico brasileiro.

3.1 NOÇÃO HISTÓRICA

 A discussão acerca da possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ao condenado por tráfico de drogas tem longa data.

Quando da vigência da Lei n° 6.368/76, antecessora da Lei n° 11.343/06, não havia óbice legal para tal benefício, porém outros impedimentos eram apontados.

 Como já dito anteriormente, as penas privativas de liberdade surgiram no sistema pátrio em 1984, portanto após a Lei 6.368, que é de 21 de Outubro de 1976. Neste período a substituição não era possível porque a pena mínima prevista para o crime de tráfico era de três anos, enquanto uma das condições de substituição exigidas pela Lei 7.209/84 era de que a pena não fosse superior a um ano (BRASIL, 1976; 1984).

 Com a edição da Lei n° 9.714/98 o limite de pena para a substituição passou de um para quatro anos, o que tornaria possível, a princípio, a substituição, mas a maioria da doutrina e jurisprudência apontava como obstáculo o fato de que, no período, já vigorava a Lei. 8.072/90, chamada Lei dos Crimes Hediondos, e sendo o tráfico crime equiparado a hediondo, para ele também vigorava a regra do regime integralmente fechado, incompatível com a substituição por pena alternativa (BRASIL, 1940; 1990). Nesse sentido:

Os crimes descritos no art. 12 da Lei 6.368/76 são equiparados a hediondos por força da Lei 8.072/90. 2. Assim, tendo em vista o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, não há como aplicar a substituição da reprimenda imposta por sanção restritiva de direito (CP, art. 44). 3. A Lei 9.714/98, mesmo sendo posterior à Lei 8.072/90, não a derrogou, em virtude do critério da especialidade (BRASIL, STF. HC 83627/SP. 1ª t. Rel. Min° Joaquim Barbosa. j. 25-11-2003, DJU. 27-02-2004).

Quando editada, em 23 de Agosto de 2006, a Nova Lei de Drogas operou inovações na seara criminal quanto ao tratamento dado aos que participam desse mercado ilícito. Dentre as alterações destacaremos duas que influenciaram diretamente no tema tratado.

Primeiramente, com o intuito de punir de maneira mais rigorosa os que praticassem as condutas descritas no artigo 33, houve considerável exasperação das penas, passando o mínimo de três para cinco anos, o que unicamente poderia impedir a aplicação do artigo 43 do Código Penal, não fosse a segunda novidade: o §4° (BRASIL, 2006).

Diversamente do caput do artigo, que conta com redação semelhante à que continha o artigo 12 da Lei n° 6.368/76, o §4° do artigo 33 foi uma das grandes mudanças trazidas pela nova lei. Este dispositivo penal trata de causa especial de diminuição de pena muito elogiada pela doutrina e jurisprudência, por trazer proporcionalidade e isonomia às penas, que no regramento anterior ficavam prejudicadas, na medida em que tratava os diferentes de maneira igual. Em comento ao tipo penal, Marcão (2011, p. 184) resume as mudanças benéficas que foram efetuadas em conseqüência da previsão normativa:

 A previsão é saudável na medida em que passa a permitir ao magistrado maior amplitude de apreciação do caso concreto, de maneira a poder melhor quantificar e, portanto, individualizar a pena, dando tratamento adequado àquele que apenas se inicia no mundo do crime.

Sob a égide da lei antiga, até por má aplicação do artigo 59 do Código Penal, na maioria das vezes o neófito recebia pena na mesma proporção que aquela aplicada ao agente que, conforme a prova dos autos, já se dedicava à traficância de longa data, mas que fora surpreendido com a ação policial pela primeira vez. Sendo ambos primários, de bons antecedentes, etc., recebiam pena mínima, não obstante o diferente grau de envolvimento de cada um com o tráfico.

Inegável que aquele que se inicia no crime está por merecer reprimenda menos grave, o que era impossível antes da vigência do novo §4°, e a minorante em questão tem por objetivo beneficiar somente o traficante eventual, e não aquele que faz o tráfico o seu meio de vida.

A previsão de redução da pena no montante de um sexto a dois terços não é facultativa, sendo considerada direito subjetivo do réu que preencher quatro requisitos (BRASIL, 2006):

1) Seja primário;

2) Tenha bons antecedentes;

3) Não se dedique a atividades criminosas; e

4) Não integre organização criminosa.

Com a redução de pena permitida pelo §4°, o agente preencheria também os requisitos exigidos para a substituição. Prevendo essa possibilidade, o legislador usa o próprio parágrafo para trazer, num primeiro momento, um obstáculo para que a concessão da beneficie e diz que é vedada a conversão em penas restritivas de direitos (BRASIL, 2006).

 A segunda mudança operada pela Lei de Drogas, no que tange ao tema deste estudo, foi quando, através do artigo 44, vedou expressamente a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos casos de condenação por condutas descritas nos artigos 33, caput e §1°, e 34 a 37, da mesma Lei (BRASIL, 2006).

 Assim, mesmo que a jurisprudência caminhasse no sentido da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado e, portanto, admissibilidade da substituição de pena, por ser o único empecilho anterior à nova Lei, novamente o aplicador se viu impedido de fazê-lo, desta vez por regulamentação normativa expressa.

 Com o advento da Lei n° 11.464/07 (BRASIL, 2007), o regime integralmente fechado para os crimes hediondos e equiparados, dentre eles o tráfico de drogas, já tão criticado pela doutrina e jurisprudência, foi finalmente abolido do sistema penal brasileiro. Nesse momento, passaram a ser duas as interpretações quanto à admissibilidade de substituição de pena para o tráfico:

a) Os que haviam sido condenados na vigência da Lei 6.368/76 teriam direito à causa especial de diminuição de pena do §4°, do artigo 33, da Lei 11.343/06, pois beneficia o réu e deveria ser aplicada mesmo aos fatos anteriores. Consequentemente fariam jus à substituição de pena por não haver qualquer impedimento na lei anterior, e como o direito penal não pode retroagir para prejudicar o réu, sendo a nova lei mais rigorosa quando vedou a substituição de penas, não se aplicaria a estes a proibição nela contida.

b) Indeferimento do benefício com fundamentação exclusiva na literalidade do §4°, do artigo 33 e artigo 44, ambos da Nova Lei de Drogas, aos crimes praticados em sua vigência.

 Conforme se verifica através das decisões acima citadas, o tema sempre foi bastante controverso e reclama soluções permanentes.

3.2 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 Desde sua edição, a Lei 11.343/06, conhecida como Lei de Drogas, recebe críticas acirradas quanto a vários aspectos, dentre eles a previsão de impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para alguns crimes (BRASIL, 2006).

Os argumentos que sustentam a inconstitucionalidade dos dispositivos que vedam abstratamente a aplicação de penas alternativas em alguns casos são diversos e serão adiante estudados, e, ganharam força quando o regime integralmente fechado foi abolido pela Lei n° 11.464/07, inundando o Poder Judiciário de recursos pleiteando substituição de pena ao condenado por tráfico (BRASIL, 2007).

 As decisões dos tribunais estaduais seguiam firmes pela impossibilidade com fulcro na Nova Lei de Drogas, o que levou os recorrentes aos tribunais superiores, vez que a Lei de Drogas é federal e, segundo os argumentos recursais, continha dispositivos inconstitucionais.

Esses julgamentos, inicialmente, também foram pelo indeferimento do pedido, com destaque para o HC 120.353/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2009).

A decisão proferida no HC 97.256/RS, interposto em favor de Alexandre Mariano da Silva que, após ser condenado a 01 (um) ano e 08 (oito) meses de prisão, por ter sido encontrado 13,4 gramas de cocaína em seu poder, modificou totalmente a orientação jurisprudencial brasileira (BRASIL, 2010).

O writ pedindo que o réu pudesse recorrer em liberdade e ter sua pena de prisão substituída por uma das alternativas do artigo 43 do CP, foi inicialmente distribuído para a Primeira Turma do STF, que se reuniu em julgamento no dia 22 de setembro de 2009, quando foi verificado que, embora aquela Turma já tivesse se posicionado pela constitucionalidade do artigo 44 da Lei de Drogas, não havia jurisprudência do plenário sobre o assunto, ou seja, não havia posicionamento do STF. Então, por indicação do Ministro Marco Aurélio e por unanimidade, decidiu-se afetar o processo a julgamento do Tribunal Pleno (BRASIL, 2010).

A decisão final foi proferida em 01 de setembro de 2010, quando, por seis votos a quatro, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal de Justiça julgou inconstitucionais a parte final do artigo 44 e a expressão “vedada à conversão em penas restritivas de direitos”, constante no §4°, do artigo 33, ambos da Lei n° 11.343/06 (BRASIL, 2010).

3.2.1 Efeitos da Decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 97.256/RS

 A ordem concedida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2010, foi proferida em caráter incidental, o que, a princípio, não afeta as demais decisões, conforme lição de Moraes (2008, p. 715):

Declarada incider tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados. Porém, tais efeitos ex-nunc (retroativos) somente tem aplicação para as partes e no processo em que houve a citada declaração.

 Explica ainda Moraes (2008, p. 716), o que deverá ser feito para que a decisão tomada em controle difuso pelo Supremo Tribunal de Justiça tenha seus efeitos ampliados, vejamos:

A Constituição Federal, porém, previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, X).

Assim, ocorrendo essa declaração, conforme já visto, o Senado Federal poderá editar uma resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, que terá efeitos erga omnes, porém, ex nunc, ou seja, a partir da publicação da citada resolução senatorial.

No caso em tela, o Senado Federal até o momento não editou qualquer resolução, por conseqüência, não existe obrigatoriedade de observação da posição tomada, entretanto, o mais comum é que o Poder Judiciário observe as decisões proferidas naquela corte, sendo raros os casos que a contrariam, mas isso não significa segurança jurídica.

Não há garantia que as demais instâncias repitam tal entendimento, até porque, da mesma maneira que a decisão no Supremo foi apertada, seis votos a favor da inconstitucionalidade e quatro pela constitucionalidade, inúmeros juízes, em varas criminais por todo o país, podem também interpretar diversamente, e possuem liberdade de decidir de acordo com seu entendimento. 

 A aparente uniformização de jurisprudência neste sentido não resolve totalmente o problema, o que dá margem para decisões divergentes, vez que a lei vigente ainda é a 11.343/06 e seus artigos 33, §4° e 44 não foram revogados.

3.3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO CONTIDA NA LEI DE DROGAS

 A corrente que será analisada neste título opta pela inconstitucionalidade do óbice à substituição de penas contida na Lei de Drogas. Através dos argumentos que serão adiante demonstrados, procuram seus defensores demonstrar que a proibição contida na Lei 11.343/06 não encontra suporte no sistema de comandos da Constituição Federal.

3.3.1 Mitigação do Princípio Constitucional da Individualização das Penas

A primeira das violações constitucionais verificada com a vedação abstrata do legislador da Lei 11.343/06, segundo os defensores da inconstitucionalidade dos dispositivos que não permitem a substituição de pena aos condenados por tráfico, é a violação ao princípio constitucional da individualização das penas (PEREIRA, não datado).

Esse princípio se encontra no rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5°, no inciso XLVI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que conta com a seguinte redação:

XLVI - A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição de liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos

  Nucci (2009, p. 34), em estudo que tem como tema central tal princípio, explica-o da seguinte forma:

A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, prescindindo da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto.

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 A individualização da reprimenda conferida ao sujeito que desafia as normas impostas pelo Estado significa um grande avanço para o Direito Penal. Isto porque vem a atender aos anseios de justiça e isonomia reclamado pela sociedade, na medida em que confere penas correspondentes à lesão do bem jurídico tutelado.

 Escrito em um período em que a dignidade da pessoa humana era constantemente desrespeitada pelos soberanos, Dos Delitos e Das Penas, de Beccaria (1764, p. 68-9), traz um ideal revolucionário para os moldes de seu tempo, baseada na proporcionalidade, quando diz que:

O interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios que se utiliza a legislação para impedir os crimes que devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais frequente. Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas.  

Hodiernamente os ideais de justiça são os mesmos, por isso, caminham juntos os princípios da proporcionalidade e da individualização das penas, sendo um o complemento do outro, pois não há proporcionalidade se forem aplicadas penas idênticas a indivíduos que prejudicaram o bem comum em intensidades diferentes.

Sendo fundamental o princípio da individualização das penas, aprouve ao legislador constituinte que esse princípio fosse tratado de maneira explícita na Carta Magna e, não por acaso, que fizesse parte do rol de direitos e garantias fundamentais (art. 5°, da Constituição Federal), historicamente oponíveis ao Estado, justamente com a finalidade de estabelecer limites ao poder público na aplicação de sanções (MORAES, 2008).

Como o argumento da inconstitucionalidade pela violação ao princípio da individualização das penas a essência do pensamento defendido pelo relator do histórico Habeas Corpus n° 97.256/RS, melhor análise temática não há que a transcrição de trecho do próprio voto do Ministro Ayres Britto (BRASIL, 2010), que expõe seu entendimento dizendo:

A lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, se afigurar como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo.

[...] Noutro modo de falar sobre a mesma coisa, o momento sentencial da dosimetria da pena não significa senão a imperiosa tarefa individualizadora de transportar para as singularidades objetivas e subjetivas do caso concreto – a cena empírico-penal, orteguiana por definição – os comandos genéricos, impessoais e abstratos da lei. Vale, dizer, nessa primeira etapa da concretude individualizadora da reprimenda (a segunda etapa concreta já se dá intramuros penitenciários), a juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado.Uma coisa é a lei estabelecer condições mais severas para a concreta incidência da alternatividade; severidade jurisdicionalmente sindicável tão-só pelos vetores da razoabilidade e da proporcionalidade. Outra coisa, porém, é proibir ao julgador, pura e simplesmente, a convolação da pena supressora da liberdade em pena restritiva de direitos.

Ainda tratando da individualização das penas, o mesmo ministro chama atenção para a localização topográfica desse princípio (art. 5°, inciso XLVI, da CF), que vem antes do rol de penas admitidas no Direito brasileiro e depois do inciso que trata dos crimes hediondos (inciso XLIII do mesmo artigo constitucional), o que, segundo seu nobre entendimento, significa que o princípio da individualização das penas tudo recobre (BRASIL, 2010).

3.3.2 Isonomia de Tratamento entre o Tráfico de Drogas e os Crimes Hediondos

O segundo argumento dos que protestam pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais aqui estudados é o de que o tráfico de drogas deve receber tratamento isonômico ao destinado aos crimes hediondos (CUNHA, 2011).

Consubstancia-se este entendimento por conta do crime previsto no artigo 33, da Lei 11.343/06, ser equiparado aos crimes hediondos pela própria Constituição Federal, também no artigo 5°, desta vez no inciso XLIII, que determina (BRASIL, 1988):

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia à prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Sendo o tráfico equiparado a crime hediondo pela carta magna, resta saber quais são esses delitos. A definição é legal e está no artigo 1°, da Lei n° 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos, onde lemos (BRASIL, 1990):

Art. 1° São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ l°, 2° e 3º);

V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A – (VETADO)

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B)

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Para esses crimes não existe vedação legal abstrata à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, obviamente não são passíveis de substituição os que não se amoldarem aos requisitos do artigo 44 do Código Penal, como, por exemplo, o crime de latrocínio, cujo benefício seria negado com espeque no inciso I, do artigo 44, do Código Penal, vez que a configuração do crime pressupõe necessariamente a existência de “violência ou grave ameaça” (BRASIL, 1940).

O único impedimento abstrato à substituição que existia para essa espécie de crime era o mesmo apontado pela doutrina para o tráfico no período de vigência da Lei 6.368/76, ou seja, o regime integralmente fechado. Entretanto, a partir da edição da Lei 11.467/07, que aboliu o regime de encarceramento absoluto, o obstáculo não mais existe. Sendo permitida a substituição de pena do condenado por crime hediondo (FREITAS, 2007).

Cunha (2011, p. 253), defensor da inconstitucionalidade do §4° do artigo 33 e artigo 44 da Lei 11.343/06 exatamente por esse argumento, comenta:

Antes da Lei 11.464/2007, muito se discutia a possibilidade (ou não) da concessão de penas restritivas de direitos para crime hediondo ou equiparado. Para considerável parcela da doutrina, apesar de não haver proibição expressa, o regime integralmente fechado tornava inviável a concessão do benefício (proibição implícita). Essa discussão perdeu importância, vez que, hoje, com o advento da Lei 11.464/2007, o regime integral fechado foi abolido, desaparecendo com ele o ventilado óbice. Contudo, havendo na Lei 11.343/2006 a proibição expressa de restritiva de direitos em relação ao tráfico, nova discussão começa a ganhar força: é legítimo impedir o benefício somente para o tráfico, delito também equiparado a hediondo? O art. 44 da Lei 11.343/2006 não estaria tratando situações iguais de maneira desigual? Ainda que sedutora a tese da especialidade (lei especial derroga lei geral), parece-nos que restringir a vedação das penas alternativas apenas ao crime de tráfico é ferir de morte o princípio da isonomia.

 Ante ao exposto, argumenta-se que não poderá o legislador comum dispensar tratamento diferenciado a crimes que a própria Constituição tratou de equiparar.

3.3.3 Impossibilidade de Ampliação do Rol de Restrições Constitucionais Destinadas ao Tráfico de Drogas

 Também baseado no direito fundamental anunciado no inciso XLIII, do artigo 5°, da Constituição Federal, temos o terceiro argumento que sustenta a inconstitucionalidade das normas atacadas. Tal inciso traz um rol de restrições aos crimes hediondos e a eles equiparados, qual seja, a não concessão de fiança, graça ou anistia para os que incidirem em delitos dessa natureza, não incluindo dentre os limites constitucionais a vedação à concessão de penas alternativas. Tratando-se de dispositivo constitucional que está entre as garantias fundamentais, deve ser interpretado de forma contida, não cabendo ampliação desse rol por parte do legislador ordinário (STF, 2010).

3.4 CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO CONTIDA NA LEI DE DROGAS

 Após a verificação dos motivos que levam alguns juristas a acreditarem que os dispositivos penais que vedam a substituição de pena do condenado por tráfico são inconstitucionais, analisaremos os argumentos da corrente contrária.

 Embora esse posicionamento tenha sido minoritário no julgamento do HC 97.256/RS, o resultado foi de seis votos a favor da inconstitucionalidade contra quatro pela constitucionalidade, placar apertado, apoiado ainda pelas divergências doutrinárias, o que demonstra ser igualmente válido o estudo dos motivos que levaram os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio a votarem pela denegação da ordem e consequente constitucionalidade dos dispositivos atacados (BRASIL, 2010).

3.4.1 Existência de Outras Limitações à Substituição de Pena na Legislação Infraconstitucional

 O primeiro motivo apontado é a incidência limitada das penas restritivas de direitos. Conforme estudado no primeiro capítulo, essa espécie de pena não é cabível em qualquer crime. De acordo com as diretrizes estabelecidas pelo artigo 44 do Código Penal, só caberá a substituição quando a pena aplicada não for superior a quatro anos, o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o réu não for reincidente em crime doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (BRASIL, 1940).

 Pelo rol de vedações do artigo 44, em inúmeros crimes menos graves que o de tráfico de drogas não é cabível a substituição de pena, como por exemplo: crime de lesão corporal grave, crime de aborto e crime de roubo simples, mesmo que nenhum deles seja considerado hediondo (BRASIL, 1940).

Na mesma ordem, encontramos ainda aqueles crimes que, mesmo impossíveis de serem punidos com pena diversa da prisão, por motivo de reincidência específica do agente, ainda sim são de menor gravidade que o tráfico, por exemplo, o furto (BRASIL, 1940).

Ora, se considerarmos inconstitucional o §4°, do artigo 33 e o artigo 44 da Lei de Drogas, por possuírem impedimento legal à que o juiz aprecie no caso concreto o cabimento de pena alternativa como forma suficiente de reprimenda estatal, obrigatoriamente temos que considerar inconstitucional o artigo 44 do Código Penal, que, apesar de ser norma infraconstitucional, também traz restrições à aplicação das penas alternativas. Conclui-se portanto, que nosso ordenamento não outorga ao juiz uma liberdade ampla de analisar o caso concreto e optar pela pena que considerar suficiente (BRASIL, 2010).

Dentre outros motivos, utiliza-se Marcão (2011, pag. 188) da comparação com o artigo 44 do Código Penal como justificativa para a constitucionalidade da negativa às penas alternativas da Lei 11.343/06, e diz que:

Não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade na vedação à conversão da privativa de liberdade em restritiva de direitos. A não conversibilidade não constitui ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana ou da individualização da pena (art. 5°, XLVI, da CF), e bem assim a qualquer outro, como de resto também não configura desrespeito à Constituição Federal a literalidade do artigo 44 do CP, que também restringe a incidência das restritivas de direitos, nos moldes ali expressados.

Examinando atentamente o conteúdo do artigo 44 do Código Penal, chega-se à conclusão de que a substituição da pena não deriva, diretamente, do direito constitucional à individualização da pena, sendo a aplicação das penas alternativas regulada pela lei, que estabelece em quais casos será permitida a substituição. Sendo assim, nada impede que a Lei de Drogas também estabeleça os casos em que caberá a aplicação de penas alternativas, dentre os crimes por ela regulados.

3.4.2 Outorga Constitucional ao Legislador Ordinário para Regular a Individualização da Pena

Considerando a disparidade em se reputar inconstitucional a vedação incluída na Lei de Drogas quando se considera legítima semelhante regra verificada no artigo 44 do Código Penal, podemos chegar à seguinte conclusão: a Constituição Federal permite que o legislador ordinário estabeleça regras para a individualização da pena, incluindo dentre as possibilidades da lei infraconstitucional a de limitar a incidência de uma das penas elencadas no inciso XLVI, do Artigo 5º, da Constituição Federal, já que permite até mesmo a criação de penas diversas das que ali se encontram (BRASIL, 2010).

 A Constituição Federal de 1988 traz, no inciso XLVII do art. 5º, as únicas restrições de sanções à lei, proibindo a adoção de penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. No mais, o legislador, observando as regras do ordenamento jurídico, poderá estabelecer quaisquer penas que julgar adequadas ao tipo incriminador, observando sempre a proporcionalidade entre a conduta criminosa e a sanção determinada (BRASIL, 1988).

 Acerca dos cuidados que deverá tomar o legislador na elaboração das leis penais, ensina Nucci (2009, p. 42):

Ao elaborar os tipos penais incriminadores, deve o legislador inspirar-se na proporcionalidade, sob pena de incidir em deslize grave, com arranhões inevitáveis a preceitos constitucionais. Não teria sentido, a título de exemplo, prever pena de multa a um homicídio doloso, como também não se vê como razoável a aplicação de pena privativa de liberdade elevada a quem, com a utilização de aparelho sonoro em elevado volume, perturba o sossego do seu vizinho.

A tarefa do criador da normal penal é, baseando-se na proporcionalidade das sanções penais destinadas aos crimes praticados, estipular as penas. Outro não é o desejo expressado na Constituição Federal, quando elaborou uma escala de penas, no mesmo cenário em que previu a individualização da pena, sinalizando para a sua harmonização às infrações praticadas.

 Ao determinar sanções às condutas consideradas prejudiciais à vida em comunidade, o legislador poderá inclusive criar outras penas além das previstas no rol do inciso XLVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, conforme permissão do próprio dispositivo, e assim o faz.

Existem no ordenamento jurídico brasileiro, penas não previstas constitucionalmente, como por exemplo, as penas de perda do pátrio poder e perda de cargo ou função pública (BRASIL, 1940; 1988).

  Assim como lhe é permitido criar novas espécies de sanções, também é opção do legislador a incidência das penas existentes nos tipos penais. Ao criar uma lei, deverá ser feita a análise da gravidade e necessidade de repressão daquela conduta e a adequação da pena ao delito, estabelecendo a espécie, quantidade mínima e máxima e o regime de cumprimento, sempre tendo como parâmetros o princípio da proporcionalidade e as normas constitucionalmente estabelecidas, limitando assim a atuação judicial na aplicação da pena em concreto. Essa é a individualização da pena na fase legislativa.

A individualização da pena é instituto amplo, não ocorre somente no momento de sua aplicação. Conforme ensinamento de Mirabete (1996, p. 46), a individualização da pena pode acontecer:

[...] No plano legislativo, quando se estabelecem e disciplinam-se as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas (individualização in abstracto), no plano judicial, consagrada no emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de cumprimento da pena e que abrange medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional, etc.

Ao cominar as penas, a liberdade do legislador é ampla, não havendo qualquer norma constitucional que retire seu poder de vedar as penas restritivas de direitos nos casos em que considere necessário pela gravidade do crime.

Conforme Nucci (2008, p. 351):

Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade, nos casos apontados no artigo 44, caput, desta Lei, por restritivas de direitos. Nenhuma inconstitucionalidade existe, pois não se fere a individualização da pena. Cuida-se de política criminal do Estado, buscando dar tratamento mais rigoroso ao traficante, mas sem padronização de penas.

Portanto, se ao legislador, que é representante da sociedade, parece ser necessário conferir tratamento mais severo a determinadas condutas que demonstram ser perniciosas, poderá fazê-lo desde que respeite os limites constitucionais, dentre os quais, para a corrente que defende a constitucionalidade do art. 33, §4° e art. 44 da Lei 11.343/06, não está proibida a vedação à substituição de pena.

3.4.3 A amplitude do Princípio Constitucional da Individualização das Penas

Não há dúvida sobre a importância do princípio da individualização das penas para a correta interpretação e aplicação do Direito Penal, já que assegura a dignidade da pessoa do condenado, sendo a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, segundo lição de Moraes (2008, p. 21):

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

[...] A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual.

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Devidamente reconhecida a importância da individualização das penas, resta mais um desafio: determinar o alcance desse princípio, para que se verifique se está sendo descumprido através da vedação da Lei de Drogas.

 Dada a extensão de tal princípio, alegam os juristas que entendem constitucionais os dispositivos da Lei de Drogas que não permitem a aplicação de pena alternativa em condenações por tráfico, que somente a vedação contida na referida Lei não impede a individualização da pena, diante de seu teor extremamente amplo. Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto proferido na sessão de julgamento do HC 97.256 (BRASIL, 2010), entender dessa forma é considerar que o juiz poderia substituir a pena em qualquer caso concreto, se entendesse que uma pena restritiva de direitos seria suficiente para punir e prevenir o crime cometido, o que não é a realidade. Continuando o raciocínio, argumenta o Ministro em seu voto:

Se abstrairmos excessivamente o princípio da individualização da pena estabelecido no art. 5º, XLVI, chegaremos a uma situação em que o legislador não poderá estabelecer pena alguma: apenas o juiz poderia individualizar, de acordo com seu julgamento do caso concreto, a sanção penal cabível, dentre aquelas estabelecidas exclusivamente na Constituição da República.

Não é isso, contudo, que nossa Lei Maior pretende, especialmente se considerarmos a necessidade de observância do princípio da reserva legal: não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. Noutras palavras: somente é possível aplicar as penas estabelecidas, em abstrato, pelo legislador.

 Nesta linha de pensamento chega-se à conclusão que a individualização da pena é instituto amplo, que é alcançada através de diversas medidas previstas na legislação constitucional e infraconstitucional, não podendo ser considerado inconstitucional o impedimento que trouxe a Lei de Drogas, por ser apenas uma das inúmeras formas de tornar única e justa a punição conferida ao indivíduo.

3.4.4 A Substituição de Pena para os Crimes Hediondos e o Tratamento Constitucional Conferido ao Tráfico de Drogas

Contrariando os que dizem ser o direito à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos decorrente do tratamento constitucional isonômico verificado entre o tráfico de drogas e os crimes hediondos, vez que a estes não existe óbice à aplicação de penas alternativas, Freitas (2007, pag. 6), em artigo que trata dos crimes hediondos, desmistifica essa ideia ao esclarecer que, na verdade, em decorrência da natureza desses crimes e das regras do artigo 44 do Código Penal, não há qualquer crime hediondo em que a pena alternativa pode ser aplicada:

A maior parte dos crimes hediondos e assemelhados traz em sua gênese a elementar da violência, de modo que fica vedada a pena substitutiva, conforme impedimento expresso do art. 44, I, do CP. A exceção ficaria para crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e §§ 1.º, 1.º-A e 1.º-B), contudo ainda que não perpetrado com violência, a pena mínima de 10 anos supera em muito o máximo de 4 anos que autoriza a pena substitutiva.

A única possibilidade ficava por conta do crime de tráfico de drogas. A novel disciplina, entretanto, dada pelo art. 44 da Lei Antidrogas (Lei n° 11.343/2006), igualmente impede o benefício da pena substitutiva.

Consigne-se que a pena restritiva de direitos tem sua disciplina estatuída no CP e sua aplicabilidade se restringe às infrações leves e médias, jamais a crimes hediondos e assemelhados.

De se concluir que, atualmente, as penas restritivas são inaplicáveis, in totum, aos crimes hediondos e assemelhados.

 Além do crime do artigo 273, caput e §§ 1°, 1° - A e 1° - B, ainda se encontra outro delito dentre os hediondos em que não estão presentes grave ameaça ou violência, é o crime de epidemia com resultado morte, prevista no art. 267, §1°, do Código Penal, mas, assim como verificado quanto ao outro delito, também neste não poderá ser substituída a pena pela quantidade não amoldar-se ao mínimo previsto no inciso I, do art. 44, do Código Penal (BRASIL, 1940; 1990).

  Do exposto, conclui-se que o impedimento abstrato trazido pela Lei de Drogas, ao contrário do que se pensa em uma primeira análise, trouxe, justamente, a igualdade de tratamento entre o crime de tráfico de drogas e os crimes hediondos.

 Aliás, mesmo que coubesse pena diversa de prisão a algum dos crimes hediondos, considerar as restrições do inciso XLIII, artigo 5°, da Constituição Federal, como sendo as únicas admitidas para essa espécie de delito, levaria a considerar também inconstitucionais outros institutos, como por exemplo, a progressão de regime que acontece apenas com dois quintos de cumprimento de pena e três quintos quando há reincidência (art. 2°, §2°, da Lei 8.072/90) (BRASIL, 1990).

Por fim, quanto ao rol de restrições aos crimes hediondos e equiparados trazido no inciso XLIII, artigo 5°, da Constituição Federal, argumenta-se que devem ser considerados como sendo as restrições mínimas que deverão ser aplicadas a esses crimes, podendo ainda ser acrescentadas outras através de leis infraconstitucionais, pois, do contrário, significaria que nossa Carta Magna limitou quais as penalidades destinadas aos crimes hediondos e equiparados, mas não o fez quanto aos demais delitos, o que seria absurdo. Ademais, é frisado o fato de que a Constituição Federal trata o tráfico de drogas como crime gravíssimo e não exige que o tratamento seja equiparado ao dos crimes hediondos, prevendo, inclusive, a extradição do brasileiro naturalizado quando comprovado o seu envolvimento com essa espécie de delito, demonstrando a possibilidade de tratamento mais rigoroso aos que praticam tais condutas, estando a vedação ora debatida de acordo com a Constituição e com a realidade social brasileira (BRASIL, 2010; CAMPO, 1999). 

3.5 A RESOLUÇÃO Nº 5 DO SENADO FEDERAL

A Resolução n° 5 do Senado Federal, de 15 de fevereiro de 2012, suspendeu a eficácia da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, contida no §4° do artigo 33 da Lei 11.343/06. Tal medida é amparada pelo artigo 52, X, da Constituição Federal, que dá ao Senado legitimidade para suspender, no todo ou em parte, lei declarada inconstitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

 A competência outorgada ao Senado é uma importante ferramenta do sistema de “freios e contrapesos” prevista na Carta Magna. Essa separação de poderes, que é um princípio constitucional brasileiro, garante a limitação do poder em benefício da liberdade individual. No caso em tela, a resolução veio confirmar a decisão do STF, que havia sido tomada em sede de controle difuso, e conferiu efeito erga omnes a um posicionamento que vinha se fortalecendo na jurisprudência nacional.

  Embora o estudo do tema não tenha concluído pela inconstitucionalidade da vedação à substituição de pena para o tráfico, a suspensão em parte dos dispositivos pelo Senado demonstra que os representantes da Federação se convenceram de que a prisão é punição dura demais para aqueles indivíduos que preenchem os requisitos do artigo 44 do Código Penal. Como o sistema adotado no Brasil é o de democracia representativa, a Resolução traduz o pensamento de nossa sociedade e legitima a decisão.

 Esta medida representa um avanço na seara criminal, pois quando um tema de tamanha relevância é interpretado de maneira controvertida a desvantagem é da sociedade, que padece pela insegurança jurídica. A unificação na aplicação de penas vem restabelecer a confiança no sistema, que se apresentava injusto aos que não tinham condições de recorrer de decisões divergentes daquela emanada do Prétorio Excelso, homenageando assim o princípio da isonomia.

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Sobre as autoras
Natália Cristina Cunha Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

Viviani Gianine Nikitenko

Mestre em Direito pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Professora Assistente I do Curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Natália Cristina Cunha ; NIKITENKO, Viviani Gianine. Tráfico de drogas e substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.: Uma análise evolutiva do tratamento da matéria no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22772. Acesso em: 25 abr. 2024.

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