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O exercício da função de assessor jurídico nos processos licitatórios:

competências e responsabilidades

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Ao elaborar parecer em processos licitatórios, o assessor jurídico deve revestir suas manifestações de boa técnica, permeadas da lógica do razoável, elaboradas com a inafastável e necessária independência técnica e ética profissional.

1 – Introdução e contextualização

Dentre todas as atividades da Administração Pública, penso que poucas são tão determinantes para o alcance dos resultados a serem obtidos em prol da coletividade senão aquela entregue ao Assessor Jurídico. Não se pense que haja de nossa parte menosprezo em relação às demais atividades, ou, menos ainda, superestima daquela. Mas é forçoso reconhecer que para cada passo que o Gestor Público percorre (ou deixa de percorrer), uma de suas principais balizas é o parecer jurídico. Fácil perceber tal grau de importância na medida em que a atividade pública é premida e orientada por um emaranhado de atos normativos (leis, decretos, portarias etc) e princípios jurídicos que, não raro, exigem exercícios altamente técnicos para sua correta interpretação. Não há especialidade técnica empregada pelo poder Público para consecução de seus fins que não esteja atrelada a normas legais a exigir do aplicador do Direito, técnicas refinadas de exegese. Uma Secretaria Municipal de Saúde, para adotar medidas de controle de uma endemia, necessitará tomar providências, tais como contratação de publicidade orientadora, contratação de ações de capacitação para os profissionais da saúde, contratação de pessoal (efetivo ou temporário); não raro celebra convênios com outras esferas de Governo ou entidades particulares. Cada uma dessas ações demanda, para sua regularidade, o cumprimento de um conjunto de regras jurídicas as quais prescindem de análise interpretativa que somente o jurista estará habilitado a realizar, dando suporte jurídico às ações da Administração Pública.

O exemplo acima serviu apenas como ilustração para demonstrar como o setor jurídico de uma entidade pública é relevante em todos os atos deflagrados pelos Gestores. A despeito disso, tal função nem sempre é reconhecida ou tratada com o grau de importância devido. A responsabilidade assumida pelo Assessor Jurídico é enorme. Mas a contrário senso, também não são raros os casos em que se exige demasiadamente do Jurista, atribuindo a este responsabilidades que não condizem com a natureza de suas funções e tarefas que não lhe dizem respeito, invadindo a esfera de competência de outros agentes públicos. Nesse cenário, não é incomum surgirem rusgas entre o órgão jurídico e os setores técnicos, importando ruídos no canal de comunicação entre tais setores da Administração, cuja invariável consequência é o retardo na providência a ser tomada a favor do interesse público.

Muito embora faça parte da nossa missão aqui estudar a questão da responsabilidade do parecerista, nossa maior preocupação é com os limites de atuação do mesmo nos processos de contratação governamental. Não por considerar que o primeiro tema guarda pouco relevo, mas por haver inúmeros trabalhos e decisões a esse respeito de excelente qualidade científica, deixando muito pouca controvérsia ainda para se discutir. Ao contrário disso, invado outra seara com maior preocupação justamente por perceber que aos profissionais do Direito investidos do múnus de analisar e aprovar minutas de editais, contratos, convênios, manifestar opinião técnica sobre hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, faltam subsídios para compreender a extensão da sua atuação na dimensão correta da natureza do processo de contratação, bem como sua relação profissional com os demais setores técnicos. Numa licitação de obra pública, até onde vai, e.g., a autoridade técnica do Engenheiro autor do Projeto Básico e onde inicia a do Parecerista, que aprovará a minuta do Edital? A meu aviso, talvez esse seja um dos maiores problemas internos e que contribui decisivamente não só para o andamento em tempo adequado do processo, como para o próprio sucesso da contratação.

Como na Administração Pública é tarefa árdua determinar “quem faz o quê”, neste breve trabalho procuraremos esclarecer e definir as responsabilidades e limites da atuação do Advogado Público nos processos de contratação governamental, de modo a tornar mais evidente o campo de sua atuação.


2 – Natureza do processo de contratação : multi ou interdisciplinaridade?

No mundo em que hoje vivemos, em que pese as maravilhosas implicações que a modernidade traz, percebemos com bastante nitidez uma exagerada compartimentalização do conhecimento, ou seja, excessiva especialização de áreas do conhecimento que se tornam cada vez mais específicas, dividindo e subdividindo o conhecimento humano, bem como os processos cognitivos em uma catarse que parece não ter fim. Essa característica do mundo moderno acarreta um sério problema que se resume no afastamento da noção de indivisibilidade humana. Em uma visão peculiarmente pragmática, Getúlio Silva Lemos[1] anota que, como consequência do que há pouco expusemos, vem “surgindo os estudiosos que sabem quase tudo de quase nada.” Com isso, os processos cognitivos complexos, isto é, aqueles que envolvem, necessariamente, várias áreas do saber humano, acabam limitados justamente por não ultrapassar os limites científicos daquele específico tema, quando, em verdade, é intrinsecamente dependente dessa liberdade. Já nos idos da década de 70, Hilton Japiassu[2], um dos maiores estudiosos do fenômeno da interdisciplinaridade no Brasil, era enfático quando afirmava que “cativado pelo detalhe, o especialista perde o sentido do conjunto, não sabendo mais situar-se em relação a ele.” Acrescenta ainda que :

“Há problemas que para serem resolvidos pressupõem o diálogo entre saberes, conhecimentos e disciplinas. No entanto, ainda trabalhamos por disciplinas. Cada disciplina através de seu enfoque específico desenvolve instrumentos para conhecer a realidade e os problemas a partir de um determinado ponto de vista, ou seja, é capaz de revelar uma dimensão do humano. Mas essa visão unidisciplinar necessariamente fragmenta o objeto e o reduz (de acordo com os próprios limites da disciplina).

Trazendo essa problemática para o campo do processo de contratação, podemos verificar que esse excesso de compartimentalização também se mostra prejudicial ao seu desiderato precípuo, que é a satisfação do interesse público. O desenvolvimento sistêmico da instrução do processo de contratação desde a fase interna até a execução completa e recebimento definitivo do objeto, a despeito de variar de órgão para órgão, envolve necessariamente a intervenção de várias especialidades profissionais, e de vários setores administrativos do órgão. Entretanto, cada agente atua, dentro da sua especialidade, de forma desconectada das demais atividades, concentrando-se especificamente na sua. Pode-se dizer que o processo de trabalho sofre uma abordagem meramente multidisciplinar, ou seja, a soma da atividade de profissionais de diversas áreas, não implicando em integração destes profissionais para o objetivo de entendimento mais amplo do processo. Desprovido, portanto, de visão de conjunto. Cada profissional se restringe a atuar de modo a somar com a atividade inerente à sua especialidade para o andamento do processo. O seu fim é a sua própria e restrita atividade e não o resultado do processo. Não se interessa, via de regra, pelo alcance do objetivo colimado. Com isso, anotamos uma série de problemas que facilmente poderiam ser evitados. Um exemplo prático (e muito freqüente) ilustrará bem a presente situação.

O setor de TI elabora um Termo de Referência para contratação de um determinado serviço. Este documento de referência irá balizar a elaboração do edital e da minuta do contrato. Uma vez que essas minutas estejam finalizadas, segue-se, por força do comando insculpido no art. 38, par. único da L. 8.666/93, para aprovação da Assessoria Jurídica. Lá chegando, o parecerista vislumbra cláusulas que entende restritivas ao caráter competitivo do torneio e o devolve ao Setor de TI, responsável pela elaboração do Termo de Referência, para readequação. Veja-se que, nessa modelagem de trabalho, por não haver compartilhamento de conhecimento entre o setor de TI e o órgão jurídico, cada um realiza a sua tarefa, de forma desconectada, apenas somando-a ao conjunto de atos já desenvolvidos. Como a atuação do Jurídico depende da correta instrução dos setores que lhe antecederam, ele só poderá executar positivamente a sua atividade (dando prosseguimento ao processo com parecer favorável, aprovando a minuta) se a atividade anterior chegar a ele já saneada. Mas, porque razão ambos os setores — TI e Jurídico — não “conversaram” antes para que o processo já fosse encaminhado devidamente alinhado? Porque esse desperdício de tempo?

Na abordagem interdisciplinar esses problemas não ocorreriam, pois esta pressupõe trabalho e estudo de profissionais das diversas áreas do conhecimento ou especialidades sobre uma determinada tema ou área de atuação, implicando necessariamente na integração dos mesmos para uma compreensão mais ampla do assunto.

Diante disso, muito embora tratado quase à unanimidade pelos órgãos públicos como um processo multidisciplinar, o mais adequado é deferir ao mesmo um tratamento interdisciplinar, a fim de provocar a interação e integração dos vários profissionais e setores (disciplinas) para atuarem de forma complementar ao outro, desenvolvendo a sua atividade já de acordo com os problemas inerentes à atividade dos demais, empregando ao processo visão e tratamento sistêmico. Ao determinar a exclusão de uma cláusula da minuta do contrato, a Assessoria Jurídica deve, antes, investigar (conversando com o setor técnico) a razão pela qual aquela cláusula fora criada. É possível que a mesma tenha sido fruto de experiências negativas no contrato anterior e o órgão técnico tenha pensado na indigitada cláusula como uma possível solução para os casos futuros. O parecerista, importando-se com a origem, ao invés de determinar a simples retirada do texto, pensaria, junto com o setor técnico, numa solução gerencialmente útil e juridicamente válida. O processo não só caminharia mais célere, como melhor ajustado. Vejamos outro exemplo prático, agora de acordo com a presente proposta.

Se um órgão necessita adquirir um equipamento, que é comercializado em caráter de exclusividade, o fará nos termos e de acordo com os requisitos impostos no art. 25, I, da L. 8.666/93. Claro que essa contratação será submetida ao setor jurídico, que, muito embora não obrigatório, como se verá mais adiante, é costumeiramente a ele encaminhado para parecer acerca da hipótese de afastamento do Dever Geral de Licitar. Na abordagem multidisciplinar (o que é rotina na imensa maioria dos órgãos) o setor de compras (ou técnico) encaminharia com as justificativas que reputa suficientes; mas ao chegar no órgão jurídico, o Advogado o devolve por entender insuficiente a instrução. Já temos ida e vinda sem avanço objetivo para a aquisição pretendida. Na abordagem interdisciplinar, tal não ocorreria, porquanto o setor técnico estaria integrado ao setor jurídico. Seria discutida a instrução antes de qualquer encaminhamento e, portanto, o processo caminharia ajustado sem a necessidade de retornos para diligências.

Todos os setores e profissionais que atuam no ciclo da contratação, devem se enxergar parte de um todo, e integrar esse todo a fim de que não haja retrabalho e que o processo siga curso em ritmo adequado à satisfação da necessidade de interesse público que pretende alcançar.


3 – A função de Assessor Jurídico

O papel do Assessor Jurídico é, senão outro, intermediar a vontade da sociedade, manejada nas ações de seus representantes (vontade democrática) e o direito, compreendendo a política pública que se deseja implementar e buscando estabelecer os mecanismos que viabilizem a realização dessa vontade estatal.

O assessor jurídico é sempre instado a manifestar-se em processos administrativos, ou em reuniões gerenciais (na qualidade de consultor), para opinar acerca da juridicidade das ações que a Administração pretende tomar. A partir das suas ponderações (escritas ou verbais) o Gestor toma a sua decisão de fazer ou deixar de fazer algo, segundo a orientação oferecida.

Conforme dito na abertura desse trabalho, praticamente nenhum passo é dado na Administração Pública sem que se ouça, antes, a Assessoria Jurídica. Sendo assim, a função de assessoria jurídica guarda natureza nitidamente preventiva e orientativa. Por meio de seu atuar, o causídico, antecipando os efeitos jurídicos das ações administrativas que se lhe encaminham, procura, como fim último, evitar vícios de legalidade que possam causar a nulidade de atos administrativos que lhes são submetidos para apreciação, ou ainda apresentar caminhos juridicamente adequados para que o Gestor Público adote as corretas medidas para atendimento da necessidade coletiva.

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A Assessoria Jurídica cumpre papel extremamente relevante nesse contexto. Não deve confundir-se como órgão de controle — muito embora, em alguma medida o seja. Se sua função primordial é preventiva, deve atuar de maneira orientativa. Suas portas devem estar sempre abertas para receber os servidores da área técnica e deles esclarecer dúvidas de instrução dos processos. Ao receber as minutas de editais e contratos e seus aditamentos, antes de devolver o processo para diligências ou complementações, deve procurar saber dos setores técnicos maiores detalhes sobre a lacuna ou impropriedade percebida. Deve orientar os servidores para que instruam o processo desde o início de acordo com suas convicções técnicas e estar aberto a revê-las nos casos extraordinários.

Em um primeiro momento poder-se-ia imaginar que, em razão do excesso de trabalho que um setor jurídico concentra, o modus operandi ora defendido traria maior assoberbamento de tarefas; que receber os servidores em seu gabinete roubaria precioso tempo de análise de processos. Em verdade, a tendência é que ocorre justamente o inverso. Na medida em que os setores técnicos se servem da orientação do Jurídico, os processos passam a ser encaminhados já em condições de aprovação. Logo, um processo de aquisição, que normalmente precisaria ir e vir algumas vezes para acerto de detalhes, iria uma vez só. Reuniões com os setores técnicos para alinhamento de entendimento, por exemplo, eliminaria uma série de passos desnecessários a vários processos. Experiência muito proveitosa que tive oportunidade de participar mostrou exatamente isso. O setor de RH de um Tribunal Federal vivia às turras com o seu Setor Jurídico sempre que necessitava contratar treinamento in company, notadamente em relação à escolha e caracterização do “notório especialista”. A partir de um curso que lá ministramos, ambos os setores sentarem e definiram que requisitos deveriam ser observados, e cada um, de acordo com suas reais competências,[3] passou a instruir o processo de acordo com o entendimento firmado sobre questões que tanto atravancavam seus processos.


4 – A manifestação do Parecerista – espécies de pareceres

Manifestando-se por meio de pareceres, o Assessor Jurídico não pratica ato decisório, expedindo atos apenas de cunho opinativo, muito embora, como se verá adiante, alguns atos opinativos são revestidos de força vinculante. Hely Lopes Meirelles[4] bem definiu pareceres administrativos como sendo “manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração.” Para o saudoso mestre, o parecer possui caráter exclusivamente opinativo, não acarretando vinculação da autoridade a que serve de consultor ou tampouco os particulares “à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subseqüente.” Complementa o raciocínio acrescentando que o ato administrativo, em si, é o ato que aprova o parecer, e este, poderá apresentar-se com a roupagem de ato normativo, ordinário, negocial ou punitivo. A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello[5] é no mesmo sentido. Na visão do ilustrado jurista, os pareceres são atos de administração consultiva e são aqueles que “visam a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa.”

Mas não é sempre que o órgão jurídico é instado a ofertar parecer por ato de vontade da autoridade competente. Em algumas situações previstas em lei, a regularidade do ato que será (ou deverá ser) deflagrado, será dependente de análise jurídica prévia. Nessas hipóteses, o encaminhamento ao setor jurídico deixa de ser mera consulta para se tornar parte do devido processo legal. Analisando mais precisamente sobre a obrigação ou não imposta pela lei de o administrador proceder à consulta, Di Pietro[6], com sua habitual didática e lembrando as lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, anota que o parecer pode se apresentar sob três espécies, classificando-os da seguinte forma,verbis:

“O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato.

O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não o acolher deverá motivar sua decisão [...].

O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão. Para conceder aposentadoria por invalidez, a Administração tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir em desconformidade com sua decisão [...]”

Já o art. 42 da Lei 9.784/99, delimita uma variação dos conceitos de parecer “obrigatório” e “vinculante”, abordando as gradações entre eles e apontando seus efeitos no campo administrativo:

“Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.

§ 1º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.

§ 2º Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.”

Como se vê, a norma supra transcrita reconhece a existência de parecer obrigatório, subdividindo-a em duas subespécies: vinculante e não vinculante, o que não significa negar as variações apontadas por Di Pietro.

Apesar de o parecer facultativo integrar o ato, com o acatamento do mesmo como um de seus fundamentos, o parecer não perde sua autonomia de ato meramente opinativo. Este é o caso para o qual o Gestor não tinha obrigação de ouvir seu corpo jurídico, mas decidiu fazê-lo para subsidiar sua decisão. É o caso do parecer em processos de dispensa ou inexigibilidade de licitação, para o qual não é previsto em lei sobre a necessidade da oitiva do órgão jurídico, conforme o parágrafo único do art. 26 da Lei n. 8.666/93. Ao encaminhar um processo de dispensa ou inexigibilidade, a autoridade competente, por ato discricionário, estará apenas solicitando a opinião técnica do órgão consultivo. Quer ouvi-lo para melhor decidir. Mas a lei não lhe impôs essa condição. Tanto assim, que não estará obrigado a seguir a orientação do Jurídico, podendo decidir da forma que entender mais adequada. [7]

O parecer é obrigatório quando a oitiva do parecerista faz parte da instrução do processo. É determinada pela lei. Em respeito ao princípio do devido processo legal, o ato somente será regular se houver parecer. Mais ainda sim, a autoridade competente não fica adstrita ao parecer que mantém intacta sua natureza opinativa. Contudo, para decidir deverá fundamentar sua decisão. Carlos Pinto Coelho Motta[8] sustenta que a inexistência do parecer obrigatório pode dar ensejo à nulidade do ato final. Esclarece que:

“Nesta hipótese, a presença do parecer é necessária; embora o seu conteúdo não seja vinculante para a Administração, salvo se a lei exigir o pronunciamento favorável do órgão consultado, para a legitimidade do ato final, caso em que o parecer se torna impositivo para a Administração.

O parecer será vinculante quando, além de ser obrigatório por lei, amarra, atrela a decisão final ao seu entendimento. Uma vez ouvido o órgão consultivo, a autoridade não poderá decidir de forma diversa daquela exposta no parecer. Poderá, no máximo, não decidir.  Neste tema, cabe lembrar a lúcida orientação da doutrina do Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[9]:

“Parecer conforme, ou vinculante, é o que a Administração Pública não só deve pedir ao órgão consultivo, como deve segui-lo ao praticar o ato ativo ou de controle. Encerra regime de exceção e só se admite quando expressamente a lei ou o regulamento dispõem nesse sentido. O ato levado a efeito em desconformidade com o parecer se tem como nulo.

Mas esse entendimento ainda nutre certa controvérsia. A questão gira em torno da efetividade do parecer como ato administrativo. A doutrina pátria, em sua maioria, adota, conforme já visto, o entendimento segundo o qual o parecer sempre se constituirá um ato enunciativo, uma opinião técnica; jamais um ato administrativo, porquanto o ato administrativo em si (com característica de auto-executoriedade) é aquele proferido pela autoridade administrativa competente. Carlos Pinto Coelho Motta apud Dalari aponta o caráter vinculante da natureza própria do parecer jurídico proferido no processo licitatório, senão, veja-se:

“A incongruência de tentar dar a característica de “vinculante” a um parecer, pelo raciocínio lógico de que parecer vinculante não é parecer, é decisão. O parecer jurídico não se constitui como ato administrativo, representando apenas uma manifestação opinativa, que pode ser agregada como elemento de fundamentação ao ulterior ato administrativo, nos termos permitidos pelo §1. do art. 50 da Lei n. 9.784/99.”

Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari[10] fortalecem a tese de que o parecer vinculante é a própria decisão e, portanto, caracteriza-o de forma absoluta como peça opinativa:

“Parecer jurídico, portanto, é uma opinião técnica dada em resposta a uma consulta, que vale pela qualidade de seu conteúdo, pela sua fundamentação, pelo seu poder de convencimento e pela respeitabilidade científica de seu signatário, mas que jamais deixa de ser uma opinião. Quem opina, sugere, aponta caminhos, indica uma solução, até induz uma decisão, mas não decide.

Contudo, a jurisprudência do STF acomodou-se no mesmo diapasão de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que serviu de pilar para a lição de Di Pietro, suso citada. No julgamento do MS 24.584, o Eminente Min. Joaquim Barbosa, em seu voto-vista, adotando a doutrina francesa da pena de Réné Chapus[11], reconhece a existência de uma espécie de parecer a qual se reveste de força vinculante (característica que não se nega ser típica dos atos administrativos propriamente ditos), dependendo da obrigação que a lei impõe ao administrador proceder ou não à consulta. Entende que caso a lei estabeleça a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante ou conforme (décider sur avis conforme), o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer, ou, então, não decidir.” (grifos do original)

Prossegue o festejado Ministro da Corte Suprema, salientando que, nos casos de a lei estabelecer a obrigação de o gestor decidir na conformidade do parecer, caso não o faça, seu ato estará “maculado por vício de competência.” Mais adiante, no julgamento do MS 24.631, o emérito Magistrado, agora na qualidade de Relator, reafirmando a posição sustentada no julgado anterior, consignou em seu voto que:

“Nos casos de definição, pela lei, de vinculação do ato administrativo à manifestação favorável no parecer técnico jurídico, a lei estabelece efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, e assim, em princípio, o parecererista pode vir a responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso.”

De fato, não vejo como não admitir a classificação das espécies de pareceres para reconhecer que, em certos casos, a consulta assume, sim, a condição de pressuposto de perfeição do ato. Claro que o parecer, de per si, não é, e nunca será, capaz de criar efeitos jurídicos (criar, extinguir ou modificar direitos), mas sim o ato subseqüente a ele. Mas, se o ato subseqüente somente puder ser deflagrado na conformidade do parecer prévio (avis conforme, como dizem os franceses), fica nítido que o parecer não apenas integra a motivação do ato, mas é parte dele.

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Sobre o autor
Luiz Claudio de Azevedo Chaves

Graduado em Administração e Direito, especialista em Direito Administrativo pela UCAM. É Consultor Técnico da o Andreatta & Hinrichsen Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IBAM. Professor da FGV, da PUC-RIO, Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Escola de Administração Judiciária – ESAJ/TJRJ, Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/IBAM. Autor da obra: Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris/IBAM 2011.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Luiz Claudio Azevedo. O exercício da função de assessor jurídico nos processos licitatórios:: competências e responsabilidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3871, 5 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26597. Acesso em: 22 dez. 2024.

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