Em 27 de agosto de 2014, o Supremo Tribunal Federal encerrou um debate que se arrastava há anos, ao julgar parcialmente procedente o Recurso Extraordinário n. 631240, com repercussão geral reconhecida, em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) defendia a exigência de prévio requerimento administrativo antes de o segurado recorrer às vias judiciais para a concessão de benefício previdenciário. Por maioria de votos, o Plenário da Corte acompanhou o relator, ministro Luís Roberto Barroso, no entendimento de que a exigência não fere a garantia de livre acesso ao Judiciário, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, pois sem pedido administrativo anterior, não fica caracterizada lesão ou ameaça de lesão a direito.
Ao proferir seu voto, o ministro Barroso considerou não haver interesse de agir do segurado que não tenha inicialmente protocolado seu requerimento junto ao INSS, não havendo, assim, que se falar em lide. A tese vencedora foi no sentido de que o INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício, de modo que para que o postulante possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que apresente seu pedido inicialmente perante a autarquia previdenciária.
Em conclusão do julgamento do RE n. 631240, em sessão ocorrida no dia 03 de setembro 2014, foram estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal as regras de transição a serem aplicadas aos processos judiciais sobrestados, que envolvem pedidos de concessão de benefício ao INSS nos quais não houve requerimento administrativo prévio.
Suscintamente, a proposta aprovada divide-se em três partes.
Em primeiro lugar, ficou definido que, para aquelas ações ajuizadas em juizados itinerantes, a ausência do pedido administrativo não implicaria a extinção do feito. Isso se dá porque os juizados se direcionam, basicamente, para onde não há agência do INSS, não sendo razoável, no entender da Corte, exigir requerimento prévio em nestas situações.
Em segundo lugar, nos casos em que o INSS já apresentou contestação de mérito no curso do processo judicial, ficaria mantido seu trâmite. Isso porque a contestação caracteriza o interesse em agir do INSS, uma vez que há resistência ao pedido, e, consequentemente, lide.
Em terceiro lugar, ficou definido que as demais ações judiciais deveriam ficar sobrestadas. Nesses casos, o requerente do benefício deve ser intimado pelo juízo para dar entrada no pedido junto ao INSS, no prazo de 30 dias, sob pena de extinção do processo. Uma vez comprovada a postulação administrativa, a autarquia também será intimada a se manifestar, no prazo de 90 dias. Uma vez acolhido administrativamente o pedido, ou nos casos em que ele não puder ser analisado por motivo atribuível ao próprio requerente, a ação é extinta. Do contrário, fica caracterizado o interesse em agir, devendo ter seguimento o pedido judicial da parte.
Partindo do panorama acima delineado, os Tribunais Regionais Federais do país passaram a analisar os inúmeros processos pendentes de julgamento nos gabinetes dos Desembargadores sobre a matéria afeta ao (agora necessário) prévio requerimento administrativo.
Ao iniciar o exame dos cerca de 80 mil processos pendentes de julgamento discutindo a tese acima, ao que parece, surgiu uma divergência de interpretação do julgado entre as turmas que tratam da matéria previdenciária no TRF 1a Região.
Ao julgar a apelação n. 0030871-08.2014.4.01.9199, a 2a Turma do TRF da 1a Região entendeu que a melhor maneira de dar efetivo cumprimento à decisão proferida pelo STF no RE n. 631240 seria anulando da sentença de 1a instância.
Tratava-se de ação na qual a autora requereu a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, tendo sido seu pedido julgado procedente, embora não tenha havido o prévio requerimento administrativo, razão pelo qual foi interposto o recurso de apelação pelo INSS. Tanto a contestação, quanto a apelação aviada se restringiam à alegação da tese de ausência de prévio requerimento administrativo, requerendo a extinção do processo sem julgamento do mérito em razão da falta de interesse de agir.
Em seu voto, acompanhado pela unanimidade dos membros da 2a Turma, o Juiz Federal convocado Dr. Cleberson José Rocha, relator, entendeu que:
“A sentença, portanto, deve ser anulada e os autos deverão retornar à origem para fins de intimação da parte autora para que proceda ao requerimento administrativo no prazo de 30 (trinta) dias, aguardando-se o prazo de 90 (noventa) dias para o INSS se pronunciar, após, a instrução deverá ter seu curso regular, inclusive com abertura de prazo para contestação de mérito”.
Ou seja, a 2a turma do TRF da 1a Região, adotando a orientação firmada pelo Supremo quanto à necessidade do prévio requerimento administrativo, decidiu que a sentença de 1a instância que concedeu o benefício previdenciário sem anterior manifestação do INSS deverá ser anulada, de modo que os autos retornarão ao Juízo de origem. Nesta ocasião, a parte autora será intimada para proceder ao requerimento no prazo de 30 dias, devendo a autarquia se manifestar em 90 dias, com posterior tramitação regular do processo. Registre-se que o INSS terá novo prazo para contestar em caso de indeferimento do pedido, podendo, neste momento, apresentar argumentos contrários ao pleito da autora, situação não vislumbrada na primeira contestação, quando a autarquia-ré se restringiu a alegar a preliminar de ausência de interesse de agir.
Ocorre que a 1a Turma do mesmo Tribunal Regional Federal da 1a Região adotou posição diversa, determinando que os autos deverão ser baixados em diligência, sem anulação da sentença de 1o grau.
A apelação n. 0043301-89.2014.4.01.9199, de relatoria do Juiz Federal convocado Dr. Carlos Augusto Pires Brandão, discutia caso em tudo semelhante àquele analisado pela 2a Turma. Tratava-se de ação onde a parte autora pleiteava a concessão de aposentadoria por idade rural sem que houvesse o prévio requerimento administrativo. O INSS, em sua contestação, alegou tão somente a preliminar de ausência de interesse de agir, no entanto, afastando a preliminar arguida, o Juiz proferiu sentença de mérito e julgou procedente o pedido, condenando a autarquia à implantação do benefício em favor da requerente.
Ao julgar a apelação, a 1a Turma do TRF 1a Região entendeu que a melhor interpretação a ser dada para a decisão proferida pelo STF no RE n. 631240 seria no sentido de que os processos que discutem a tese do prévio requerimento administrativo perante o INSS deverão continuar pendentes de julgamento pelo Tribunal. O julgamento da apelação deverá ser “convertido em diligência”, de modo que tais ações serão baixadas para o Juízo de origem, ocasião em que este deve adotar as medidas indicadas pelo Supremo: intimar a parte a autora para que em 30 dias apresente o requerimento administrativo perante a autarquia previdenciária, tendo esta 90 dias para manifestar-se sobre o pleito. Segundo o entendimento firmado pela 1a Turma, sendo feito ou não o pedido administrativo, havendo ou não deferimento do pleito, isto é, em qualquer hipótese, os autos deverão retornar para os gabinetes dos Desembargadores do TRF, para em seguida serem pautados e levados a julgamento. Através desta solução, não haveria que se falar em anulação dos atos processuais, tampouco em reabertura da instrução, de sorte que todos os atos decisórios continuarão nas mãos do TRF da 1a Região.
Ainda é cedo para saber qual decisão será mais acertada e conseguirá dar maior efetividade ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 631240. Provavelmente a decisão da 2a Turma, ao determinar a anulação do Processo, demonstra maior cuidado com os postulados do Contraditório e da Ampla Defesa, permitindo ao INSS o oferecimento de adequada resposta ao pleito do autor. No entanto, é certo que dificilmente alguma delas atenderá aos Princípios Constitucionais da Razoável Duração do Processo e da Celeridade em sua tramitação.