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As contradições do STF no julgamento do Recurso Extraordináro 600.885/RS

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Agenda 19/09/2013 às 11:11

As decisões do STF no RE nº 600.885/RS ensejam reflexões sobre os limites constitucionais e legais dos processos subjetivos, bem como revelam deficiência nas atividades de revisão textual e publicação de acórdãos, que prejudica a clareza e a celereidade necessárias.

Resumo: Por mais de vinte anos, as Forças Armadas brasileiras fixaram por meio de normas internas - e não lei - o limite de idade para ingresso em suas fileiras, supostamente autorizadas pelo art. 10 da Lei nº 6.880/80. O STF decidiu pela modulação dos efeitos da declaração de não-recepção do citado dispositivo legal. Contudo, no bojo do julgamento do RE 600.885 e ao ser questionada sobre a situação dos cidadãos que buscam o Judiciário para afastar tal limitação etária, a suprema corte do Brasil findou por proferir um julgado, por um lado, aparentemente apartado de sua jurisprudência dominante quanto à data do início da eficácia (julgamento ou publicação em diário de Justiça) e, por outro lado, contraditório, ao cotejarmos o voto condutor e a transcrição dos debates realizados durante a sessão de julgamento.

Palavras-chave: Concurso público. Limite de idade. Forças Armadas. Limites de processo subjetivo. Recurso Extraordinário. Modulação de efeitos.


INTRODUÇÃO

1. Antes da edição das Leis nº 12.464, de 2011, 12.704 e 12.705, de 2012, inúmeros cidadãos brasileiros, inconformados com as imposições infralegais de idade máxima para ingresso nas Forças Armadas, precisaram discutir judicialmente a matéria, para que pudessem participar de concursos para carreiras militares e ou, uma vez aprovados, se matricularem no respectivo curso de formação.

Diante da necessidade de dar a máxima efetividade possível ao art. 142, § 3º, X, da Constituição e em face do contexto socioeconômico e político da citada controvérsia, consistente no indelével fato de que por mais de vinte anos as Forças Armadas brasileiras fixaram por meio de normas internas e não lei o limite de idade para ingresso em suas fileiras, supostamente autorizadas pelo art. 10 da Lei nº 6.880/80, decidiu o STF pela modulação dos efeitos da declaração de não-recepção do citado dispositivo legal, em acórdãos proferidos no RE 600.885-RS cujos efeitos para os cidadãos que ajuizaram ações são bastante controvertidos como aduziremos nesse trabalho.


1. DA CONTROVERTIDA EFICÁCIA DA MODULAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 10 DA LEI 6.880/80:

2. Segundo a Constituição brasileira de 1988, os requisitos para ingresso nas Forças Armadas, inclusive a idade máxima que deve possuir o candidato, precisam ser previstos em lei no sentido formal, isto é, norma emanada do Poder Legislativo, após o procedimento de propositura, apreciação e votação, a fim de representar (pelo menos em tese) o consenso democrático sobre a matéria.

É o que previsto no inciso X do parágrafo terceiro do art. 142 de nossa Carta Magna:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

(...)

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...). (grifamos)

3. Neste contexto, o STF no julgamento do Recurso Extraordinário 600.885/RS assentou que a Constituição Federal, em razão do art. 142, § 3º, X, não recepcionou a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” contida no art. 10 da Lei nº 6.880/80.

Contudo o Supremo Tribunal, em face dos inúmeros concursos realizados até então pelas Forças Armadas, entendeu ser juridicamente melhor para nossa ordem jurídica e organização administrativa do Estado que os efeitos de tal declaração de não-recepção só ocorressem depois do dia 31.12.2011 e assim declarou válidos os limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados em tal dispositivo legal até a referida data (31.12.2011)

Esta é a ementa do julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃO-RECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos. (RE 600885, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 09.02.2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe-125 de 30.06.2011, PUBLIC 1º.07.2011)

Por outro lado, o Supremo em tal RE, diante de embargos declaratórios opostos pela União, (i) ressaltou que a modulação da declaração de não recepção da expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” contida no art. 10 da Lei nº 6.880/80 não alcança os candidatos com ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto deste recurso; bem como (ii) prorrogou a modulação dos efeitos até 31.12.2012.

Leiamos a ementa do ED-RE 600885/RS:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OMISSÃO. ALCANCE SUBJETIVO DE MODULAÇÃO DE EFEITOS DE DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO. CANDIDATOS COM AÇÕES AJUIZADAS DE MESMO OBJETO DESTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRORROGAÇÃO DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA NÃO RECEPÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. Embargos de declaração acolhidos para deixar expresso que a modulação da declaração de não recepção da expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980 não alcança os candidatos com ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto deste recurso extraordinário. 2. Prorrogação da modulação dos efeitos da declaração de não recepção até 31 de dezembro de 2012. (RE 600885 ED, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 11-12-2012 PUBLIC 12-12-2012)

4. Diante de tais diretrizes, parte da magistratura federal aqui no DF (a exemplo da decisão prolatada no processo judicial nº 32772-50.2011.4.01.3400) chegou, contudo, à conclusão de que, se uma ação foi proposta em data anterior ao julgamento proferido pelo STF no RE 600.885 (09.02.2011), mesmo que tenha sido não antes de sua publicação em diário de Justiça, regulamentação de concurso foi fundada no art. 10 da Lei nº 6.830/1980 e editada antes de 31 de dezembro de 2012 é válida no que estipula idade máxima para os cândidos, pois aplica-se a modulação dos efeitos da decisão referida no presente caso.

A questão, portanto, que tem surgido é a de saber se a decisão do Supremo Tribunal Federal acima citada gerou efeitos a partir de sua prolação na sessão de julgamento ou apenas a partir da publicação do respectivo acórdão em diário de justiça.

É que o STF fixou a data a partir da qual a não-recepção teria eficácia (31.12.2011, alterada depois para 31.12.2012), porém foi não fixou a data a partir da qual estariam ressalvados que fez aos candidatos que propuseram ação judicial para afastar o limite de idade.

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Tal definição tem sua importância prática pelos seguintes questionamentos: qual é a situação jurídica dos candidatos que propuseram ação judicial após a decisão do STF no RE 600.885/RS, porém antes da publicação do acórdão de tal julgado? Esses candidatos foram ou não ressalvados pela decisão proferida em embargos de declaração no citado RE? Por outro lado, qual é a situação jurídica dos candidatos que propuseram ação judicial após a publicação do acórdão proferido pelo STF no RE 600.885/RS, mas antes da data de início da modulação dos efeitos da não-recepção?

5. Em razão disso, buscamos na jurisprudência da suprema corte brasileira a diretriz assente sobre a matéria, pesquisa que nos trouxe a ementa do seguinte julgado do STF, proferido em face de embargos de declaração opostos justamente para esclarecer a partir de que data geraria efeito o acórdão proferido em controle de constitucionalidade com efeitos prospectivos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 3.642/05, QUE “DISPÕE SOBRE A COMISSÃO PERMANENTE DE DISCIPLINA DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL”. AUSÊNCIA DE PEDIDO ANTERIOR. NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 1. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicação, quando presentes os seus requisitos, garante a supremacia da Lei Maior. Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei nº 9.868/99. 2. Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração. 3. Necessidade de preservação dos atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional. 4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrição dos efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99. Presentes não só razões de segurança jurídica, mas também de excepcional interesse social (preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – primado da segurança pública), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital nº 3.642/05 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado. (ADI 3601-ED, Relator(a)  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 15.12.2010) (grifamos)

6. Desse modo, em que pese a sessão de julgamento do julgamento do RE 600.885/RS ter ocorrido em 09.02.2011 e o resultado ter sido publicado nos dias 21.02, 19.03 e 15.04.2011, o inteiro teor do acórdão o foi apenas em 1º.07.2011, momento em que, em nosso entender, tal decisão passou a gerar efeitos, segundo a corrente diretriz jurisprudencial acima citada, uma vez que, como já explicado, o próprio julgado foi omisso quanto à data de início da ressalva que fez aos candidatos que propuseram ação judicial para afastar o limite de idade.

 De fato, a par das publicações não oficiais, só com a publicação no Diário de Justiça foi possível conhecermos o conteúdo do voto condutor do julgado, especialmente no que tange à modulação de efeitos conferida pelo STF e à ressalva aos candidatos que propuseram ações judiciais para afastar o limite de idade fixado em edital de instituições militares.

Assim, apenas a partir de 1º de julho deste ano, é que a referida decisão do Supremo Tribunal passou a gerar efeitos, pois não era possível conhecer oficialmente antes de tal ressalva garantida aos candidatos que se socorreram do Poder Judiciário para afastar o limite de idade em questão.

7. Por outro lado, antes de adentrar nas questões postas, cumpre observar que, se o Supremo no citado julgado asseverou que a modulação não se aplica aos candidatos que buscaram o Judiciário, a não-recepção do art. 10 da Lei nº 6.880/80 para estes candidatos tem efeitos desde a promulgação da Constituição Federal, em 05.10.1988, e não somente a partir de 31.12.2012.

Isto se mostra ainda mais evidente ao termos em conta que não foi provido o Recurso Extraordinário da União interposto para reformar as decisões de primeiro e segundo graus que afastaram as normas infralegais estipuladoras de limite de idade e, assim, o autor do processo judicial no qual interposto o RE foi vencedor.

É o que assentou a Ministra Relatora em seu voto, ao rechaçar a pretensão da União de validar o limite de idade inclusive para os cidadãos que tiveram pelo Judiciário afastado a limitação prevista em mera norma regulamentadora:

(...)

O debate sobre essa questão prosseguiu até a Ministra Ellen Gracie, com base no voto por mim proferido, propor que “o Tribunal pode estabelecer que os prazos hoje constantes dos regulamentos militares serão vigentes até o final deste ano – prazo mais do que suficiente para se editar a lei -, ressalvadas as situações pessoais daqueles que acorreram a juízo”.

Sobre a proposta manifestaram-se favoravelmente o Presidente, Ministro Cezar Peluso, e os Ministros Marco Aurélio, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, em seu voto-vista.

Todavia, a ressalva das situações dos candidatos que procuraram o Poder Judiciário com a mesma tese jurídica examinada neste recurso extraordinário, ou seja, ausência de previsão legal para a imposição do limite de idade, não foi objeto de votação e, portanto, não ficou expressa na proclamação do resultado do julgamento, daí a omissão suscitada pela União.

4. Além da omissão, contra a ressalva subjetiva feita à modulação de efeitos a União argumenta que “a mesma preocupação com o funcionamento das Forças Armadas que ensejou a modulação dos efeitos prospectivos do presente decisum é que justifica a necessidade de sua integração. Com efeito, permanecendo a omissão, corre-se o risco de se admitir candidatos que, em razão da idade, já não mais atenderiam, com a segurança pessoal e a dignidade que lhe devem ser conferidas, os interesses das Forças Armadas”.

Para tentar reverter a conclusão deste Supremo Tribunal, a União vale-se de afirmação feita pela Ministra Ellen Gracie de que teria havido situação concreta na qual um candidato de 77 anos ganhou liminar, mas não foi aprovado nas provas.

O que se tem são apenas ilações de situações esdrúxulas, sem a demonstração efetiva de algum caso concreto com tamanha teratologia.

A ilação nem merece maiores considerações, pois candidatos maiores de 70 anos nem sequer poderiam tomar posse em decorrência do limite etário imposto pela própria Constituição da República.

A teratologia estaria em desconsiderar a jurisdição prestada aos candidatos que dela se socorreram para terem garantido o direito de participar do concurso de ingresso nas Forças Armadas sem a limitação de idade desprovida de fundamento legal e, portanto, inconstitucional, à luz do art. 142, § 3º, inc. X, da Constituição da República.

(...).

Ponderou o Supremo, à luz do princípio da segurança jurídica, que, da mesma forma que não seria razoável anular os concursos editados durante vinte e dois anos após a Constituição de 1988, também seria teratológico desprezar todas as ordens judiciais fundadas na clara incompatibilidade do art. 10 da Lei nº 6.880/80 e suas normas regulamentadoras com o art. 142, § 3º, X, da Carta Magna.

8. Por outro lado, cumpre lembrar que a decisão em tela não tem efeitos erga omnes como o têm as decisões proferidas no controle concentrado, pois proferida em recurso extraordinário interposto no bojo de processo subjetivo.

Com efeito, as decisões do Pretório Excelso em recurso extraordinário só terão efeito vinculante se esse for o desejo do Senado Federal, afinal a Lei Maior estabelece, em seu art. 52, X, que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, suspensão esta que ainda não ocorreu:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

(...).

De fato, o art. 102, § 2º, da Constituição Federal é claro ao se referir apenas ao controle concentrado e abstrato de constitucionalidade:

Art. 102.

(...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...).

Disposição de mesmo teor foi estabelecida no art. 27 da Lei nº 9.868/99, notoriamente inaplicável a processo judicial subjetivo, tendo em conta o título do capítulo e a própria em que inserida:

CAPÍTULO IVDA DECISÃO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEE NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

(...)

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

9. A partir de tais premissas, passemos a analisar as situações jurídicas dos candidatos que propuseram ação judicial após a decisão do STF no RE 600.885/RS, porém antes da publicação do acórdão de tal julgado, isto é, entre 09.02.2011 e 1º.07.2011, e por outro lado daqueles que ajuizaram suas demandas após 1º.07.2011.

Primeiramente, frisamos que a decisão do STF não alcançou as ações em curso, por lhes faltar o efeito erga omnes próprio das declarações de constitucionalidade e inconstitucionalidade do controle concentrado. Assim, não há como definir a priori a situação jurídica de todos os candidatos que propuseram ação, pois cada caso pode ou não ser julgado de forma idêntica à decidida no citado recurso extraordinário, tendo em conta que a decisão do Supremo Tribunal em processo subjetivo não tem também efeito vinculante sobre os demais órgãos do Judiciário brasileiro.

Por tais motivos, como todo pronunciamento pretoriano em um processo judicial subjetivo e como a rigor toda súmula sem efeito vinculante, trata-se de decisão que tem efeitos cogentes no caso concreto, porém apenas retrata a orientação do tribunal sobre a matéria, sem vincular a decisão dos demais magistrados, nem decidir de modo definitivamente a situação jurídica de todos os candidatos litigantes.

Cumpre lembrar, nesse ponto, tal como assentado pelo Ministro Marco Aurélio durante o julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão do RE 600.885/RS, que a modulação dos efeitos da declaração de não-recepção do citado dispositivo legal pela Constituição é totalmente descabida, uma vez que se tratava de um processo subjetivo, cujos limites jurisdicionais eram bem claros e circunscritos à questão de ter ou não o respectivo autor direito a participar de concurso para provimento de cargo militar sem observância de norma infralegal.

Transcrevo o voto em questão:

Presidente, e assim é contada a história do Brasil.

A ementa é elemento indispensável, a teor do Código de Processo Civil, do acórdão proferido. Hoje, há regra explícita no Código de Processo Civil revelando a necessidade de ter-se, nos pronunciamentos dos tribunais, a ementa. Ficou consignado na ementa do acórdão proferido nesse processo, que é processo subjetivo, com relações subjetivas, relações jurídicas definidas:

O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011.

Portanto, contra meu voto, admitiu-se a modulação dos efeitos no processo subjetivo. A meu ver, o acórdão não padece do vício alusivo à omissão. Transcorreu o período, e notamos uma verdadeira, como costumo dizer, inapetência do Congresso Nacional. Em que pese à sinalização do Supremo, não legislou sobre a matéria.

De qualquer forma, Presidente, devo ser coerente, considerado o voto que proferi. Fiz ver que desprovia o recurso da União e apontei, ao término do voto, que o processo tinha balizas subjetivas próprias e que se estaria diante não de um processo objetivo, mas de um processo subjetivo. Então, consignei:

"A meu ver, não cabe ir adiante do que se contém neste processo, que, repito, versa interesse individualizado, versa Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a questão subjetiva e não objetiva. Não assino prazo ao Congresso Nacional para legislar porque receio que" – isso à época em que proferimos a decisão, início de 2011 –, "não legislando o Congresso Nacional, acabemos desmoralizados na decisão proferida."

E não legislou o Congresso Nacional.

"Não assino prazo sequer à Força, para provocar, de alguma forma, apresentação de projeto de lei visando atender ao que se contém no artigo 142 da Constituição Federal, porque não me cabe fazê-lo diante das balizas, como disse, deste processo.

Simplesmente desprovejo o recurso" – recurso da União –, "acompanhando, nesse ponto, a relatora."

Vamos agora assinar novo prazo até o término deste ano. E quem sabe, em que pese à referência da relatora no voto à natureza improrrogável do novo prazo, estaremos, aqui, a nos defrontar, em 2013, com novos embargos declaratórios, presente a inércia, a meu ver, nefasta, em termos de democracia, de segurança jurídica, do Congresso Nacional.

Peço vênia para desprover os embargos declaratórios.

Não podia, pois, o STF ter dispensado a provocação em processo objetivo (ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade), por parte de um dos legitimados elencados no art. 103 da Constituição (será que faltou interesse por partes deles para defesa dos desempregados interessados em concursos militares?), para promover a modulação de efeitos que pretendia estabelecer, que, frise-se, está restrita a tal tipo de processo, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99.

10. A par disso, ainda que imaginemos que todos os magistrados passarão a adotar tal diretriz do Supremo Tribunal Federal, quanto aos cidadãos que propuseram ações judiciais, notemos que, embora não tenha constado na ementa do acórdão do RE, a Relatora, Ministra Cámen Lúcia, já ressalvara a situação dos candidatos que propuseram ação judicial para afastar o limite de idade, conforme se vê do bem do dispositivo de seu voto:

13. Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário, declarar a não recepção da expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei 6.880/80 e modular os efeitos da decisão para preservar a validade dos certames realizados pelas Forças Armadas e em cujos editais e regulamentos se tenha fixado limites de idade com base no art. 10 da Lei n. 6.880/80, até 31 de dezembro de 2011, ressalvados eventuais direitos judicialmente reconhecidos. (grifamos)

Não bastasse isso, no julgamento dos embargos de declaração opostos em tal recurso extraordinário, cuja ementa foi acima transcrita, ficou expressamente consignado que a modulação dos efeitos não atinge aos candidatos autores das ações ajuizadas.

Nessa quadra, resta saber se as ações ajuizadas a que se refere o STF são as anteriores ao julgamento do RE ou anteriores ao momento em que o respectivo acórdão foi publicado.

Entendo que, como toda decisão judicial, o referido acórdão do STF só pode ter gerado efeitos a partir de sua publicação, em 1º.07.2011, e assim só as ações ajuizadas antes desta data estariam ressalvadas, tendo em conta que utilizou o STF, como não poderia deixar de ser, verbos no particípio passado nas expressões acima destacadas “ressalvados eventuais direitos judicialmente reconhecidos” (voto condutor do RE nº 600.885/RS) e “ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto deste recurso extraordinário” (ementa do ED-RE nº 600.885/RS).

11. Por essa última razão, não chego a dizer que todas as ações ajuizadas antes do início dos efeitos da não-recepção da Lei nº 6.880/80 estariam abrangidas pelo julgado do STF, pois isto esvaziaria da decisão, cuja finalidade principal, expressa no voto da Ministra Relatora no julgamento dos embargos de declaração, foi a de não desprezar que houve a prestação de jurisdição evidentemente coerente com o texto constitucional (por afastar norma claramente incompatível com a Constituição).

Assim, os candidatos que propuseram ação após a publicação do acórdão proferido no RE não foram ressalvados, uma vez que precisaria ter o STF se utilizado não daquelas expressões em questão, mas sim de algo como ações ajuizadas e que vierem a ser ajuizadas até o início da modulação dos efeitos da não-recepção do art. 10 da Lei nº 6.880/80.

Contudo os juízes responsáveis pelos processos em que litigam tais candidatos, como já dito, não estão vinculados a diretriz do Supremo aqui referida, o que só ocorrerá com a suspensão do art. 10 da Lei nº 6.880/80 pelo Senado nos termos do art. 52, X, da Constituição de 1988 ou com decisão prolatada em processo objetivo, salvo evidentemente se decisão favorável a tais cidadãos transitar em julgado antes de tal providência ser realizada, até porque impossível a propositura de ação rescisória por meio de qualquer das hipóteses do art. 485 do CPC.

Sobre o autor
Paulo Rogério Cirino de Oliveira

Defensor Público Federal em Brasília (DF). Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Paulo Rogério Cirino. As contradições do STF no julgamento do Recurso Extraordináro 600.885/RS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3732, 19 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25348. Acesso em: 23 dez. 2024.

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