CONCLUSÃO
A “lei seca” é um grande equívoco do legislador. É uma daquelas leis tendentes a transformar o Brasil de Estado Democrático de Direito num Estado Policial, suprimindo liberdades das mais triviais do cidadão, e maximizando a intervenção punitiva, sob as bandeiras de defesa da “vida” e da “saúde pública”.
Entretanto, a “lei seca” se mostra ineficaz em combater os acidentes de trânsito, pois estes não param de crescer apesar da lei e de seu mega-aparato fiscalizador.
Isto porque não existem quaisquer estudos científicos demonstrando que o consumo do álcool em si esteja atrelado proporcionalmente à quantidade de acidentes. A fração de acidentes causados pelo abuso de álcool é representativamente pequena, não justificando uma norma impondo um jugo pesado sobre todos os consumidores de álcool.
Casos isolados recebem amplo destaque nos meios de comunicação, mediante exaustiva veiculação de imagens, causando-lhes no imaginário a sensação irreal de que a maior parte dos acidentes de trânsito esteja associada ao consumo de álcool.
Essa propaganda emocional contra o consumo de álcool se transforma na prática em campanha, engajando boa parte da população com incessante repetição de irrefletidos slogans, cobrando-se atuação enérgica do legislador com a atuação de medidas penais simbólicas, as quais também se demonstram totalmente ineficazes na prática.
Deve haver um enfrentamento ao alcoolismo, este sim um flagelo a ser combatido, e que pode estar imbricado aos casuais acidentes de trânsito relacionados ao álcool, mas através de políticas públicas competentes, subsidiando organismos que já trabalham há longos anos com bem sucedidas iniciativas altruístas.
As antigas normas do Código de Trânsito combatiam o abuso de álcool na direção e não o mero consumo, sendo muito mais racionais e razoáveis. Entretanto, não houve ali o necessário engajamento da sociedade nem do Poder Público para que fosse efetivamente cumprida mediante reforço de aparato fiscalizador. Em vez disso, preferiu-se encampar a idéia de criminalizar qualquer fração de álcool no sangue como se isso fosse suficiente para se causar acidentes, o que é tanto uma agressão ao bom senso como uma irrealidade estatística.
Notas
[1] Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995.
[2] Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
[3] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, Martin Claret, 2ª Ed., São Paulo, 2009, p. 24
[4] NADER, Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, 21ª Ed., Editora Forense, 2001, p. 18
[5] ROXIN, Claus. Derecho penal, t. I, Madrid: Civitas, 1997, p. 65
[6] Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html> Acesso em 14/12/2013
[7] Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0013:0046:PT:PDF Acesso em 14/12/2013
[8] Disponível em <http://revistavivasaude.uol.com.br/tag/6-motivos-para-beber-cerveja/3623/> Acesso em 14/12/2013
[9] Disponível em <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/iab/files/Mortes-no-tr%C3%A2nsito-1.pdf> Acesso em 14/12/2013
[10] Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_padroes_consumo_alcool.pdf> Acesso em 14/12/2013
[11] Disponível em <http://bustv.com.br/portal/noticias-do-meio/brasileiro-gasta-r-278-bi-com-automoveis> Acesso em 14/12/2013
[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 47-48.
[13] ARISTÓTELES, Política, livro 3, n. 9
[14] NADER, Paulo. Op. cit. p. 111
[15] Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi_po.html> Acesso em 14/12/2013
[16] SHECAIRA, Sérgio Salomão, Criminologia, Revista dos Tribunais, 5ª Ed., São Paulo, 2013, p. 58
[17] CAPEZ, Fernando, Direito Penal, 16ª Ed., Volume 1, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 35
[18] GARCIA, Maria, Desobediência Civil, Direito Fundamental, Revista dos Tribunais, 2ª Ed., São Paulo, 2004, p. 290
[19] HC nº 101.909/MG, STF, 2ª Turma, Relator Min. Ayres Britto, DJe 19/06/2012
[20] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 16ª Ed., Editora Lumen Jures, Rio de Janeiro, 2009, pp. 28-29
[21] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 22ª Ed. Lumen Juris Editora, 2009, p. 89
[22] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 28ª Ed., Malheiros Editores. 2011, p. 854
[23] ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Livro V, 1131a
[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7ª Ed. Coimbra, 2003, p. 269
[25] Ibidem, p. 268
[26] NADER, Paulo. Op. cit. p. 85
[27] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, Revista dos Tribunais, 9ª Ed., São Paulo, 2013, p. 407