INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de tentar esclarecer uma questão bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência pátrias, qual seja: a possibilidade jurídica de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) pela Fazenda Pública, seja de que nível for - federal, estadual ou municipal -, em face da inadimplência do devedor particular.
De um lado, parcela da doutrina e da jurisprudência adota o entendimento de que o protesto de uma CDA seria totalmente desnecessário/inútil, tendo em vista que essa espécie de título executivo extrajudicial já gozaria da presunção de certeza e liquidez, tendo o efeito de prova pré-constituída, nos termos do artigo 204, da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional)[1].
Destarte, como a Fazenda Pública já poderia utilizar-se de meio próprio para a cobrança desses valores, através da Execução Fiscal, o protesto seria vedado por tratar-se de um mecanismo de cobrança indireta do crédito, inexistindo previsão legal expressa para seu uso manejo.
Por outro lado, há quem defenda, também por diversos argumentos, que o ordenamento jurídico viabiliza a utilização do protesto nas Certidões de Dívida Ativa, uma vez que inexistiria vedação legal para tanto.
Argumentam que, além disso, diversos outros princípios jurídicos, como a eficiência e a celeridade processuais, na verdade, incentivariam a que a Administração Pública utilize-se do protesto com relação às Certidões de Dívida Ativa.
Nesse contexto, para melhor analisar essa possibilidade jurídica do protesto pelos entes públicos, faz-se imprescindível um estudo, ainda que superficial, do protesto e seus objetivos.
Após, merece ser investigada a natureza jurídica da CDA, com suas características, para que seja possível, enfim, investigar sobre a viabilidade do uso do protesto nessa espécie de título executivo, investigação essa que envolverá não somente os argumentos favoráveis à tese, como também o enfrentamento dos fatores que seriam contrários a essa possibilidade.
1. Breves noções sobre o protesto
O protesto é um mecanismo jurídico definido pela própria legislação brasileira, preceituando a Lei nº 9.492/97 em seu art. 1º, o seguinte: “Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.
Observa-se, nesse diapasão, que o protesto, cuja competência é privativa do Tabelião de Protesto de Títulos[2], tem como escopo principal a comprovação da inadimplência ou descumprimento de obrigação inserta em um título ou documento de dívida.
Essa ampliação dos instrumentos suscetíveis de protesto, realizada pelo legislador ordinário, abriu a possibilidade de manejo do protesto não apenas em face dos títulos de natureza cambial, mas também de outros títulos e documentos que contenham em seu bojo obrigações que não foram satisfeitas pelo devedor, ampliando sobremaneira a gama de documentos que podem ser protestados.
Depreende-se ainda da leitura do art. 1º, além do objetivo de tornar pública a não-satisfação da obrigação, que o protesto pode ter como conteúdo, tanto a desobediência de uma obrigação de fazer ou não-fazer, ao utilizar-se a lei do termo descumprimento, como pode indicar o não atendimento de uma obrigação de pagar, ao adotar a lei o termo inadimplência[3].
É bem verdade que tecnicamente os termos são sinônimos e podem ser utilizados indistintamente. No entanto, descumprimento é corriqueiramente usado para aqueles tipos de obrigação, enquanto que inadimplência para as obrigações de não pagar.
Observa-se, no entanto, que é indispensável que essa exteriorização da inadimplência seja amparada por um instrumento escrito, uma vez que a própria norma legal explicita a necessidade de título ou documento de dívida. Além disso, tal constatação pode ser concluída a partir da determinação contida no art. 9º da Lei nº 9.492/97, de que os caracteres formais do instrumento devem ser examinados pelo Tabelião[4].
É oportuno esclarecer, contudo, que o protesto não serve apenas para tornar público o descumprimento de uma determinada obrigação contida em um documento formal. Essa constatação, inclusive, reflete na principal classificação das espécies de protesto, criando duas modalidades: o protesto necessário e o protesto facultativo.
O protesto necessário, também conhecido como obrigatório, além de comprovar o inadimplemento de uma determinada obrigação, teria condão de assegurar ao credor o direito de regresso em face de todos os coobrigados no título, garantindo determinados direitos processuais. Ou seja, além de um ato probatório, esse tipo consistiria em um ônus processual.
Já o protesto facultativo possui como objetivo apenas tornar pública, exteriorizando a inadimplência do descumpridor da obrigação.
A rigor, ambas as espécies de protesto são medidas facultativas, uma vez que ninguém pode ser obrigado a realizar algo que não seja determinado em lei (art. 5º, inciso II, da Constituição da República).
Na verdade, o protesto necessário surge apenas como um ônus para que o credor exercite alguns direitos, de forma que o termo obrigatório carrega, na verdade, uma imprecisão técnica.
Quanto aos efeitos da publicidade do protesto, como elemento de incentivo ao pagamento espontâneo do débito, merece ser ressaltado que, apesar de não ser seu objetivo principal adicionar elementos coercitivos de cobrança, autoriza-se às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito a manutenção de um cadastro de inadimplentes, informado por cartórios. É o que preceituam os artigos 29 e 30 da Lei 9.494/97:
Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.
§ 1o O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou se forneçam informações de protestos cancelados.
§ 2º Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados cujos registros não foram cancelados.
Art. 30. As certidões, informações e relações serão elaboradas pelo nome dos devedores, conforme previstos no § 4º do art. 21 desta Lei, devidamente identificados, e abrangerão os protestos lavrados e registrados por falta de pagamento, de aceite ou de devolução, vedada a exclusão ou omissão de nomes e de protestos, ainda que provisória ou parcial.
Destarte, a publicidade garantida pelo protesto tem como efeito reflexo uma certa coercitividade para que o devedor recalcitrante efetue espontaneamente o adimplemento da obrigação devida.
2. Certidão de Dívida Ativa – Aspectos Relevantes
Consoante define a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964[5], dívida ativa são os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, inscritos em registro próprio, após apurada sua liquidez e certeza.
Esses valores devidos à Fazenda Pública devem ser inscritos na dívida ativa por intermédio de um procedimento administrativo de controle de legalidade, destinado a apurar a liquidez e certeza do crédito.
Após iniciado esse processo administrativo, cujo trâmite envolve a obediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, poderá sobrevir a inscrição do valor na dívida ativa.
A partir dessa inscrição, abre-se a possibilidade para a emissão de uma Certidão de Dívida Ativa (CDA), que passa a gozar de certeza e liquidez, tendo efeito de prova pré-constituída (art. 204, caput, do Código Tributário Nacional).
Essa Certidão de Divida Ativa consiste, nos termos do art. 585, inciso II, do CPC[6], em uma das espécies de título executivo extrajudicial, sendo legitimada a aparelhar uma ação de execução fiscal, que é uma espécie de procedimento judicial de execução por quantia certa, regulado pela Lei nº 6.830/80 e privativo da Fazenda Pública, no qual se busca a satisfação de um direito já acertado (líquido, certo e exigível), consubstanciado na CDA, porém inadimplido pelo devedor[7].
Nesse sentido, a Lei nº 6.830/80 estabelece o seguinte:
Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
A CDA tem como efeito direta o aparelhamento do processo de execução fiscal, com a consequência de satisfação da dívida, ainda que porventura venha a invadir, mediante determinação judicial, a esfera patrimonial do devedor.
Quanto às Certidões de Dívida Ativa, outra característica que deve ser mencionada é a de que o referido título, diversamente do que acontece com os demais títulos executivos extrajudiciais, possui constituição de maneira unilateral. Sobre o tema, manifesta-se Hugo de Brito Machado Segundo nos seguintes termos:
De fato, os títulos executivos extrajudiciais, à exceção da certidão de dívida ativa, são de constituição necessariamente bilateral e, o que é mais importante, consensual. Já a certidão de dívida ativa, que aparelha a execução fiscal, pode representar uma obrigação constituída de modo inteiramente unilateral. É certo que, em princípio, ao administrado deve ter sido oferecido direito de defesa, com a possibilidade de se provocar a instauração de um processo administrativo, mas isso não necessariamente acontece [...].[8]
Ou seja, a Fazenda Pública não cobra um simples título cambial emitido e não adimplido pelo devedor, como o cheque ou a letra de câmbio. Na verdade, cobra um título por ela mesma produzido, em ato de potestade, de forma unilateral, como acima explicitado, não havendo qualquer manifestação de vontade do devedor.
3. A possibilidade de protesto das Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública
Uma vez tendo sido estudados o conceito de CDA, enquanto título executivo que reflete um crédito não pago em favor do Poder Público, e do protesto, assim como sua finalidade, passar-se-á a ser analisada a compatibilidade jurídica da utilização do protesto pela Fazenda Pública com relação às suas Certidões de Dívida Ativa, tendo em vista o inadimplemento do devedor.
Como já afirmado linhas atrás, o tema é extremamente controvertido, tendo seu estudo ensejado o surgimento de basicamente dois posicionamentos: aqueles que consideram não ser possível o protesto de CDA pela Fazenda Pública e aqueles que entendem ser permitida pelo ordenamento jurídico essa atitude do Poder Público.
Quanto à primeira corrente, daqueles que entendem não ser autorizado pelo ordenamento o protesto de CDA pela Fazenda Pública, os mesmos argumentam que essa inviabilidade decorreria da total desnecessidade dessa providência, ante sua absoluta inutilidade.
Isso porque, as Certidões de Dívida Ativa são espécies de títulos públicos caracterizados por sua liquidez e certeza, e que já demonstram o inadimplemento por parte daquele devedor, não necessitando de nova publicação desse descumprimento. Ademais, afirmam que tal seria uma forma de cobrança indireta da CDA, não obstante a ausência de previsão legal expressa, sendo que essa já possui meio específico de recuperação, qual seja: a execução fiscal.
Essa corrente restou consolidada pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme o precedente a seguir:
TRIBUTÁRIO E COMERCIAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ. ART. 204 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A FALÊNCIA DO COMERCIANTE CONTRIBUINTE. MEIO PRÓPRIO PARA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AO REGIME DE CONCURSO UNIVERSAL PRÓPRIO DA FALÊNCIA. ARTS. 186 E 187 DO CTN.
I - A Certidão de Dívida Ativa, a teor do que dispõe o art. 204 do CTN, goza de presunção de certeza e liquidez que somente pode ser afastada mediante apresentação de prova em contrário.
II - A presunção legal que reveste o título emitido unilateralmente pela Administração Tributária serve tão somente para aparelhar o processo executivo fiscal, consoante estatui o art. 38 da Lei 6.830/80. (Lei de Execuções Fiscais)
III - Dentro desse contexto, revela-se desnecessário o protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública.
IV - Afigura-se impróprio o requerimento de falência do contribuinte comerciante pela Fazenda Pública, na medida em que esta dispõe de instrumento específico para cobrança do crédito tributário.
V - Ademais, revela-se ilógico o pedido de quebra, seguido de sua decretação, para logo após informar-se ao Juízo que o crédito tributário não se submete ao concurso falimentar, consoante dicção do art. 187 do CTN.
VI - O pedido de falência não pode servir de instrumento de coação moral para satisfação de crédito tributário. A referida coação resta configurada na medida em que o art. 11, § 2º, do Decreto-Lei 7.661/45 permite o depósito elisivo da falência.
VII - Recurso especial improvido.
(REsp 287.824/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 20/02/2006 p. 205) – Grifos Acrescidos
Por outro lado, também se defende a viabilidade jurídica do protesto das Certidões de Dívida Ativa por parte da Administração Pública, sob o argumento de que esse procedimento estaria plenamente amparado pela legislação brasileira, por inexistir qualquer vedação para tanto.
Isso porque, a Lei nº 9.492/97, ao dispor em seu art. 1º que o protesto seria o ato pelo qual se prova a inadimplência de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, não reflete qualquer impedimento para a utilização desse expediente pelo Poder Público.
Ora, como visto acima, a CDA é espécie de título executivo extrajudicial, conforme dispõe o artigo 585, inciso VII, do CPC, que reflete uma dívida líquida e certa inadimplida pelo particular em face do Estado.
Nesse sentido, por tratar-se de documento que reflete uma dívida não paga, a CDA enquadra-se perfeitamente no conceito legal dos instrumentos que são aptos a serem levados a protesto, inexistindo qualquer impedimento para o seu manejo pela Fazenda Pública.
Em outras palavras, sendo a CDA uma formalização do crédito da Fazenda Pública, um título de dívida, insere-se claramente no conceito do art. 1º da Lei nº 9.492/97.
E dessas regras jurídicas, não é possível concluir que esse título seja formado exclusivamente para municiar a execução fiscal, de forma que não é possível fazer uma interpretação restritiva da lei.
Alega-se, no entanto, para afastar esse fundamento, que a CDA já seria suficiente para tornar público o inadimplemento, o que tornaria inútil o uso do protesto, já que o escopo primordial do protesto seria exteriorizar esse inadimplemento para a sociedade.
Ocorre que, não obstante parcialmente verdadeira essa assertiva, sabe-se, de outra banda, que a utilização do protesto torna mais público ainda o inadimplemento do devedor, de forma que, não somente o devedor toma conhecimento de seu débito, mas também a própria sociedade.
Isso termina por tornar-se um incentivo sensivelmente maior para que ocorra o pagamento espontâneo, evitando-se assim a judicialização do conflito[9]. Nesse sentido:
Com efeito, o fato da CDA não ter sido emitida e não honrada pelo devedor, mas ao contrário ser constituída unilateralmente pela Administração Pública (gozando de liquidez e certeza), já caracterizando por si só a impontualidade do devedor (mora), não afasta o interesse da Fazenda Pública em manejar o protesto prévio como medida extrajudicial de arrecadação fiscal, com o intuito de estimular o pagamento e evitar o desgaste para o devedor de se ver envolvido em um litígio judicial, com o ajuizamento de uma execução fiscal.[10]
Nesse diapasão, não se pode falar em ausência de previsão legal ou mesmo em falta de interesse do Poder Público em efetuar o protesto desses títulos, a fim de que tenha seu crédito pago.
Além dessa função de publicidade, a utilização do protesto incorpora também outro princípio administrativo, que consiste na eficiência da Administração Pública, consagrado expressamente na Constituição da República, em seu art. 37, caput, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998.
Sabe-se que o processo de execução fiscal, regulado pela Lei nº 6.830/80, é um procedimento privativo da Fazenda Pública para a execução de quantia certa, fundado em uma CDA, buscando a satisfação de um crédito.
Por outro lado, também é de conhecimento geral que esse sistema de cobrança judicial é extremamente caro, moroso e ineficiente.
A utilização do protesto, contudo, antes do ajuizamento da execução fiscal, como visto acima (nota 9), mostra-se capaz de aumentar bastante a recuperação dos créditos públicos. Trata-se o protesto, dessa maneira, de mecanismo extremamente eficaz e célere, cuja implementação será extremamente benéfica à Fazenda Pública, interessada em arrecadar seus créditos.
Por outro lado, também será essa providência bastante favorável ao Poder Judiciário, pois terá como reflexo direto e imediato uma queda vertiginosa na quantidade de execuções fiscais ajuizadas perante esse Poder, e que necessariamente tem de ser nele processadas.
Ora, sendo a atividade administrativa, especialmente no que se refere à cobrança de seus créditos, uma atividade plenamente vinculada, não se pode supor que o Administrador possa abster-se de cobrar um determinado débito[11]. Assim, caso a obrigação de pagar reste descumprida pelo particular, necessariamente a Fazenda Pública inscreverá o crédito em dívida ativa, e, uma vez expedida a CDA, manejará o executivo fiscal, não sendo possível presumir qualquer outra conduta por parte do ente público.
Contudo, caso seja a referida CDA levada a protesto, antes do ajuizamento da execução fiscal, e levando em consideração o alto índice de pagamento espontâneo nesses casos, tornar-se-á em muitas situações totalmente desnecessária a propositura de demandas executivas perante o Judiciário. Ainda mais quando se observa que em muitas hipóteses cuida-se de demanda de baixo valor[12] e com alto risco de ser infrutífero seu resultado.
Evita-se, dessa maneira, para a Fazenda Pública e para o Judiciário, não só os gastos decorrentes da criação e movimentação de um processo, como também o natural repasse desses prejuízos para a sociedade, que certamente termina arcando em última análise com gastos totalmente desnecessários.
É imprescindível levar em conta o princípio da utilidade da execução para o credor, que preceitua que essa ação não pode ser aviada em prejuízo ao devedor, sem qualquer proveito para o credor. Porém, o que se verifica é o descumprimento cotidiano desse princípio nos tribunais brasileiros, na medida em que se ajuíza um volume imenso de execuções fiscais, com um reduzido percentual de satisfação desses créditos.
Não se pode deixar de mencionar também o desgaste sofrido pelo próprio devedor, que terá de submeter-se a uma demanda judicial, o que poderá gerar problemas financeiros e psicológicos.
O pagamento espontâneo pelo devedor, como decorrência do protesto, além de afinar-se, com as devidas adaptações, ao princípio da menor onerosidade da execução[13], também permite a redução na cobrança do encargo legal.
Tal se explica porque essa exação, criada pelo Decreto-Lei nº 1.025, de 1969, gera um acréscimo no valor cobrado de 20% (vinte por cento), caso o pagamento do débito ocorra após o ajuizamento da execução fiscal, sendo que esse quantum é minorado para 10% (dez por cento), quando essa quitação realiza-se antes do manejo da demanda executiva.
Permitir o protesto de CDA significa, outrossim, abrir mais uma oportunidade para que o devedor, tomando outra vez conhecimento de seu débito, proceda ao pagamento espontâneo da dívida. Ou seja, é oferecida mais uma ocasião para a autocomposição das partes interessadas, impedindo o desnecessário abarrotamento do Judiciário com processos que poderiam ser resolvidos extrajudicialmente.
Destarte, essa permissão do protesto da CDA pela Fazenda Pública, com a decorrente satisfação do crédito por iniciativa do devedor, põe termo a conflito que certamente seria submetido ao Judiciário, tudo isso em favor dos princípios da celeridade e efetividade.
Apesar do Superior Tribunal de Justiça haver consolidado seu posicionamento no sentido da impossibilidade de protesto da CDA por iniciativa da Fazenda Pública, há precedentes, por outro lado, favoráveis à tese de que o ordenamento jurídico permitiria o protesto dessa espécie de título executivo[14].
O Conselho Nacional de Justiça, também tratando sobre o tema de protesto das Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, em decisão tomada na 103ª sessão ordinária, datada de 06 de abril de 2010, reconheceu a legalidade do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa (Ato nº 00007390-36.2009.2.00.0000)[15].
Sobre essa questão foi publicada notícia, no site do CNJ, esclarecendo de maneira precisa os motivos pelos quais foi adotado o posicionamento favorável à possibilidade de protesto extrajudicial da CDA pelo Poder Público:
Os tribunais de Justiça (TJs) deverão editar ato normativo que regulamente a possibilidade de protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa por parte da Fazenda Pública. Essa é a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ a todos os TJs do país. O objetivo da medida - aprovada na 102ª sessão plenária do CNJ realizada no dia 06 de abril - é agilizar o pagamento de títulos e outras dívidas devidas ao governo, inibir a inadimplência e contribuir para a redução do volume de execuções fiscais ajuizadas, o que resultará na melhoria da prestação jurisdicional e na diminuição dos gastos públicos com a tramitação de ações dessa natureza.
(...) Nos pedidos, as corregedorias solicitavam, ao CNJ, alternativas que pudessem "viabilizar a utilização de meios de cobrança que se mostrem seguros e não dependam da estrutura do Poder Judiciário".
Para sustentar a legalidade da possibilidade de protesto de créditos inscritos em dívida ativa "em momento prévio à propositura da ação judicial de execução", a relatora dos pedidos de providências, conselheira Morgana Richa, destacou a Lei 9.492/97 e o Código de Processo Civil (CPC). A lei conceitua o protesto como "ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida". Já o inciso VII do artigo 585 do CPC considera que a Certidão de Dívida Ativa (CDA) constitui título executivo extrajudicial.
"Os créditos referidos são dotados de presunção de certeza e liquidez", afirma a conselheira, no voto. "O que se pretende é o resultado decorrente do efeito indireto do protesto, que traduz meio capaz de coibir o descumprimento da obrigação, ou seja, forma eficiente de compelir o devedor ao pagamento da dívida", completa.
(...)
Projeto-piloto - De acordo com o representante da Advocacia-Geral da União (AGU), procurador-geral federal Marcelo de Siqueira Freitas, o protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa já vem sendo aplicado para a cobrança de dívidas ativas geradas por multas aplicadas pelo Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) nos estados de Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Em sustentação oral na 102ª sessão plenária do CNJ, Freitas argumentou que toda a Fazenda Pública será beneficiada com a possibilidade do protesto extrajudicial de CDAs, incluindo as autarquias e fundações federais. Segundo ele, o índice médio de recuperação de créditos com o ajuizamento de ações para a cobrança de dívida ativa é de 1%.
"Para reverter esse cenário, iniciamos um projeto-piloto com o objetivo de protestar, em cartório, os créditos do Inmetro. Já há 48% de retorno desde que a medida começou a ser adotada", destacou o procurador.
O Instituto, segundo Marcelo Freitas, tem mais de R$ 750 mil inscrições em Dívida Ativa. Se contabilizados os créditos devidos a órgãos como o Inmetro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Ibama, aproximadamente um milhão de execuções deixarão de ser ajuizadas no Poder Judiciário, afirma o procurador.[16]
Dessarte, é plenamente viável no ordenamento jurídico pátrio e até aconselhável o protesto de CDA pela Fazenda Pública, seja de que esfera for, porquanto atende aos princípios da economia e celeridade processual, evitando-se a propositura de mais execuções fiscais de valores reduzidos e com reduzidas chances de êxito na arrecadação.