Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Igualdade e discriminação à luz das políticas de ações afirmativas

Exibindo página 3 de 3
Agenda 07/03/2015 às 10:13

5. Considerações finais

No início deste artigo fizemos algumas indagações sobre o tema, mas, de certo modo, ao longo da viagem sobre igualdade e discriminação à luz das políticas de ações afirmativas, conseguimos responde-las. Falar sobre igualdade e discriminação em um país extremamente desigual e propor medidas compensatórias não é uma tarefa fácil, até porque sabemos que alguns segmentos da sociedade brasileira são mais iguais que a maioria da população. Mais ainda, também não é tarefa fácil falar em discriminação racial em um país que, por muito tempo, sonhou e acreditou que era uma democracia racial pelo simples fato de abolir a escravidão e libertar seus escravos, mas negando educação e trabalho para os seus descendentes.

Apresentamos também alguns conceitos básicos de expressões utilizadas no discurso sobre a igualdade, discriminação e ação afirmativa, que do ponto de vista pedagógico contribuem para compreensão deste tema. Aqui, observamos que o reconhecimento da existência de diversidade na realidade brasileira é compatível com as ações afirmativas e cotas, por tratar desigualmente as pessoas que estão em situações de desigualdade. Além disso, embora a expressão raça seja polêmica quanto a sua utilização do ponto de vista biológico, ela é importante do ponto de vista sociológico, ou seja, no plano social e político.

  Analisamos e discutimos as questões relacionadas à igualdade e à discriminação do ponto de vista conceitual, legal e social, bem como  reconhecemos a necessidade de adotarmos o princípio da discriminação positiva, tratando os desiguais de uma forma desigual, assim como adotarmos as ações afirmativas, até porque ela não contraria o princípio da igualdade, mas, sobretudo, promove a igualdade racial e social.

 Destacamos a importância das primeiras experiências dos Estados Unidos da América sobre ações afirmativas no campo da educação e do trabalho, que contribuíram para as discussões, propostas e formulações de políticas compensatórias no Brasil; mas também as experiências brasileiras sobre políticas de cotas, inclusive destacamos as cotas para beneficiar filhos de fazendeiros brancos e da elite rural, implantadas pela “Lei do Boi” nº 5465, de 3 de julho de 1968, cotas para portadores de deficiência física no mercado de trabalho do setor público, com reserva de vagas em concursos, bem como no setor privado e nas universidades, e em cotas para mulheres nas candidaturas partidárias. No entanto, quando se fala em cotas para afro-brasileiros surgem os opositores e a resistência de alguns setores expressivos da sociedade brasileira, inclusive de intelectuais de expressão junto à opinião pública.   

Constatamos também que as cotas nasceram no bojo das ações afirmativas, no segundo momento, como medidas compensatórias temporárias, principalmente no campo da educação e do trabalho, com objetivo de eliminar desigualdades históricas acumuladas, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação por motivos raciais, étnicos, de gêneros e outros.

 No caso brasileiro, o povo sofrido não é contrário às políticas de ações afirmativas e cotas. Quem as rejeita são segmentos específicos da classe média e da elite, inclusive intelectuais de setores comprometidos, que sempre foram beneficiados por terem condições financeiras e econômicas de estudarem nos melhores colégios, por isso são contra a democratização do acesso a universidade pública, através das ações afirmativas e cotas.

Por fim, não podemos deixar de destacar a importância do reconhecimento da constitucionalidade das ações afirmativas e das cotas pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, da Lei Federal nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 (Lei de Cotas), que contemplou as cotas sociais e raciais para ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, bem como para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Isto aconteceu depois de mais de dez alunos de luta dos movimentos sociais, segmentos expressivos da sociedade civil e do poder público e, em especial, do movimento negro brasileiro.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Referência bibliográfica

ABREU, Sergio. Os descaminhos da tolerância – o afro-brasileiro e o princípio da igualdade e da isonomia no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do Direito – a questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Carlos Nelson Coutinho (trad.). Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

DIREITOS HUMANOS: instrumentos internacionaisdocumentos diversos. Brasília: Senado Federal-Subsecretaria de Edições Técnicas, 1997.

DOMINGUES, Petrônio. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008.

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL: Comentários e doutrinários/Coordenador: Calil Simão Neto. Vários autores. Rio de Janeiro: J.H. Mazuno, 2011.

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

______. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. Rio de Janeiro: 2002. Disponível em: <www: jurídico. adv.br>. Acesso em: 16 de julho 2014.

GALDINO, Daniela; BERNARDINO, Joaze (orgs.). Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Rio de Janeiro: DP&A – Coleção política da cor (UERJ), 2004.

GUERRA, Sidney. Direitos humanos – na ordem jurídica, internacional e reflexos na ordem constitucional brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014.

Igualdade, Diferença e Direitos Humanos – Coordenadores Daniel Sarmento, Daniela Ikawa e Flávia Piovesan. Colaboradores. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

GTI/População Negra. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria de Direitos Humanos, 1996.

JOAQUIM, Nelson. Direito educacional brasileiro – história, teoria e prática. (prefácio Agostinho Reis Monteiro). Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2009.

LIMA, Jean Carlos. Direito educacional. São Paulo: Avercamp, 2005.

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

MARTINS, Sergio. Direito e legislação antirracista. Rio de Janeiro: publicação do CEAP, 1999.

PISCITELLI, Rui Magalhães. O Estado  como promotor de ações afirmativas e a política de cotas para o acesso dos negros à universidade. Curitiba: Juruá, 2009.

RIBEIRO, Matilde (org.). Política de Igualdade racial: reflexões e perspectivas..São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2012.

PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS/Fernando Henrique Cardoso - Brasília: Presidência da República, Secretaria de Comunicação Social, Ministério da justiça, 1996.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa. O conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. Revista de Informação Legislativa, ano 33, nº 131. Brasília. Julho/Setembro de 1996.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Editora Martins Pontes, 2002.

SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

SILVA, Benedito. Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.

SILVA Jr, Helio. Direito de igualdade racial: aspectos constitucionais, civis e penais: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.

SILVA, Luiz Fernandes Martins de. Sobre a implementação de cotas e outras ações afirmativas para os afro-brasileiros. Jus Navigandi. Teresina, ano 8, nº 342, 14 jun. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5302>. Acesso em: 17 de agosto de 2014.

SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas. Rio de janeiro: Quartet; Niterói: PENESB, 2003.

SOWELL, Thomas. Ação afirmativa ao redor do mundo, um estudo empírico/ tradução de Joubert de Oliveira. Brizuda – Rio de Janeiro. UniverCidade Editora, 2004.

THOTH – Informe de distribuição restrita do senador Abdias Nascimento. N. 1 (1997). Brasília: Gabinete do Senador Abdias Nascimento, 1997.


Notas

[1] Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Joaze Bernardino; Daniela Galdino (orgs.), p. 19.

[2] A Constituição brasileira menciona o adjetivo-pátrio afro-brasileiro, o qual tem por característica acentuar a origem, ou seja, o continente de origem dos membros da população negra brasileira (Cf. Silva Jr. Hélio. Direito de Igualdade, p.18)

[3] O princípio da discriminação positiva, assim como a ação afirmativa,  não contrariam o princípio de igualdade, ao contrário, reforçam, reafirmam o princípio de igualdade (Cf. Abreu, 1999, p. 120).

[4] ROCHA, Carmem Lucia Antunes. Ação Afirmativa. O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica,p;35

[5]  Cf. Abreu, Sergio. Os descaminhos da tolerância – o afro-brasileiro e o princípio da igualdade e da isonomia no Direito Constitucional, p. 120.

[6] Cf. Raquel Coelho Lenz Cesar. Programa Políticas da cor na educação brasileira (UERJ), 2004.

[7] Lei 12.711/2012, art. 3º.

Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Igualdade e discriminação à luz das políticas de ações afirmativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4266, 7 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31323. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado para o I Seminário de Arte, educação e relações étnico-raciais.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!