INTRODUÇÃO
Esta obra trata da Lei n° 6.683/79, conhecida como Lei da Anistia Política que, conforme o próprio nome sugere, perdoou a todos aqueles que praticaram crimes classificados como políticos ou “conexos” a estes no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, abrangendo, portanto, todo o período do regime de exceção no Brasil até o momento de sua aprovação, tendo por objetivo contribuir no esclarecimento da discussão acerca de uma nova interpretação proposta e discutida através da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Supremo Tribunal Federal que pretende, desta forma, obter do Poder judiciário a declaração de que os atos de violação dos Direitos Humanos praticados pelos agentes públicos, como a tortura e o desaparecimento forçado, não se enquadrem na classificação de “crimes conexos” previstos na Lei.
Os temas referentes aos anos do Estado de Exceção vividos no Brasil são ainda muito atuais. Há, ainda, diversos pedidos de indenizações contra o Estado sendo processados, muitos “desaparecidos” ainda não encontrados, muitos fatos ainda não esclarecidos e, sobretudo, muitos aspectos ainda a serem tratados sobre este período histórico brasileiro que certamente ajudou a resultar em muitos dos problemas sociais até hoje enfrentados. Reconhecer a existência destes problemas é o primeiro passo para poder solucioná-los, ainda hoje famílias lutam pelo reconhecimento de seus entes desaparecidos e a sociedade, através da representação do Ministério Público, busca as revelações e os esclarecimentos dos atos estatais à época sem os quais ela, a sociedade, não pode se desenvolver num Estado Democrático de Direito. Este primeiro passo já foi dado à medida que o Estado admite a sua responsabilidade pelos desaparecimentos e torturas à custa de pesadas indenizações que tem se submetido a pagar àqueles que lhe fazem jus.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de que esta pesquisa busca contribuir no esclarecimento acerca de um tema já muito discutido, porém, não da forma devida, quando se fala ou se escreve sobre os chamados “anos de chumbo” da ditadura no Brasil, qual seja, a possibilidade e a viabilidade da adoção de uma nova hermenêutica à Lei da Anistia Política brasileira, para que se possa proceder à punição daqueles que, protegendo-se sob o manto do Estado, promoveram a tortura, o desaparecimento forçado e a morte de centenas de pessoas que “não interessavam” ao sistema, através do enquadramento de tais crimes como de “lesa-humanidade”, conforme determinam os tratados internacionais aos quais alguns deles o Brasil já era signatário à época da promulgação da lei estudada. A defesa intransigente da manutenção do Estado Democrático de Direito passa por estes esclarecimentos para que tais eventos, sórdidos e repugnantes, não voltem a acontecer no Brasil.
O tema proposto, enfim, figura entre os que se classificam como da maior importância para uma compreensão mínima do atual estágio em que a população brasileira se encontra com as suas mazelas e injustiças sociais que somente poderão ser superados a partir do autoconhecimento histórico.
O trabalho se refere, em seu primeiro capítulo, ao estudo da conjuntura política que resultou na Lei da Anistia. Tal esclarecimento é de suma importância para o entendimento posterior acerca da interpretação dada à lei desde a sua publicação e que hoje, em pleno exercício do Estado Democrático de Direito, é alvo de profundos questionamentos, que, inclusive, resultaram no ajuizamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de n° 153 junto ao Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O segundo capítulo, em seguimento coerente à discussão proposta, traz justamente os argumentos favoráveis e contrários concernentes à proposta de nova interpretação ao texto legal. Inicialmente pensou-se em discernir sobre a interpretação vigente como um subtítulo à parte, porém, em nome da melhor técnica, descartou-se tal hipótese, eis que, tanto o estudo da conjuntura política que resultou na Lei, quanto à apresentação dos argumentos favoráveis e contrários à sua nova interpretação, já nos permitem o correto entendimento sobre a interpretação vigente de forma que apresentá-la de forma individualizada encheria o trabalho de redundâncias e o tornaria enfadonho, não sendo nem este, nem aquele os objetivos almejados nesta pesquisa.
O terceiro capítulo, em complemento à apresentação dos argumentos favoráveis e contrários colocados no item anterior, traz a apresentação da defesa feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como da Associação Juízes para a Democracia, na ADPF n° 153, proposta por estas entidades.
O quarto capítulo traz o estudo do Direito comparado. É sabido por todos que o Estado de Exceção não foi uma criação brasileira na América do Sul, pelo contrário, a própria conjuntura política a nível mundial travava uma ampla disputa ideológica conhecida como “Guerra Fria” na qual sistemas políticos divergentes, capitaneados pelos Estados Unidos da América de um lado e pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de outro, disputavam a hegemonia do capitalismo ou do socialismo no mundo. Nesta esteira tanto um lado quanto o outro ou dominavam ideológica e militarmente os governos dos Estados seguidores de seu sistema ou apoiavam de forma incisiva a revolução e/ou os golpes de Estado contra os seus opositores, sem deixar de lado o doutrinamento ideológico de seus seguidores. Assim também foi em toda a América do Sul, não havendo sequer um Estado que não fosse alvo de golpes e de um conseqüente Estado de Exceção. A diferenciação que dá ensejo ao estudo do direito comparado está justamente no encaminhamento dado à questão da anistia política após a redemocratização destes países, raiz da discussão proposta por este trabalho.
1. A CONJUNTURA POLÍTICA PRÉ-ANISTIA
Era o ano de 1979, segundo o jornal Folha de São Paulo (2004, p. E7), “Constituição e República ou eram um sonho ou ente ficcional”, quinze anos já havia se passado desde o golpe de Estado (chamado de “Revolução” pelos militares) que depôs o presidente João Goulart no dia 1° de abril de 1964 e quase onze anos da decretação do Ato Institucional n° 5, editado em 13 de dezembro de 1968, que endureceu ao nível máximo a repressão contra todo tipo de oposição ao regime imposto de então.
Lembra Ernesto Soto (2009, p. 11) que:
Em 1979, no mês de agosto, que muitos consideram agourento, propiciador de tragédias e más notícias, teve-se um bom momento: na manhã do dia 28, o general Figueiredo, quinto presidente no regime dos militares, aquele que ameaçou prender e arrebentar quem fosse contra a democracia e que, ao entregar o poder a José Sarney, pediu que o esquecessem, assinou a 48ª Lei de Anistia na história do país.
A aprovação à Lei da Anistia resultou de um intenso processo de distensão do regime militar, o qual fora classificado como “lento, gradual e seguro”, iniciado em 1974 pelo seu quarto Presidente militar, general Ernesto Geisel.
Embora os planos de Geisel passassem pela diminuição do aparato repressivo contra os opositores do regime, que começava a incomodar o governo brasileiro frente a outros países e organismos internacionais, principalmente devido à intervenção dos brasileiros que viviam exilados, eles não previam o retorno do país ao regime democrático, pelo contrário, buscavam meramente a sua adequação a uma situação que permitisse ao governo a manutenção do poder permitindo a manifestação do que chamavam de “oposição responsável”.
Segundo Nadine Habert (2003, p. 43):
O governo Geisel iniciou um projeto de “distensão” ou “abertura política” que combinava a manutenção dos principais mecanismos de repressão e controle com a progressiva institucionalização do regime. Isto é, ao mesmo tempo que continuava usando – e fartamente – o AI-5, a Lei de Segurança Nacional, o aparelho repressivo, promovia algumas reformas políticas nas instituições do poder como a reordenação do papel do Congresso e dos partidos e a reformulação da legislação autoritária, substituindo progressivamente os chamados “atos de excepção” por outras leis que mantinham o conteúdo principal da dominação política.
Nos discursos oficiais, as palavras “abertura” ou “distensão” vinham sempre acompanhadas das expressões “lenta”, “gradual” e “segura”, reveladoras de uma reacomodação do regime feita de cima para abaixo, controlada pelo poder, dentro da ordem e para manter a ordem da classe dominante.
O regime militar brasileiro desenvolveu-se em três etapas claramente identificadas pelos historiadores e estudiosos do período, segundo as quais na primeira foram criadas as estruturas necessárias à defesa do que chamavam de “Segurança Nacional”, na segunda foi viabilizado o “Milagre Econômico” e na terceira pretendia-se implementar condições para a manutenção do Estado criado sob os princípios e a ideologia da Revolução de 1964.
Assim, relata Maria Helena Moreira Alves (1984, p. 185):
O governo Geisel inaugurou a terceira etapa da institucionalização do Estado. A primeira fase, abrangendo os governos Castelo Branco e Costa e Silva, lançara as bases do Estado de Segurança Nacional, corporificado na Constituição autoritária de 1967. A segunda, de 1969 a 1973, desenvolveu o modelo econômico e o aparato Repressivo, ampliando o quadro legal da repressão e, na prática, a engrenagem de coerção. Durante os governos Geisel e João Figueiredo, os planejadores do Estado concentraram-se em estruturas mais permanentes e flexíveis para a institucionalização do Estado a longo prazo.
Para que o plano da caserna desse certo, no entanto, a vitória nas eleições de 1974 era o primeiro passo de fundamental importância. Mas as coisas não ocorreram exatamente conforme os planos traçados pelos militares, a chamada oposição consentida, materializada na atuação do Movimento Democrático Brasileiro – MDB –, já começava a demonstrar um crescimento considerado perigoso pelo governo, pois sinalizava claramente que, além dos eleitores de praxe, o partido começava a ganhar adesões de quem até pouco tempo, apoiava o sistema ou, pelo menos, se abstinha de reprová-lo.
Segundo matéria do jornal Folha de São Paulo (2004, p. E6):
As eleições de 1974 haviam mostrado que o MDB, o partido consentido de oposição, se encontrava em ascensão. Para os agentes do porão, o risco estava no ar. Passado o período Médici, sentiam-se progressivamente abandonados pelo novo ditador de plantão, Ernesto Geisel, e temiam a possibilidade de que um dia tivessem de prestar contas a uma instância civil.
Os resultados eleitorais de 1974 fizeram com que a oposição aos planos de distensão traçados por Geisel começassem a ser demonstradas além dos gabinetes e do Palácio do Planalto, chegando mesmo a tornarem-se públicas em algumas ocasiões.
Embora os embates entre os “castelistas” e os “duros” – correntes que representavam a linha menos truculenta e a chamada linha dura, respectivamente – se dessem, na maioria das vezes, nos bastidores do poder, houve ocasiões em que elas foram demonstradas de forma mais explícita como nos episódios das mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, ambos nas dependências do DOI-CODI de São Paulo, e da sucessão presidencial de Geisel por Figueiredo. (HABERT, 2003, p. 44).
As mortes do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975, e do operário Manuel Fiel Filho em 17 de janeiro de 1976, aliás, representaram um divisor de águas na história da resistência do movimento pela abertura política pela forma como se deram e pela justificativa esdrúxula dada pelos agentes da repressão. Foi a partir deste momento que a sociedade civil, que até então não se manifestava com relação às atitudes do governo, começou a fazê-lo a começar pela imensa participação no culto ecumênico ocorrido na Catedral da Praça da Sé e dirigido pelo Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, um conhecido crítico do sistema dentro do clero, e do Rabino Henry Sobel, então líder da comunidade judaica.
As mortes de Herzog e Fiel Filho também deixaram claras as profundas divergências existentes dentro do próprio regime e, como conseqüência delas, Geisel percebeu a oportunidade de aumentar o seu controle sobre os órgãos de repressão e, ao mesmo tempo, enfraquecer a oposição que enfrentava dentro de seu governo e demitiu, sem pedir a opinião de quem quer que fosse, o comandante do II Elícito, general Ednardo D´Ávila Melo, substituindo-o pelo general Dilermando Gomes Monteiro que seguia a linha da distensão lenta, gradual e segura por ele imposta. (HABERT, 2003, p. 49).
A continuidade de seu projeto de distensão política passava estrategicamente por um bom resultado nas eleições de 1977 onde seriam eleitos os novos governadores dos estados, deputados estaduais e federais e senadores. Percebendo o crescimento do MDB nas eleições municipais de 1976, o governou tratou, então, de precaver-se e, em 1° de abril de 1977, fechou o Congresso Nacional por duas semanas, lançando, com a sua reabertura, uma série de reformas que ficaram conhecidas como o “Pacote de Abril” nas quais determinava, dentre outras formas de controle político, a eleição indireta de um terço do Senado, bem como dos governadores dos estados.
Segundo Kucinski (2001, p. 44), o Pacote de Abril modificava o regime político instituído a partir de cinco pontos:
1. Controle do processo legislativo
Prevendo que dificilmente poderia contar com a maioria absoluta na Câmara Federal nas eleições seguintes, Geisel reduz o quorum exigido para a aprovação de emendas à Constituição, de maioria de dois terços, para maioria simples do Congresso. E cria no Senado um tipo especial de senador – a proposta do banqueiro Mello Flores. Esse senador que as oposições, inspiradas num personagem de cinema, chamaram de “biônico” seria escolhido por um pequeno colégio eleitoral de deputados estaduais controlado pelo governo em praticamente todos os estados (com a única exceção do Rio de Janeiro).
[…]
2. Controle do Executivo federal
Geisel ampliou de cinco para seis anos o mandato do Presidente da República que o sucederia no cargo. Determinou ainda que a eleição do presidente fosse feita em outubro do ano anterior ao da posse, ou seja, um mês antes da eleição de um novo Congresso, que se dá em novembro, se o ano é de eleição, como seria em 1978. Dessa forma ficou garantida a eleição do próximo presidente pelo colégio eleitoral existente à época do Pacote de Abril, e não por um novo colégio em que a maioria do governo poderia ser ameaçada não só pela perda dessa maioria no Congresso, mas também pela perda de maioria em assembléias estaduais, que enviam grande número de delegados ao colégio (mínimo de quatro e máximo de vinte por estado).
3. Controle dos Executivos estaduais
O sistema de eleição indireta de governadores de estados, que os militares haviam imposto pragmaticamente, com base em atos específicos para cada eleição, foi incorporado definitivamente pelo Pacote de Abril, anulando assim o que dispunha a Constituição de 1969, pela qual as eleições de governadores seriam diretas, conforme a antiga tradição republicana do país.
4. Restringindo as campanhas eleitorais
O Pacote de Abril estende às eleições nacionais as restrições que haviam sido impostas pela Lei Falcão ao uso da televisão nas campanhas municipais. A oposição perde, assim, o mais poderoso instrumento de comunicação desenvolvido na campanha de 1974.
[…]
O pacote introduz ainda o princípio da “coincidência de mandatos” de vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais. O objetivo era abrir caminho ao cancelamento das eleições nacionais, marcadas para o ano seguinte, sob o pretexto de fazer com que os mandatos dos congressistas coincidissem com os dos vereadores, que iriam até 1980 – outra idéia original do documento atribuído a Mello Flores. Ou, alternativamente, como acabou sendo feito, adiar as eleições municipais de 1980, fazendo-as coincidir com as eleições nacionais de 1982.
[…]
5. Restringindo o peso do voto urbano
Isolados no Riacho Fundo, Geisel e Golbery estudaram fórmulas para reduzir o peso dos votos das regiões urbanas, mais politizadas, em relação ao peso dos eleitores de região mais atrasadas. Algumas soluções eram óbvias. Meses antes, por exemplo, Geisel promovera a partilha do estado de Mato Grosso, criando um novo estado, Mato Grosso do Sul, extremamente atrasado e reduto natural da Arena. No Pacote, Geisel aumenta de um para dois o número de deputados federais para cada um dos três territórios, e eleva de três para seis o mínimo de deputados por estado. Assim, o Acre, supostamente atrasado, ganha mais três cadeiras. Geisel também estabelece um teto para o número de cadeiras de estados mais populosos (no caso, São Paulo), que não poderiam ter mais que 55 deputados federais (limitação mantida na Constituição de 1988).
Ocorridas as eleições de acordo com os planos de Geisel, que, graças às medidas do Pacote de Abril, elegera o seu sucessor neutralizando a chamada “Linha Dura”, era chegada a hora de dar início à abertura do regime. A medida mais importante neste sentido foi, certamente, a revogação do AI-5 e dos demais Atos Institucionais a partir do primeiro dia de 1979, prenunciando o início de novos tempos. Tal atitude significava na prática que o novo presidente não poderia se utilizar dos antigos instrumentos de repressão como a cassação de mandatos, suspensão de direitos políticos ou a decretação do recesso parlamentar, embora tivesse à sua disposição algumas salvaguardas as quais lhe permitiam a decretação imediata do estado de emergência sem a necessidade de autorização do Congresso Nacional no caso de ameaça de subversão. Toda esta nova situação, bem mais favorável à abertura, deu-se, em grande parte, pelo trabalho do, então presidente do Senado, Petrônio Portella que promoveu a grande articulação para a conciliação dos interesses que resultassem numa fórmula que viabilizasse a transição do autoritarismo para a democracia e que acabou por resultar no convite feito por Figueiredo para que viesse a assumir o Ministério da Justiça numa clara indicação do prosseguimento da abertura. (PILAGALLO, 2002, p. 147)
Paralelamente a todo o movimento do governo para garantir a aplicação de seu projeto político, seguiam os movimentos sociais em vertiginoso crescimento. Uma das mais importantes bandeiras de luta, adotada pela grande maioria deles era pela anistia ampla, geral e irrestrita, criada a partir do denominado Movimento Feminista pela Anistia (MFPA) que lançou, em 1975, o “Manifesto da Mulher Brasileira” que fora apresentado com a surpreendente marca de doze mil assinaturas. Esta iniciativa fez com que rapidamente fossem criados vários comitês a favor da anistia que tinham por objetivo levar o maior número possível de informação sobre os presos políticos, exilados e desaparecidos para sociedade civil.
Mas o movimento pela anistia não foi, também, um movimento tranqüilo, eis que vinha de encontro ao regime político vigente como relata Kucinski (2001, p. 80):
Ocorrem diversos atentados contra entidades simbólicas da intelectualidade e do movimento liberal pela restauração da democracia. A autoria é assumida por uma Aliança Anticomunista Brasileira, nome inventado pelos agentes da repressão, seus verdadeiros autores. Em agosto de 1976 há um atentado a bomba contra a Associação Brasileira de Imprensa, e outro contra a Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro. Em setembro um atentado contra o Cebrap, centro de estudos dirigidos por intelectuais de esquerda em São Paulo. Diversos atentados atingem bancas de jornais que vendem publicações alternativas. No dia 16 de dezembro de 1976 o II Exército cerca uma casa onde se reunia o comitê central do Partido Comunista do Brasil e fuzila seus participantes, matando Ângelo Arroio e Pedro Pomar, dois conhecidos líderes de esquerda. Um terceiro participante, João Baptista Drummond, foi preso, torturado e morto na prisão. A chacina da Lapa, como o episódio ficou conhecido, teve grande impacto na opinião pública e assustou os “geiselistas”, em Brasília.
Em 1979, portanto, o movimento pela anistia já não era novo, surgido em 1975 com o Movimento Feminino pela Anistia, foi, aos poucos, ganhando espaço e respaldo da sociedade civil, sobretudo com a eleição, em 1976, de Jimmy Carter – defensor de uma forte política em defesa dos direitos humanos e, anos mais tarde, ganhador do prêmio Nobel da paz – à presidência dos Estados Unidos da América, embora a influência externa, neste aspecto, tenha sido mínima. O que mais pressionava o regime a favor de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” era mesmo o movimento interno, reforçado pela revogação da maioria dos atos de banimentos ainda no final do governo Geisel e que tinha como ponto de maior pressão justamente a discussão sobre o seu alcance já que, se de um lado os militares vetavam a inclusão de seqüestradores e autores de “crimes de sangue” dos benefícios da lei, de outro a oposição queria deixar de fora torturadores e exigia que se atribuíssem responsabilidades pelos mortos e “desaparecidos”. Resulta desta discussão que, em 28 de agosto de 1979 a chamada “Lei da Anistia”, como ficou conhecida, é publicada exatamente da forma como o governo exigira, ou seja, com a anistia dos torturadores – embora o texto legal não os mencione, a não ser pelo eufemismo “acusados de crimes conexos aos crimes políticos” – e a exclusão dos chamados “crimes de sangue” e seqüestros. Ainda assim, quase 5 mil pessoas foram beneficiadas com a Lei. (PILAGALLO, 2002, p. 147-149)
É importante registrar que a anistia aprovada no Congresso Nacional naquele dia 28 de agosto de 1979, não contemplava os anseios do movimento que se avolumava nacionalmente. Pelo contrário, foi o projeto enviado pelo governo no qual não se beneficiavam aqueles presos sob acusação de crimes de sangue e terrorismo, mesmo que o crime de terrorismo não fosse ainda tipificado à época.
Segundo o relato de Soto (2009, p. 12):
O texto originário do Executivo foi encaminhado ao Congresso Nacional, dividido na época entre MDB e arena, chamados por alguns de partidos do “sim” e do “sim, senhor”. Antes de aprovar a lei, os governistas tiveram de resolver um problema: uma emenda do deputado Djalma Marinho, do MDB, que propunha a ampliação irrestrita da lei, era inaceitável pelos militares. Depois de muitas articulações e conchavos, a emenda foi derrotada por apenas cinco votos: 206 a 201. Exultante, o senador que presidia a Arena saiu rapidamente do plenário para comunicar a boa nova ao general Figueiredo. Era José Sarney.
Assim, deu-se a aprovação do projeto de anistia enviado ao Congresso Nacional por João Batista Figueiredo que, a partir do dia 28 de agosto de 1979, representaria a volta de todos aqueles que o regime houvera exilado, que tenham fugido para escapar da repressão ou daqueles que, mesmo vivendo ainda no Brasil, o fazia de forma clandestina com identidades falsas e pouco ou nenhum convívio social criando-se, então, a falsa idéia de que vigorara, a partir de então, o grande acordo feito entre governo, oposição e movimentos sociais em nome do restabelecimento da democracia no Brasil.