Resumo: Definir a natureza jurídica da licença ambiental, como autorização ou licença do Direito Administrativo, tem sido objeto de discussão e pouco consenso doutrinário, o que acaba por gerar insegurança jurídica e prejudicar o crescimento e desenvolvimento econômico. A consequência de um possível desfecho à questão, objeto do presente artigo, enseja saber se a licença ambiental é ato vinculado e definitivo, ou discricionário e precário, do que decorre a possibilidade de ser invalidada ou negada conforme a vontade subjetiva da gestão pública. A partir de uma interpretação baseada na harmonização da livre concorrência e proteção ambiental, princípio norteador da ordem econômica brasileira, é possível concluir que somente um entendimento que garanta ao empreendedor segurança jurídica, coaduna-se com Constituição Federal Brasileira. Portanto, somente se considerada como licença administrativa, a licença ambiental pode propiciar essa segurança, pois se assim for, não pode ser invalidada por oportunidade e conveniência publica ou deixar de ser renovada com base neste fundamento.
Palavras -chave: Licença ambiental. Natureza jurídica. Segurança Jurídica. Revisão.
Considerações preliminares
Definir a natureza jurídica de um instituto, mostra-se algo tão complexo quanto importante, combinação que atrai a comunidade científica e rende muita discussão e pouco consenso doutrinário.
Para Vasconcelos (1993, p. 47) a natureza de algo pode ser compreendida a partir de sua essência, é o que lhe torna ímpar mediante seus semelhantes. Assim, a natureza jurídica de um instituto é compreensível a partir daquilo que, ao mesmo tempo que lhe confere uma classificação, junto aos que com ele guarda alguma semelhança, também lhe diferencia.
A compreensão da natureza jurídica de um conceito ou instituto ganha singular importância se invocarmos sua relação com as decisões de cunho político, entendido esse, segundo Rocha (1995, p. 11), como o vínculo estabelecido, através do exercício do poder estatal, entre governantes e governados.
Ainda de acordo com o mesmo autor (ROCHA, 1995, p. 12), as decisões do Poder Público, em especial se consideradas na conjectura do Estado Democrático de Direito, estão subordinadas a procedimentos típicos previamente determinados pelo direito. Tal subordinação é garantida através da fundamentação de todas essas deliberações, único meio capaz de garantir a juridicidade do procedimento adotado pelo gestor público.
Exatamente por isso, Goyard-Fabre ( 2003, p. 282) explica que é a capacidade de fundação e de justificação contida nas decisões publicas que as torna legítimas. E, por certo, não se pode conceber uma justificação ou fundamentação convincente, dentro dos ditames democráticos, sem que a natureza jurídica do instituto componente da decisão seja devidamente compreendido.
Eis a relevância de se determinar a natureza jurídica de um instituto: fundamentar adequadamente uma decisão, ditame essencial ao Estado Democrático de Direito. E mais: o fundamento de uma decisão é também o de suas implicações práticas.
Nesse contexto, estudiosos da matéria buscaram decifrar a natureza jurídica da licença ambiental, sempre de forma comparativa com as tradicionais espécies de atos jurídicos, aqueles que, dentro de um conjunto de semelhanças, lhe são afins, a saber, a autorização e a licença, ambas, do Direito Administrativo.
A partir da definição da natureza jurídica da licença ambiental, é possível determinar o grau de segurança jurídica que dela decorre e definir se o mesmo coaduna-se com o objetivo constitucional de crescimento econômico sustentável. Esse será o objetivo do presente estudo.
A fim de atingir tal desiderato, buscou-se, no presente trabalho, analisar a legislação pátria, a jurisprudência e, especialmente os trabalhos doutrinários e científicos acerca da matéria, o que pode ser evidenciado ao longo de seu desenvolvimento, organizado de modo que, primeiramente, apresenta-se um conceito de licenciamento ambiental; depois, o de licença e as diversas inferências acerca de sua natureza pela comunidade científica; e, finalmente, antes da conclusão, a consequência, ou o grau de segurança jurídica resultante de uma possível natureza do instituto.
1 - Licenciamento ambiental
Para entender a natureza jurídica da licença ambiental, é necessário analisar seu objetivo e o contexto no qual ela é exigida e concedida. Para isso, é imprescindível definir o processo administrativo do qual ela resulta: o licenciamento ambiental.
Formalmente, licenciamento ambiental é um processo administrativo, balizado em normas de direito ambiental e guiado pelo órgão público competente ou, ainda, como sugere Sirvinskas (2012, p. 220), um complexo de etapas que objetiva a concessão de licença ambiental. O ato administrativo, portanto, não se confunde com o processo, mas resulta do mesmo. É a consequência que se espera do processo, o ato final, que deverá ser materializada em forma determinada em lei, como por exemplo, um alvará.
Do ponto de vista material, o conceito de licenciamento ambiental o evidencia como forma de controle sobre as atividades que possam, de qualquer forma, causar poluição ou degradação ambiental. Essa é a concepção que se extrai da lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011:
procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental (BRASIL, 2011, art. 2º, I)
Farias (2013, p. 21) menciona que o licenciamento ambiental procura controlar as atividades econômicas, expressão que nos parece inadequada, já que passível de causar a falsa impressão de que atividades tidas como não econômicas, a exemplo das tantas desenvolvidas pela administração pública, estão livres do controle ambiental.
De outro forma, Milaré (2011, p. 482) entende o licenciamento ambiental como ação do Poder Executivo por meio do qual a Administração Pública busca exercer controle sobre as ações humanas que possam causar impactos ao meio ambiente. Mas dizer que o licenciamento ambiental deve abarcar todas as ações humanas que causa algum tipo de impacto ambiental, também é inadequado, posto que, demasiado controle tanto seria desnecessário, quanto impossível.
De acordo com a Teoria do Caos, do matemático e filósofo Lorenz (1963, p. 141), e da qual cunhou-se a expressão “efeito borboleta”, praticamente qualquer ação, por menor que possa parecer, surtirá algum efeito no planeta. Por isso é inadequada, por abrangente demais, a expressão “que possa causar impactos ao meio ambiente”: De fato, qualquer ação do homem é capaz de causar um impacto, seja ele negativo ou positivo.
A abrangência exagerada torna o conceito inaplicável, pelo menos, se tomado como critério para definir as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, pois tanto é verdade que toda ação pode causar impacto ambiental, quanto também o é que não se pode licenciar todas as ações humanas. Poluição e degradação, por outro lado, podem ter significados mais aplicáveis para definir o critério de escolha do objeto de licenciamento ambiental, seu alcance.
De acordo com a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente “degradação da qualidade ambiental” seria a “alteração adversa das características do meio ambiente” e “poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; (BRASIL, 1981, art. 3º)
De pronto, é possível observar que a degradação e poluição estão associadas a um impacto negativo ao meio ambiente, de modo que a poluição seria uma degradação resultante de atividades com resultados específicos: aqueles apontados no art. 3º da Lei Federal nº 6.938/81. Mas não é tarefa simples identificar essas atividades. Nessa tentativa, a Lei Federal nº 6.938/81 chegou a listar em seu anexo VIII as atividade passíveis de licenciamento. Posteriormente, a Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, também o fez (BRASIL, 2007).
O Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2007, p. 46), em sua Cartilha de Licenciamento Ambiental, afirma que aquele rol é meramente exemplificativo, pois, obviamente, uma lista com caráter exaustivo é praticamente impossível. A solução parece não receber aval de Machado (2009, p. 277), para quem as licenças, autorizações, aprovações e permissões só podem ser criadas por lei ou, pelo menos, esta deverá prever sua instituição por outro meio legal, o que descartaria o julgamento caso a caso, vale dizer, sem vinculação legal.
O certo é que se qualquer lista dessas atividades tentasse enumera-las por completo, falharia. Isso porque, as mudanças ou atualizações feitas na legislação, em geral, não o são com a mesma celeridade que surgem novas atividades e técnicas de produção. Muitas atividades recém surgidas acabariam ficando livres do controle ambiental.
Por outro lado, sendo exemplificativas, tais listas motivam situação de insegurança jurídica para o empreendedor, que permanece sempre sujeito ao entendimento do técnico, ou da nova gestão do órgão ambiental, muitas vezes, influenciada pelas correntes políticas detentoras do poder, e sempre carregadas, mesmo que apenas em certo grau, de subjetivismo.
Solução adequada a este impasse é apresentada por Farias (2013, p. 46) quando sugere que para o caso de atividades não previstas nas listas predeterminadas pela legislação, o empreendedor deva ser previamente notificado, cabendo à administração motivar a decisão fundamentando-as na lei. Esse aliás, é o mandamento já consagrado pela Constituição Federal ao instituir os princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988, art. 37) e coaduna-se com o que foi dito na introdução do presente escrito, acerca da legitimidade das decisões no Estado Democrático de Direito.
2 - A licença ambiental como espécie de ato administrativo
Segundo Tamaoki e Tebar ( 2012, p. 178) a doutrina tem levado a efeito a discussão acerca da natureza jurídica da licença ambiental sempre de forma comparativa com os institutos da licença e autorização, ambos do Direito Administrativo. Para contrapor as várias espécies de atos administrativos e classificar a licença ambiental, utiliza-se os critérios da precariedade ou definitividade do ato, que relaciona-se com sua revisão ou invalidação, e seu caráter vinculado ou discricionário, ligado a possibilidade de denegação por oportunidade e conveniência administrativas.
No âmbito do Direito Administrativo, Meireles (2014, p. 204) e Mello (2014, p. 444), definem autorização e licença ao mesmo tempo que as diferencia: enquanto a primeira espécie seria ato discricionário e precário, a última, vinculado e definitivo.
Nesse contexto, três correntes se destacam: há quem entenda que a licença ambiental é, na realidade, uma espécie autorização; outros dizem que é mesmo uma licença nos termos do Direito Administrativo e, por fim, há os que defendem, a exemplo de Coutinho e Farias (2005. p. 105) trata-se de uma espécie sui generis, composta por características dos dois institutos.
2.1 A discricionariedade da licença e da autorização
A discricionariedade é a possibilidade da Administração Pública negar a concessão do ato, por conveniência, conforme ensina Meirelles (2014, p. 205), mesmo que o pretendente satisfaça as exigências administrativas. Por outro lado, sendo vinculado o ato, a Administração Pública está obrigada a sua concessão sempre que preenchidos os requisitos legais, não cabendo falar em decisão discricionária.
Essa tradicional vinculação da licença administrativa é vista por Milaré (2011, p. 518) com restrições na licença ambiental: nesta, há sempre uma discricionariedade técnica, fundamentada na análise dos estudos ambientais, que pode levar ao deferimento ou não da pretensão do empreendedor, mesmo que cumpridas as exigências legais. Ademais, o mesmo autor lembra que cabe ao Poder Público decidir acerca da compatibilidade do empreendimento com os planos governamentais.
Realmente, não há legislação especifica vinculando a decisão do órgão ambiental à aceitação ou não das técnicas, soluções ou métodos escolhidos pelo empreendedor e apontadas nos estudos. É possível, por exemplo, que as medidas mitigadoras dos impactos negativos ou equipamentos de controle, conforme previsto no art. 6o. III, da Resolução CONAMA no. 01, de 23 de janeiro de 1986 (BRASIL, 1986), sejam consideradas pela entidade licenciadora, ultrapassados, ou insuficientes. Nesse aspecto, a decisão é discricionária.
Com relação ao planos de governo de determinada gestão, essa discricionariedade fica ainda mais evidente. É o que ocorre, por exemplo, quando uma certa área territorial está compreendida por planos de intervenção e investimentos com fins turísticos, circunstância em que poderá ser negada a licença de instalação de uma indústria para aquela área.
Em todo caso, mesmo a licença ambiental não gozando de uma vinculação absoluta, por isso não se pode afasta-la da licença do Direito Administrativo, já que esta também não tem essa característica. Basta, para concluirmos isso, tomar o mesmo exemplo: um alvará de construção urbanística o qual, segundo Meirelles (2013, p. 220) é uma licença, caracterizada, portanto, pela definitividade. Não há como negar que, se a construção urbanística não coaduna-se com os planos de governo acima exemplificados, esta licença também será negada.
Ora, é notória dificuldade de definir a licença ambiental como licença ou autorização se tomados os requisitos da discricionariedade ou vinculação em um grau absoluto.
O que é preciso entender para caracterizar corretamente a licença ambiental, é que aqueles institutos de Direito Administrativo, a licença e a autorização, como prega Milaré (2011, p. 517) não podem mais ser definidos como atos inteiramente vinculados ou inteiramente discricionários. Há sim uma margem significativa de discricionariedade da Administração Pública, mas nunca de forma absoluta: é maior na autorização e menor na licença.
É lamentável como, diante de tanta discussão acerca da natureza jurídica da licença ambiental, exatamente na tentativa de classificá-la dentro do Direito Administrativo, a comunidade científica venha se mostrado limitada a uma doutrina já ultrapassada neste ponto.
Krell (2004, p.184) denuncia que essa qualificação do ato administrativo como absolutamente vinculado quase não existe mais na prática e o que se observa é uma oscilação entre a “plena vinculação” e a “plena discricionariedade. Não se trata, segundo o mesmo autor, de uma questão quantitativa, mas qualitativa.
O grau de discricionariedade das decisões é tanto maior quanto mais necessária e urgente se mostra a ação da Administração Púbica, motivo pelo qual, pode visto com maior clareza diante dos desafios ligados ao progresso científico, responsável pelo surgimento de novas técnicas de produção e exploração do recursos naturais. Se o controle dessas técnicas ficasse sempre dependente de uma vinculação à lei, ou seja, se a licença ambiental fosse vista como ato vinculado, certamente que haveria prejuízo ambiental. Seriam inúmeros os casos em que o agente público teria que conceder a pretensão do empreendedor, mesmo sabendo que a medida apontada no estudo já não é a mais adequada ou eficaz.
Em todo caso, haverá sempre que se buscar o máximo e garantir o mínimo de segurança jurídica. Assim, o parâmetro sempre deverá ser a lei, e mesmo diante de situações não previstas na legislação, a decisão de não aceitar determinadas medidas, exigir técnicas diferentes e até negar a concessão da licença, deve ser fundamentada e motivada em normas positivadas.
A licença ambiental é, portanto, a mesma tratada no Direito Administrativo: não é absolutamente vinculada, posto que sempre haverá situações em que o Poder Público, mesmo quando venha o particular a preencher os requisitos legais, poderá negá-la. Mas por isso não se confunde com a autorização, que não só pode ser negada, como invalidada, por oportunidade e conveniência, o que não ocorre com a licença ambiental, como será visto a diante.
2.2. A definitividade da licença ambiental e sua invalidação.
A precariedade, contrapõe-se a definitividade e é caracterizada pela possibilidade do Poder Público invalidar o ato, a qualquer momento, por conveniência, e sem necessidade de indenização. É o que ocorre com a autorização administrativa.
Machado (2014, p. 320) entende ser a licença ambiental verdadeira autorização administrativa, posto não poder ser tida por definitiva, já que a Lei Federal nº 6.938/81, previu sua revisão, além do que, o texto constitucional, em seu art. 170, parágrafo único, utiliza a expressão “autorização” nos seguintes termos: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgão público, salvo nos casos previsto em lei” (BRASIL, 1988).
O fato de a Constituição Federal utilizar a expressão “autorização” em seu art. 170, em nada pode influenciar para definir a natureza jurídica da licença ambiental. Isso porque, como entende Oliveira (2005. p. 308), a utilização da expressão “autorização” no dispositivo constitucional mencionado, não tem o rigor técnico trazido à baila pelo Direito Administrativo, traduzindo, tão somente, o sentido de concordância ou permissão , em sentido amplo.
Outro equívoco é confundir a precariedade do ato com a possibilidade de revisão. Não é porque a licença ambiental pode ser revista, que não se pressupõe definitiva. Aliás, como bem salienta Farias (2013, p. 148), “como qualquer ato administrativo a licença ambiental está sujeita à revisão”, isso porque, todo e qualquer ato administrativo admite, por essência, a possibilidade de ser revogado, basta para tanto que haja superveniência de interesse público.
Definitividade ou precariedade estão relacionadas a possibilidade de revogação do ato por oportunidade e conveniência da Administração e sem necessidade de indenização. Sendo o ato definitivo, que não é o caso da autorização, poderá o mesmo ser revogado, ou não ser renovado, sem reparação. Assim, não só é possível, como congruente, que a licença ambiental seja definitiva e passível de revisão, mas não por oportunidade e conveniência.
Neste ponto, cabe lembrar o que foi dito anteriormente sobre a autorização e a licença administrativas, quanto a discricionariedade: a diferença é gradual e a licença ambiental, no caso de concessão, pode ser considerada um ato discricionário em grau que a lhe equipara à licença administrativa. Contudo, no caso de invalidação, a situação diverge: a diferença é mesmo quantitativa, não gradual, ou seja, a licença ambiental, assim como a administrativa, ao contrário da autorização, não pode ser invalidada por conveniência e oportunidade. Eis seu caráter defnitivo.
O caráter definitivo da licença ambiental é defendido por Farias (2013, p. 168) de maneira relativa. Entende o autor que a licença ambiental é definitiva dentro do prazo estabelecido para sua validade, o que lhe diferenciaria, substancialmente, das autorizações.
Contudo, não parece inteiramente correta a posição. Que a licença ambiental não pode ser tida por precária dentro de seu prazo de validade, é induvidoso. Porém, admitir que essa definitividade limita-se ao prazo de validade da licença, faz concluir que a mesma pode não ser renovada por conveniência da administração, o que é inaceitável.
O direito a ter a licença ambiental renovada é um direito fundamental do empreendedor, desde que não ocorra violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença ou superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
É nesse contexto que a RESOLUÇÃO CONAMA nº 237/97 anuncia que uma licença ambiental poderá ser suspensa ou cancelada ou ainda ter suas condicionantes modificadas:
Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.
II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde. (BRASIL, 1997)
Claro que o dispositivo transcrito não fala em renovação. Contudo, é preciso entender que a não renovação de uma licença ambiental tem o mesmo efeito prático de seu cancelamento. Isso porque, os empreendimentos dos quais geralmente são exigidos licenciamento ambiental, tem caráter definitivo, daí porque, em muitos casos, exige-se, além das licenças prévia e de instalação, a licença de operação. São exemplos: hotéis e complexos turísticos, fábricas e industrias, criadouros de animais, sistemas de tratamento sanitário etc.
É preciso considerar, como bem lembra Antunes (2000, p. 102), que empreendimentos dessa natureza, em regra, contam com grandes investimentos por parte dos empreendedores e não seria razoável, nem mesmo constitucional, não reconhecer o mínimo de segurança jurídica aos investidores.
Essa segurança jurídica é refletida na certeza de que, se não há violação ou inadequação à legislação ambiental ou as condicionantes da licença, nem superveniência de grandes riscos ambientais e à saúde, a atividade ou o empreendimento não sofrerá descontinuidade através da invalidação da licença ou sua não renovação.
Qualquer entendimento contrário, especialmente tendente a imprimir a discricionariedade característica das autorizações à licença ambiental, aplicado na prática, certamente, motivará insegurança jurídica, e até ameaça a própria ordem econômica, na medida em que afastaria investimentos. Como sugere Sirvinskas (2012, p. 223) é importante dar essa segurança ao empresário que, em regra, investe grande quantidade de dinheiro e não pode ficar a mercê das mudança políticas ou vontade do gestor publico.
Não se pode olvidar que a Constituição Federal estabeleceu com princípio fundamental o desenvolvimento de atividades econômicas de maneira sustentável ambientalmente. Isso significa que é necessário harmonizar o desenvolvimento econômico com a defesa do meio ambiente, ou ainda, como propõe Fiorillo (2012, p. 224), manter um equilíbrio entre a proteção ambiental e a livre concorrência. Não é outro é o sentido expresso do art. 170, da Constituição:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (BRASIL, 1988)
Harmonizar o desenvolvimento econômico com a defesa do meio ambiente é encontrar soluções não radicais, pelas quais possa se garantir o convívio e existência de ambos. Nesse sentido, Bercovici (2011, p. 335) alerta para o perigo de uma interpretação constitucional que tenda a afastar essa segurança jurídica necessária aos investimentos: nem se pode deixar de preservar a ordem de mercado, e tampouco, deixar de ampliar os direitos fundamentais, no caso, ao meio ambiente sadio.
Portanto, não se pode aceitar que o caráter definitivo das licenças administrativas esteja presente na licença ambiental tão somente durante seu prazo de validade. Deve-se estendê-lo ao direito de renovação, dentro das condições acima explicitadas. Nesse ponto, a licença ambiental é tão definitiva quanto a licença administrativa, cabendo sua invalidade sempre que a superveniência do interesse público assim ditar. Claro, com todas as consequências que lhe são inerentes.