Esse é um artigo em primeira pessoa, que usa habilidades da "pop science", mas não da pseudo-ciência. Abro mão da "pegada" científica em prol de um texto mais claro e mais incisivo para leigos. Corro o risco de este artigo parecer mais uma coluna de jornal do que um artigo científico.
Talvez eu esteja me rebaixando ao ser mais agressivo nas palavras e ao usar uma linguagem que possa comover mais pela emoção. Porém, ao me rebaixar, espero que os meus opositores se sintam feridos com este meu mini-ataque.
Antes de começar, quero dizer que não sou o dono da verdade, e que posso trocar de opinião a qualquer hora. Porém, não vou aceitar a opinião de alguém se esta for baseada nas técnicas argumentativas faceboquianas e falaciosas. Quero DADOS, EVIDÊNCIAS, FONTES, PALBABILIDADE, ESTUDOS CIENTÍFICOS A RESPEITO.
Enfim, iniciemos.
A PEC 171, de 1993, luta pela redução da maioridade penal. Dentre outros argumentos, ela defende um argumento que será o objeto de estudo desse texto: "Em 1940, época do Código, não se imaginava que os meios de comunicação em massa evoluiriam tanto. Mas, agora, com a facilidade de chegada de informações hoje em dia, os jovens conseguem discernir entre a ilicitude e a licitude dos fatos".
Bem, começamos já com o estereotipado discurso do político brasileiro: vazio, sem argumentos científicos e sem dados. O jovem de 16 anos de 1940 não sabia se matar era certo ou era crime? E os que nasceram depois da TV? Bem, isso não importa tanto quanto se imagina. Vamos aos nossos contra argumentos.
Jovens infratores não cometem crimes porque têm uma visão distorcida do que é certo e do que é errado, mas são levados a eles por fatores ambientais e sociais. Essa é uma das conclusões do estudo de doutorado Correlação entre grau de psicopatia, nível de julgamento moral e resposta psicofisiológica em jovens infratores, defendido na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), de autoria do psiquiatra Daniel Martins1.
Em entrevista a Veja2, Adrian Raine, grande nome da neurocriminologia, responde:
Do ponto de vista da neurociência, quando o cérebro está maduro e a pessoa pode ser julgada como um adulto? Essa questão é bastante debatida em todo o mundo. O que sabemos é que o cérebro humano não está completamente maduro até os 20 anos [grifei]. Os adolescentes de 15 e 16 anos são impulsivos, não controlam suas emoções, porque seu córtex pré-frontal não está completamente desenvolvido. Em alguns casos, ele demora até os 30 anos para se desenvolver, e sabemos que disfunções nessa região são encontradas em criminosos. Acho que faz sentido levar em conta o desenvolvimento cerebral para analisar conceitos como a responsabilidade penal, mas não existe uma linha mágica. Há pessoas de 19 anos com cérebros funcionando como o de indivíduos de 16 anos, mas também existem pessoas de 15 com cérebro de 20. No futuro, poderemos usar outras medidas de maioridade neural, que usem imagens cerebrais para analisar se uma pessoa é responsável por seu comportamento. Mas é claro que hoje temos de ser práticos e decidir uma idade de corte. Nesse caso, fixá-la em 18 anos não me parece ruim.
A importância do estudo do córtex pré-frontal é importante para a entendermos o comportamento criminoso3:
Em 2008, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos revisaram uma série de estudos que usaram exames de ressonância magnética para analisar o cérebro de indivíduos violentos. Como resultado, descobriram que disfunções em duas áreas cerebrais ligadas às decisões morais podem estar associadas a esse tipo de comportamento. Uma delas é a amígdala, área ligada à resposta aos perigos. Um estudo de 2009 mostrou, por exemplo, que os psicopatas têm a região 18% menor do que os outros indivíduos. A outra disfunção detectada na pesquisa é a baixa atividade do lóbulo frontal do cérebro, região associada à regulação dos comportamentos impulsivos.
O córtex pré-frontal dos seres humanos com certeza não se alterou como se alterou a preferência do rádio pela internet.
Presumo que os defensores da redução tenham consciência de que a fixação da idade é uma questão de política criminal, uma arbitrariedade necessária, pois não existe possibilidade, por óbvio, de saber se o indivíduo possui a “devida maturidade” para discernir o certo do errado, o lícito do ilícito etc. 4.
Os argumentos de Raine já seriam suficientes. Mas, pelo bem da nação, pequemos pelo excesso. Knobel (2002), doutor em Medicina e especialista em psiquiatria infantil nos E.U.A., Argentina e Brasil, leciona5:
El adolescente presenta una especial vulnerabilidad para asimilar los impactos proyectivos de padres, hermanos, amigos y toda la sociedad. Es decir es un receptáculo propicio para hacerse cargo de los conflictos de los demás y asumir los aspectos más enfermos del medio en que actúa. Esto es lo que actualmente percibimos en nuestra sociedad que proyecta sus propias fallas en los así llamados desmanes de la juventud, a la que se responsabiliza de la delincuencia, las adicciones a las drogas, la prostitución, etcétera [grifos meus].
Portanto6,
São inúmeros os fatores que influenciam no processo da conduta delinquente entre os jovens, dentre eles está o processo de adolescer, que é um momento onde o jovem desenvolve suas potencialidades e incorpora novos valores éticos e morais à sua identidade, estando assim suscetível a influências externas e internas, pois é um período em que se reestrutura o psiquismo humano.
Em artigo da “Revista Contemporânea”7 (revista sobre psicanálise), Danieli Brum de Souza e Daniela Di Giorgio Schneider informam:
Knobel (1981) pontua, também, que na fase adolescente há uma ameaça constante e ruptura das relações intra, inter e trans-subjetivas, fato este que acaba por provocar maior incidência de mecanismos psicológicos regressivos, de natureza psicótica, neurótica ou psicopática. [...] No período da adolescência, Knobel (1981) fala de uma patologia normal do adolescente, onde para este conseguir a estabilização da personalidade é necessária certa conduta patológica. Por isso os comportamentos externalizados dos adolescentes, de lutas e rebeldias, não são mais do que reflexos dos conflitos internos, sendo esperado durante esse processo o surgimento de atuações como características defensivas de caráter psicopático. [...] Neste sentido, o autor cita Anna Freud, dizendo que seria anormal a presença de um equilíbrio estável durante o processo adolescente, [grifos meus] e conceitua a sintomatologia que integra está síndrome [...].
E o mais importante:
Para Knobel (1981), o processo de busca da identidade pode fazer com que o sujeito a encontre de forma errônea, baseada em figuras negativas [grifos meus], onde é melhor ter uma identidade perversa a não ter nenhuma. Isto acontece muitas vezes quando já houve transtornos na aquisição da identidade infantil, o que constitui a base dos grupos de delinquentes e adeptos de drogas. Isto acontece muitas vezes quando já houve transtornos na aquisição da identidade infantil, [o que facilmente ocorre em famílias desestruturadas] o que constitui a base dos grupos de delinquentes e adeptos de drogas.
Quando o estereotipado hater/pseudo-intelectual/debatedor de mesa de bar/conspiracionista pseudo-cientista vê esses estudos, logo pensa: “Isso é esquerdismo. Eu fui adolescente, trabalhei, e não virei bandido. Não tinha conduta patológica coisa nenhuma. Isso não é desculpa para eles não serem punidos!” - bem, com esses estudos até aqui, ainda não entrei no mérito da punição, estou falando do argumento frágil que invoca a interação do jovem com os novos meios de comunicação em massa – Lindos argumentos. Lindos, porém, puro senso com. Não é senso comum? Bom, posso mudar de opinião: para provar que não é senso comum, que tal você, querido hater, me apresentar estudos submetidos à metodologia científica que refutem o que eu disse? Acho difícil encontrar.
Voltando ao aspecto neurológico, temos que “as funções executivas são um grupo de habilidades superiores de organização e integração que estão conectadas neuroanatomicamente a diferentes vias de interação neuronal envolvendo a córtex pré-frontal. Esta rede de funções autodirigidas possibilita a avaliação das consequências sociais, ponderando os resultados imediatos e tardios de forma integrada. Os autores demonstraram que a rede pré-frontal é a última área cerebral a se maturar, sendo a área responsável pelo planejamento, sequenciamento hierárquico e o auto monitoramento de tarefas de acordo com o plano inicial. Em geral, o estabelecimento pleno destas habilidades coincide com a maturação física e emocional encontrada no final da adolescência. (Damasio, 1994; Lezak, 1995; Pineda, 2000; Roberts et al., 1998) [grifos meus]”8.
“Conforme salientado por Romine e Reynolds (2005), as funções executivas desenvolvem-se com intensidade entre 6 e 8 anos de idade, e esse desenvolvimento continua até o final da adolescência e início da idade adulta” (Neuropsicologia – 2ed: Teoria e Prática)9.
Agora, uma imagem esclarecedora:
Estas imagens foram construídas por meio de ressonância magnética cerebral (MRI) de crianças e adolescentes, durante 15 anos de desenvolvimento do cérebro. O vermelho indica maior quantidade de substância cinzenta, ainda imatura, conectando-se de forma pouco ordenada. A substância cinzenta diminui da área posterior para a anterior a medida que o cérebro vai se maturando e o excesso de conexões neuronais vai sendo progressivamente cortado e ordenado. As áreas responsáveis pelas funções básicas se maturam precocemente, áreas de funções mais elaboradas maturam depois. A área pré-frontal responsável pelo raciocínio mais elaborado e pelas funções executivas se desenvolve por último na sequência de maturação normal do cérebro [é a que mais demora a ficar azul (madura)] [grifos meus][10].
E a última citação, mas não menos importante, é a do estudo de Valkira Trino Axelson e Perciliana Pena, disponível no site Psicopedagogia Online:
Para Barkley, 1997, apud Uehara et. al, 2013, a autorregulação reúne a maioria dos componentes-chave das FE, incluindo o comportamento orientado para a meta, a utilização de regras e falas autodirigidas (internalização da fala), a elaboração de planos para orientação dirigida ao futuro, assim como o controle dos impulsos. [...] Barkley (1997, 2001) reiterou sua teoria ao definir as FE mediante uma perspectiva evolutiva. Assim, as FE foram definidas como um mecanismo de controle cognitivo que direciona e coordena o comportamento humano de maneira adaptativa, permitindo mudanças rápidas e flexíveis frente às novas situações. Englobam uma série de competências inter-relacionadas e de alto nível de processamento cognitivo, cujo impacto se reflete em todos os aspectos afetivo-emocionais, motivacionais, comportamentais e sociais. Esse caráter multidimensional das FE deu origem a inúmeros modelos que auxiliaram a compreensão sobre o funcionamento executivo disfuncional e o diagnóstico diferencial de habilidades executivas específicas [grifos meus].
Essas pesquisas foram feitas muito depois de 1940.
Ou seja, parece-nos – até onde consegui aprofundar - que a televisão não deu conta de acelerar o desenvolvimento do córtex pré-frontal. Que pena que a existência da TV não faz com que as funções executivas fiquem “prontas” antes dos 18.
Portanto, não adianta dizer que por causa dos meios de comunicação o jovem está suficientemente maduro, pois seu cérebro não está.
Só falta dizerem que o estado do cérebro não importa para a medição da maturidade.
Não foi sarcasmo. Da ignorância das pessoas, eu não duvido nada.
Depois de ler tudo isso ainda existirão pessoas dizendo que sou pago pelo PT e que sou amigo do Jean Wyllys, ou que sou a favor do marxismo cultural, e que por isso meu posicionamento é esse.
Fazer o quê?
Não gosto de saber que, por mais que eu argumente usando ciência, os adoradores do senso comum continuarão apenas me xingando e não farão nenhuma autocrítica.
Por isso, prevalecerei na utopia de um mundo racional, trazendo mais estudos. É como eu disse: pecar pelo excesso.
“Antônio de Pádua Serafim, diretor do setor de neuropsicologia do Hospital das Clínicas de São Paulo e membro da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, autor de um livro sobre Neurocriminologia Forense, explica que, por volta dos 15, 16 anos de idade, o desenvolvimento biológico do ser humano é concluído. O mesmo não ocorre com os aspectos emocional e cognitivo [grifos meus]. O crescimento cognitivo é a capacidade mental do indivíduo, tudo o que envolve a aprendizagem. Já o desenvolvimento emocional está ligado ao controle dos desejos, impulsos’, explica. Serafim esclarece que os dois processos ocorrem de forma independente um do outro”. 11
Para Pádua, não há cuidado com a criança e quando ela chega aos 15 anos com características mais difíceis a sociedade discute a redução da maioridade. “Como discutir a redução da maioridade penal se você não dá assistência antes?” 12.
Portanto, não é deputado nem senador quem vai dizer que o adolescente é maduro por causa dos meios de comunicação. São os pesquisadores. E os pesquisadores já disseram que a maturidade cerebral ainda tem a evoluir aos 16 anos.
De um lado, certos políticos - famosos pelo ad popullum, pela evidência anedótica, e pela incredulidade pessoal - defendem que os meios de comunicação fazem com que os jovens saibam fazer decisões morais com destreza. De outro, o pessoal que ganha a vida (creio eu) pesquisando esse tipo de coisa, diz que isso é mentira.
Vamos confiar no senso comum, ou na ciência?
No senso comum, é claro. Estamos no Brasil, a pátria educadora.
Por último, para evitar que, nesse texto, eu esteja sofrendo do complexo do pombo enxandrista, quero deixar bem claro que esse sarcasmo tem o objetivo de deixar minhas ideias mais claras. Caso apresentem contra argumentos plausíveis e TÉCNICOS, ficarei feliz de avaliar, e mudarei minha opinião se for necessário.
Lembre-se que não entrei ainda no mérito da punição, e sim apenas do argumento sobre os meios de comunicação.
Notas
1 https://www.usp.br/agen/?p=63158
2 https://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/dentro-da-mente-dos-criminosos/
3 https://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-ciencia-pode-explicar-a-crueldade/
4 Vide esse vídeo sobre mente descontínua, para melhor esclarecimento: https://www.youtube.com/watch?v=m_LsMe4XWmA
5 https://portalacademico.cch.unam.mx/materiales/prof/matdidac/sitpro/exp/psico/psico2/pscII/MD1/MD1-L/A/adolescencia_normal.pdf
6 https://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2012/06/comportamentos-delinquentes-na.html
7 https://www.revistacontemporanea.org.br/site/wp-content/artigos/artigo193.pdf
8 https://www.plenamente.com.br/artigo.php?FhIdArtigo=11
9 https://books.google.com.br/books?id=U6g5AgAAQBAJ&pg=PA118&lpg=PA118&dq=fim+do+desenvolvimento+das+fun%C3%A7%C3%B5es+executivas&source=bl&ots=QRXjEjlkP6&sig=aGYMvax0-SpjpKyOD6MeS2qqR_c&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi4kpOZpb_JAhWBkpAKHeFkAs4Q6AEISzAG#v=onepage&q=fim%20do%20desenvolvimento%20das%20fun%C3%A7%C3%B5es%20executivas&f=false
10 https://www.plenamente.com.br/artigo.php?FhIdArtigo=11
11 https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/05/22/maioridade-penal-ha-diferenca-entre-adolescentes-de-16-17-e-18-anos.htm
12 https://tribunadonorte.com.br/noticia/os-nao-loucos-cometem-mais-crimes-graves-que-os-doentes-mentais/263057