Introdução
A família é considerada a base para formação da sociedade e consiste em objeto de análise por estudiosos de diversos ramos, já que produz relações e efeitos correlatos a variadas disciplinas.
As pessoas unem-se e se interagem para construir a entidade familiar. Da constituição da família resultam vínculos de parentesco e relações entre seus integrantes.
Presume-se que o relacionamento entre os membros da mesma família seja harmonioso, pacífico e visando o bem comum de todos. No entanto se verifica que podem ocorrer conflitos que superam os limites da normalidade.
Desta forma, algumas pessoas podem prevalecer-se sobre outras em razão da compleição física, da autoridade, do poder econômico, da dependência dos considerados mais frágeis e pelo uso de álcool e drogas. Com isso, devem existir mecanismos de proteção às pessoas que se encontrarem inferiorizadas e em perigo.
No ordenamento jurídico pátrio há leis que protegem as pessoas tidas como mais fracas nas relações familiares, todavia existem medidas protetivas previstas em certas normas, mas não prescritas em outras, as quais poderão ser aplicadas por analogia, em caso de evidenciada situação de risco.
Da família e das relações interpessoais
As pessoas se unem e formam entidade familiar, que crescerá e possuirá os vínculos de parentesco de acordo com a geração de filhos e a constituição de novas famílias.
Não há um conceito delimitado de família, porquanto ela poderá ser determinada com fundamento no aspecto legal, pelas suas características, pela definição do termo e por suas espécies (CARVALHO, 2009, p. 03).
Este estudo levará em consideração o conceito amplíssimo de família, pois as normas de proteção existentes são aplicáveis às pessoas ligadas pelo mesmo vínculo de parentesco, consanguíneo ou por afinidade, e abrangem terceiros que residam na mesma casa.
Diniz (2010, p. 09) leciona:
No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art.1.412, §2°, do Código Civil, em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico. A Lei n. 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, no art. 241, considera como família do funcionário, além do cônjuge e prole, quaisquer pessoas que vivam as suas expensas e constem de seu assentamento individual.
Parte-se da premissa de que os familiares conviverão em um ambiente pacífico, em que haja respeito entre eles. Porém essa presunção não é absoluta e existem situações de desrespeito à integridade física e psíquica dos integrantes da mesma família.
Usualmente, atos danosos são cometidos por pessoas que exercem prevalência sobre outras e acontecem por questões relativas à disfunção familiar, à falta de comunicação, ao estresse, à ausência de espiritualidade e à dificuldade financeira. A utilização de álcool e drogas também concorre para a ocorrência de atos agressivos.[3] Assim, há certas pessoas que são consideradas mais frágeis e, por isso, a atuação do Estado é imprescindível para a preservação da incolumidade delas.
O art. 226, §8°, da Constituição Federal estabelece “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
No Brasil, foram editadas leis para esta finalidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03) e a Lei Maria da Penha (lei n° 11.340/06) são normas legais que visam criar instrumentos de proteção aos integrantes da família por elas considerados em patamar de inferioridade nas relações interpessoais. O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece direitos em favor destes e prescreve medidas de proteção para resguardá-los e para que não sejam expostos a riscos.
Almeida (2003, p.17) ensina:
O atual Estatuto responde ao anseio, há anos acalentado, de dotar o País de um instrumento válido para salvaguardar a vida e garantir o desenvolvimento pleno das meninas e meninos do Brasil, especialmente dos 30 milhões de menores empobrecidos.
As pessoas maiores de 60 anos são adjetivadas como idosas e tidas como vulneráveis nos relacionamentos, em virtude de suas condições físicas e mentais, portanto precisam ser amparadas pela sociedade e pelo Estado (Diniz, 2010, p.100). O Estatuto do Idoso elenca direitos dos idosos e almeja ao respeito desses, no entanto prevê mecanismos para proteção dos idosos em casos de violação de direitos e exposição a prejuízos (BRAGA, 2005, p. 179).
Historicamente, registra-se que a mulher é vítima de violência física e psíquica cometida no seio da entidade familiar. Destarte, houve por bem o legislador infraconstitucional conceber a Lei n° 11.340/06, nominada Lei Maria da Penha, a qual traz direitos ministráveis às mulheres e medidas protetivas para salvaguardá-las de abusos e ações danosas.
Cunha e Pinto (2007, p. 20) prelecionam:
A Lei 11.340/2006 extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (vítima própria), no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade (art. 5°). Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão.
Essas leis relacionam medidas de proteção que devem ser aplicadas em caso de violação de direitos. Entretanto existem medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha que não estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso. Porém essa situação não deve impedir a aplicabilidade dessas medidas, já que se relacionam a pessoas tidas como mais frágeis e que precisam de proteção do Estado e da sociedade.
Cita-se, por exemplo, um filho, maior de idade, que agrida e maltrate seu pai, maior de sessenta anos. A medida recomendável seria o afastamento do agressor do lar familiar para resguardar o direito à vida digna do idoso. O Estatuto do Idoso não prevê essa medida de proteção, contudo o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 130) e a Lei Maria da penha (art. 22, II) a prescrevem.
Outra situação fática a ser exemplificada é a hipótese de um padrasto praticar violência sexual contra o enteado, que conte com menos de 14 anos. Pertinentes seriam a retirada do agressor do lar familiar e o impedimento de se aproximar do menino e de seus familiares (GUERRA, 2003, p. 441). Todavia esta medida de proteção não está relacionada no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas consta no art. 22, III, a, da Lei n° 11.340/06.
Levada a Juízo, pelas vias pertinentes, uma situação semelhante às expostas acima, o Juiz deverá entregar o provimento jurisdicional, porquanto nenhuma lesão a direitos pode ser deixada de apreciação (art. 5°, XXXV, da Constituição Federal).
Por conseguinte, a medida protetiva cabível à espécie que conste dessas normas destinadas a categorias das pessoas tidas como mais fracas poderá ser imposta com base na analogia.
Gaio Júnior (2007, p. 33) expõe:
A jurisdição está a serviço do controle da legalidade no país, consoante assentado constitucionalmente (art. 5°, XXXV, da CF), portanto, uma vez requerida a tutela jurisdicional, não poderá o juiz se eximir de sua função, nem mesmo diante de lacuna ou obscuridade em lei (art. 126 do CPC), devendo, nestes casos, lançar mão de meios integrativos para a completatibilidade do ordenamento, tais como os costumes, a analogia e os princípios gerais do Direito conforme também sustenta a Lei de Introdução ao Código Civil em seu art. 4°.
A jurisprudência pátria vem reconhecendo a possibilidade de complementação do rol das medidas protetivas previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Observe-se:
APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DO IDOSO. MEDIDA DE PROTEÇÃO. AFASTAMENTO DO FILHO DO LAR MATERNO. MAUS TRATOS. É dever do Estado garantir ao idoso a liberdade, o respeito e a dignidade, assim como é dever de todos zelar pela dignidade da pessoa idosa, colocando-a a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, bem como evitando inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral. Tendo restado demonstrados nos autos os maus tratos impingidos pelo filho à mãe, impõe-se manter a sentença que julgou procedente a ação, para determinar o afastamento do demandado do lar materno, vedando a sua aproximação a menos de 100 metros da genitora. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70029017399, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 29/04/2009).
Conclusão
A base para formação da pessoa é a família, e esta é essencial para o desenvolvimento da sociedade.
As relações familiares são destinadas ao bem comum de seus integrantes, no entanto podem existir situações de conflito entre os parentes e os componentes do ambiente familiar.
Nesses entreveros as pessoas consideradas menos avantajadas são vítimas de agressões físicas e psíquicas, porém elas precisam ter uma vida digna garantida, na qual haja preservação da incolumidade delas.
O Estado brasileiro não se olvidou dessa obrigação e criou normas legais de proteção às pessoas mais frágeis, mas houve omissão de alguns dispositivos.
Com isso, o Estado, por meio do Poder Judiciário, deve salvaguardar os direitos das crianças, dos adolescentes, dos idosos e das mulheres mesmo que haja omissão legislativa.
Desta forma, conclui-se pela possibilidade de aplicação das medidas protetivas estabelecidas no ordenamento jurídico em benefício destas pessoas por intermédio da analogia.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, D. Luciano Mendes de. Estatuto da Criança e Adolescente – Comentários Jurídicos e Sociais. Coord. Munir Cury. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 17.
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Direitos do Idoso: De Acordo com o Estatuto do Idoso. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 179.
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de Família: Direito Civil. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 03.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. Comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 20.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 09.
FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Protegendo as Mulheres da Violência Doméstica. Brasília, 2006, p.9. Disponível em < http://www.turminha.mpf.gov.br/para-o-professor/publicacoes/cartilha-violencia-domestica.pdf>.
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento e Recursos. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, p. 33.
GUERRA, Viviane N. A. Estatuto da Criança e Adolescente – Comentários Jurídicos e Sociais. Coord. Munir Cury. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 441.