Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Uma análise das teses defensivas redutoras do direito repressivo

Exibindo página 3 de 3
Agenda 17/10/2015 às 12:23

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as considerações feitas ao longo do trabalho, reforça-se que a diversificação[36] (medidas alternativas) é uma consequência mais branda do que a própria pena, devendo ter prelação. Isso porque, a força preventiva do direito penal não depende da dureza da sanção, porém da reação certa estatal de modo reprovador. Interessante expandir a ação e a capilaridade das clínicas de vulnerabilidade para egressos.

Além disso, a criação de novas penas mais brandas ou mesmo a adoção de contraordenações poderão colaborar. No entanto, não se deve olvidar que os princípios e todo o arsenal de normas repressivas foram criados para a proteção do indivíduo em face do Estado, logo, não podem ser interpretados em seu desfavor, como quotidianamente é feito pela jurisprudência e doutrina.

Não é demais recordar que a Constituição não recepcionou as finalidades de prevenção especial positiva e retribuição (art. 3º, I, III, IV, CR), por força da teoria redutora de danos, conforme já explanado no decorrer do presente artigo. No realismo marginal latino-americano, não se pode viabilizar a injunção da pena privativa de liberdade, sob o manto securitário, como instrumento de anulação de individualidade e servilismo, institucionalização e diferenciação estigmatizante em maré oposta ao dever jurídico-constitucional de minimização de danos.

Já no contexto da penonologia revisionista, o poder punitivo não pode ser a extrema ratio, sem lançar olhar aos efeitos da prisionização. Esse Estado de Polícia, em controle penal atuarial, acaba permitindo condenações sumárias, tipos criminológicos de autor, com praceamento do ser humano e execração do preso/condenado, em juízo maniqueísta que pune a diversidade e reifica a natureza humana.

Esse espaço de “não direito”, engendrado pelo discurso positivista etiológico e pericolosista, não pode perpetuar a teoria da relação especial de sujeição, ou o princípio do less eligibility ou, ainda, a doutrina do hands off, tendo em conta a garantia da jurisdicionalidade, a fim de evitar a flexibilização da legalidade em prol de finalidades irrealizáveis. Sendo assim, essa zona livre de direito trabalha com uma futurologia utilitária sem lastro empírico e esquece ser a liberdade regra e a prisão – exceção.

Sendo assim, na contramão da mortificação do “eu”, da brutalização, da inocuização da pessoa humana e em prol da segurança dos direitos, devemos obstar a expansão da malha penal, no processo de naturalização de desrespeito aos direitos humanos. Desse modo, devemos estimular políticas de alternativas penais e mecanismos horizontalizados e autocompositivos, a fim de vencer o preconceito oracular que apenas provoca maiores danos existenciais ocasionados pelo constante enjaulamento de cidadãos em pura hemorragia acusatória.

Por fim, mister ter em mente que não existem crimes em si, apenas rótulos de condutas. Desse modo, a descrimininalização, a desjudicialização (salvo na execução penal) e a despenalização devem ser incentivadas à luz do recrudescimento do princípio da ultima ratio e da subsidiariedade. Urge, portanto, a reinterpretação dos institutos jurídico-penais, sendo algumas teses inovadoras já levantadas por grandes mestres da Doutrina brasileira e que necessitam ter permeabilidade na jurisprudência e na consciência do profissional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Felipe Lima de. Causalidade e imputação no Direito Penal: análise crítica da moderna teoria da imputação objetiva no ordenamento jurídico brasileiro.  1ª Ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2013.

BÉZE, Patricia Mothé Glioche. Novas tendências do concurso formal e crime continuado. Rio de Janeiro: Renovar, 2015.

LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria Geral da participação criminal e ações neutras – uma questão única de imputação objetiva.  1ª ed. (ano 2009). Curitiba: Juruá, 2010.

LOBATO, José Danilo Tavares. Direito Penal Ambiental e seus fundamentos: parte geral. 1ª ed. (ano 2011). Curitiba: Juruá, 2011.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e prática histórica da execução penal no Brasil. Rio de Janeiro: Renan, 2005.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Aplicação da Pena: limites, princípios e novos parâmetros. São Paulo: Saraiva, 2013.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito Penal 2: parte especial. Coleção Roteiros Jurídicos. Coordenador: José Fábio Rodrigues Maciel. 5ª ed.  São Paulo: Saraiva, 2011.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. RAIZMAN, Daniel Andrés. Direito Penal 3: legislação especial. Coleção Roteiros Jurídicos. Coordenador: José Fábio Rodrigues Maciel. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014.

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

ZAFFARONI, E. Raúl. BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro, segundo volume: teoria do delito: introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

ZAFFARONI, E. Raúl. BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro, primeiro volume: teoria geral do direito penal. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.


Notas

[2] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e prática histórica da execução penal no Brasil. Rio de Janeiro: Renan, 2005. Pág. 21.

[3] Rodrigo Roig sustenta que o requisito “demonstração de merecimento do condenado” para a recuperação do direito à saída temporária (art. 125, p/u, da LEP) vulnera o princípio da legalidade, dando azo a insegurança jurídica e arbitrariedade. Por essa mesma razão, discute a inconstitucionalidade do art. 50, I e III, da LEP (ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 42 - 43).

[4] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e prática histórica da execução penal no Brasil. Rio de Janeiro: Renan, 2005. Pág. 170.

[5] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 77

[6] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 71

[7]  Art. 72 - No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[8] A jurisprudência majoritária entende que apenas se considera o aumento pelo crime continuado, quando há entre dois crimes integrantes do nexo de continuidade delitiva, concurso formal, para arrostar bis in idem, visto que a regra foi concebida em favor do réu. Além disso, alguns doutrinadores entendem que a menção ao art. 75, no bojo do art. 71, significa que há um limitação na aplicação da pena em trinta anos. Ainda, pode-se sustentar que o caso julgado acoberta toda a relação de continuidade delitiva, mesmo que ocorridos posteriormente, descobertos posteriormente ou que não tenham sido objeto do processo.

[9] BÉZE, Patricia Mothé Glioche. Novas tendências do concurso formal e crime continuado. Rio de Janeiro: Renovar, 2015. Pág. 206.

[10] Notório observar que Patricia Mothé Glioche entende que a vida não comporta fracionamento para que incida o planejamento único do crime continuado, salvo se for a mesma vítima, de modo que a ideação única não importa no verdadeiro crime continuado, o que, em sua visão, não impede a incidência da forma atenuada do concurso real de crimes (art. 71, CP).

[11] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 310.

[12] LOBATO, José Danilo Tavares. Direito Penal Ambiental e seus fundamentos: parte geral. 1ª ed. (ano 2011). Curitiba: Juruá, 2011. Pág. 20.

[13] LOBATO, José Danilo Tavares. Direito Penal Ambiental e seus fundamentos: parte geral. 1ª ed. (ano 2011). Curitiba: Juruá, 2011. Pág. 69.

[14] A exemplo da inconstitucionalidade do crime previsto no art. 68, art. 49, em sua forma culposa, art. 55, todos da Lei nº 9.605/98, por força do devaneio normativista do legislador. Nesse ponto, mister recordar que o bem jurídico coletivo não pode perder sua referibilidade à dignidade do ser humano, não podendo constituir-se em mera soma de bens jurídicos individuais, sem se esquecer da crítica que se faz aos bens jurídicos macrossociais. No entanto, Danilo defende que o crime de maus-tratos a animais tutela a vida e a integridade física dos animais, como projeções da vida e da integridade humanas, por atingir à dignidade humana, refutando o fundamento do sentimento humano de solidariedade ou de piedade. Na verdade, o autor refuta a criminalização das condutas dos arts. 24, 30, 31, 34, 39, 42, 44, 49, 50-A, 51, 52, 55 e 60 da Lei de Crimes Ambientais, pela ausência de lesividade e bem jurídico.

[15] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Pág. 13.

[16] A culpabilidade não pode ser um juízo de repreensão do indivíduo, sendo, de conseguinte, juízo de inadequação da conduta com a exigência normativa. Nesse rumo, o autor José Danilo entende inconstitucional a responsabilização criminal da pessoa jurídica, vez que aplica o instituto do abuso de direito ao campo penal e também em vista da humanidade da ação, inexistência de tipicidade subjetiva, princípio da personalidade da responsabilidade penal, ausência de culpabilidade, ausência de exigência da Constituição e, por fim, as pessoas jurídicas privadas só podem buscar fins lícitos, tal como ocorre na esfera pública. Subsidiariamente, sustenta a inconstitucionalidade do art. 24, da Lei de Crimes Ambientais por implicar em pena de morte, vedada no ordenamento constitucional atual.

[17] TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 162.

[18] A acessoriedade administrativa pode ser de grau relativo, quando o preceito administrativo integra o tipo penal, ao passo que a acessoriedade ao Direito Administrativo cria uma dependência do Direito Penal às normas infralegais, sendo que muitas entidades federativas, sem competência constitucional em matéria penal e em prejuízo à isonomia, poderão influenciar na construção desses pragmas conflitivos. Por sua vez, a acessoriedade ao ato administrativo que ocorre na direta referência da norma penal ao ato administrativo, o que traz a discricionariedade administrativa ao contexto delitual, rompendo com o princípio da legalidade e isonomia. Em suma, em razão do princípio da proteção da confiança, atos administrativos autorizadores inválidos excluem a tipicidade desses crimes. Destaque-se, ainda, que, para muitos doutrinadores, a tolerância administrativa ou omissão serve como justificante, em que pese grave controvérsia sobre o assunto.

[19] LOBATO, José Danilo Tavares. Direito Penal Ambiental e seus fundamentos: parte geral. 1ª ed. (ano 2011). Curitiba: Juruá, 2011. Pág. 90-91.

[20] O próprio autor José Danilo evidencia um exemplo de desproporção na conduta de receptadores ambientais sem finalidade empresarial (art. 180, CP) ser punida mais severamente do que o tipo do art. 46 da Lei de Crimes Ambientais, estimulando a prática da ilegalidade. Mais adiante, o autor aduz que não se verifica mandato de criminalização do art. 225, § 3º, da CR.

[21] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Pág. 37; 50-51..

[22] TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 173.

[23] LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria Geral da participação criminal e ações neutras – uma questão única de imputação objetiva.  1ª ed. (ano 2009). Curitiba: Juruá, 2010. Pag. 57.

[24] GRECO, Luís. Cumplicidade através de ações neutras. A imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. P. 135-146. Apud LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria Geral da participação criminal e ações neutras – uma questão única de imputação objetiva.  1ª ed. (ano 2009). Curitiba: Juruá, 2010. Pag. 571.

[25] LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria Geral da participação criminal e ações neutras – uma questão única de imputação objetiva.  1ª ed. (ano 2009). Curitiba: Juruá, 2010. Pág. 73.

[26] Aproveita-se o ensejo para afirmar que são de discutível constitucionalidade os elementos normativos insertos no tipo, dentro da função sistemática, em vista da indeterminação e insegurança jurídica. Nesse ponto, o dolo possui um aspecto cognitivo e um conativo que são prejudicados em face desses elementos.  Na dúvida, deve-se lutar pela atipicidade sistemática ou conglobante que pode ser absoluta ou relativa, esta última implica na desclassificação para outro crime.

[27] Claus Roxin entende que deve se isentar de pena “o excesso extensivo, cometido após o término da injusta agressão. Afinal, tampouco é preventivamente necessário punir aquele que, por desorientação, medo ou susto, ultrapassa os limites temporais da legítima defesa. [...] Por pensarem que a culpabilidade tem necessariamente de acarretar uma pena, tal dispositivo lhes parece de todo modo incompreensível.” IN: ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Pág. 65.

[28] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Pág. 68.

[29] Exemplos: desobediência civil, culpa leve, excessos em estado de necessidade ou legítima defesa, fatos socialmente suportáveis, erros de tipo ou de proibição relativamente inevitáveis, ou mesmo, pela auto-responsabilidade e consentimento, questiona certas punições em alguns casos concretos de eutanásia e auxílio a suicídio, dentre outros.

[30] TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 95.

[31] TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 198 – 205. Vale a pena a leitura dos exemplos ali esmiuçados.

[32] Idem. Pág. 203.

[33] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág. 64.

[34] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Aplicação da Pena: limites, princípios e novos parâmetros. São Paulo: Saraiva, 2013. Pág. 75.

[35] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Aplicação da Pena: limites, princípios e novos parâmetros. São Paulo: Saraiva, 2013. Pág. 113-114.

[36] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Organização: Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Pág. 14.

Sobre o autor
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. Uma análise das teses defensivas redutoras do direito repressivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4490, 17 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42850. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!