3 A NOVEL DISCIPLINA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Como se depreende do art. 1º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), consumidor é o sujeito ativo da relação jurídica de consumo, uma vez que a ele se destinam os meios de proteção e defesa instituídos.
De outra parte, a Constituição Federal de 1988, como uma Constituição Econômica, possui um viés diretivo, ou seja, mais do que simples instrumento de governo, apresenta diretrizes, programas e fins a serem alcançados pelo Estado e pela sociedade, através de normas programáticas.
Nesse pormenor, estamos a tratar da efetividade dos mandamentos inseridos nos arts. 5º, XXXII[9], e 170, II[10], da Constituição Federal.
Tais dispositivos buscam resguardar o consumidor das mazelas do mercado, considerando que hoje, “vive-se e morre-se” em uma sociedade em que apenas o consumo é capaz de satisfazer as necessidades de seus componentes.
E nesse mister a figura do contrato eletrônico, apesar de sua aplicação cada vez mais comum, ante a quase onipresença da internet[11], ainda carece de regulamentação totalizante, ao menos na seara nacional.
No entanto, o seu caráter inovador não afasta a proteção jurídica[12]. Assim, buscando suprir tal lacuna, de modo a regulamentar o comércio eletrônico, vem à lume o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, o qual alterou o Código de Defesa do Consumidor, para incluir a contratação no comércio eletrônico.
Tal legislação é contextualizada pelo horizonte desenhado por Patricia Peck Pinheiro (2009, p. 72), ao afirmar que o “consumidor atual já é digital”.
Assim, apesar de se constatar um amadurecimento do consumidor, desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, como relata a própria doutrinadora, não menos verdade, que a internet apresenta-se como ambiente inóspito, em que o consumidor deve se portar de modo mais cauteloso, ante o grande manancial de armadilhas que está sujeito nessas plagas virtuais (PINHEIRO, 2009, p. 73).
Assim, tal Decreto, a somar forças com o Código de Defesa do Consumidor, tem como objetivo, como referido em seu art. 1º[13], prestar informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; disponibilizar atendimento facilitado ao consumidor; e fazer valer o respeito ao direito de arrependimento, conforme disposição do art. 49[14] do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, o Decreto nº 7.962/2013, além de reforçar exigências já trazidas no Código de Defesa do Consumidor [15] determina ser imperativo informar, quanto aos “fornecedores virtuais”, os dados de contato, de modo explícito e de fácil acesso a todos os consumidores, o endereço eletrônico para o qual os consumidores devem direcionar suas solicitações, devendo estar claro também o nome empresarial, o endereço físico e o número de CNPJ/CPF do fornecedor. Ainda, estipula que essas informações deverão estará disponíveis em um local de destaque e de fácil visualização, visto que a ambiência eletrônica favorece o anonimato.
Assim, tem-se que:
Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
Tal acepção faz ainda mais sentido na medida em que se conclui que o contrato eletrônico se qualifica pelo meio probante, pela proposta e pela aceitação. Portanto, é fundamental a identificação daquele que emite a mensagem[16].
Tal providência e a sua convergência com as ideias acima expostas, são apresentadas por Renato Ópice Blum[17], a partir das seguintes ponderações:
Esta providência de segurança tão singela, obviamente útil quando se fala em empresas de boa-fé, implica em facilitar o acesso entre as partes. E poderá, inclusive, servir de subsídio ao consumidor diligente para conferência da idoneidade dos ofertantes. Também reitera a responsabilidade do empreendedor profissional no mercado online, que precisa seguir regras de formalização, tributação, manutenção de canal de atendimento, tanto como o comerciante que atua no mercado físico tradicional. Com a possibilidade de identificação do fornecedor, ademais, incentiva-se a concorrência saudável de mercado, muitas vezes maculada por aventureiros virtuais que, a despeito das responsabilidades exigidas pela lei do empresário brasileiro, utilizada suposto anonimato na Web para empreender sem qualquer ônus.
De outra parte, passa a ser obrigatória, também, a apresentação de síntese do contrato, antes da contratação, destacando as cláusulas que trazem limitações de direitos e permitindo fácil acesso à versão integral dele.
Ainda nessa seara, o fornecedor deve manter clara e imediata comunicação com o consumidor, informando o recebimento de solicitação de compras, bem como qualquer outra forma de contato realizada, tendo o prazo máximo de 5 dias para responder as solicitações.
Nesse sentido:
Art. 4º Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá:
I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos;
II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;
III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;
IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;
V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;
VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e
VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.
Parágrafo único. A manifestação do fornecedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor
Com relação ao direito de arrependimento, esse já previsto no Código para contratações feitas fora do estabelecimento comercial; incluindo, aliás, algumas das transações eletrônicas, como se pode depreender do já citado art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, foram trazidos aspectos procedimentais específicos.
Nesse sentido, tem-se que:
Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.
§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou
II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.
§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
O Art. 6º do Decreto, por seu turno, remete ao princípio da vinculação contratual da oferta, com previsão no art. 30 do Código de Defesa do Consumidor, e nesse sentido, estabelece que as “contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação”.
Destaquem-se, também, as inovações em relação aos portais de compras coletivas, conhecidos por oferecer a preços mais baixos do que os praticados ordinariamente diversos produtos e serviços, os quais também devem atender às novas regulamentações, devendo informar, especialmente, os dados de contato do responsável pelo sítio, bem como os dos fornecedores[18][19].
Assim, explica Renato Ópice Blum[20]:
Também de acordo com o decreto, nas compras coletivas deverão ser destacados certos detalhes importantes, como a quantidade mínima de compradores, prazo para utilização da oferta, dados do ofertante e do responsável pelo site de compras coletivas
Ainda, o Decreto explicita que ao comércio eletrônico se aplicam algumas das previsões do Decreto 5.903/2006, especificamente os artigos que tratam sobre o modo de informar os preços de produtos e serviços, bem como o que pode configurar infração aos direitos básicos do consumidor.
Por fim cabe ao consumidor verificar o atendimento dessas exigências, antes de qualquer contratação. Caso se depare, por exemplo, com sítios que ainda não se adequaram às novas exigências, recomenda-se bastante atenção. Caso insista em contratar, o consumidor deve se resguardar o máximo possível[21].
CONCLUSÃO
Antes da concepção do Código de Defesa do Consumidor, e mesmo do conceito de Estado Social, com suas medidas de intervenção Estatal na Economia, derivadas da concepção de uma Constituição Econômica; houve um progressivo amadurecimento legal, derivado da evolução do contexto histórico, que se inicia na revolução industrial, a qual marca o Estado liberal e deságua na “standartização” econômica, que, por seu turno, caracteriza o Estado pós-social e o movimento de globalização.
Em tal contexto, o Código de Defesa do Consumidor buscou servir de instrumento; que, com base nos princípios da justiça social e da dignidade da pessoa humana, promove os valores esculpidos na engenharia constitucional do Welfare State. Tenta promover a proteção dos hipossuficientes, agora chamados de Consumidores.
Nesse contexto, a partir da nova significação normativa em se inseriu a relação de consumo, o direito à informação adequada e clara, assim como, a proteção contra publicidade abusiva ou enganosa, passa a ser direito fundamental do consumidor, por previsão expressa do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, apesar do amadurecimento do consumidor, desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, e de sua plena inserção à “nova ordem de consumo” inaugurada pela internet, essa se apresenta pouco afeta ao disciplinamento normativo consumerista.
Assim, buscando suprir tal lacuna, de modo a regulamentar o comércio eletrônico, vem à lume o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, o qual alterou o Código de Defesa do Consumidor, para incluir a contratação no comércio eletrônico.
Tal diploma normativo por suas especificações legais, portanto, refina a sistemática do Código de Defesa do Consumidor à prática do comércio eletrônico, de forma tonar executável o princípio da vinculação da oferta (e nela incluída a publicidade) veiculada nos vários sítios de vendas de produtos e serviços na internet pelo estabelecimento de uma metodologia legal que preconiza a identificação do fornecedor, a precisão e clareza das operações e a consciência dos consumidores.
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