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A inconstitucionalidade da detração penal feita pelo juiz sentenciante

Agenda 06/11/2013 às 06:07

Ao conferir ao juiz a competência para ordenar, já na sentença, a progressão de regime do réu que tiver tempo de prisão provisória a ser considerado, a Lei 12.736/2012 deu tratamento desigual ao acusado preso, em comparação com aquele que respondeu o processo em liberdade.

Estabelece o §2º do art. 387 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.736/2012, que “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.

Assim, nos termos do comando legal acima mencionado, o juiz, após fixar a pena privativa de liberdade definitiva ao acusado, na forma do sistema trifásico preconizado pelo art. 68 do Código Penal, deverá, atentando para o quantum da pena, impor ao réu o regime inicial para seu cumprimento, de acordo com o contido no art. 33 do Código Penal, e, depois disso, deverá o magistrado sentenciante computar o tempo de prisão cautelar cumprida pelo réu condenado, tomando-o como critério objetivo de progressão de regime prisional, de maneira que, satisfazendo o condenado o requisito objetivo necessário à obtenção da progressão de regime, deverá o próprio juiz sentenciante, na própria sentença condenatória, operar à referida progressão, começando desde logo o réu a efetivamente cumprir pena em regime mais brando.

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 12.736/2012, portanto, como consta expressamente da exposição de motivos do projeto que lhe deu origem, veio com o intuito de evitar aquelas não raras situações em que o condenado tem que aguardar a decisão do juiz da execução penal quanto à progressão de regime, permanecendo nessa espera em regime mais gravoso ao que pela lei faz jus.

Almeja a nova lei, portanto, que o próprio juiz sentenciante possa operar a progressão de regime mediante a realização da detração penal.

Como expressamente ressalta a exposição de motivos do projeto que deu origem à Lei nº 12.736/2012, “o que se almeja com o presente projeto, portanto, é que o abatimento da pena cumprida provisoriamente possa ser aplicada, também, pelo juiz do processo de conhecimento que exarar a sentença condenatória (…) evitando a permanência da pessoa presa em regime que já não mais corresponde à sua situação jurídica concreta”[1].

Em outras palavras, a nova redação do §2º do art. 387 do Código de Processo Penal veio para conferir, também ao juiz sentenciante, e não apenas ao juiz das execuções penais, a possibilidade de operar, já na sentença condenatória, à progressão de regime do condenado que possuir tempo de prisão provisória a ser computado.

Sucede que, ao conferir ao juiz sentenciante a competência para ordenar, já na sentença condenatória, a progressão de regime prisional do réu que tiver tempo de prisão provisória a ser considerado, a Lei 12.736/2012 acabou por conferir, sem qualquer critério minimamente defensável, dado que desproporcional e desarrazoado, tratamento promocional materialmente desigual ao acusado preso, quando em comparação com a situação do condenado que respondeu em liberdade a toda a ação penal.

Isso porque, ao ordenar ao juiz sentenciante que proceda à progressão de regime do condenado com tempo de prisão provisória a ser computado, desde que satisfeito o quantum legalmente previsto para tanto, contentou-se a lei com a observância pelo juiz sentenciante apenas do requisito objetivo para a progressão, sem atentar que a decisão do juiz das execuções penais acerca da progressão de regime prisional sempre se pautará pela análise da satisfação, pelo condenado, do requisito objetivo (quantum da pena já cumprido) e do requisito subjetivo (mérito do condenado, expresso pela sua boa conduta carcerária), nos termos do disposto no art. 112 da Lei 7.210/84, dispositivo esse que, vale salientar, não sofreu qualquer alteração por parte da Lei nº 12.736/2012.

Ficaríamos assim, a prevalecer as disposições da Lei nº 12.736/2012, doravante, com dois regimes de progressão de regime prisional inteiramente distintos, um para condenados com tempo de prisão provisória, para cuja progressão basta a satisfação do requisito temporal objetivo, e outro, mais rigoroso, para condenados que tiverem respondido soltos à ação penal, para cuja progressão hão de ser satisfeitos os requisitos objetivo e subjetivo.

Esse tratamento legislativo nitidamente desigual para situações materialmente idênticas afronta indubitavelmente o comando constitucional definidor do direito fundamental à igualdade, segundo o qual hão de receber tratamento jurídico igual  todos aqueles que se encontrem em situações substancialmente idênticas.

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Assim, para que o sistema legal que regula as progressões de regime se resguarde constitucional, faz-se necessário que o tratamento jurídico de réus que responderam soltos e de réus que responderam presos a uma ação penal seja exatamente o mesmo, o que importa dizer que ou há de prevalecer a norma contida na Lei nº 12.736/2012, caso em que se teria por tacitamente revogada a norma do art. 112 da Lei nº 7.210/84, na medida em que tal norma, menos recente, lhe seria antinômica, ou há de prevalecer a norma do art. 112 da Lei nº 7.210/84, com o conseguinte reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 12.736/2012.

Sob esse panorama, há de ser reconhecida a inconstitucionalidade da Lei nº 12.736/2012, primeiramente porque, ao desprezar o mérito do condenado e o juízo de prognose acerca de sua capacidade de adaptação a regime menos rigoroso, atenta contra o princípio constitucional da individualização das penas, entronizado no comando normativo do art. 5º, XLVI, da Constituição Federal de 1988, e, em segundo lugar, porque, ao se contentar apenas com a satisfação de critério objetivo para a progressão de regime, suprimindo arbitrariamente a análise do mérito do condenado prevista no art. 112 da Lei de Execuções Penais, retrocede juridicamente e socialmente, no que atenta contra o princípio constitucional da proibição do retrocesso, indiscutivelmente positivado, embora de maneira não expressa, na Constituição Federal de 1988.

Assim, a prevalência do vigor da Constituição Federal de 1988, especialmente dos seus comandos definidores do princípio da igualdade, da individualização das penas e da proibição do retrocesso, fulmina a eficácia jurídica da Lei nº 12.736/2012, a qual, pelas razões acima invocadas, há de ser tida por inteiramente inconstitucional.


Nota

[1]Consultar exposição de motivos em:  http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=114662&tp=1.  Acesso em: 25.02.2013.

Sobre o autor
José Armando Ponte Dias Junior

Juiz de Direito no Rio Grande do Norte. Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS JUNIOR, José Armando Ponte. A inconstitucionalidade da detração penal feita pelo juiz sentenciante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25702. Acesso em: 14 nov. 2024.

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