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Pessoas portadoras de deficiência e concurso público.

Amplitude constitucional do art. 37, VIII, da Constituição de 1988

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Agenda 18/11/2014 às 12:13

Debate-se o alcance da expressão “pessoa portadora de deficiência” em nível conceitual, no contexto do art. 37, VIII, da Constituição, analisando-se tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STF.

RESUMO: Esta pesquisa discute a amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência”, para efeito do disposto no art. 37, inciso VIII, CF/88. Para isso, debruça-se na abordagem doutrinária, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nas legislações infraconstitucionais, inclusive em editais recentes de concurso público. O enfrentamento da temática orbita na dimensão conceitual de deficiência, de modo a não afastar apriosticamente qualquer tipo de limitação funcional, incluindo doenças equiparáveis a tal situação. O estudo permite concluir que o “conceito em evolução” de deficiência inserto ao ordenamento jurídico com status constitucional, ainda não se fez materializar na definição e na classificação vigentes no Decreto nº 3.298/99.

Palavras-chave: Pessoa portadora de deficiência. Conceito. Definição. Classificação. Amplitude de deficiência.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1 DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO: CONTEXTO.2 ASPECTO TERMINOLÓGICO DE DEFICIÊNCIA.3 DEFINIÇÃO JURÍDICA E CONCEITO DE DEFICIÊNCIA.3.1 Modelos de classificação e definição de deficiência: abordagem Evolutiva.3.2 Pessoa portadora de deficiência: conceito jurídico.4 EPISTEMOLOGIA E HERMENÊUTICA:AMPLITUDE CONSTITUCIONAL DE DEFICIÊNCIA.4.1 Amplitude de deficiência nos termos do art. 37, inciso VIII.4.2 Jurisprudência do STF e editais de concurso público.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

A destinação de cargos e empregos públicos mediante concurso, na forma estabelecida no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, mostra-se sedimentada. Por outro lado, o que não parece ainda adequadamente elucidado é o entendimento da amplitude constitucional da expressão “pessoa portadora de deficiência” no âmbito deste dispositivo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A proposta desta pesquisa, então, é de se debater o alcance da expressão “pessoa portadora de deficiência” em nível conceitual, no contexto do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, sem a pretensão, contudo, de externá-lo em sua possível configuração, mesmo porque isso não decorre do pensar isolado do cientista. Assim, a incursão científica realizada neste trabalho orientou-se, em tom provocativo, na declaração de “conceito em evolução” de deficiência reconhecida pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, a qual se encontra incorporada ao ordenamento pátrio.

Não se pretende aqui traçar as possíveis definições, tampouco a classificação de deficiência. Também não se busca aqui questionar o enquadramento de determinadas limitações funcionais na definição ou na taxionomia estabelecidas na legislação infraconstitucional para deficiência.

Dessa forma, o propósito geral foi o de identificar o alcance conceitual de deficiência presente na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive com exemplificação de editais recentes de concurso público, de modo a realizar diagnóstico o mais concreto possível.

Em decorrência do objetivo geral apontado acima, buscou-se analisar até que medida o reconhecimento de “conceito em evolução” de deficiência declarado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se encontra refletido na definição constante no Decreto nº 3.298/99, que regulamentou o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. O pressuposto disso é de que o conceito que orientou a atual definição se encontra ancorado numa realidade diversa da atual. Outro objetivo específico é o de identificar as exigências e as possibilidades para melhor construção de conceito de deficiência à luz da declaração da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da sociedade hodierna.

Para atingir esses objetivos, utilizou-se basicamente do modelo da Dogmática Instrumental (Bibliográfica), em que se recorreu à discussão doutrinária a respeito da temática. Também se buscou analisar a legislação pertinente ao tema, em nível constitucional e legislação infraconstitucional, assim como jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, até chegar ao nível de editais recentes de concurso público.

Espera-se demonstrar com este estudo a importância da necessidade de se rediscutir a dimensão conceitual da expressão “pessoa portadora de deficiência”, de modo a se refletir na possibilidade reflexos em sua definição e classificação.

Feito isso, estruturou-se a presente pesquisa em 4 capítulos:

No primeiro capítulo, é apresentado o contexto de aplicação do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, o segundo capítulo aborda o aspecto terminológico de deficiência; no terceiro capítulo são apresentadas a definição e classificação vigente de deficiência, bem como o conceito jurídico deste termo; no quarto e último capítulo é realizada breve discussão teórica, sequenciada pelo debate do alcance do termo deficiência e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aí chegando-se aos editais recentes de concurso público.


1 DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO: CONTEXTO

O disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, objeto da presente pesquisa, apresenta teor constitucional de eficácia limitada, o que exigiu regulamentação posterior para melhor delineamento de sua aplicação no caso em concreto, cabendo aqui transcrever seu conteúdo:

Art. 37, VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão. (grifos inseridos). [1]

Segundo José Afonso da Silva, o disposto no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, evidencia uma maneira de discriminação positiva e justa, que estão estruturadas no princípio da igualdade, bem como seu aspecto de eficácia limitada. Registre-se que a questão principiológica será retomada em capítulo específico, cabendo mencionar a reflexão de José Afonso da Silva sobre o dispositivo em tela:

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Esse é dispositivo que contém importante princípio de direito social, qual seja, o de que o Estado deve exercer ações positivas na busca da igualização dos socialmente desiguais. É uma forma de discriminação positiva e justa essa de que se deve reservar um percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, definindo forma especial de sua admissão – o que pressupõe estabelecimento de critérios menos rígidos para o cumprimento dos objetivos na norma constitucional, embora de eficácia limitada, por depender de lei integrativa. (grifos inseridos) [2]

Considerando que o dispositivo em análise apresenta enquadramento em eficácia limitada, entende-se oportuna breve explanação a respeito da aplicação da norma constitucional. Nesse sentido, segundo Alexandre de Moraes, que se orienta em José Afonso da Silva, as normas constitucionais se classificam quanto à aplicabilidade em eficácia plena, contida e limitada. Esta última se caracteriza pela necessidade de edição de lei posterior a fim de dar os contornos de sua aplicabilidade. [3]

A temática ora posta visa discutir a amplitude constitucional do termo deficiência para efeito de concorrência em concurso de cargos e empregos públicos, tendo por base o disposto no art. 37, VIII, CF/88, cabendo, então, debruçar-se na discussão a respeito do conceito e alcance jurídico de ‘deficiência’. Apesar do enfoque jurídico da proposta desta pesquisa, não se pode olvidar das interações necessárias com outras áreas do conhecimento, particularmente, da medicina, da psicologia e da sociologia, ainda que em abordagem superficial, a fim de se resgatar os conceitos e discursos adotados historicamente e suas implicações no direito.

Acompanha o entendimento da necessidade da interação da análise jurídica da questão ora posta com outros ramos do conhecimento Luiz Alberto David Araujo, segundo o qual a própria delineação da amplitude do termo ‘deficiência’ para efeito de proteção de certos segmentos exige diálogo com outras áreas do saber, consoante se verifica em sua assertiva abaixo:

Não seria possível, portanto, o perfeito entendimento da ideia de pessoa portadora de deficiência sem o concurso de conceitos estranhos ao nosso quotidiano jurídico. Na realidade, sem tais colocações seria muito difícil, por exemplo, entender a proteção de grupos de doentes do metabolismo ou mesmo compreender a necessidade de uma política de prevenção de certos males [...]. [4]

Outro aspecto a ser ponderado, que é consectário da própria natureza de aplicabilidade de eficácia limitada do dispositivo em análise, consiste na importância da integração das convenções internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico, que foi viabilizada com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Maria Aparecida Gugel contextualiza a relevância das convenções internacionais integradas ao sistema jurídico nacional, in verbis:

Os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (Art. 5º, § 2º). Portanto, os tratados e convenções internacionais, definitivamente analisados e resolvidos pelo Congresso Nacional na forma de decreto legislativo, com ratificação presidencial por meio de decreto, passam a integrar nosso sistema jurídico com eficácia plena [...] (grifos inseridos)

A alteração produzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 ao acrescentar o § 3º, ao Art. 5º da Constituição, destaca o novo valor dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalendo-os às emendas constitucionais desde que aprovados, seguindo o rito de proposta a emenda constitucional (Art. 60, § 2º), em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. (grifos inseridos) [5]

Nesse sentido, verifica-se que os conceitos e definições adotados por órgãos vinculados à Organização das Nações Unidades –ONU – já em 1975, por meio da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, embora em tom legislativo, indicam nas suas subjacências aspectos da medicina e psicologia atrelados ao termo deficiência, conforme se depreende da análise feita por João B. Cintra Ribas:

O termo ‘pessoas deficientes’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. [6]

A destinação de vagas de concurso público para pessoas portadoras de deficiência, na forma disposta no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal/1988, tem posto em evidência uma questão que ainda não se encontra devidamente clarificada. Assim, é de se notar, preliminarmente, qual a concepção jurídica de deficiência na esfera constitucional e a amplitude a ser considerada para efeito de concurso público.

Conforme afirmado anteriormente, o dispositivo constitucional em análise é de eficácia limitada, de modo que sua aplicabilidade só foi viabilizada com a edição da Lei 7.853/1989 que, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto 3.298/1999. Dessa forma, neste decreto foram conceituados os termos deficiência, deficiência permanente, incapacidade (Art. 3º), bem como foram definidas as categorias de deficiência, quais sejam: física, auditiva, visual, mental e múltipla com os correspondentes desdobramentos ou detalhamentos (Art. 4º). Quanto às concepções de deficiência, convém aqui reproduzi-las:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. [7]

Com a edição da Lei 8.112/1990, no seu art. 5º, § 2º, ficou estabelecido o direito de pessoas portadoras de deficiência se inscreverem em concurso público cujas atividades estejam em consonância com as respectivas deficiências. O enunciado prevê também a reserva de 20% das vagas para esse segmento social, cujo conteúdo transcreve-se abaixo:

Art. 5º, § 2º. Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso. [8]

Com a promulgação da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, foi editado o Decreto 3.956/2001, que incorporou a referida Convenção ao ordenamento pátrio. Neste decreto, passou-se a conceituar em seu art. I deficiência como “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. [9]

Mais recentemente foi promulgada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Tal convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto 6.949/2009. É interessante registrar, desde logo, que esta convenção adotou uma abordagem aberta e dinâmica para o conceito de deficiência, num reconhecimento inequívoco de uma realidade complexa e em constante mutação da sociedade hodierna.

Dessa forma, a Convenção promulgada em 2007 entende que “a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (Preâmbulo, alínea “e”). Neste ponto, identifica-se perspectiva de abordagem de deficiência que possibilita maior extensão conceitual, de modo a se vislumbrar extrapolação das categorias até então dispostas nos decretos referenciados, especificamente, para efeito de concurso público.

Diante do novo enfoque dado ao conceito de deficiência e suspeitando-se que atualmente se aplica com certo reducionismo tal conceito no que tange às vagas de concurso público direcionadas para pessoas portadoras de deficiência, a despeito do avanço das normas, é que se coloca o objeto da presente pesquisa, de maneira a se perquirir a amplitude constitucional a ser considerada para o disposto no art. 37, inciso VIII, com base na jurisprudência do STF e na doutrina correspondente.

Há de se observar que o disposto no art. 37, inciso VIII, da Carta Magna, trata da reserva legal de “pessoas portadoras de deficiência” em concurso para cargos e empregos públicos. Então, convém na sequência elucidar preliminarmente, ainda que de forma breve, a abrangência e o conceito destes últimos termos.

Assim, de acordo com Luiz Alberto David Araujo o inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal alberga cargos e empregos de todas as esferas de governo, inclusive abrange o segmento militar:

Verifica-se, logo de início, que o constituinte quis vincular todos os níveis da administração pública, fixando regra a ser obedecida pela União Federal, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.

Não se trata, tampouco, de regra vinculada, apenas e tão-somente, da Administração Civil, mas também das Forças Armadas. A reserva constante do inciso VIII, do artigo 7º contempla, além dos cargos e empregos da Administração Civil, a Militar. Evidente que não se pretende quebrar a regra da habilitação, necessária para o desempenho do cargo ou da função. [10]

Pontuada a abrangência das expressões “cargos públicos” e “empregos públicos”, verifica-se em Uadi Lammêgo Bulos abordagem esclarecedora a respeito do conceito destes termos quando interpreta o disposto no art. 37, inciso I, da Constituição Federal, in verbis:

Cargos públicos são centros unitários de competência, que se exprimem por um agente, em número certo e designação particular. Ora são criados pelo legislador, ora através de resoluções da Câmara ou do Senado, a depender das necessidades de tais Casas. Já empregos públicos são núcleos de trabalho, preenchidos por agentes contratados em regime trabalhista.

Do ponto de vista da titularidade, fica fácil notar a diferença entre tais categorias.

No cargo público os servidores nele investidos nutrem uma relação de natureza estatutária ou institucional com o Poder Público, porque inexiste contrato.

No emprego público, ao invés, os servidores, titulares da relação empregatícia, são contratados, aplicando-se a eles as disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse caso, o regime é o celetista, existindo vínculo contratual. [11]

Celso Antônio Bandeira de Mello segue nessa mesma esteira de raciocínio para traçar a diferença conceitual entre cargos públicos e empregos públicos, mas dada riqueza de seus comentários, cabe aqui transcrevê-los:

Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídos por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

Os servidores de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional. Logo, de índole não-contratual [...]

[...]

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista. Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em autarquia, só podem ser criados por lei, como resulta do art. 61, § 1º, ii, “a”.

Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. [12]

A reserva legal per se – do percentual e do tratamento diferenciado – de concurso de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, prima facie, não tem gerado controvérsias, ainda mais se tratando de reconhecimento constitucional – art. 37, inciso VIII – cuja regulamentação vem sedimentando o tema desde a edição da Lei 7.853/1989, na sequência com a Lei 8.112/90 – art. 5º, § 2º – e recentemente com a incorporação ao ordenamento pátrio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mediante o Decreto 6.949/2009.

Por outro lado, no que tange à amplitude constitucional do conceito e dos reflexos na definição de “pessoa portadora de deficiência” para efeito de concorrência em concurso aos cargos e empregos públicos sob o enfoque do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, verifica-se que ainda não houve entendimento doutrinário pacífico e a jurisprudência parece ainda não ter aprofundado a respeito dos limites e dos atributos jurídicos delineadores da referida expressão em consonância com a realidade, conforme se aprofundará mais adiante.

Além disso, verifica-se que no próprio preâmbulo, na alínea “e”, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, conforme já foi mencionado, alerta-se e pugna-se por entendimento de deficiência ‘como um conceito em evolução’. Isto é, sem dúvida, sinalizador da complexidade da temática a ser abordada, porquanto envolve segmentos de pessoas que não estão circunscritas às deficiências tradicionalmente elencadas por certa parte da literatura jurídica e definidas no Decreto 3.298/99, a saber, física, auditiva, visual, mental e múltipla e os seus desdobramentos.

Feitas essas considerações, entende-se que a discussão do tema contemplará abordagem que transcende o próprio ramo jurídico, sem obviamente deixar de ser esta área o principal instrumento de contato com o objeto da presente pesquisa. Mesmo porque a delineação da amplitude de deficiência exigirá confrontação contínua entre o art. 37, inciso VIII, CF/88, e artigos constitucionais conexos ou principiológicos, havendo necessidade de discussão hermenêutica e suas técnicas, métodos e as respectivas bases teóricas.

Sobre o autor
Robson Gonçalves Dourado

Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília; Pós-Graduado em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Pós-Graduado em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Uniceub; Bacharel em Direito pelo Uniceub-DF; MBA em Marketing pela FGV-DF; Licenciado em História pelo Uniceub-DF; Advogado; Colaborador na Defensoria Pública do DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOURADO, Robson Gonçalves. Pessoas portadoras de deficiência e concurso público.: Amplitude constitucional do art. 37, VIII, da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4157, 18 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34019. Acesso em: 22 nov. 2024.

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