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As muitas faces da Justiça

Agenda 04/05/2015 às 13:24

Tem-se dito que a soltura do réus da Lava Jato representa derrota do juiz Sérgio Moro. A derrota é da própria Justiça, aos olhos do povo e de si mesma. Perturba-se a investigação dos fatos, pela interrupção dum sistema de firme condução processual que nada tem de ilegal.

Sérgio Moro, juiz federal, mandou prender os chefes do ‘Clube de Empreiteiras’ ligadas ao escândalo da Petrobras. E o fez com base no instituto da prisão preventiva (artigo 312 do Código de Processo Penal). A instrução do processo, da qual também faz parte a conhecida ‘delação premiada’, está em curso, não terminou. Ninguém duvida dos benefícios da delação (prevista em lei), suscetível de revelar, desmantelar e punir quadrilha formada para saquear os cofres da empresa – do que ético/moral e do maior interesse da Nação.

O caput do apontado artigo 312 diz: ‘A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’.

Se a instrução criminal inda não encerrou e existe prova de crime e indício suficiente de autoria, do que inequívoco, de se esperar que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) referendasse a decisão de Moro, como já feito pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Afinal, trata-se duma só e mesma Justiça!

Mas, uma vez mais, por maioria de votos (3 a 2), o Supremo ‘perdeu o bonde da história’, deu um passo atrás – respeitada a convicção do voto majoritário (composto pelos ministros Teori Zavascki (relator), Gilmar Mendes e Dias Toffoli). Como dito pela ministra Cármem Lúcia, ao divergir do voto de Zavascki, ‘não existe mulher quase grávida, não existe instrução quase acabada’.

E, de fato, se o processo de investigação não se concluiu, avulta a questão da conveniência da instrução criminal, a conferir foro de legalidade e, mais que isto, de legitimidade moral à manutenção da prisão preventiva.

Também para o ministro Celso de Mello – uma das vozes dissonantes –, a prisão persiste em suas balizas: a periculosidade do réu e a probabilidade de continuação dos graves delitos de organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Daí porque, para Mello, inviável sua conversão em medidas cautelares.

Não há dúvida: do interrogatório próximo de Ricardo Pessoa, um dos beneficiários da medida, poderão resultar diligências novas, com perspectiva de nova inquirição de testemunhas.

Agora, os réus ficarão ‘presos em casa’, embora com tornozeleira eletrônica. De se convir, bem menos incômodo que dividir cela com presos pés-de-chinelo em presídios do Paraná.

Anote-se que uma coisa é fazer da prisão preventiva um como que cumprimento antecipado de pena, do que inconstitucional. Outra, aplicá-la a situações que a justifiquem, à luz dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal – como no caso!

Não nos parece, qual noticiado, tenha o ministro Zavascki compreendido, em sua inteireza, as particularidades do fato. Não se tem o só indício da existência de crime, mas prova dele, com indício suficiente de autoria. Por outro lado, com a instrução criminal em curso, faz-se mais que conveniente a preservação da prisão preventiva, tão ou mais necessária, a este passo, do que ao tempo de sua decretação.

Coincidentemente, no final de semana passado, órgão da grande imprensa noticiou que o ex-presidente da construtora OAS, Agenor Medeiros, mais conhecido como Léo Pinheiro, cogitava fazer delação premiada com risco, inclusive, de comprometimento do amigo e ex-presidente Lula.

Com a decisão, ele e os demais empreiteiros, parceiros de ‘empreitada’, vão dar uma respirada, submetidos à só pressão da consciência, que se tem mostrado descompromissada do que é ético, moral e verdadeiro.

Se é certo que a opinião pública não há de balizar decisões judiciais, adstritas àquilo que a lei prevê e à interpretação razoável do Direito, não o é menos no sentido de que a decisão de Sérgio Moro, secundada pelo TRF da 4ª Região, pelo STJ e por duas das cinco vozes da Segunda Turma do STF, mantém-se – por sua legalidade e legitimidade.

Aquela, pela leitura detida do artigo 312 do CPP. Esta, pela mais que razoável visitação do bom Direito, coincidentemente, conforme a opinião pública do País, que quer ver a maior exação possível na atividade dos agentes de estado encarregados da solução da grave questão.

A higienização da Nação, pela luta incessante contra a chaga da corrupção, necessariamente, há de passar pelo cadinho de atitudes firmes e corajosas, aptas a desvendar a teia dos descalabros que assolam o Brasil. Nesse contexto, não há vez, não mais, à frouxidão! Há de se aplicar a lei sob a ótica da única política concebível, a da coisa certa a fazer.

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Existem argumentos de todos os tipos, para se justificar uma decisão. Porém, o momento histórico presente exige pronta definição de rumos, visando à cicatrização das feridas abertas pela corrupção no seio da Nação.

Assim, passou da hora de se encarar de frente os golpes que a grande criminalidade nos impõe. Enquanto, alhures, lá na Indonésia, se matam brasileiros por envolvimento em tráfico de drogas, aqui, acham-se motivos à soltura de quem assassina em nome da corrupção.

Efetivamente, o estratosférico desvio de dinheiro implica carências sociais capazes de ensejar, por exemplo, morte nos hospitais, à falta de estrutura mínima que os valores desviados haveriam de suprir. E assim, sucessivamente, nas múltiplas atividades da vida brasileira, a se ressentirem da escassez decorrente da lama da corrupção.

Existe o risco, pois, diante de decisões que afrouxem o laço da persecução penal, de se parir a impunidade – inda que de forma inconsciente!

Diz o advogado de Ricardo Pessoa, Alberto Zacharias Toron, que prisão preventiva há de ter caráter excepcionalíssimo. Como no caso, em que se faz indispensável à instrução criminal a manutenção na cadeia, inda que preventivamente, dos operadores e cooptadores de mega esquema montado à sangria dos cofres públicos. Assim, de se dar menos valor aos discursos e mais à ação, que objetive sanar as mazelas gigantescas decorrentes da praga da corrupção.

Tem-se dito que a soltura desses réus representa derrota do juiz Sérgio Moro. Não é verdade! A derrota é da própria Justiça, aos olhos do povo e de si mesma, pois que a entravar, de certo modo, a melhor investigação dos fatos, pela interrupção dum sistema de firme condução processual, em nada parelho à ilegalidade ou coisa do tipo.

Peço vênia para terminar estas reflexões com citação do ministro Celso de Mello: ‘Se torna inviável a conversão da prisão preventiva em medidas cautelares alternativas definidas no art. 319 do CPP, quando a privação cautelar da liberdade individual tem fundamento, como sucede na espécie, na periculosidade social do réu, em face da probabilidade, real e efetiva, de continuidade na prática de delitos gravíssimos, como os de organização criminosa, de corrupção ativa e de lavagem de valores e de capitais”.

A Justiça tem muitas faces, não há duvidar. Mas a melhor é a que não se esquece de que quem sabe faz a hora, não espera acontecer!

Sobre o autor
Edison Vicentini Barroso

Desembargador em São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Magistrado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Edison Vicentini. As muitas faces da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4324, 4 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38749. Acesso em: 22 nov. 2024.

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