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A Súmula Vinculante nº 11 do STF: uma visão à luz da teoria da justiça de Rawls

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Agenda 20/10/2012 às 16:00

  IV  - A SÚMULA VINCULANTE N.º11, A TEORIA DE JUSTIÇA DE RAWLS E A CRÍTICA COMUNITARISTA DA EXCESSIVA JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Visto os principais argumentos que fundamentaram o debate sobre a aprovação da Súmula Vinculante n.º11, bem como revisitados os principais termos de Uma Teoria da Justiça de Rawls, cabe agora proceder a uma análise dos principais argumentos daquela decisão comparando-a com alguns termos da teoria proposta por Rawls.

A proposta do Ministro Marco Aurélio, conforme visto, foi inteiramente calcada na Constituição Federal, ao entendimento de que a utilização de algemas em presos violaria, em regra, a dignidade da pessoa humana, assim como o respeito a integridade física e moral dos cidadãos e dos presos, fazendo menção ainda a uma interpretação teleológica do Código de Processo Penal. Somente se legitimaria o uso de algemas em caso de tentativa de fuga ou risco a integridade física de terceiros ou do preso. O Ministro Carlos Brito acrescentou também a proibição constitucional de tortura e tratamento desumano ou degradante, além do fato de que a utilização de algemas seria uma exacerbação do estado de privação de liberdade, com conseqüências físicas e morais.

Esses fundamentos colocados pelos ministros se limitaram a repetir enunciados constantes na Constituição Federal. Falar em dignidade da pessoa humana implica em tratar de um conceito que embora pareça básico e até mesmo intuitivo, é de tal amplitude que acaba equiparando-o a classe dos conceitos jurídicos indeterminados. Basta questionar: o que é a dignidade da pessoa humana? Existe certamente uma quantidade infinita de respostas possíveis e viáveis, porém nenhuma delas foi explorada pelos ministros. Além de se balizar os termos deste conceito, havia a necessidade de contextualizá-lo na questão da aplicação das algemas, o que também não foi feito.

Da mesma forma a questão do respeito a integridade física e moral e da vedação da tortura e tratamento desumano degradante, que embora constituam conceitos mais claros e com maior grau de especificidade, foram lançados de forma genérica e sem uma contextualização acerca dos fatos que estavam sendo debatidos, transparecendo que o simples fato de se aplicar as algemas, salvo em casos de tentativa de fuga ou risco a integridade física de terceiros ou do preso, por si só implicaria a violação desses conceitos. Em momento algum os ministros fundamentaram o motivo dessas supostas violações genéricas de tais conceitos, o que constituiria a regra em praticamente todos os casos de aplicação de algemas.

É importante esclarecer que a conceituação mais exata e a contextualização requerida são genéricas, para regulação abstrata de situações de aplicação de algemas, ou seja, regras balizadoras que poderiam informar decisões posteriores.

Se adotássemos a concepção de justiça proposta por Rawls, de uma justiça baseada na equidade, com o primado das liberdades e da igualdade, admitidas as desigualdades nos termos por ele propugnados, evidentemente que conceitos como a dignidade da pessoa humana, direito a integridade física e moral, vedação a tortura e tratamento desumano ou degradante, constariam na constituição. Isto porque tais direitos fundamentais estão acordes com os princípios de justiça que Rawls propõe, e certamente seriam escolhidos como estruturantes da sociedade por pessoas que, após a escolha daqueles princípios na posição original, sob um véu de ignorância, os declarariam numa convenção constituinte. Especificamente no que diz respeito ao princípio da liberdade de Rawls, tais direitos fundamentais estariam constante na constituição de qualquer Estado que tenha atingido um grau mínimo requerido de democracia, conforme requisitado por Rawls.

Ocorre, por outro lado, que nessas mesmas circunstâncias e na constituição desse mesmo Estado as pessoas que o compusessem certamente declarariam a segurança pública no mesmo patamar de outras liberdades. Tratar-se-ia do direito fundamental de todos de conviver com segurança e paz social, de ir e vir livremente e sem medo a qualquer local e em qualquer hora, além de declarar valores como a probidade, moralidade, impessoalidade e eficiência do Estado e seus agentes públicos e políticos no trato com a coisa pública. E muito embora tais valores possam não ser enunciados explicitamente como liberdades civis básicas, se considerados sistematicamente afetam essas mesmas liberdades civis, além de atingir frontalmente o aspecto da distribuição de direitos e oportunidades. A título de exemplo, os vultosos desvios de dinheiro público em crimes de colarinho branco e lavagem de dinheiro inviabilizam investimentos sociais, causando prejuízos incalculáveis às políticas sociais, interferindo na concretização distributiva da riqueza, e assim afetando a dignidade da pessoa humana. Tais situações geram prejuízos incomensuráveis a sociedade, haja vista as fraudes que envolvem a saúde pública e previdência social, as quais geram direta e indiretamente graves conseqüências para todos os membros da sociedade.

Rawls oferece em sua teoria a possibilidade de se limitar uma liberdade civil somente nos casos em que esta conflita com outras liberdades. Nos próprios debates os ministros colocam, por mais de uma vez, situações contraditórias a conclusão obtida. Exemplificam que no caso de crimes violentos há presunção de risco, o que é questionável, por exemplo, nos casos de crimes passionais, que existe a periculosidade presumida do local, certamente uma favela ou bairro de periferia, enquanto que criminosos que moram nos bairros nobres dificilmente teriam a periculosidade presumida. Chega o Ministro Cézar Peluso a afirmar que prender e conduzir um preso é sempre perigoso e que a interpretação, portanto, de casos concretos, seria em regra em prol dos agentes do Estado. Para muito além da incoerência lógica com a decisão tomada, por esse contexto colocado pelos ministros, de uma presunção de perigo em praticamente todas as situações, se justificaria limitar direitos fundamentais do preso em prol dos direitos fundamentais de terceiros, ou seja, ante a presunção de risco, a regra deveria ser algemar, e não o contrário.

Convém ressaltar que Rawls não admite que se transija com as liberdades, não permitindo sua limitação para nenhum grupo ou situação, mesmo no caso de um benefício ou vantagens sociais ou econômicas. Então cabe o questionamento: não teriam os policiais, os agentes públicos que efetuam as prisões, direito a dignidade humana, a não ter um tratamento humano degradante, a não terem um risco permanente maximizado por não algemarem todo e qualquer preso? Em momento algum tal questão foi levantada nos debates, salvo as observações do Procurador-Geral da República demonstrando preocupação com as situações concretas, diante das quais o Ministro César Peluso concorda com a presunção de risco em toda e qualquer prisão. Seria razoável, numa visão Rawlsiana, exigir dos policiais tal risco? Isto não estaria ferindo suas liberdades básicas, seus direitos fundamentais e sua dignidade humana?

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Examinando sobre outro aspecto, no confronto entre liberdades básicas, tal como admitido por Rawls, há a possibilidade de um indivíduo ser privado de seus bens e de sua própria liberdade. Não existe um estado democrático que não admita o sistema de repressão criminal, justamente para salvaguardar as liberdades de todos que compõem a sociedade. As algemas são aplicadas numa pessoa presa, que se vê privada daquele que é o direito fundamental mais importante depois da vida: o direito de ir e vir livremente. E isto porque feriu, transgrediu o ordenamento jurídico, violando outras liberdades básicas e o direito a paz social e segurança pública que todos têm. Esta privação é legítima, admitida mesmo na sistemática proposta por Rawls quando do confronto entre duas liberdades. E nesta situação, em que alguém se vê privado de sua liberdade de ir e vir legitimamente pelo Estado, através de seus agentes, a aplicação das algemas visa tão somente a prisão e o transporte deste preso a uma unidade policial ou prisional. A evidência que não se trata de uma exacerbação de seu estado de privação de liberdade, mesmo porque após estes breves momentos de prisão e transporte a pessoa estará literalmente “atrás das grades”, e não parece razoável que alguém nesta situação vá ser afetado com conseqüências físicas e morais pelas algemas, mas sim pelo seu status de preso, que é legítimo nessas circunstâncias.

Na mesma linha de raciocínio, não há como se entender pura e simplesmente como uma situação degradante, de tortura, de tratamento desumano, de desrespeito a integridade física e moral, a aplicação das algemas por si só. O que se falar então do status de preso e das prisões? Fato é que no cotejo de liberdades básicas um indivíduo, pela sua transgressão ao ordenamento jurídico, ele estará legitimamente privado de sua liberdade básica de ir e vir a fim de que sejam garantidas outras liberdades civis individuais e da sociedade e a manter a segurança pública. E como visto, o próprio Rawls admite esta hipótese de limitação de uma liberdade básica.  

Ainda no aspecto do respeito a liberdades básicas, no caso de não serem aplicadas algemas, uma vez que a decisão tomada foi pela sua não aplicação como regra, se o risco existente se torna real e terceiros ou os próprios policiais são feridos, tendo violadas suas liberdades básicas, com ficaria a questão? Se resumiria a uma responsabilização dos policiais? E se em defesa eles provam que não agiram com culpa ou que a situação era dúbia e portanto não algemaram, conforme orientação do STF? Tal sistemática não oferece segurança a direitos fundamentais dos policiais e terceiros, estando, portanto, centrada somente no preso, que, nunca é demais reprisar, tem legitimamente seu direito fundamental de ir e vir cerceado.

Trazendo a questão para o campo da igualdade, a luz do princípio da diferença, Rawls admite o tratamento desigual somente se houver um benefício de todos. Embora Rawls trate deste assunto muito mais centrado no viés de distribuição de recursos na sociedade, a idéia central é a da igualdade, permitindo-se uma desigualdade somente em benefício geral. Ao estabelecer regra que permite aqueles que vão efetuar uma prisão algemar ou não o preso o STF abriu precedente grave em prol da desigualdade, pois, ainda que o julgamento daqueles que executam uma prisão não esteja contaminado por outros interesses, se abre espaço para a discricionariedade, algemando-se alguns e outros não. Cabe questionar: qual o benefício geral que seria alcançado nesta sistemática? Absolutamente nenhum, pelo contrário, abrir-se-ia espaço para questões externas, a exemplo da influência do nível econômico e social do preso sobre os executores da medida, além de erros de julgamento.

Quando trataram da questão da periculosidade exigida para se algemar alguém os ministros do STF incorreram em incongruências graves. Ao se presumir a periculosidade de um local, independentemente do tipo de crime ou criminoso, que pode ser desde um homicida em série ou narcotraficante, ou até mesmo alguém que cometeu crime de trânsito ou crime movido por “violenta paixão ou emoção”, temos o fato de se rotular toda a população de favelas e bairros menos favorecidos e toda sorte de crime, grave ou não, cometido por essas pessoas. Já aqueles que vivem em locais mais nobres, independentemente do tipo ou gravidade de crime cometido partiriam, de plano, de uma ausência de periculosidade de local. Estaria estabelecida uma desigualdade injustificada sob a ótica de Rawls.

Na mesma linha de raciocínio a ausência de se tratar da proteção do policial, que segundo consta reconhecido nos debates esta sempre e sempre em situação de risco ao efetuar uma prisão. E quanto a proteção de terceiros, ao se permitir que um preso não utilize algemas, em se considerando que há sempre uma periculosidade, se gerará um risco para esses terceiros, que passam a não ter um direito igual de proteção.

Sem a pretensão de esgotar o tema, certamente ao se fazer um breve exercício mental e tratar tal questão a luz da Teoria da Justiça de Rawls, na “posição original” e sob o “véu da ignorância” seriam escolhidos os dois princípios de justiça por ele propostos. Vale dizer: liberdade e igualdade norteariam a nossa sociedade, admitido o princípio da diferença nos termos vistos, com base no interesse de não ser prejudicado ou discriminado pelas instituições básicas, para a liberdade, e com base no princípio maximin, para a igualdade e diferença. Os princípios fundamentais utilizados na fundamentação do STF seriam certamente colocados numa constituição, porém em sua aplicação, no levantamento do “véu da ignorância”, a fundamentação da decisão seriam um pouco diferente, levando a uma conclusão diversa.

Nesta ótica, a dignidade da pessoa humana seria melhor balizada e contextualizada, considerando-se primeiramente que houve, por parte da pessoa que será presa, uma violação de outros direitos ou liberdades, sendo ferida a segurança pública e outros valores, o que autorizaria neste caso, ante o conflito entre liberdades e direitos fundamentais, restrições ou violações justas e legítimas a determinados direitos fundamentais da pessoa que será presa. Segundo, se consideraria que nas situações de prisão há sempre uma presunção de risco, logo a dignidade da pessoa humana de todos os envolvidos estaria sempre em risco. A única maneira de se assegurar todas as liberdades, e consequentemente a dignidade de todas as pessoas envolvidas seria a aplicação de algemas. Desta forma, a questão de o preso ter ferida a sua dignidade seria examinada no cotejo com as demais liberdades feridas ao se praticar um crime, sendo portanto legítima esta violação de seu direito de ir e vir para assegurar tantas outras liberdades e a dignidade de outros tantos. E ao se considerar legítima esta violação do direito de ir e vir dos presos temos que as algemas são um minus em relação a este status, e não um  plus, servindo para assegurar a todos que não terão riscos a sua integridade física e assegurar ao Estado que a prisão e o transporte do preso será realmente efetivada sem percalços.

Nesses termos, os demais direitos fundamentais dos presos não seriam violados, ou seja, o preso não seria vítima de tortura, de tratamento desumano ou cruel, muito menos de uma injusta violação de sua integridade física e moral e nem teria exacerbada sua condição de preso com conseqüências físicas e mentais. A sua dignidade passaria a ser dentro de uma condição de preso, de não ser indevidamente exposto a mídia, de não ser agredido física ou verbalmente, de ter instalações prisionais adequadas e assim por diante.

Quanto ao aspecto da igualdade, numa ótica essencialmente equitativa as algemas deveriam ser para todos, indistintamente. Dentro da perspectiva do princípio da diferença, uma desigualdade somente será legítima se levar a um benefício de todos. E não há como se vislumbrar um benefício de todos ao se permitir uma utilização seletiva das algemas, seja com que critério for. A distribuição aqui passa a ser injusta e leva ao que se presencia diariamente nos jornais escritos ou televisivos, que é o fato de se algemar presos das camadas sociais mais pobres enquanto presos de colarinho branco são “conduzidos” sem algemas.

Mantendo-se a linha adotada neste trabalho de não se discutir aspectos políticos desta decisão, mas sim sua fundamentação e conclusão ante a teoria de Rawls, parece certo que os ministros do STF se utilizaram do intuicionismo para justificar seus votos. Ou seja, ante a inexistência de regras objetivas para aplicação e priorização de princípios foi utilizada a intuição para fundamentar e decidir essa questão. Não há nem que se falar em utilitarismo, pois não se enxerga uma maximização de felicidade geral na decisão tomada. Certamente se o caminho levado a cabo para decidir tal tema fosse dentro da concepção ralwsiana o resultado seria outro, mais coerente e devidamente fundamentado.

Outro aspecto interessante revelado por esta decisão reside justamente na crítica comunitarista sobre a defesa liberal dos direitos individuais, que tem forte prevalência sobre outros interesses fundamentais universais e incondicionais, levando a uma excessiva judicialização e prevalência dos direitos individuais fundamentais.

A proposta liberal, fundada principalmente na autonomia da vontade do indivíduo, um indivíduo com capacidade de escolha, onde o eu antecede os fins, recebeu diversas críticas de autores comunitaristas. Charles Taylor, em texto datado de 1975 e posteriormente em livro editado em 1979, contrapôs as idéias de Kant, base de boa parte da teoria liberal, inspirado em Hegel, para quem o indivíduo só existe em sociedade, diferenciando o conceito de sittlichkeit, que seria o lugar onde fato e valor estão juntos, na comunidade, sendo possível avaliar o valor do fato, de moralität, que é algo que esta no vir a ser, baseado na vontade do indivíduo, universalizável (TAYLOR, 1975, p.177-178). E se se admite que o ser humano é um ser social, a sociedade não é uma criação dele, mas antes ele é criação da sociedade.

Michael Sandel também elabora forte crítica contra o pressuposto liberal de Rawls de que as pessoas escolhem seus fins. Esta crítica não é formulada diretamente contra os pressupostos da teoria de Rawls, mas sim contra o sujeito que Rawls propõe, com capacidade de eleger seus fins embora sem uma concepção de bem. Na visão de Sandel a justiça não é independente do bem, mas decorre dele (SANDEL, 2005, 09-15). Dessa forma os fins, considerados teleológicos, pois os sujeitos estão necessariamente no mundo, são essenciais aos sujeitos, e não acessórios. A visão liberal, dentro desta crítica de Sandel, está minada, pois pressupõe uma sociedade com a qual ela não consegue lidar, o que de certa forma explica a multiplicação de direitos individuais e o controle sobre o Estado, que resta enfraquecido frente ao indivíduo e sua proteção.

Voltando a Taylor, a concepção liberal levaria ao que foi caracterizado como atomismo, descrito como algumas doutrinas contratuais do século XVIII, segundo as quais a sociedade seria um agregado de indivíduos cada qual se guiando por sua concepção e objetivos pessoais. Há nesta doutrina uma prioridade dos indivíduos e seus direitos sobre questões sociais e a própria comunidade (TAYLOR, 1979, p.29-50), havendo forte prevalência dos direitos fundamentais sobre os princípios de obrigações e pertencimento a uma sociedade e sobre a obediência a autoridade.

Interessante o registro da avaliação das principais críticas comunitaristas aos liberais feita pelo autor liberal Allen E. Buchanan, que cita a negligência da comunidade na vida humana, a não valorização de uma efetiva vida política na comunidade, a incapacidade de narrar certos compromissos ou obrigações que não escolhidas, mas sim derivadas da comunidade, uma defeituosa concepção do ser ao negar que parte de sua concepção derivam de compromissos e valores da comunidade, e finalmente a exaltação da justiça como a primeira virtude, uma vez que ela é na verdade um remédio necessário quando as mais altas virtudes da comunidade são rompidas (BUCHANAN, 1989, p.853). Segundo a descrição deste autor acerca das críticas comunitaristas, o liberalismo não consegue escapar da necessidade de justificação, tendo como principal tese política a imposição de direitos fundamentais individuais, permitindo aos indivíduos buscar sua própria concepção de bem e virtude (BUCHANAN, p.854). Embora tais críticas sejam rebatidas dentro de sua ótica liberal, após minuciosa análise do tema sua conclusão acaba sendo no sentido de que o liberalismo pode encampar parte das críticas comunitaristas, especialmente da importância da comunidade e o seu bem-estar e fins comuns.

Esta faceta da concepção liberal, dentro dessas críticas comunitaristas, leva inevitavelmente ao extremo a defesa dos direitos fundamentais, com sacrifício de outros direitos e valores da própria sociedade. As próprias constituições dos Estados liberais, estejam elas contidas em documentos formais ou não, contendo extenso rol de direitos fundamentais enunciados ou simples previsão genérica dos mesmos, tem sido, especialmente no Brasil, levadas a interpretações amplas, limitando e tolindo de diversas maneiras o Estado e a sua autoridade. Evidentemente que não se podem negar os avanços e conquistas da própria concepção liberal em limitar um Estado absolutista e acima da lei, especialmente estabelecendo as liberdades civis e a afirmação dos direitos fundamentais individuais tão caros a qualquer democracia, quanto mais aquelas que estão em processo de afirmação e solidificação. Trata-se na verdade de fazer uma análise e interpretação que considere os valores advindos da sociedade e determinados direitos da coletividade num mesmo patamar que os direitos individuais. Esta sociedade clama, no nosso caso, por uma justiça eficiente, célere e fundamentalmente igualitária no aspecto distributivo de todos seus institutos.     

No caso da decisão examinada fica patente uma visão muito próxima do atomismo, exacerbando a concepção liberal de proteção aos direitos fundamentais individuais, desprezando valores e liberdades que afetam a comunidade/sociedade como um todo. E o mais interessante é que se utilizada uma concepção rawlsiana de justiça o resultado seria outro, muito mais próximo de se observar esta crítica comunitarista.

Sobre o autor
Disney Rosseti

Mestrando em Direito e Política Públicas pelo UniCEUB, foi Diretor da Academia Nacional de Polícia e Superintende da Polícia Federal no Distrito Federal. É professor de Inteligência Policial na Escola Superior de Polícia da Academia Nacional de Polícia. Delegado de Polícia Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSETI, Disney. A Súmula Vinculante nº 11 do STF: uma visão à luz da teoria da justiça de Rawls. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3398, 20 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22836. Acesso em: 22 dez. 2024.

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