7. A atuação do Assessor nos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação
Atua como orientador do ordenador de despesa, analisando a juridicidade do afastamento do Dever Geral de Licitar, bem como a presença dos requisitos relativos a cada uma dessas hipóteses.
Sua oitiva é facultativa. Ao contrário das minutas de editais e de contratos, em que o parecer é vinculativo, nos processos de contratação direta (dispensa e inexigibilidade de licitação) o art. 26 nada discorre sobre a necessidade de parecer jurídico como condição de eficácia do ato.
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
A lei não impõe ao administrador a obrigação de ouvir seu órgão jurídico. Ao encaminhar os autos desses processos à assessoria jurídica, o administrador age discricionariamente (poderia perfeitamente deixar de fazê-lo). E, ao recebê-lo, o parecerista expede mera opinião técnica sobre preencher ou não os requisitos legais a hipótese que lhe fora submetida. Assim, o parecerista que se manifesta nesses processos não “aprova” ou “desaprova” a contratação direta. Opina se é ou não caso hipótese de dispensa ou inexigibilidade bem como se seus requisitos legais estão devidamente apontados nos autos. Portanto, seu parecer é de caráter facultativo. Eventual ilegalidade da contratação sem licitação, ainda que calcada em parecer jurídico, não eximirá a responsabilidade do administrador. E somente se estenderá tal responsabilidade ao parecerista quando comprovada a negligência ou imperícia na sua atuação profissional.
Esse foi exatamente o caso tratado no pelo Supremo Tribunal Federal no MS 24.073, da relatoria do Eminente Min. Carlos Veloso. A ação cuidava de ato relativo a uma inexigibilidade de licitação, calcada em parecer jurídico favorável, na qual o TCU considerara ilegal. Naquela assentada, o nobre relator reconheceu que “(...) se tratava de hipótese de parecer manifestamente não vinculante (interpretação de dispositivos da lei de licitações relativo a hipóteses de dispensa e inexigibilidade do certame licitatório).”
Poder-se-ia argumentar, apenas por ao apego ao debate, que o fato de as minutas de contratos serem necessariamente precedidas de análise e aprovação da assessoria jurídica (art. 38, par. único da Lei 8.666/93), os contratos oriundos das dispensas e inexigibilidade de licitação estariam submetidos ao mesmo crivo, tornando a natureza da manifestação do parecerista, quanto a essas contratações, igualmente vinculadas. Não é verdade.
Em primeiro lugar, de acordo com o rito processual normalmente adotado nas contratações diretas, a análise da assessoria jurídica ocorre em momento imediatamente anterior ao ato de ratificação, e apenas em virtude de estar juridicamente correto o enquadramento na respectiva hipótese. Nesta fase, nem sempre a minuta do contrato já estará ajustada e pronta para análise, mesmo porque, é possível que tal hipótese de afastamento do certame venha a não ser admitida, e o processo retornaria para que fossem elaboradas as minutas de editais ou adaptá-lo à minuta-padrão já existente. Mas ainda que no momento do encaminhamento do processo a minuta do futuro contrato já tenha sido entranhada aos autos, a análise desta prende-se apenas sobre os aspectos das cláusulas necessárias, arroladas no art. 55 da Lei regedora da espécie. Repise-se que o art. 26 não condiciona a eficácia da contratação à consulta ao órgão jurídico, o que importa concluir que o administrador poderia até dispensar essa oitiva e ratificar a hipóteses apenas com base nas informações técnicas presentes. Daí a formalização do ajuste ser alvo da assessoria jurídica com a hipótese de dispensa ou inexigibilidade já admitida e aceita pela autoridade competente.
Portanto, quando de sua análise, caberá à assessoria jurídica apenas e tão somente verificar se os requisitos da hipótese de dispensa ou inexigibilidade estão presentes. Por exemplo, se é caso da contratação de serviços singulares prestados por profissional notório especialista (art. 25, II), sua intervenção se restringirá a verificar se o órgão técnico apontou o elemento que torna o serviço pretendido inusitado a ponto de torná-lo singular; quanto à escolha do executor, verifica se os motivos da escolha estão consignados pela autoridade competente. Mas jamais poderá “concordar” ou “discordar” com a escolha, uma vez tratar-se de ato puramente discricionário[20], ou seja, fora da sua esfera de competência. Nas aquisições com fornecedor exclusivo (art.25, I), descabe ao assessor discutir a opção pela solução técnica adotada e que recaiu na impossibilidade de licitar, por situar-se fora do seu campo de conhecimento; mas apenas e tão somente verificar se o órgão técnico justificou a razão da escolha e se a comprovação de exclusividade cumpriu os requisitos legais[21]
8. A atuação do Assessor Jurídico nos demais atos licitatórios
Uma vez publicado o edital, a assessoria jurídica é comumente instada a manifestar-se nos casos de interposição de impugnação ao edital e recurso hierárquico. Como não há nenhuma determinação legal que condicione a decisão à consulta prévia do setor jurídico, tais manifestações serão de caráter facultativo e, portanto, somente causam responsabilização na verificação de que houve má fé ou culpa stricto senso do parecerista.
Mas não podemos desprezar o que foi dito no início deste trabalho quanto à função orientadora e a abordagem interdisciplinar que deve assumir os partícepes do processo. A assessoria não pode se fechar em seu gabinete, como se fosse um casulo impenetrável, aguardando a vinda das controvérsias para serem por ela dirimidas. É mister antecipar-se a elas. Deve prestar o auxílio requerido pelo Julgador do certame, notadamente nas impugnações ao edital e nos recursos hierárquicos interpostos. Também poderá prestar auxílio em questões extraordinária e de maior controvérsia, sempre em caráter colaborativo, tais como recebimento extemporâneo de envelopes nas licitações presenciais, promoção de diligências saneadoras de habilitação e na proposta, verificação de exeqüibilidade de preços e outras situações de extrema delicadeza com que se deparam os Pregoeiros e membros de CPLs em seu dia a dia.
Também deve ser ouvida nos casos de revogação ou anulação do torneio, precisamente sobre os aspectos e requisitos processuais exigidos no art. 49 da Lei Geral. Em todos os casos acima, suas manifestações serão sempre em caráter facultativo, ante a ausência de comando legal que obrigue sua intervenção.
9. A atuação do Assessor Jurídico nos contratos em execução
Mesmo perfil acima delineado agora em relação aos Fiscais e Gestores dos contratos. Na fase de execução não raro sobrará questões que, sob o ponto de vista técnico jurídico, ultrapassará a esfera de domínio desses profissionais e, portanto, pode ser necessário ouvir o departamento jurídico sobre temas como retenção (ou não) de pagamentos por existência de débito previdenciário; pedidos de revisão do contrato por fato imprevisível; alterações contratuais, entre outros tantos.
Orientará os procedimentos de rescisão contratual e nos processos punitivos, entendo que, na ausência de um setor responsável pela instrução, deverá recair na Assessoria Jurídica a competência para realizar tal instrução, mormente em razão da necessidade de observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, agindo com senso de justiça e imparcialidade frente ao ilícito contratual supostamente praticado pelo particular.
10 – Conclusão
Ciente de que nos seria impossível esgotar o assunto e conformando-nos em trazer, ao menos, um pouco de luz sobre os aspectos mais freqüentes do dia a dia de uma assessoria jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública nos processos de contratação de coisas, bens e obras e serviços, diríamos, em tom conclusivo, que a despeito da enorme responsabilidade assumida, o mais das vezes sequer reconhecida, deve o operador do Direito resguardar-se de cuidados no exercício das suas funções, assim como reconhecer sua visceral importância e papel a cumprir nessa seara do serviço público. Nesse sentido, suas manifestações, quando revestidas de boa técnica, permeados da lógica do razoável, elaboradas com a inafastável e necessária independência técnica e ética profissional, certamente, arrisco afirmar, terão cumprido superiormente sua função processual e estarão na conformidade do Direito.
Notas
[1] Interdisciplinaridade e pensamento complexo: dois caminhos em busca da totalidade perdida. Disponível em http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/035e3.pdf.
[2] Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
[3] Para maiores detalhes, veja-se o nosso Contratação de serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal: caso de licitação, dispensa ou inexigibilidade?, RJML, nº 28, págs 26-43
[4] Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., Malheiros, pág. 185. Bom que se destaque que o parecer, como ato adminstrativo não é um privilégio do setor jurídico. Só o parecer jurídico o é. Qualquer manifestação de cunho opinativo oriunda de qualquer setor técnico será um parecer.
[5] Curso de Direito Administrativo, Malheiros ed., 17ª, p. 387
[6] Direito Administrativo, Atlas 2011, p. 231
[7] Iremos minudenciar esse tema mais adiante.
[8] Direito Administrativo Brasileiro, 13ª. ed., São Paulo, 1988, pp. 152-153.
[9] BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 576-577.
[10] FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 140-141.
[11] Droit Administratif Général, tome 1, 15 emé ed. Paris: Montcherstien, 2001, pág. 1113-1115
[12] Regime Jurídico da Advocacia Pública, ed. Método, Vol I. São Paulo 2010
[13] ENGISH, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbekian, 6ª ed., trad. J. Baptista Machado. Lisboa, 1988.
[14] Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense,
[15] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., p. 526. Dialética. São Paulo, 2010.
[16] ILC, Zênite, n.65, pág. 512. Curitiba, 1999.
[17] Em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2636
[18]Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 215.
[19] Veja-se: Decisão 955/2002 Plenário; Acórdão 670/2008 Plenário; Acórdão 1330/2008 Plenário; Acórdão 2574/2009 Plenário; Acórdão 265/2010 Plenário; Acórdão 589/2010 Primeira Câmara.
[20] Ver: TCU, Decisão 439/98, Plenário.
[21] Cf o nosso A contratação por inexigibilidade de licitação com fornecedor ou prestador de serviço exclusivo. Breve análise do art. 25, I da Lei 8.666/93, RJML, nº 26, págs 03-12