3 - Licença ambiental como licença administrativa e segurança jurídica
Sendo a licença ambiental caracterizada pelas notas de definitividade e vinculação em grau que lhe afasta da autorização e equipara à licença administrativa, entende-se ser esta sua natureza jurídica. Sob essa orientação, convém apontar as consequências de tal conclusão no que se refere à segurança jurídica, ao direito do empreendedor, ou mais especificamente, à possibilidade de extinção dos efeitos da licença pela Administração Pública.
A licença ambiental, como em regra qualquer ato administrativo, pode ser cassada, revogada ou anulada. Não há, portanto, algo de especial neste instituto que lhe imprima definitividade a qualquer custo, de forma absoluta. O interesse publico sempre poderá motivar a revisão da licença ambiental.
Segundo Di Pietro (2003, p. 9 ) enquanto a anulação é o desfazimento de um ato por vício de ilegalidade, pelo que seus efeitos, em regra, retroagem, a revogação ocorre por motivo de mérito, ou seja, por oportunidade e conveniência administrativa, e seus efeitos não retroagem. A propósito, esse é o entendimento já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal:
Súmula no. 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (BRASIL, 1969)
Quanto a cassação, para Silva ( 1997, p. 403), também se dá por ilegalidade, mas não na edição do ato, e sim, posteriormente, por descumprimento das exigências feitas pela Administração Pública ao particular titular da licença ou autorização.
Cassação, revogação e anulação se aplicam a licença ambiental considerando sua natureza jurídica, de modo que, não cabe falar em quaisquer dessas formas de invalidação como se autorização fosse, ou seja, por oportunidade e conveniência e sem ensejo à indenização.
Não pode acontecer, por exemplo, de um licença ambiental ser revogada, ou mesmo não renovada, simplesmente porque com os planos de governos de uma nova gestão, determinado empreendimento não é mais condizente. Assim seria se fosse uma autorização!
É pertinente mencionar que neste mesmo estudo, apresentou-se o exemplo de um empreendimento que teve sua licença negada porque contrário aos planos de governo para a área pretendida. No entanto, naquele caso, tratava-se de uma licença prévia, ou seja, não havia obra construída. Se, de outra forma, trata-se de licença de operação ou renovação de licença de instalação para obra iniciada, a situação é outra: não cabe falar em oportunidade e conveniência. Naquela circunstância inicial, a licença ambiental era vinculada ou discricionária de maneira gradual, tal qual a própria licença administrativa. Aqui, já emitida, não há espaço para a conveniência da administração, sequer, em qualquer grau.
É nesse sentido que Meirelles (2013, p. 219) defende haver direito adquirido do particular quando, diante de uma obra já iniciada, há mudanças na legislação urbanística que inviabiliza a renovação do Alvará de Licença para construção. Por exemplo, se o governo resolve incluir um bairro em setor residencial, de modo a não mais permitir ali a construção de industrias, deverá, se não quer renovar a licença da obra já iniciada, desapropriar o bem. Não é, portanto, caso de oportunidade ou conveniência.
Por certo, os casos em que a licença ambiental pode ser invalidada são muitos, não sendo possível elencar todos. Mas, seguindo uma sistemática tendente à delimitar as circunstâncias de revogação, anulação e cassação, a Resolução CONAMA no. 237 entendeu por bem, aponta-las, o que pode evidenciar a natureza de licença administrativa e afastar a de autorização já que, se autorização fosse, não haveria motivo para apontar circunstâncias ou limites à oportunidade e conveniência. Vejamos a norma:
Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.
II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde. (BRASIL, 1997)
Importa notar, que refere-se, o dispositivo transcrito, de modificação das condicionantes, suspensão ou cancelamento da licença, mas o que se observa, é que trata-se, conforme conclui Farias (2013, p. 156) exatamente das formas de invalidação já explanadas.
Exemplo para o primeiro caso, descrito no inciso I, é facilmente perceptível se imaginarmos uma industria de produtos alimentícios que recebe uma licença de operação na qual conste a condição se ser apresentada, periodicamente, uma análise da qualidade da água utilizada para a respectiva produção e, sem que nunca tenha apresentado o documento, recebe uma fiscalização, estando sua licença no prazo de validade. Ora, parece certo que ocorrerá a cassação.
Para ilustrar o inciso II, imaginemos um empreendimento imobiliário construído em Área de Preservação Permanente - APP, ou outra não passível de ocupação, para o qual a licença só foi expedida porque houve falsa informação na exata localização do imóvel. O caso será de anulação.
E como exemplo do inciso III, tomemos uma industria química que utiliza um produto de tinturaria novo no mercado, para o qual se descobre, algum tempo depois da expedição da licença, porém ainda dentro do prazo de validade desta, tratar-se de produto altamente nocivo mesmo da forma como está sendo usado. A licença será revogada ou, na terminologia utilizada pela própria norma, cancelada.
Para este último caso, mostra-se interessante analisar o posicionamento de Machado (2009, p. 283), para quem a licença ambiental é uma verdadeira autorização e prazo de validade da mesma é o que determina sua definitividade:
A Lei 6.938/81, ao prever a revisão do licenciamento (art. 9o. IV) - de forma indireta - indicou que a autorização não é por prazo indeterminado. Tanto o requerente da autorização como a Administração Pública têm vantagem na existência de prazo de validade para a autorização. Quem exerce a atividade fica ciente de que as regras de funcionamento não poderão ser mudadas - a não ser por motivo grave - no espaço temporal da autorização. O órgão público ambiental por sua vez não fica manietado eternamente a condições de funcionamento de uma atividade que se tenha revelado danosa ao ambiente e que haja possibilidade de correção no momento da nova autorização (MACHADO, 2009, p. 283).
Para o autor, no caso de uma atividade ter-se mostrado danosa, como é o exemplo trazido a baila para o inciso III do art. 19 da RESOLUÇÃO no. 237, e a administração ter agido sem aguardar o esgotamento do prazo de validade da licença ambiental, fica descaracterizada sua natureza de licença, retirando-lhe a definitividade. Ademais, poderão ser modificadas as regas de funcionamento da atividade sempre que esgotar-se tal prazo.
Esse, todavia, não é um desfecho correto, já que acaba por caracterizar a licença como precária e sujeita o empreendedor a extrema e ilegal insegurança. Nesse caso, como já foi explicitado, a licença ambiental não perde os feitos por mera conveniência e oportunidade da Administração Publica mas, se a atividade se revela danosa, a licença poderá não ser renovada porque houve uma mudança nas circunstâncias que ensejaram sua concessão.
É crucial a diferença entre a invalidação por conveniência e oportunidade, caso que ocorreria se estivéssemos tratando de autorização e a invalidação por revogação diante da mudança das condições nas quais foi emitida a licença. Neste ultimo, pressupõe-se que, caso não haja mudanças circunstancias, ou seja, caso o empreendimento continue na forma original de quando lhe foi concedida a licença, há sim um direito à renovação.
De outra forma, se fosse uma autorização, sendo precária, mesmo permanecendo as condições originárias, o empreendimento estaria sujeito a oportunidade e conveniência pública, não existiria, conforme afirma Farias (2013, p. 169), segurança jurídica para as atividades econômicas em geral . Admissão inaceitável.
Arremata-se afinal: a licença ambiental tem a mesma natureza da licença administrativa. A consequência dessa conclusão é que, portanto, não se trata de ato precário e sua vinculação é em grau que lhe equipara aquele instituto do Direito Administrativo.Esse deve ser o direito reconhecido ao empreendedor, que não pode ter sua licença ambiental invalidada por conveniência ou oportunidade da administração, como se autorização fosse.
Considerações finais
A licença ambiental tem natureza da licença administrativa e não de autorização, pois trata-se de ato vinculado e definitivo. O fundamento dessa conclusão está na diferença entre os dois institutos do Direito Administrativo: no que se refere à concessão do ato, não é a licença administrativa absolutamente vinculada, e tampouco a autorização é plenamente discricionária, a distinção é qualitativa, ou gradual; quanto à definitividade, somente a autorização pode ser revista por oportunidade e conveniência da Administração, sem ensejo à indenização.
Do reconhecimento da natureza jurídica da licença ambiental, advém a consequência: embora a concessão da mesma possa ser negada de forma discricionária, de maneira idêntica como ocorre com a licença administrativa, depois de concedida, não pode ser invalidada, seja por cassação, revogação ou anulação, por oportunidade e conveniência da administração, sem direito a indenização.
Também quando se trata de renovação, a licença ambiental, como licença que é, pressupõe-se ato vinculado, não cabendo sua denegação pela Administração Publica se o particular preenche os requisitos legais. A definitividade do ato não se resume ao prazo de validade do instrumento formal: presentes as circunstâncias que ensejaram a concessão da licença ambiental, sua renovação é devida.
Esse julgamento propicia a segurança jurídica necessária ao crescimento e desenvolvimento econômicos, por afastar do empreendedor situação de vulnerabilidade, diante das constantes mudanças na gestão pública ou mesmo do subjetivismo característico da discricionariedade da autorização. É, portanto, o único entendimento condizente com a Constituição Federal de 1988, que instituiu como princípio fundamental o desenvolvimento de atividades econômicas de maneira sustentável ambientalmente.