Prestação de Serviços
Aqui se encontra o regime jurídico de mais larga utilização na sociedade brasileira, justamente por ter caráter subsidiário e genérico (vide artigos 593 e 594 do Código Civil).
Sua conceituação doutrinária, a propósito, é a mais abrangente possível: “aquele em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a prestação de sua atividade, mediante remuneração” 64.
Tal conceito poderia ser perfeitamente aplicado à Agência, Distribuição, Empreitada, Corretagem, Mandato, etc., caso não tivessem elas conceitos, princípios e normas próprias.
Daí, conclui-se que a prestação de serviços, como atividade em si, se encontra na topologia jurídica como gênero, abrangendo as espécies acima citadas, além de outras, e a Prestação de Serviços strictu sensu, prevista pelo Diploma Civil em seus artigos 593 a 609.
A maioria desses artigos é de caráter subsidiário, isto é: regula as determinações em caso de omissão das partes, mas facultando-lhes a livre disposição sobre determinados assuntos, como remuneração (artigo 596), prazo (com limite de quatro anos, segundo o artigo 598), aviso-prévio (artigo 599), dentre outros.
É comum encontrar-se essa modalidade em serviços intelectuais, como a assistência técnica informática, a advocacia (para fins de ajuste de honorários), a publicidade e propaganda, etc.
Assim como a Representação Comercial, tem-se aqui uma possível forma de se fraudar direitos trabalhistas, notadamente no ramo de Tecnologia da Informação, onde se contrata técnicos de informática, empresários individuais, a título de prestadores de serviço, mas que ficam sempre cingidos à Contratante de forma contínua, subordinada, onerosa, etc., configurando, como vimos, uma relação de trabalho.
A esse fenômeno, dá-se o nome de “Pejotização”, neologismo derivado da sigla PJ, que significa Pessoa Jurídica, e pode ser conceituado como “a contratação de trabalhadores para a prestação de serviços intelectuais através de pessoa jurídica” 65.
Os possíveis critérios para se distinguir uma da outra são apresentados por Caio Mário da Silva Pereira:
“Consideram-se, por ausência de continuidade e dependência, fora da órbita trabalhista, os contratos de prestação de serviços eventuais. Exclui-se finalmente, da incidência do Direito do Trabalho, o contrato de prestação de serviços stricto sensu ou contrato de serviço autônomo, no qual aquele que se obriga a uma atividade guarda contudo sua independência técnica e evita a subordinação hierárquica” (grifos do autor)66.
Pragmaticamente analisando, na maioria das vezes em que ocorrem as possíveis fraudes citadas, é comum aqueles que se sentem lesados, isto é, as pessoas físicas prestadoras de serviços, ingressarem com ações na Justiça do Trabalho. Diante disso, com base no princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma e no artigo 9º da CLT, a Justiça Especializada processará tais ações.
Ato contínuo, julgando essas demandas, e com base no Princípio da Proteção67, é bem provável que o destino dessas demandas seja a condenação.
Voltaremos a analisar essa modalidade contratual em outro momento, mas por ora basta sabermos que sua desobediência ou desvirtuação pode, sim, configurar relação empregatícia.
Terceirização na legislação Trabalhista
Cooperativas de Trabalho
Uma das formas, e talvez a mais antiga, de associação profissional, é a de cooperativas, juntamente com a de sindicatos. Seu nascedouro tem lugar com a Revolução Industrial, cujas máquinas acabaram por tirar vários postos de trabalho.
Desta forma, os operários passaram, em 1844, na França, a se associar para prestar serviços em grupo às suas antigas empregadoras68.
No Brasil, sua adesão histórica é desconhecida, mas já está presente no ordenamento jurídico desde 1907, quando pelo Decreto n. 1637 se instituiu as Sociedades Cooperativas como figuras distintas dos Sindicatos Profissionais.
Eis, portanto, a distinção do próprio legislador entre uns e outros. Diferencia-se uma da outra pela qualidade dos sindicatos, que têm por objetivo a defesa dos interesses coletivos, e as cooperativas, tão-somente, a prestação de serviços aos seus associados69.
Ao longo dos anos, houve várias tentativas de se regulamentar a atividade das cooperativas, através de Decretos-leis, Decretos, Leis, Regulamentos, etc., de tal sorte que ainda em 2012 foi promulgada a Lei 12.690, também chamada Lei das Cooperativas de Trabalho.
Diante desse desenvolvimento histórico, a conceituação tomou certos contornos: “Art. 2º Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (artigo 2º da Lei 12.690, de 2012).
Claro está que as cooperativas se desenvolveram com tamanha complexidade e importância, a ponto de seus princípios balizadores passarem de 03 (três), no Decreto de 1907, para 11 (onze), na atual Lei.
Sua aproximação com o objeto de nosso estudo parte da classificação trazida pelo artigo 4º da Lei, que divide as cooperativas em a) de produção e b) de serviço. Com efeito, diz-se cooperativa de produção “quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção” (inciso I).
Cooperativa de serviço, pois, está presente “quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego” (inciso II).
Ambas tornam possível a terceirização tanto do processo fabril, no primeiro tipo, quanto de serviços ou atividades-meio, no segundo.
Uma distinção importante a se fazer, é a necessidade de temporariedade da terceirização mediante cooperativas, conforme adverte Sérgio Pinto Martins: “Não se poderá utilizar da cooperativa para substituir mão-de-obra permanente ou interna da empresa, pois seu objetivo é ajudar seus associados. A cooperativa não poderá ser, portanto, intermediadora de mão-de-obra”70.
Conforme se verá abaixo, logo, não pode a cooperativa de trabalho substituir idoneamente as empresas de trabalho temporário, previstas pela Lei n. 6.019 de 1974.
É importante se manter a independência e autonomia dos membros cooperados em relação ao tomador de serviços, sob pena de se configurar fraude à lei celetista e, por conseguinte, vínculo empregatício.
O exemplo clássico de fraude é trazido por Sérgio Pinto Martins71:
“um hospital pode reunir irregularmente vários médicos, denominando-os cooperados, ou fazê-los constituir sociedade cooperativa, embora existindo subordinação, caso em que haverá vínculo de emprego dos cooperados com o hospital, principalmente se a situação for a mesma da de outros empregados. Se há continuidade na prestação de serviços pela mesmo pessoa e o serviço é por tempo indeterminado e permanente, pode-se configurar o vínculo empregatício, pois o certo seria haver rodízio dos cooperados na prestação dos serviços, e não serem os serviços prestados sempre pelas mesmas pessoas”.
Noutras palavras, conforme explanado alhures, a terceirização através de cooperativas de trabalho é lícita, mas exige ausência de Pessoalidade e Subordinação, sob pena de se configurar o vínculo empregatício entre os cooperados e o tomador de serviços.
Consórcios de empregadores
Uma figura recente no contexto legislativo brasileiro, que se assemelha à cooperativa de trabalhadores, e que pode ser entendido como modalidade de terceirização, é o consórcio de empregadores.
Tal figura ocorre preponderantemente no meio rural, quando um grupo de empresas atribui a uma delas a responsabilidade por contratar e gerir empregados e com eles constituir vínculo empregatício.
A semelhança ocorre porque, enquanto se considera cooperativa de trabalhadores “a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (artigo 2º da Lei das Cooperativas de Trabalho), será considerado “consórcio simplificado de produtores rurais, formado pela união de produtores rurais pessoas físicas, que outorgar a um deles poderes para contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em cartório de títulos e documentos” (artigo 25-A da Lei nº 8.212).
Portanto, em ambos os casos tem-se pessoas que se agregam para um determinado fim, quase sempre no contexto rural, relacionadas ao emprego da força de trabalho, constituindo, guardadas as devidas proporções, representante idôneo para as partes. No primeiro caso, esse representante é uma nova pessoa jurídica, alheia a quaisquer das cooperadas; no segundo, porém, é uma das pessoas associadas.
Uma diferença crucial entre as figuras é que, no consórcio, a responsabilidade é sempre solidária entre os membros do consórcio, no que respeita às contribuições previdenciárias, conforme preceitua o § 3º do artigo 25-A da Lei 8.212. Já para as cooperativas a responsabilização não diz respeito a verbas trabalhistas, e ainda assim existem critérios, conforme os artigos 11 a 13 da Lei 5764, de 1971 (Lei das Cooperativas).
Como a lei também é omissa em relação a outros direitos que não previdenciários, pode-se estender a responsabilização solidária dos consorciados a todas as verbas trabalhistas e obrigações acessórias.
É plenamente possível que o instrumento de constituição do consórcio preveja os critérios que a empresa eleita deve seguir ao contratar trabalhadores, inclusive facultando-lhe totalmente tais critérios, de forma plena ou ad referendum. Essa e outras formalidades do instituto estão previstas na Lei 8.212.
Por fim, observadas as explanações feitas e os preceitos legais, é possível entender que a constituição de consórcios é meio idôneo de terceirização da contratação da força de trabalho.
Trabalho avulso
“Avulso” é um termo que lembra algo “desligado do corpo ou da coleção de que faz parte” 72, isto é, algo que é colocado em outro local alheio à sua natural designação.
“Trabalhador avulso”, por sua vez, é aquele “que oferta sua força de trabalho, por curtos períodos de tempo, a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a qualquer deles” 73.
Ainda que, ontologicamente, se pareça muito com um trabalhador eventual, deste se diferencia visceralmente conquanto realizado por intermediação de órgão autônomo – o que não ocorre no outro caso.
Este órgão autônomo, nos primórdios de sua normatização, era a própria entidade de classe (isto é, entidade sindical): “Entende-se como “trabalhador avulso”, no âmbito do sistema geral da previdência social, todo trabalhador sem vínculo empregatício que, sindicalizado ou não tenha a concessão de direitos de natureza trabalhista, executada por intermédio da respectiva entidade de classe” (artigo 1º da Portaria 3.107 do Ministério do Trabalho e Previdência Social).
A expressão hodierna, órgão de gestão de mão de obra (OGMO), e com sua atual configuração, foi cunhada pelo artigo 18 da Lei 8630, a antiga Lei do Trabalho Portuário, que lhe atribuiu caráter de utilidade pública (artigo 25).
Atualmente, a modalidade é regulamentada pela Medida Provisória 595, de 2012, que dentre outras características confere ao OGMO a exclusividade (artigo 28, incisos I e II), o registro (ibid., inciso IV), e arrecadação e repasse de verbas aos trabalhadores (inciso VII).
Além disso, ali estão elencadas diversas competências de caráter administrativo, de formação profissional e disciplinar (artigo 29).
Uma desvantagem para o trabalhador é que, no regime recentemente adotado, o OGMO não responde pelos danos causados pelos trabalhadores aos tomadores do serviço, isto é, objurga-se aos próprios trabalhadores a penalização (vide artigo 29, § 1º).
Se, por um lado, os trabalhadores portuários estão adstritos à atuação através do órgão, ou do sindicato, por outro, encontram-se garantidos de que sempre haverá demanda por seus serviços, o que é socialmente vantajoso. Melhor que isso, somente a contratação por prazo indeterminado, diretamente com o tomador de serviços, conforme o artigo 40 da MP 595.
Resta cristalino, pois, o caráter terceirizante dessa prática, de forma plenamente lícita.
Trabalho temporário
Dentre as modalidades de contratos de trabalho previstas pela legislação trabalhista, encontra-se a de trabalho temporário, entendido por Maurício Godinho Delgado como “contrato de emprego, do tipo pacto a termo”74. Portanto, seu caráter trabalhista é indelével.
Vê-se, desde logo, sua submissão a princípios de Direito do Trabalho e à Jurisdição Especializada Trabalhista, nos termos do artigo 114, I, da Constituição Federal.
No Brasil, entende-se que a positivação do trabalho temporário protagoniza o início de uma flexibilização das normas justrabalhistas, que representam um verdadeiro entrave econômico aos ideais de crescimento econômico na época da Ditadura Militar, culminando na edição da Lei 6019, de 1974.
Sua conceituação se encontra na própria Lei, no artigo 2º: “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”.
Segundo a Doutrina75, tem assento com o surgimento do instituto da licença-maternidade e licenças outras, uma vez que as empresas necessitam de força de trabalho especializada, segura, e temporária, para suprir a falta das trabalhadoras.
Outra aplicação apresentada diz respeito às altas sazonais (isto é, extraordinárias) de demanda industrial e comercial, notadamente em eventos como o Natal ou a Páscoa, que necessitariam de corpo técnico capacitado como força atuante por um curto período de tempo.
Na prática, tal figura se aproxima muito do contrato de trabalho com prazo determinado, previsto na CLT em seus artigos 443 e 445, inclusive no que diz respeito ao prazo máximo, de 90 (noventa) dias.
Todavia, uma diferença curial pertine à empresa Contratante: enquanto no contrato previsto na CLT a contratação ocorre diretamente entre a pessoa física e a empresa interessada, no trabalho temporário se dá apenas e tão-somente com empresas de trabalho temporário, assim entendidas as abrangidas pelo artigo 4º da Lei 6019.
Maurício Godinho Delgado entende que a Lei criou uma relação de trabalho tripartida, isto é, que rompeu com o paradigma da bilateralidade76.
Curiosamente, essa Lei já prevê exatamente os direitos concedidos a quem por esse regime for contratado (vide artigo 12), dentre os quais temos, por exemplo, a equiparação salarial e o enquadramento sindical condizentes com trabalhadores que ocupem cargos equivalentes na tomadora dos serviços.
Conforme entendimento do TST, disposto na Súmula 331, I, esse regime jurídico exclui a configuração do vínculo empregatício quando envolvida empresa interposta, isentando de qualquer responsabilidade a empresa tomadora dos serviços. Para isso, lembre-se, entende-se possível apenas em duas hipóteses: a sazonalidade ou a substituição extraordinária de pessoal.
Essa possibilidade real de exclusão do vínculo torna essa uma opção interessante de Terceirização de serviços. Do ponto de vista financeiro, pode vir a ser uma opção viável, já que transcorrido o trimestre contratual, a empresa tomadora deixa de dispor da mão-de-obra, sem, contudo, precisar quitar quaisquer verbas rescisórias.
“Não se confunde a empresa de trabalho temporário com a agência de colocação. Esta apenas coloca o trabalhador num emprego, não o remunerando, nem o dirigindo, cobrando uma taxa pelos serviços prestados” 77.
As formalidades dessa modalidade contratual encontram-se dispostas nos artigos 5º e 6º da Lei.