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Os disparates sócio-jurídicos da ‘lei seca’

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Agenda 16/12/2013 às 06:45

A “lei seca” se mostra ineficaz em combater os acidentes de trânsito, pois estes não param de crescer, apesar de seu mega-aparato fiscalizador.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como escopo demonstrar que a vulgarmente conhecida “lei seca” veio a lume com pretensão de se reduzir o número de acidentes de trânsito com a limitação do consumo de álcool, esbarrando na sua ineficácia e servindo apenas para restringir vários direitos e garantias fundamentais do cidadão.


A INTENÇÃO DECLARADA PELO LEGISLADOR: LIMITAR O CONSUMO DO ÁLCOOL

A Lei nº 11.705/2008, a qual instituiu a “Lei Seca”, teve origem na Medida Provisória nº 415, apresentada ao Congresso Nacional em janeiro de 2008.

A proposta de medida provisória, no Executivo, assinala em sua fundamentação sua intenção de demonizar o mero consumo de álcool:

“9. A urgência desse projeto se dá em razão do alto índice de consumo de álcool, que causa anualmente 1,8 milhão de mortes no mundo.  Além disso, os gastos em procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao uso do álcool e outras drogas, vêm aumentando sobremaneira, trazendo graves conseqüências para a elaboração e implantação de políticas públicas nessa área.” [GRIFAMOS]

Como é possível observar, os motivos aduzidos pelo legislador são no sentido de se “educar” a população ao hábito de não beber, já que não são falados aí os males do abuso do álcool, mas seu mero consumo, que, segundo o Executivo, causaria anualmente 1,8 milhão de mortes.


INDEVIDA INTROMISSÃO NOS ASSUNTOS DOMÉSTICOS

À luz dessas declarações do legislador, nota-se a intenção do Estado em querer impor uma “ética oficial” à sociedade, que passa pela rejeição ao mero consumo de álcool, prerrogativa que não lhe pertence senão subsidiariamente, ao arrepio dos postulados do Direito Penal.  Neste sentido, Alberto Silva Franco lembra que:

“No Estado Democrático de Direito, o simples respeito formal ao princípio da legalidade não é suficiente.  Há na realidade, ínsito nesse princípio, uma dimensão de conteúdo que não pode ser menosprezada nem mantida num plano secundário.  O Direito Penal não pode ser destinado, numa sociedade democrática e pluralista, nem à proteção de bens desimportantes, de coisas de nonada, de bagatelas, nem à imposição de convicções éticas ou morais ou de uma certa e definida moral oficial, nem à punição de atitudes internas, de opções pessoais, de posturas diferentes.”[1] [GRIFAMOS]

Ora, da mesma forma que o abuso [e não mero uso] de álcool causa mortes, diversas outras substâncias consumidas em excesso também causam mortes, como, por exemplo, os açúcares, que, consumidos habitualmente em excesso, redundam no aumento da glicose e culminam na diabetes, que, da mesma forma, implica em milhões de mortes e gastos públicos relacionados, o que não significa que o Estado deva assumir a posição de guardião daquilo que o cidadão deva comer e beber, destruindo, deste modo, suas liberdades e garantias fundamentais.

Destarte, sob o mesmo raciocínio-lógico, o Estado deveria refrear o consumo de guloseimas entre o cidadão brasileiro.  Não o faz, porém, porque tal medida seria extremamente invasiva, destruindo a autonomia individual sobre o próprio corpo, cuja única limitação encontra-se taxativamente expressa no art. 13 do Código Civil[2] e sendo, ainda, "defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família" (art. 1.513 do CC).

Como acentuado por Cesare Beccaria:

“Além disso, a que ficaria o homem reduzido, se houvesse necessidade de proibir-lhe tudo o que pudesse lhe ser ocasião de praticar o mal? Seria preciso começar por tirar-lhe o uso dos sentidos.”[3]

De acordo com Paulo Nader: “Somente os fatos sociais mais importantes para o convívio social devem ser disciplinados.”[4], pois, do contrário, emergiria em nosso meio um Estado Policial, destinado a regular as situações mais comezinhas da vida privada e doméstica, destruindo o caráter subsidiário da lei.

Ora, não se justificam intromissões na vida doméstica que venham a destruir totalmente a autonomia das instâncias inferiores, sob pena do Estado corromper a interpretação do Princípio da Legalidade em sua expressão genérica, consistindo na prerrogativa de se poder fazer tudo aquilo que a lei não proíba, o qual decorre não apenas da Constituição (artigo 5º, inciso II), mas do próprio Direito Natural, sendo, pois, anterior à noção de Estado.

Assim, faz-se aqui tabula rasa do Princípio da Subsidiariedade, consectário lógico do Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, já que o Direito Penal só deve intervir em situações excepcionais quando todos os instrumentos jurídicos e extrajurídicos se mostrarem ineficazes para o enfrentamento de dado problema:

“A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, sendo que nessa missão cooperam todo o instrumento do ordenamento jurídico.  O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de polícia, as sanções não penais etc.  Por isso se denomina a pena como a ‘ultima ratio da política social’ – e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos.”[5]

O Papa Pio XI, ao celebrar os quarenta anos da famosa Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, que estabelecia as bases da Doutrina Social da Igreja, escreveu a Encíclica Quadragesimo anno e, naquela ocasião, formulou o princípio de subsidiariedade de maneira precisa:

"Verdade é, e a história o demonstra abundantemente, que, devido à mudança de condições, só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e capacidade, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é subsidiar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los".[6] [GRIFAMOS]

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Tamanha é a importância deste princípio, que a União Européia, uma confederação política não-cristã, normatizou-o no artigo 5º do seu tratado de origem:

“3. Em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da acção considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União.”[7] [GRIFAMOS]

De acordo com tal princípio, cabe às instâncias inferiores autonomia para resolução de problemas para os quais o Estado somente é chamado a intervir excepcionalmente.  Assim, não cabe ao Estado intervir invasivamente, quebrando a autonomia doméstica, impondo normas com o objetivo de ensinar o que o indivíduo deva comer ou beber, mediante uma espécie de “totalitarismo normativo”, citado por Miguel Reale.


OS BENEFÍCIOS DO ÁLCOOL À SAÚDE

Como a “lei seca” trata o álcool como verdadeiro veneno, sugerindo sua proibição gradual sem diferenciar o mero consumo do abuso, há que se demonstrar, resumidamente, os benefícios do álcool à saúde do ser humano.

Em pesquisa realizada na Austrália sobre a cerveja, principal bebida alcoólica consumida no Brasil, reproduzida pela Revista VivaSaúde Edição 120[8], podemos, resumidamente, extrair conclusivamente que a cerveja:

Assim, não se justifica a demonização em si do álcool sob a falsa retórica de se pretender zelar pela saúde pública da coletividade enquanto bem jurídico a ser contraposto aos direitos fundamentais, especialmente pelo fato do abuso da substância pela população brasileira, como restará demonstrado mais adiante, ser rigorosamente uma exceção, e um hábito com ainda menor representação em concomitância à direção de veículos automotores.


AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO LINEAR ENTRE CONSUMO DE ÁLCOOL E ACIDENTES

Muito embora ter sido criada uma verdadeira psicose em torno do álcool, não há estudos que demonstrem seguramente que o mero consumo da substância resulte em correlação linear com acidentes e, muito menos óbitos em conseqüência, para se estabelecer tal estado de terror.

O simples fato de que acidentes fatais no trânsito não cessam de crescer mesmo depois da “lei seca”, como noticiado recentemente pela Revista Veja, Edição nº 2.333, conspira contrariamente à alegação de que os acidentes no trânsito são causados em regra pelo consumo de álcool.

Citando números, observamos que em 2006, no Brasil, a despeito da criminalização da embriaguez ao volante, este fato não conteve o crescimento de 2,86% de mortes no trânsito em 2007.  Veio a “lei seca” em 2008, repleta de pretensões demagógicas, e as mortes no trânsito não pararam de crescer.  Em 2007, tivemos 37.407 vítimas fatais, e em 2008 38.273 vítimas.  Se houve uma redução tênue em 2009, com 37.594 vítimas, em 2010 houve um crescimento significativo para 42.844 vítimas fatais.  Em 2011, mais crescimento com 44.584 vítimas fatais e em 2012 46.395 mortes[9].

Há quem diga que grande percentual de envolvidos em acidentes possuía alguma concentração de álcool nas veias.  Entretanto, isso é assaz diferente de apontar o álcool como causador do acidente.

Ora, um elevado percentual de pessoas alcoolizadas (acima de 50%) pode se justificar considerando que a maior parte da população bebe, embora moderadamente, conforme exposto por levantamento feito em 2007 pelo Ministério da Saúde:

“De acordo com o presente estudo, 52% dos brasileiros acima de 18 anos bebem (pelo menos 1 vez ao ano). Entre os homens são 65% e entre as mulheres 41%. Na outra ponta estão os 48% de brasileiros abstinentes, que nunca bebem ou que bebem menos de 1 vez por ano. No grupo dos adultos que bebem, 60% dos homens e 33% das mulheres consumiram 5 doses ou mais na vez em que mais beberam no último ano. Do conjunto dos homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28% consomem bebida alcoólica de 1 a 4 vezes por semana – são os que bebem ‘muito freqüentemente’ e ‘freqüentemente’.”[10]

O levantamento conclui, ainda, que, entre aqueles que bebem, 48% dos brasileiros bebem até 2 doses de bebida, 22% de 3 a 4 doses, e 29% acima de 5 doses.

Destes últimos, somos informados pela mesma pesquisa que 73% pertencem às classes D e E, que por sua vez somam apenas 3% dos consumidores de automóveis, de acordo com pesquisa da Revista Mundo do Marketing[11].

Logo se vê, sem demagogias, que o estrato da população que abusa do álcool e dirige é muito pequeno representativamente a se justificar uma penalização genérica e abstrata, sendo certo que beber todos os dias não significa per se abusar da substância, pois da mesma forma que é possível beber pouco e com freqüência, é possível beber muito em freqüência pequena.

Assim, embora acidentes fatais causados pelo álcool sejam casualidades, cuidando-se de exceções à regra, o legislador achou por bem baixar uma lei excessivamente dura, com toda sua generalidade e abstração, abarcando um enorme contingente de pessoas pela mera qualidade de consumidor de álcool.

Os números mais acima demonstram, todavia, que o risco real de dano a ser causado por tais pessoas é pequeno, não justificando a restrição aos seus direitos fundamentais, ancorada em zelosas declamações sobre a “saúde pública”, o “direito à vida” e ao “bem comum”.

Ora, antes de serem positivados, os crimes de perigo abstrato, que devem ser sempre excepcionais, devem ser medidos milimetricamente no espaço que vierem a ocupar, sob pena de se consolidar grave atentado às garantias fundamentais de um Estado que se qualifica como Democrático de Direito.

A conseqüência fatal é que a liberdade do cidadão é simplesmente destruída por uma lei populista, repleta de premissas falsas e demagógicas.

É sabido que o maior número de acidentes com vítimas fatais se dá pela má conservação e sinalização de vias públicas, assim como também pelo excesso de velocidade, o que nem sempre está associado ao consumo de álcool.

Desta forma, criou-se um preconceito errôneo contra a bebida alcoólica pautado na exposição sistemática em mídias de massa de poucos acidentes causados por condutores embriagados, a fim de se criar a mítica associação de que todo aquele que bebe e depois dirige seu automóvel cria uma necessária situação de risco.

Em verdade, a “tolerância zero” só é razoavelmente concebível nas estradas, pois a alta velocidade desempenhada pelos veículos exige de fato uma concentração absoluta do motorista, o que até justifica a proibição de venda de álcool em suas imediações.

Fora isso, a “tolerância zero” é rigorosamente abusiva.

A propósito, uma própria lei “tolerância zero” é discutível em sua própria rigidez, pois até mesmo o direito à vida comporta exceções, e pode ser relativizado frente, por exemplo, aos institutos da legítima defesa e do estado de necessidade (artigo 23, inciso I e II do Código Penal).

Donde se percebe que onde não há correlação lógica entre os acidentes e o consumo de álcool, já que os acidentes de trânsito não cessam de crescer, então o critério discrímen não é adequado a diferenciar os desiguais na medida de sua desigualdade, isto é, diferenciar os abstêmios dos consumidores de álcool.


QUEBRA DA ISONOMIA ENTRE DIFERENTES CONSUMIDORES DE ÁLCOOL

Segundo lições de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o conteúdo jurídico do Princípio da Igualdade:

“Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:

I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.

II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas.  É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial.

III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.

IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita”.[12]

Podemos observar como a atual “lei seca”, nos moldes como foi proposta, arranha os itens III e IV citados acima pelo eminente professor, tratando meros consumidores de forma idêntica àquelas pessoas que assumem a direção completamente embriagados.

Com efeito, há aí falha primordial principiológica, ferindo-se de morte o preceito da justiça que Aristóteles nos ajudou a definir:

“Parece que a Justiça consiste na igualdade e assim é, mas não para todos e sim para os iguais. E parece ser justa a desigualdade e de fato o é, mas não para todos, mas para os desiguais. Se se prescinde de para quem é julga-se mal.”[13]

Ora, não há justiça em se equiparar uma pessoa levemente alcoolizada a uma pessoa embriagada, tratando-as de forma idêntica, castigando os bons ao lado dos maus cidadãos, o que repugna a razão.  Trata-se, pois, de uma lei injusta:

“Lei injusta é aquela que nega ao homem o que lhe é devido, ou que lhe confere o indevido, quer pela simples condição de pessoa humana, por seu mérito, capacidade ou necessidade.”[14]

Obviamente, tudo o mais da “lei seca” torna-se impróprio em razão desta falha principiológica capital, mas prosseguiremos a expor seus erros pelo desejo de argumentar.


CASUALIDADES COMO JUSTIFICATIVA PARA GENERALIZAR E PUNIR INOCENTES

Num enorme universo de pessoas que se alcoolizam moderadamente e depois assumem a direção, pinçam-se casos isolados de motoristas irresponsáveis em estado de embriaguez, muitas das vezes doentes alcoólatras, que sequer poderiam estar dirigindo, e causadores de acidentes.  Então, os mass media se encarregam de dar-lhes ampla ressonância, ilustrando o que seria o resultado da combinação álcool e direção, cobrando em grau de frenesi a emergência de meios simbólicos de pena.

A propaganda exaustiva dos meios de comunicação, sobretudo com imagens apelativas desses acidentes, longe de favorecer detida reflexão, serve apenas para direcionar a questão a um recurso falacioso: o emocional do indivíduo, mediante estímulos visuais, formando um imaginário coletivo do que seria o resultado desta combinação, tida invariavelmente como malsã.

A grande aprovação popular da lei seca decorre não da sua eficácia em refrear os acidentes, mas em ter conseguido enganar as pessoas com casos isolados, porém emblemáticos, fazendo-as acreditar que maiores concessões em seus direitos e garantias fundamentais devam ser necessárias em favor de um ilusório bem comum.

A repetição dos clichês pré-fabricados opera uma ilusão de conhecimento porque fecha a percepção do mundo pelo indivíduo reduzindo-o a lugares comuns, confinando-o num universo sem questionamentos.

Até que ponto o interesse pela realidade não fica menor, se cada um tem um mundo particular onde não é necessário maiores esforços intelectuais, já que a percepção no mundo dos sentidos é tomada como a mensagem real; autêntica?

É o que Paulo VI convencionou chamar, em insight particularmente magnífico, na Exortação Apostólica Evangelii Nutiandi[15] (1975), de “civilização da imagem”, nos seguintes termos:

“Nós sabemos bem que o homem moderno, saturado de discursos, se demonstra muitas vezes cansado de ouvir e, pior ainda, como que imunizado contra a palavra. Conhecemos também as opiniões de numerosos psicólogos e sociólogos, que afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da palavra, que se tornou praticamente ineficaz e inútil, e estar a viver, hoje em dia, na civilização da imagem.”

As fronteiras entre a realidade e a imaginação se tornam mais estreitas numa civilização pautada no predomínio dos sentidos, vulnerável à enxurrada de imagens televisivas, estas sim com efeitos narcotizantes, e não propriamente o mero uso do álcool, entretenimento comum e legítimo para a maioria dos brasileiros.

Assim, na ausência de respostas concretas e com a exaustão de propagandas apelativas contra o uso do álcool, o indivíduo acaba fantasiando a idéia de que o álcool seja o verdadeiro vilão dos acidentes de trânsito, e qualquer ingestão de álcool será acreditada como nociva diante desta psicose coletiva.

O resultado é que exceções são usadas como meio para decompor regras, e fração insignificante de indivíduos que bebem irresponsavelmente e causam acidentes acaba servindo como exemplo para se limitar a liberdade e a responsabilidade de pessoas que bebem responsavelmente e nunca causam acidentes.

Assim, o cidadão responsável acaba pagando pela imprudência de motoristas irresponsáveis, que, mesmo com o advento de uma “lei seca”, continuarão a conduzir suas vidas de modo irresponsável, pois:

A eficaz prevenção no crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal, senão da melhor integração ou sincronização do controle social formal e informal.”[16] [GRIFAMOS]

A legislação anterior já era suficientemente dura para punir o infrator, mas o fanatismo político visando demonizar o álcool resultou em normas draconianas para punir o inocente, deslocando força policial para prender trabalhadores e pais de família.

Sobre o autor
ROBERTO FLAVIO CAVALCANTI

Advogado (UFRJ-2008), Contador (UERJ-2011). Graduado também em Administração de Empresas (UFRJ-1996).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, ROBERTO FLAVIO CAVALCANTI. Os disparates sócio-jurídicos da ‘lei seca’. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3820, 16 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26155. Acesso em: 25 nov. 2024.

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