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A peça-chave

Agenda 27/08/2015 às 16:21

O artigo faz análise da denúncia formulada contra Eduardo Cunha e traz elucidação quanto à peça-chave da acusação.

A denúncia contra o presidente da Câmara está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato. Não há documentos que comprovem que o dinheiro foi entregue a Cunha. Também são citados depoimentos do doleiro Alberto Youssef, também delator. As acusações ainda têm como suporte  extratos de movimentação financeira de Camargo, Youssef, do lobista Fernando Soares, o Baiano, operador do PMDB de Cunha no esquema de corrupção na Petrobras, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros.

O procurador-geral também destacou na acusação a identificação de dois requerimentos de informação que teriam sido usados por Cunha e Solange Almeida para pressionar Camargo a pagar parte da propina.

A denúncia detalha diversas provas de que Cunha foi o real autor dos requerimentos. O episódio é motivo para aumento de pena, como consta na peça de Janot, por ter havido “infringência a dever funcional”. Os dois requerimentos de Solange se basearam em justificativas “genéricas e falsas”, segundo Janot. “O teor da justificativa do requerimento já era indicativo de que se buscava não um objetivo republicano, mas sim, especificamente, ‘investigar’ apenas as pessoas e empresas envolvidas no pagamento de propinas, que haviam cessado tais pagamentos, como forma de constrangê-las”, afirma a denúncia.

A conta de Cunha no sistema de informática estava logada no exato momento da elaboração dos documentos. Sua senha pessoal e seu login foram utilizados no trabalho. “Dep. Eduardo Cunha” apareceu como o real autor dos requerimentos no sistema informatizado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo”. E mais: os dois deputados estavam conectados ao computador da Câmara no mesmo momento. Seria impossível Solange ter elaborado o documento sem que sua identificação aparecesse no sistema.

O TCU e o Ministério de Minas e Energia encaminharam as repostas solicitadas supostamente por Solange, mas nenhuma providência foi tomada pela deputada, o que, para o MPF, é mais um indício de que a iniciativa serviu apenas para chantagear a empresa pagadora de propina, conforme a acusação.

A denúncia lembra que Solange “nunca tratou de fiscalização de verbas públicas” e afirma que que Cunha “já se valeu dos serviços de Solange” para pressionar outra empresa, a Schain Engenharia, que travava uma disputa com o doleiro Lúcio Funaro, um “antigo contato” de Cunha.

As acusações contra Cunha surgiram num depoimento do doleiro Alberto Youssef, o principal operador da propina no esquema de corrupção na Petrobras. Youssef disse que ajudou Julio Camargo a repassar propina para Cunha e outros políticos para facilitar o contrato com a Samsung.

Youssef disse ainda que o presidente da Câmara até usou requerimentos de informação de uma das comissões da Câmara para pressionar Camargo a liberar parcelas do suborno, que estavam atrasadas por conta de desacertos com a Samsung. Os requerimentos da chantagem teriam sido apresentados em nome da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), hoje prefeita de Rio Bonito.

Nos primeiros depoimentos da delação premiada, Camargo nada disse sobre as transações com Cunha. Ele se limitou às acusações contra Cerveró e Fernando Baiano. Depois, quando confrontado com depoimentos de Youssef, decidiu abrir o jogo. O empresário confirmou e ainda ofereceu mais detalhes sobre o suposto suborno de Cunha.

Segundo Youssef e Camargo, os pagamentos a Cunha foram feitos por meio de outro lobista, Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano.

Consta relato de que Júlio Camargo conta que, a partir de 2006, a coreana Samsumg Heavy Industries passou a pagar propina em troca de contratos de aluguel de navios para a Petrobras. O delator disse que recebia o dinheiro da empresa e repassava parte dele ao operador do PMDB na estatal, Fernando Baiano. Este, por sua vez, encaminhava uma fração para Eduardo Cunha.

Não é preciso ler um livro de Agatha Christie e saber quem foi Sherlock Holmes para entender que Fernando Baiano é o “fio da meada”, o rumo da conversa.

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A cadeia dos repasses do dinheiro vai só até Baiano. Os pagamentos a Cunha, por terem sido feitos em dinheiro, em sua maioria, não estão documentados. Ele sabe que isso é um ponto fraco da investigação.

Fernando Baiano não só tem importância para se entender a conduta de Cunha como para saber que ele, como operador do PMDB, é uma verdadeira “bomba atômica”. Ele é um verdadeiro cadastro-vivo, alguém que significa algo como PC Farias foi para os crimes que levaram ao impeachment de Collor.

É importante que seja bem sucedido o acordo de delação premiada entre o Parquet e Fernando Baiano. A sociedade agradece.

Se ele falar, teremos começo, meio e fim no maior escândalo politico da história do Brasil.

Necessária a prudência no julgamento, pois, em dubio pro reo, o acusado deve ser absolvido. Tem-se que é cabível a absolvição:

O artigo 386 do Código de Processo Penal determina que o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte  dispositiva da sentença, desde que reconheça:

a)      Estar provada  a inexistência do fato: dessa forma está desfeito o juízo de tipicidade, uma vez que o fato que serviu de subsunção ao modelo legal de conduta proibida não existiu, sendo que, aqui, impossibilita-se o ajuizamento da ação civil ex delicto, necessária para a busca da reparação do dano;

b)      Inexistência de prova da ocorrência do fato: aqui inexistem provas suficientes e seguras de que o fato tenha, efetivamente, ocorrido, in dubio pro reo, permitindo-se o ajuizamento de ação civil de indenização uma vez que a absolvição não fará coisa julgada no civil;

c)       Inexistência de infração penal: o fato ocorreu, mas não é típico. Será o caso, inclusive, de aplicação do princípio da insignificância, lembrando que a conclusão de que não há fato criminoso para a absolvição não impede a propositura de ação civil;

d)      Existência de prova de não concorrência do réu: aqui não está provada a coautoria ou participação;

e)      Inexistência de prova da concorrência do réu: há o fato, mas não se conseguiu demonstrar que o réu tomou parte ativa;

f)       Excludentes de tipicidade ou de culpabilidade: aqui estão o erro do tipo, o erro de proibição, a coação moral irresistível, a obediência hierárquica, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, a inimputabilidade e a embriaguez acidental[1];

g)      Prova insuficiente para a condenação: o princípio da prevalência do interesse do réu determina que se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sentença, tem-se a absolvição. Tal decisão não tem trânsito em julgado no juízo civil, razão pela qual pode ser ajuizada ação indenizatória naquela esfera.

Tudo isso é decorrência do princípio da presunção de inocência.

 A presunção da inocência trata-se de princípio reitor do processo penal.

Salienta-se, contudo, que tal princípio já constava na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,  promulgada em 1789, que em seu artigo nono estabelecia: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado”.

Posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela Organização das Nações Unidas, em 1948, também assegurou tal garantia ao referir que:

“Art. XI. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.”.

Já na atual Constituição da República Federativa do Brasil, assim está insculpido o princípio:

“Art. 5 º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

Tal dispositivo assegura ao acusado, ou mesmo indiciado, o direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então, a coisa julgada de autoridade relativa, servindo como um fundamental postulado de segurança jurídica diante dos poderosos tentáculos do Estado Leviatã.

Além disso, o referido princípio requer que o julgador mantenha uma posição negativa em relação ao acusado, e, ainda, uma postura positiva, na medida em que não o considere culpado, mas, principalmente, trate-o efetivamente como inocente.


Nota

[1] A teor do artigo 65 do Código de Processo Penal, faz coisa julgada no civil a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. No entanto, tem-se entendido que subsistirá a responsabilidade em indenizar a vítima, quando esta não tenha sido considerada culpada pela situação de perigo. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A peça-chave. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4439, 27 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42085. Acesso em: 22 nov. 2024.

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