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A efetividade do direito à educação básica obrigatória e o princípio da reserva do possível: uma análise da judicialização frente às políticas públicas educacionais

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Agenda 11/01/2016 às 13:33

O presente texto se refere à efetividade do direito à educação básica obrigatório como um direito fundamental programático em contraposição ao princípio da reserva do possível.

INTRODUÇÃO

           

Hodiernamente, o progresso e o desenvolvimento de uma sociedade estão vinculados à forma como se desencadeia o processo de formação da educação de base dos seus indivíduos.   

Uma educação de qualidade se origina do fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio sociocultural. Por essa razão, a sua primazia é sopesada como um dos fatores primordiais para se alcançar o pleno exercício da cidadania, a profissionalização e o integral desenvolvimento da pessoa humana.

Dessa forma, a educação foi elencada como um direito fundamental social, sendo um direito de todos e dever dos órgãos públicos e da família em conjunto com a sociedade. Por ser caracterizada como um direito social cabe ao Estado conceder o suprimento necessário para o fomento da educação, através de aplicação de verbas públicas que sejam suficientes para a concretização das diretrizes educacionais e das políticas públicas que as envolvem.

Ocorre que, frente à omissão do poder público na efetivação dos direitos fundamentais de cunho social, o Estado tem utilizado a alegação da cláusula da reserva do possível com o intuito de justificar os limites da sua atuação na ausência da concretização de tais direitos.

É certo que ao Estado cabe o dever de prover esses direitos a partir do patamar do mínimo existencial para a preservação da dignidade e do desenvolvimento da personalidade humana. Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 admite que o indivíduo possa gozar dos seus direitos por via de demandas direcionadas ao Poder Judiciário.

Diante do exposto, a questão que se insurge a presente pesquisa versa sobre como os Tribunais pátrios tem decidido atualmente os casos que contrapõe a cláusula da reserva do possível e do princípio do direito fundamental à educação básica, bem como qual desses postulados tem prevalecido nas decisões judiciais.

Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo traçar atenção pertinente à educação de base, tendo em vista que na falta desta, o indivíduo jamais poderá alcançar metas acadêmicas e profissionais que correspondam à fomentação do seu desenvolvimento humano.

No capítulo primeiro estão traçadas as noções conceituais do direito à educação, abrangendo o seu delineamento como um direito fundamental social. Em seguida, é demonstrado o seu aspecto na evolução dos diretos sociais, assim como será abordada a questão da sua eficácia jurídica como norma de conteúdo programático constitucional.

Para melhor compreensão do tema, o capítulo segundo tem por objetivo esboçar os contornos da educação no Estado democrático de direito brasileiro. Para essa missão, será estudada a contextualização histórica da educação no constitucionalismo do Brasil, bem como a sua regulamentação jurídica, com foco no desenvolvimento do Plano Nacional de Educação (PNE) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 

            Por fim, no capítulo terceiro será atribuída oportunidade para a discussão da problemática a qual se apresenta o presente estudo. A análise recai em posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da eficácia do direito à educação em contraposição ao uso da cláusula da reserva do possível utilizada em defesa dos órgãos públicos pela sua inatividade política e administrativa.

Aprecia-se para tanto como metodologia da pesquisa, o uso de julgados e precedentes dos anos mais recentes da Suprema Corte brasileira.

1  O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

1.1 ASPECTOS INICIAIS SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO

A educação é contemplada como um dos fatores necessários para a edificação de uma determinada sociedade. A sua essencialidade justifica a formação e o desenvolvimento do ser humano, o que contribui para o processo democrático e para o direcionamento da comunidade. Segundo o filósofo americano John Dewey:

Etimologicamente, a palavra educação significa exatamente processo de dirigir, de conduzir ou elevar. Se tivermos em mente o resultado desse processo, diremos que a educação é uma atividade formadora ou modeladora – isto é modela os seres na forma desejada de atividade social. (DEWEY, 1959, p. 11)

Declarada a sua importância para a concretização da dignidade da pessoa humana e dotada de valor supremo e universalidade, a educação passou por um processo de positivação através do seu reconhecimento em Declarações de Direitos, bem como em dispositivos Constitucionais.

Para elucidar, o direito à educação foi consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[2] e também pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966[3].  

Reconhecida como direito fundamental em diversos dispositivos constitucionais, a educação caracteriza-se por uma dupla concepção. Representa tanto um direito subjetivo quanto um direito objetivo. Nestes termos, considera Gilmar Ferreira Mendes que:

Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos seus titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua acepção como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueles outros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. (MENDES, 2014, p.631)

A educação é um direito assegurado a qualquer indivíduo e representa um direito público subjetivo. Para a doutrina, por ser fruto das revindicações e carências da sociedade, o direito à educação é dotado de caráter social. Nas palavras de José Afonso da Silva:

Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta e indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, 2009, p. 286-287)

Na atual ordem constitucional brasileira, o direito à educação foi elencado como um dos direitos fundamentais de cunho social. Sua previsibilidade está determinada pelos dispositivos constitucionais do artigo 6º[4] combinado com os que se resevam ao Capítulo da educação, cultura e do desporto.  

A Constituição Federal de 1988 declara que o direito à educação é direito pertencente a todos e versa uma obrigação decorrente do Estado e da família. Além disso, a educação deverá ser incentivada pela sociedade para o pleno desenvolvimento da pessoa humana e também para o seu preparo ao exercício da cidadania, bem como para a formação profissional. Como declara Jaeger citado por Clarice Seixas Duarte:

A educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprime-se em cada um de seus membros e é no homem, muito mais do que nos animais, fonte de toda ação e de todo comportamento. Em nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com seu próprio sentir, cada nova geração. A estrutura de cada sociedade assenta nas leis e normas escritas e não escritas que a unem e unem seus membros. (JAEGER, apud, DUARTE, disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a0428100> Acesso em: 19 jul.2015).

Contudo, não obstante a Magna Carta atribuir valor de cunho social à educação, o mesmo diploma constitucional reconhece em seu conteúdo aspectos de caráter liberal ou individual.

O artigo 206, em seu inciso II[5], contempla a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento. A partir desse dispositivo, fica claro que os pais tem a liberdade de escolha a respeito do plano de ensino e aprendizagem dos seus filhos, não sendo estes obrigados a frequentar as instituições públicas, mas podem cursar instituições de ensino privado[6].

 É o que a doutrina tem denominado de direito às liberdades públicas. A esse respeito, Andre Ramos Tavares propõe que:

É possível falar em uma função não prestacional do direito à educação, consistente no direito de escolha, livre, sem interferências do Estado, quanto à orientação educacional, conteúdos materiais e opções ideológicas. Nesse sentido, o Estado cumpre e respeita o direito à educação quando deixa de intervir de maneira imperial ditando orientações específicas sobre a educação, como “versões oficiais de História” imposta como únicas admissíveis e verdadeiras, ou com orientações políticas, econômicas ou filosóficas. Também cumpre a referida dimensão deste direito quando admite pluralidade de conteúdos (não veta determinadas obras ou autores, por questões ideológicas, políticas ou morais). (TAVARES, 2013, p.742-743).

Destarte, apesar da Constituição Federal de 1988 apresentar esse duplo aspecto referente ao direito educacional, não há dúvidas de que o seu caráter prioritário é de direito social. Isso decorre ao fato de que a educação é originária dos direitos fundamentais de “segunda dimensão”, pois é dotada de cunho igualitário e prestacional.

  1.  ASPECTOS DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: O DESENVOLVIMENTO DAS DIMENSÕES/GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente cumpre destacar sobre a polêmica da terminologia referente às “dimensões” e “gerações” dos direitos fundamentais.

Para parte da doutrina, a terminologia “gerações” não é admitida por conter uma conotação que possa vir a ser interpretada como uma substituição gradativa de uma geração pela outra.

Segundo a orientação de Ingo Wolfgang Sarlet, a expressão adequada para o estudo é “dimensões”, tendo em vista que este termo não induz à sucessão cronológica e a consequentemente decrepitude dos direitos das dimensões que se antecedem, ou seja, se organizam em um processo cumulativo. Dessa forma, aduz o constitucionalista que:

A teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.” (SARLET, 2007, p. 55).  

Como os direitos fundamentais surgem a partir das reivindicações históricas, os seus valores podem variar conforme as ideologias e carências da sociedade. Portanto, se torna oportuno o estudo sobre como esses direitos se consagraram e a sua consequente positivação jurídica.

Os direitos de “primeira dimensão” tiveram o seu início com o apogeu do Estado Liberal no século XVIII. Através das constituições escritas e das Declarações de Direitos, foram considerados como direitos fundamentais os direitos civis e políticos, bem como os direitos de resistência ao Estado e o direito a liberdade.  Para Paulo Gustavo Gonet Branco:

Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de reunião, e à inviolabilidade de domicílio. São direitos em que não desponta a preocupação com as desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. Por isso, a liberdade sindical e o direito de greve – considerados, então, fatores desarticuladores do livre encontro de indivíduos autônomos – não eram tolerados no Estado de Direito Liberal. (BRANCO, 2014, p.137)

Reconhecidos como tutela das liberdades públicas, esses direitos marcam a autonomia individual e são afirmados como direitos de defesa. Resguardam-se contra a intervenção estatal através das obrigações de não fazer e de não intervir na propriedade privada. Ao Estado resta tão somente a proteção das liberdades, dos direitos civis e políticos.

Ocorre que, o liberalismo econômico de Adam Smith e os direitos concebidos no período do Estado “laissez faire et laissez passer” não foram suficientes para acalmar as transformações econômicas e sociais que vigoravam no século XIX. Mas, é no século XX que o atual paradigma reage contra o Estado Liberal e se projeta pela ordem social do Estado.

 Com o desenvolvimento industrial houve a concentração de capital da iniciativa privada sem qualquer forma de comando ou regulamentação. O proletariado se subjulgava ao domínio dos burgueses e às condições nefastas sociais, o que intensificou a desigualdade de massa e a opressão ao hipossuficiente.

Outro marco histórico fundamental para a origem dos direitos sociais, econômicos e culturais se deu com as duas grandes guerras mundiais e com a crise de 1929. Nesse período surgiram diversas manifestações a favor da ordem social pelo Estado. Nascem, portanto, um novo molde de direitos que caracterizam a chamada “segunda dimensão dos direitos fundamentais”. De acordo com Paulo Bonavides:

Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez que proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra. (BONAVIDES, 2009, p. 564)

Entretanto, é preciso advertir que os direitos sociais não tiveram o seu início apenas com o surgimento do “Welfare State” (conhecido como Estado de Bem-Estar Social). Esses direitos não são apenas reflexos da falha do Estado Liberal, mas decorrem de um tempo mais remoto, qual seja, a antiguidade e a Idade Média. Segundo Pisarello, citado pelo professor Marcos Sampaio:

Tanto na antiguidade quanto na Idade Média existiam diferentes mecanismos institucionais orientados a amenizar situações intensas de pobreza e dar assistência aos mais necessitados, citando como exemplo a garantia, na polis ateniense, de banheiros públicos, ou mesmo de leis que asseguravam uma quantidade mínima de alimentos aos necessitados na Roma republicana, constatando-se, ainda, na Inglaterra, a luta pelos direitos de participação, de reforma agrária e de assistência aos mais necessitados, dando azo, por exemplo, à edição da Poor Law. Referida lei, editada na Inglaterra no ano de 1601, e também conhecida como Elizabethan Poor Law, depois emendada pelo Poor Relief Act de 1662, retirou da assistência aos pobres o caráter de caridade, determinando ao Estado a obrigação jurídica de amparar os necessitados, sendo, assim uma das primeiras sistematizações das ideias inglesas acerca da responsabilidade do Estado de prover o bem-estar dos seus cidadãos. (PISARELLO, apud, SAMPAIO, 2013, p. 79).

Além disso, aponta Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p.57) sobre “estes direitos fundamentais, que embrionariamente e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848”.  

Porém, é no século XX com o surgimento das Constituições sociais, dentre elas a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição da República de Weimar de 1919, que os direitos fundamentais de “segunda dimensão” são reconhecidos e regulamentados. No Brasil, é com a Constituição de 1934 que esses direitos são sistematizados pela vez primeira no Título “Da Ordem Econômica e Social”.

Como visto os direitos fundamentais que compõem os direitos de “segunda dimensão”, são os que tutelam a igualdade, exigem atuação do Estado através do oferecimento de prestações positivas, como a realização de programas sociais que resguardem o direito à educação com promoção a todos aos planos de ensino e aprendizagem, saúde, direitos trabalhistas, direito de greve, direito à habitação, cultura e lazer, dentre tantos outros assegurados constitucionalmente.

Os constitucionalistas apresentam também outras três dimensões no processo de evolução dos direitos fundamentais. Com as vindicações da pessoa humana inserida no processo tecnológico e global surgem os direitos fundamentais de “terceira dimensão”.

Esses direitos se caracterizam não pela proteção individual do indivíduo como se tutelou nas dimensões anteriores, mas preocupa-se com o ser humano inserido na coletividade. Para André Ramos Tavares:

São direitos de terceira dimensão aqueles que se caracterizam pela sua titularidade coletiva ou difusa, como os direitos do consumidor e o direito ambiental. Também costumam ser denominados como direitos da solidariedade ou fraternidade. (TAVARES, 2013, p. 353)

As outras duas dimensões que são propagadas pelos estudiosos referem-se aos direitos fundamentais de “quarta e quinta dimensão”. Os direitos de “quarta dimensão” são derivados do neoliberalismo e da globalização, compreendendo direito à democracia, ao pluralismo e à informação. Afirma Paulo Bonavides que:

Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de ultimo, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir. A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta dimensão, que aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. (BONAVIDES, 2009, p. 571)

O autor acima citado reconhece o direito à paz como o direito fundamental de “quinta dimensão”. Tal direito se torna imperativo para a convivência e existência da pessoa humana e está fortemente inclinado para o avanço e união das pátrias.

Frisa-se que, de acordo o surgimento das reivindicações da pessoa humana e das carências da sociedade, novos direitos podem inovar a tutela da ordem jurídica bem como expansão das dimensões dos direitos fundamentais.

  1. A EFICÁCIA JURÍDICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO NORMA CONSTITUCIONAL DE EFEITO PROGRAMÁTICO

Os direitos fundamentais de cunho social possuem em sua órbita de estudo uma eficácia dúbia, pois apresentam algumas controvérsias referentes à sua aplicabilidade e à sua efetividade.

Conforme consta o artigo 5º, §1º[7] da Constituição Federal de 1988, os direitos e garantais fundamentais tem aplicabilidade imediata. Para este dispositivo constitucional em sua literalidade, não há distinções quanto da aplicabilidade imediata dos direitos individuais e dos direitos sociais. Segundo pondera Paulo Bonavides:

Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. (BONAVIDES, 2009, p. 564-565)

Entretanto, nem sempre todos os direitos fundamentais irão produzir os seus efeitos de forma espontânea sem ao menos necessitar da intervenção do Poder Legislativo ou do Executivo. Corrobora desse pensamento Paulo Gustavo Gonet Branco ao apontar que:

Há normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis. Carecem de interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. As normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social, usualmente, têm sua plena eficácia condicionada a uma complementação pelo legislador. É o que acontece, por exemplo, com o direito à educação, como disposto no art. 205 da Lei Maior (...). (BRANCO, 2014, p.155)

   

O direito fundamental à educação considerado um direito essencial para o desenvolvimento da dignidade humana, tem a sua eficácia dependente das normas de cunho programático. Trata-se, portanto, de normas de eficácia limitada, pois estão condicionadas a programas estatais e políticas públicas. Quanto ao conceito de normas programáticas José Afonso da Silva leciona que são:

Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos e jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. (SILVA, 1998, p. 138)

São normas que dependem de recursos econômicos para a implementação desses direitos. O direito à educação de base obrigatória fornecida pelas instituições oficiais públicas depende da reserva de verbas que estejam em conformidade com a redistribuição orçamentária do Estado.

Destarte, a aplicabilidade e eficácia do direito à educação dependem da peculiar proeminência econômica dos recursos materiais. Em contrapartida, a grande discussão referente à eficácia do direito a uma educação pública digna e de qualidade, está associada ao limite da reserva do possível inerente aos custos financeiros do Estado.  

            A doutrina defende que os direitos sociais, apesar de serem considerados como normas constitucionais de eficácia limitada a efeitos programáticos, não podem deixar esvaziar o conteúdo do seu mínimo existencial. E para isso, a reserva do possível não pode de forma alguma restringir a cláusula desses direitos. Ou seja, o Estado não pode se negligenciar diante da concretização do direito educacional. Nos ditames de Robert Alexy:

Fica claro que o direito, enquanto direito prima facie, é um direito vinculante, e não um simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, “em sua validade normativa, não [pode] depender de um menor ou maior grau de possibilidades de realização. Mas a natureza de direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a “reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade” – não pode levar ao esvaziamento do direito. (ALEXY, 2011, p. 515)

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  1. A EDUCAÇÃO NO ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

2.1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

Após a declaração de Independência em 07 de setembro de 1822, foi convocada pelo Imperador D. Pedro I em 1823, a Assembleia Constituinte, com o desígnio de organizar uma constituição escrita que estabelecesse o modelo monárquico e centralizador.

Desde 1823, foram apresentados os primeiros projetos de lei que versavam sobre a instrução pública. Dentre eles foi apresentado o Tratado de Educação para Mocidade Brasileira e o outro que se referia à criação de universidades no Brasil.

Todavia, por motivos de divergências entre os ideais liberalistas e as aspirações imperiais, D. Pedro I imbuído pelo conservadorismo, dissolveu a Assembleia Constituinte outorgou uma Constituição ao povo brasileiro.

A Constituição Imperial, forjada sob os interesses marcadamente de ordem liberal apresentava em seu corpo normativo disposições gerais referentes a garantias dos direitos civis e políticos. Dentre esses direitos assegurados se encontram os de natureza educacional[8]. O artigo 179 instituía que a instrução primária fosse gratuita para todos os cidadãos, bem como que os colégios e universidades ensinassem ciências, letras e artes.

A instrução gratuita primária foi regulamentada pela Lei 15 de outubro de 1827 e determinava que todas as cidades, vilas e lugares mais populosos teriam escolas de primeiras letras que fossem necessárias. Também regulamentou o ensino mútuo nas capitais das províncias, bem como em cidades ou vilas populosas capazes de se estabelecer esse ensino[9].

 Quanto ao estado de educação popular, a instrução pública não era considerada como a de melhor qualidade. As desigualdades sociais contribuíam para o analfabetismo e para o impedimento do progresso da educação no Império. Além disso, havia insuficiência de recursos que tornava precário o ensino nas províncias.  Segundo declara Tirsa Regazzini Peres:

Os dados relativos ao ensino secundário e superior, de um lado, e o ensino profissional, de outro, revelam a enorme distância, social, econômica e cultural que havia entre a elite e o povo, e entre as profissões liberais e o trabalho manual e mecânico. De uma outra perspectiva, as estatísticas referentes à instrução primária evidenciam a distância que diferenciava a elite e o povo, os poucos letrados e eruditos e o enorme contingente de analfabetos. Em 1867, segundo os cálculos de Liberato Barroso, cerca de 107.500 era o total de matrícula geral nas escolas primárias em todas as províncias, para uma população livre de 8.830.000. (PERES, disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/105/3/01d06t03.pdf> Acesso em: 20 de jul de 2015).

Ao longo do período imperial nutria-se um forte sentimento pelas ideias federalistas e havia reivindicações contra o mecanismo centralizador do Poder. Diante disso, diversas rebeliões foram travadas em prol de uma monarquia federalista, tais como a Revolta Sabinada, a Balaiada, a Cabanada e a República de Piratini. Conforme leciona José Afonso da Silva:

Tenta-se implantar, por várias vezes, a monarquia federalista do Brasil, mediante processo constitucional (1823, 1831), e chega-se a razoável descentralização com o Ato Adicional de 1834, esvaziado pela lei de interpretação de 1840. O republicanismo irrompe com a Inconfidência Mineira e com a revolução pernambucana de 1817; em 1823, reaparece na constituinte, despontando outra vez em 1831, e brilha com a República de Piratini, para ressurgir com mais ímpeto em 1870 e desenvolve-se até 1889. (SILVA, 2009, p. 76-77)

Em 15 e novembro de 1889 foi proclamada a República pelo Marechal Deodoro da Fonseca, e entre 1889 e 1891 foi instalado o Governo Provisório na qual foi promulgada a primeira constituição republicana.

A Constituição de 1891, no que tange a educação, definia a laicidade do ensino e a sua descentralização. Em seu texto normativo as disposições sobre a educação estavam previstas em seus artigos 35[10] e 73,§6º[11].

Cumpre observar que, a educação primária gratuita foi mais bem desenvolvida pela Constituição do Império do que na primeira Constituição da República.  Na Constituição 1891, o ensino primário não foi expressamente elencado.  A proposta é que o país deveria “animar” o desenvolvimento das letras, artes e ciências, assim como deveria criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados, e prover a instrução secundária no Distrito Federal.

            Dessa forma, no que se refere ao ensino primário da primeira República, aduz Maria Luisa Santos Ribeiro que:

No início da República, a melhora não foi apenas quantitativa, uma vez que data daí a introdução do ensino graduado, com o aparecimento dos primeiros “grupos escolares” ou “escolas-modelo”. Mas, ainda em 1907, o tipo comum de escola primária é a de um só professor e uma só classe, agrupando alunos de vários níveis de adiantamento (RIBEIRO, 1993, p. 85).

Tanto a Constituição do Império de 1824 quanto a Constituição da República de 1891, representam as constituições do século XIX que foram forjadas através dos ideais iluministas e liberais.

 Entretanto, é com a Constituição de 1934 que a educação se torna sistematizada como um direito social. Nela se estabeleceu um capítulo específico sobre a educação e a cultura. Instituiu um sistema renovador e descentralizado com a disposição de um plano nacional de educação.

Competia à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal o desenvolvimento das ciências, das letras e da cultura geral. Todavia, a educação considerada como um direito de todos, deveria ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos.

Também competia a União fixar o plano nacional[12] de educação na qual compreendia o ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, devendo ser fiscalizada a sua execução. O plano nacional de educação, conforme o artigo 150, parágrafo único da Constituição de 1934, traçava as seguintes diretrizes:

“O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas: 

a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; 

b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível;     

c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual; 

d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras;

e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso; 

f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurarem a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna.

Além disso, a própria Constituição social brasileira, determinava a vinculação de impostos à educação. Para a União e aos Municípios não poderia ser aplicado menos de dez por cento, e aos Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento. Para a realização do ensino em zonas rurais a União deveria reservar o mínimo de vinte por cento das cotas que destinavam a educação no orçamento anual[13].

Com as categorias políticas de ideologia fascista a qual se inseria a época, a Constituição de 1934 não perdurou mais do que três anos. Em 1937, Getúlio Vargas implanta o Estado Novo e outorga uma nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil.

No que se refere à educação, Edivaldo Boaventura afirma que:

Atribui-se à família a responsabilidade primeira pela educação integral da prole e ao Estado deve colaborar para a execução dessa responsabilidade. Essa Constituição destinava o ensino profissional às classes menos favorecidas. São os avanços e retrocessos nas relações Estado/Educação. A Constituição outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1937, não se refere a qualquer sistema de ensino, nem federal, nem, muito menos, estadual. Simbolicamente, bandeiras e brasões dos estados foram incinerados em praça pública. A sanfona do centralismo voltou a soar e a apertar. (BOAVENTURA, 1997, p.131)

Com a queda do Estado Novo e com o processo de redemocratização no país, nasce a Constituição de 1946. Este texto constitucional não apresenta muitas inovações referentes ao direito educacional, apenas resgata algumas disposições da Constituição de 1934, tais como, a vinculação dos impostos ao orçamento educacional[14].

No que tange às competências das unidades federativas sobre o ensino, a Constituição de 1946 registrou importância para as competências da União e dos Estados, porém, não determinada nada a respeito da competência municipal.

Por se tratar de um sistema de educação descentralizado, competia à União organizar o sistema federal de caráter supletivo, a qual se estendia a todo o Brasil nos limites das necessidades locais.

Aos Estados e ao Distrito Federal competia a cada um organizar seus próprios sistemas de ensino. Todavia, era permitido à União contribuir com suprimento pecuniário provindo do Fundo Nacional para o desenvolvimento destes sistemas. 

Sob a vigência da Constituição de 1946, surge a primeira lei geral de educação. Em 1961 é publicada a Lei 4.024, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que teve por objetivo traçar as metas da educação nacional.

Com o golpe de 1964, se instaurava no Brasil o regime da Ditadura Militar, que perdurou até 15 de março de 1985. Este período foi fortemente marcado pelo regime de exceção que se submeteu o país.

Caracterizada pela violação à democracia participativa, a Constituição de 1967 passou a viger tendo por fundamento a proteção da segurança nacional. O poder foi centralizado no âmbito federal, o que exauriu a autonomia dos Estados e dos Municípios.

Durante todo o período da Ditadura Militar, assim como a liberdade política e de pensamento foram balizadas, a educação também foi restringida na sua essência. Segundo João Cardoso Palma Filho:

As principais medidas tomadas nesse ano de 1964, no campo da educação foram a invasão por tropas militares da Universidade de Brasília e a consequente destituição do seu primeiro Reitor, Anísio Teixeira. Este foi substituído, então, pelo médico professor Zeferino Vaz, indicação feita pelo Ministro Gama e Silva. Mais tarde, Zeferino Vaz seria nomeado Reitor da Universidade de Campinas. A UM

E, após ter a sua sede na Praia do Flamengo incendiada, foi colocada na ilegalidade e o seu último presidente, José Serra, exilado. Criam-se os Diretórios Acadêmicos que deverão substituir os Centros Acadêmicos e, no âmbito da Universidade, surge o DCE (Diretório Central dos Estudantes). Portanto, os estudantes já não têm mais nem representação estadual (UEEs), nem a representação nacional. O regime militar utiliza como mote: “Estudante não deve fazer política, mas sim estudar.” (Palma Filho, disponível em:<http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/108/3/01d06t06.pdf>. Acesso em 22 de jul de 2015).

O texto constitucional de 1967 apresentou poucos artigos referentes à educação. Estabeleceu que o ensino dos sete aos quatorze anos seria obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais. O ensino secundário seria somente gratuito se demonstrado a insuficiência de recursos[15].

Além disso, também fixou a Constituição que os estabelecimentos comerciais, industriais e agrícolas seriam obrigados a manter o ensino primário gratuito dos seus empregados e filhos destes[16].

Na vigência da Emenda Constitucional n.1/1969, foi publicada em 11 de agosto de 1971 a Lei Federal nº 5.692 que regulava as diretrizes e bases dos ensinos de 1º e 2º graus. Esta lei estabeleceu que o ensino de 1º grau seria obrigatório para crianças de quatro a oito anos, e o ensino médio sobreveio a ser profissionalizante.

A partir dos anos de 1978 se iniciou o processo de redemocratização no País, a qual se intensificou com a presidência de João Figueiredo. Em torno de movimentos políticos e sociais, o povo clamava pelas eleições diretas para Presidente da República e para a promulgação de um novo pacto constitucional, que restaurasse os direitos e as liberdades suprimidas no período da Ditadura Militar. De acordo com Dirley da Cunha Jr.:

A Constituição de 1988 surge como esperança para o povo brasileiro, suscitando no País um sentimento constitucional jamais visto antes. [...] É essa a Constituição que temos; a melhor que tivemos na história política do País e, certamente, a melhor que teremos. Segundo o seu preâmbulo, que sintetiza os valores e propósitos da sociedade brasileira, ela foi promulgada legitimamente para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. (CUNHA JR., 2013, p.511)

A Constituição de 1988 se caracteriza pelos seus ditames sociais e da garantia das liberdades públicas. Trata-se de uma Constituição que visa estabelecer metas e programas que devem ser realizados pela sociedade e pelo Estado.

Dentre essas metas de caráter social está o direito à educação. Afirmado como um direito fundamental público subjetivo a Constituição Federal de 1988 lhe reserva um capítulo próprio para as suas disposições.

Sobre o direito à educação na Constituição de 1988, o tema será estudado de forma específica e didática no tópico a seguir.

  1. A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

  1. O direito fundamental à Educação na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 adotou a educação como um direito social em seu artigo 6º, bem como a regulamentou em um capítulo próprio (Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto), previsto expressamente no Título VIII- Da Ordem Social.

Como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a Constituição elencou o princípio da solidariedade[17] ao determinar a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, assim como deve ser incentivada com a colaboração da sociedade. Segundo Gilmar Ferreira Mendes:

Além da previsão geral do art. 6º da Constituição, que consagra o direito à educação como direito de todos e dever do Estado, o texto constitucional detalhou seu conteúdo mínimo, nos arts. 205 a 214. Nesse sentido, estabeleceu uma série de princípios norteadores da atividade do Estado com vistas a efetivar esse direito, tais como a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, assim como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógica e a autonomia universitária. (MENDES, 2014, p.675)

O princípio da igualdade de condição para o acesso e permanência na escola reflete a interação que o texto constitucional objetiva em reduzir as desigualdades sociais e regionais com a erradicação da marginalização e da pobreza[18].

Para isso, é assegurado constitucionalmente o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais, tendo por base a garantia de um ensino de qualidade para uma educação mais digna e democrática.

Entretanto, a Constituição também definiu o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Trata-se de uma liberdade facultativa para os pais ou responsáveis dos menores educandos no que tange à escolha do seu ensino e da sua aprendizagem.

O direito a educação é um direito público subjetivo. Dessa forma, obriga o Estado a presta-lo de forma eficiente, universal e progressiva. O seu não oferecimento ou a sua prestação de forma irregular incorre na responsabilidade estatal, conforme orientação do artigo 209, §2º[19], da Constituição Federal de 1988. Para Edivaldo Boaventura:

A educação, porém, só poderá ser considerada como um direito de todos, se houver escolas para todos. Se há um direito público subjetivo à educação, isso que dizer que o particular tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional pelos poderes públicos. O seu não oferecimento importa na responsabilidade da autoridade competente, acionando-se o mandado de injunção. A Constituição poderá fazer muito pela educação no sentido de sua promoção, colocando em prática os meios jurídicos para efetivá-la como um direito público subjetivo. (BOAVENTURA, 1997, p.151-152)

 A educação, de acordo com o art. 205 tem por desígnio o desenvolvimento do indivíduo, a preparação para a cidadania efetiva e a sua qualificação como um profissional digno. Todavia, para que o direito educacional seja concretizado na sua forma mais justa e igualitária, é necessário que as suas diretrizes estejam determinadas e esboçadas em regulamentos normativos de devido alcance.

Diante disso, em seu artigo 214, a Constituição Federal determinou a criação de um plano nacional que organizasse o sistema nacional de educação, que visasse a contribuir para a erradicação do analfabetismo, a melhoria na qualidade do ensino, a profissionalização e dentre outras diretrizes educacionais.

           

  1. Plano Nacional de Educação (PNE)

O Plano Nacional de Educação tem fundamento no artigo 214[20] da Constituição Federal de 1988, com redação determinada pela Emenda Constitucional nº59/2009.

Reza o dispositivo constitucional que lei definirá o plano nacional de educação, de duração decenal, tendo por objetivo a organização do sistema nacional de educação para definir diretrizes e metas que assegurem o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e modalidades federal, estadual e municipal.  

No ano de 2001 foi publicada a Lei nº 10.172 que estabelece normas gerais a respeito do Plano Nacional de Educação. Com a vigência da lei em território nacional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem elaborar planos decenais que tenham por objetivos as metas traçadas pelo PNE. O mecanismo que acompanha e fiscaliza estas diretrizes é de competência da União através do Sistema Nacional de Avaliação, como determina o art. 4º[21] da mencionada lei.

O Plano Nacional de Educação com fulcro no artigo 214 da Constituição tem por objetivos “a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade de ensino, a formação para o trabalho, a promoção humanística, científica e tecnológica do País, a universalização do atendimento escolar e o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção para o produto interno bruto”.

Conforme preleciona Claudino Piletti:

O primeiro Plano Nacional de Educação vigorou de 2001 a 2010. Segundo estudo de pesquisadores de universidade federais, até 2008 haviam sido cumpridas apenas 33% das 294 metas estabelecidas (Folha de S. Paulo, 3/3/2010). Das cinco metas importantes relativas à educação básica, apenas duas haviam sido alcançadas: Alcançar a taxa de 80% de crianças de 4 a 6 anos matriculadas em escolas (o resultado foi de 79,8% em 2008); universalizar o ensino fundamental (a taxa de matrícula chegou a 97,6% em 2007). Foram as seguintes as metas não atingidas: Colocar 50% das crianças de até 3 anos em creches (até 2008, só 18% recebiam atendimento); erradicar o analfabetismo (entre 200 e 2008, a taxa caiu de 13,6% para 10%); diminuir a evasão do ensino médio em 5% ao ano (entre 2006 e 2008, o índice subiu de 10% para 13,2%). Entrem as metas a serem atingidas no PNE vigente de 2010 a 2020, repete-se a erradicação do analfabetismo (que atingia 14 milhões de brasileiros em 2010) e a elevação dos investimentos em educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB); em 2007 esse índice girou em torno de 5%.” (PILETTI, 2014, p. 223-224)

           

De acordo com o texto constitucional, em seu artigo 212[22], a receita oriunda de impostos será aplicada para o desenvolvimento e a manutenção da educação. A União aplicará anualmente nunca menos de dezoito por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte e cinco por cento da receita.

            Entretanto, o anexo da Lei do Plano Nacional de Educação reconhece a limitação dos recursos financeiros e, por essa razão a sua aplicação será de forma progressiva e em conformidade com as metas constitucionais e as necessidades sociais. Dessa forma, determina o texto do anexo que:

Considerando que os recursos financeiros são limitados e que a capacidade para responder ao desafio de oferecer uma educação compatível, na extensão e na qualidade, à dos países desenvolvidos precisa ser construída constante e progressivamente, são estabelecidas prioridades neste plano, segundo o dever constitucional e as necessidades sociais. (BRASIL, Anexo da Lei 10.172/2001, disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm> Acesso em: 23 jul. 2015).      

  1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Em 1996 foi instituída a Lei nº 9.394 que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional.  Esta lei conceitua a educação em seu artigo 1º[23] como o processo de formação que se aperfeiçoa na vida em família, na convivência social, no ambiente de trabalho, bem como nas instituições de ensino e pesquisa e nas manifestações sociais e culturais. Para este conceito a educação deverá está vinculada ao trabalho e à pratica social.

            A lei reforça a ideia do Constituinte de 88 ao firmar em seu artigo 2º que a educação é dever da família e do Estado. Também robustece o conteúdo dos princípios da educação nacional informados no artigo 206 da Constituição Federal de 1988, como por exemplo, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a garantia de padrão de qualidade, a gestão democrática do ensino público e a sua gratuidade.

            Além disso, tal dispositivo normativo detalha didaticamente as regulamentações referentes aos fins da educação, assim como dos direitos da educação e dos deveres de educar.  

Define as diretrizes e metas que deverão ser obrigatoriamente seguidas pelas unidades federativas, bem como a sua organização. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios formarão, na forma de colaboração, os sistemas de ensino.

Compete a União organizar o sistema federal de ensino e aos Municípios incumbem prioritariamente o ensino fundamental e a educação infantil. Enquanto que aos Estados resta atuarem prioritariamente no ensino fundamental e médio.

Cumpre ressaltar que as unidades federativas não atuam em cada sistema de ensino de forma exclusiva, mas sim prioritária. O que comporta afirmar que, atuam de forma igualitária no que tange a responsabilidade de promover uma educação escolarizada de qualidade.

Algumas alterações foram realizadas na Lei de Diretrizes e Bases, a qual visou o progresso na democratização da educação, tendo como destaque o Exame Nacional do Ensino Médio. Segundo Claudino Piletti:

Enem- o Exame Nacional do Ensino Médio, instituído em 1998 pela portaria n.438 do MEC, tendo inicialmente como objetivo servir de parâmetro para a auto avaliação dos alunos, foi sendo modificado na medida em que algumas universidades passaram a utilizá-lo na seleção para ingresso em seus cursos. Em 2005, o governo federal passou a adotar a nota do Enem como critério para a concessão de bolsa de estudos do Programa Universidade para Todos (Prouni). Com isso o Enem assumiu enorme importância, constituindo o Sistema de Seleção Unificada (SISU) para o ingresso em universidades públicas e privadas. (PILETTI, 2014, p. 228)

A Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional sistematizou de forma abrangente os níveis e as modalidades da educação e ensino. Todavia é importante destacar o tratamento dado com primazia à educação de base.

Como bem destaca esta Lei, a atenção para a regulamentação da educação de base se volta em prol do desenvolvimento do indivíduo, lhe assegurando o progresso da cidadania e o fomento para a profissionalização. Dessa forma, avoca o artigo 22 do respectivo diploma normativo:

Art. 22º: A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

2.3 O ATUAL PARADIGMA DA EDUCAÇÃO DE BASE OBRIGATÓRIA NO DIREITO BRASILEIRO

De acordo com a Constituição Federal de 1988, é dever do Estado a garantia do acesso à educação básica obrigatória e gratuita para os educandos de 4 (quatro) aos 17 anos de idade.

Conforme orienta a Secretaria de Educação Básica:

A educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, e tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, contribuindo para a redução das desigualdades sociais. Para tanto, é fundamental que se considere os princípios da equidade e da valorização da diversidade, os direitos humanos, a gestão democrática do ensino público, a garantia de padrão de qualidade, a acessibilidade, a igualdade de condições para o acesso e permanência do educando na escola. (BRASIL, Secretaria de Educação Básica, disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12492&Itemid=811> Acesso em: 24 jul.2015).

Da mesma forma, para a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, considera-se educação básica a formada pela educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio[24].

A educação infantil será gratuita para as crianças de até 5 (cinco) anos de idade e compreende a creche ou outra instituição equivalente para crianças de até 3 (três) anos de idade e a pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idades.  

Trata-se da primeira etapa da educação básica e tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança em conformidade com os aspectos psicológico, físico, intelectual e social. É imperiosa nesta fase a participação da família e da comunidade.  

O Estatuto da Criança e do Adolescente reforça esta matéria quando determina que a criança e o adolescente serão assegurados o direito ao acesso à escola pública próxima de sua residência, assim como a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, dentre outros direitos garantidos nos artigos 53, 54 e 55[25] do respectivo diploma normativo.

Quanto ao ensino fundamental, com alteração da Lei 11.274 no ano de 2006, este ensino passou a ter duração de 9 (nove) anos. O ensino fundamental deverá ser gratuito na escola pública e se inicia aos 6 (seis) anos de idade. Tem por objetivo, a formação básica do aluno para o fortalecimento dos vínculos em família, de solidariedade humana, para o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, bem como outros objetivos elencados no artigo 32[26] da Lei de Diretrizes e Bases.

O ensino médio é reconhecido como a etapa final da educação básica e terá duração mínima de 3 (três) anos. De acordo com o artigo 36-A da LDB, este ensino poderá preparar o educando para a habilitação profissional técnica e poderá ser articulada com o ensino médio ou após a sua conclusão.

Em conformidade com o artigo 208 do diploma constitucional, a educação de base será oferecida também àqueles que não tiveram acesso na idade apropriada. O dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que detalhou a educação de jovens e adultos que não tiveram oportunidade em concluir os estudos.

Para tanto, o Poder Público deverá viabilizar a permanência do trabalhador na educação escolarizada, a qual deverá articulá-la preferencialmente com a educação profissional[27], com a consequente escolha de optarem por cursos supletivos de conclusão do ensino de base.   

Para a efetivação do direito à educação, destaca-se na Lei de Diretrizes e Bases[28] que na hipótese de omissão do Poder Público, ou na oferta irregular do ensino é possível mover o Poder Judiciário para concretizar o direito à educação digna e de qualidade.

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental do Recurso Extraordinário 384201-SP[29] determinou que ao Poder Judiciário incumbe resolver os conflitos de interesse de deficiência orçamentária no que tange à efetividade do direito público subjetivo da educação.

3 AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA

  1. A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A APLICABILIDADE DO CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL NO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

A cláusula denomina de reserva do possível teve procedência no Tribunal Constitucional da Alemanha no ano de 1972. O aparecimento da expressão foi empregado na época em uma decisão de constitucionalidade sobre normas de aprovação em cursos superiores de medicina, que estabeleciam limites de vagas aos estudantes. 

Para a Corte Alemã, a cláusula da reserva do possível (Vorberhalt des Möglichen) fundamentou a possibilidade de se limitar o acesso aos cursos superiores, sob o embasamento de que aos indivíduos não se pode conceder direitos subjetivos de cunho social sem examinar a concretude da razoabilidade e da proporcionalidade[30].

De acordo com Dirley da Cunha Jr.:

A chamada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto da realidade histórico-concreta brasileira. Nestas diferentes ordens jurídicas concretas não variam apenas as formas de lutas, conquistas e realização e satisfação dos direitos, mas também os próprios paradigmas jurídicos aos quais se sujeitam. Assim, enquanto a Alemanha se insere entre os chamados países centrais, onde já existe um padrão ótimo de bem-estar social, o Brasil ainda é considerado um país periférico, onde milhares de pessoas não tem o que comer e são desprovidas de condições mínimas de existência digna, seja na área da saúde, educação, trabalho e moradia, seja na área da assistência e previdência sociais, de tal modo que a efetividade dos direitos sociais ainda depende da luta pelo direito entendida como processo de transformações econômicas e sociais, na medida em que estas forem necessárias para a concretização desses direitos. (CUNHA JR., 2013, p. 744)

            Desse modo, no Brasil a cláusula da reserva do possível não está apenas associada à ideia de pretensão proporcional ou razoável da exigibilidade dos direitos no caso concreto. Mas, está vinculada ao fundamento da redistribuição de riquezas das receitas orçamentárias. Para Ingo Wolfgan Sarlet:

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas, administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. (SARLET, 2007, p. 304)

            Ocorre que, para os órgãos públicos a decisão sobre o critério de disponibilização dos recursos financeiros é ocupação típica e inerente da política legislativa e da própria administração.

Assim sendo, aponta Paulo Gustavo Gonet Branco que:

A satisfação desses direitos é, pois, deixada, no regime democrático, primacialmente, ao descortino do legislador. Não cabe em princípio, ao Judiciário extrair direitos subjetivos das normas constitucionais que cogitam de direitos não originários a prestação. O direito subjetivo pressupõe que as prestações materiais já hajam sido precisadas e delimitadas – tarefa própria de órgão político, e não judicial. (BRANCO, 2014, p. 162)

            Todavia, no Brasil, a polêmica não está no conteúdo protegido e assegurado pela legislação. Mas, sim na má repartição e alocação dos recursos econômicos e financeiros voltados para os programas de cunho social.

Quanto o direito à educação, em 1996 foi instituído através da Emenda Constitucional nº14 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) e a valorização dos Profissionais da Educação. Esses incentivos, criados pelo legislador constituinte, referem-se a recursos destinados aos Municípios que devem atuar no ensino fundamental. Dessa forma, dispõe André Ramos Tavares que:

Esse Fundo representou um importante avanço no estabelecimento constitucional de prioridades orçamentárias. Significou, inicialmente, que do total solicitado aos Estados, Municípios e DF, indicado acima, pelo menos 60% deveria ser destinado ao ensino fundamental, objetivando sua universalização e remuneração condigna do magistério. Além disso, o próprio Corpo permanente da Constituição já assegurava, dentro do ensino, prioridade ao atendimento das necessidades resultantes do ensino obrigatório (art. 212, §3º). (TAVARES, 2013, p. 746).

Além disso, no artigo 212, foi incluído pela Emenda Constitucional nº 53 em 2006 o §6º[31], a qual determina que as cotas estaduais e municipais do depósito da contribuição do salário-educação serão lançadas na educação básica para as redes públicas de ensino.

Destarte, é apreciável a preocupação de o legislador constituinte vincular prioritariamente recursos à educação. Vez que, o problema não é de legislação ou de como a distribuição deve ser feita dos recursos, mas sim da forma como se dá o seu gerenciamento.   

No Brasil, a população carece de condições dignas e mínimas para a concretização das suas pretensões educacionais, tendo em vista que o Estado utiliza do fundamento da reserva do possível para motivar a não aplicação das verbas destinadas ao ensino escolar.  Advoga Dirley da Cunha Jr. que:

 [...] Onde pululam cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio milhão de crianças são expostas ao trabalho escravo, enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que não lhes garante a mínima dignidade, os direitos sociais não podem ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. (CUNHA JR., 2013, p. 745)

O direito à educação infantil para crianças que se encontram em pré-escola ou de creche é um direito que não se pode poupar ou se aguardar. Trata-se de um direito fundamental prioritário e que não deve deixar de ser aplicado o conteúdo do seu mínimo existencial.

Os direitos fundamentais sociais se qualificam pela graduação no seu processo de efetivação e são dependentes de recursos financeiros que se subordinam às verbas de arrecadação pública. Porém, o Poder Público não pode se desincumbir do seu dever de satisfazer as pretensões sob a invocação da cláusula da reserva do possível. Isto é, desde que comprovadas juridicamente pelo Estado, a insuficiência financeira para a concretização do bem jurídico a qual se pleiteia.

Outra defesa apontada pelos órgãos públicos por sua omissão na concretização dos direitos sociais é o fundamento de que estes direitos tem um elevado custo em comparação aos direitos civis e políticos. No entanto, essa motivação arquitetada pelo Estado não é admitida pela doutrina.  Dessa forma, aborda Vicente de Paulo Barreto que:

Vestida de uma ilusória racionalidade, que caracteriza a ‘reserva do possível’ como limite fáctio à efetivação dos direitos sociais prestacionais, esse argumento ignora em que medida o custo é consubstancial a todos os direitos fundamentais. Não podemos nos esquecer do alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial necessário para garantir os direitos civis e políticos. Portanto, a escassez de recursos como argumento para a não observância dos direitos sociais acaba afetando, precisamente em virtude da integridade dos direitos humanos, tanto os direitos civis e políticos, como os direitos sociais. Estabelecer uma relação de continuidade entre escassez de recursos públicos e a afirmação de direitos acaba resultando em ameaça à existência de todos os direitos. (BARRETO, 2003, p.121)

Desse modo, é manifesto o desengano quanto à efetividade dos direitos sociais quando são limitados em razão da cláusula da reserva do possível. Todavia, a doutrina tem firmado entendimento de que para esses direitos ao Estado está condicionada a tarefa de lhes conferir um mínimo essencial para a sua prestação. Nesta compreensão, Virgílio Afonso da Silva aduz que:

[...] tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como o “mínimo existencial” ou a “reserva do possível”só fazem sentido diante desse arcabouço teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídicas, que, por sua vez, expressam a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível. (SILVA, 2010, p. 205)

Assim sendo, o mínimo existencial é compreendido como o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. O seu núcleo deve ser intangível, não podendo sofrer qualquer espécie de limitação, incluindo nesse caso, a defesa do Estado através do espírito legal da cláusula da reserva do possível.

Para o direto à educação, o mínimo existencial importa em um conjugado de prestações materiais que representam as vantagens básicas para um ensino fundamental que gere a inclusão de qualquer indivíduo. Dessa forma, Marco Sampaio aponta que:

Fica tão somente uma boa sustentação retórica: os direitos fundamentais sociais possuem como conteúdo essencial tudo aquilo que seja conforme a dignidade da pessoa humana, assegurando-se uma condição diferenciada do indivíduo, relacionando-se tanto com a satisfação espiritual quanto com as condições materiais de subsistência do ser humano, vedando-se qualquer tentativa de degradação ou coisificação do indivíduo em sociedade. (SAMPAIO, 2013, p. 221)

Diante do exposto, a prestação positiva que incumbe ao Estado deve guardar e assegurar a o mínimo existencial dos direitos fundamentais sociais. Se caso ocorrer qualquer omissão por via dos órgãos públicos no tocante à implementação de programas sociais públicos, aduz a doutrina majoritária e a jurisprudência brasileira, que ao indivíduo é assegurado o acesso à justiça para a concretização do seu direito público subjetivo.  

Por fim, outra questão importante sobre a função prestacional positiva estatal, está associada à proibição do retrocesso social. Significa dizer que, implementado e efetivado o direito à educação, não cabe ao Estado eliminá-lo sem uma suficiente compensação em prol da sua continuidade. Assim sendo, defende J. J. Gomes Canotilho que:

Os direitos derivados a prestações, naquilo que constituem a densificação de direitos fundamentais, passam a desempenhar uma função de guarda de flaco (J.P. Müller) desses direitos garantindo o grau de concretização já obtido. Consequentemente, eles radicam-se subjetivamente não podendo os poderes públicos eliminar, sem compensação ou alternativa, o núcleo essencial já realizado desses direitos. Neste sentido se fala também de cláusulas de proibição de evolução reacionária ou de retrocesso social (ex.: consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativa ou compensações retornando sobre os seu passos; reconhecido, através de lei, o subsídio de desemprego como dimensão do direito ao trabalho, não pode o legislador extinguir este direito, violando o núcleo essencial do direito social constitucionalmente protegido. (CANOTILHO, 2003, p. 479)

Não é dever do Estado eliminar o conteúdo essencial dos direitos sociais, econômicos e culturais. Restringir o mínimo existencial desses direitos significa o mesmo que aniquilar o conteúdo da dignidade da pessoa humana.

Portanto, a proteção do núcleo essencial resguarda o direito fundamental contra a atuação desproporcional ou desarrazoada por parte dos órgãos dos poderes públicos.

  1. A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

O neoconstitucionalismo, oriundo do final da Segunda Guerra Mundial, foi alcançado no Brasil com o advento da Carta Constitucional de 1988, e é o responsável pelos novos paradigmas que influenciam decisivamente a política e a jurisdição constitucional. Tal marco jurídico ficou caracterizado pelo reconhecimento da força normativa da Constituição, a extensão da jurisdição constitucional e a politização do Poder Judiciário.

Houve um grande avanço na justiça constitucional, especialmente na seara das políticas públicas que até então, eram de exclusividade dos Poderes Legislativo e Executivo. O Poder Judiciário passou a ter grande interferência decisória em casos concretos e também de extensa repercussão, como por exemplo, com a adoção do controle concentrado de constitucionalidade das leis infraconstitucionais.

            Em virtude da redemocratização e das garantias asseguradas constitucionalmente aos indivíduos, as pretensões deduzidas pela sociedade se ampliaram em busca dos seus direitos e da justiça, o que ocasionou o surgimento do fenômeno denominado pela doutrina de judicialização. Segundo Luís Roberto Barroso:

 Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. (BARROSO. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf > Acesso em: 04 ago. 2015).

            A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXV[32] determina ao Judiciário a defesa dos direitos lesionados ou que estão sob a ameaça de danos. É função jurisdicional, portanto, a defesa e tutela dos direitos fundamentais quando demandados, sejam eles direitos individuais ou de cunho social.  

            Ao se referir sobre a tutela do direito fundamental à educação, deve-se levar em consideração que se trata de um direito social, e, por conseguinte, um direito dependente da prestação positiva dos órgãos do poder público. Ocorre que, diante da omissão estatal na concretização de políticas públicas e a ausência de aplicação dos recursos financeiros destinados às diretrizes educacionais, tem-se causado intensos danos à formação escolar infantil e juvenil.

Dessa forma, tem sido tarefa dos tribunais, em especial das Cortes, definirem o conteúdo dos direitos fundamentais sociais através do controle jurisdicional, de forma a assegurar e preservar o núcleo essencial desses direitos. Para Marcos Sampaio:

Resta asseverar que o Judiciário brasileiro, embora não exclusivamente, pode e deve, como defendeu Andreas Krell, mediante decisões firmes, “exercer seu importante papel no processo político da realização dos direitos fundamentais sociais através da melhoria gradual e permanente dos serviços públicos básicos. (SAMPAIO, 2013, p. 248)

  

Entretanto, a polêmica que rege as discussões jurídicas tem aduzido que, o caráter pró-ativo dos órgãos jurisdicionais veio a invadir consideravelmente a esfera das funções típicas dos demais Poderes. Por se tratar de direitos de cunho social, caberia tão somente ao Legislativo e ao Executivo a execução das políticas públicas. Assim sendo, destaca Gilmar Ferreira Mendes que:

A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nessa perspectiva, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal enquanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. (MENDES, 2014, p. 628)

             

            Em âmbito jurisdicional, a Suprema Corte brasileira tem decidido de forma unânime que, em situações excepcionais, o Poder Judiciário poderá determinar aos órgãos públicos medidas necessárias e assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos, sem que esteja configurada a violação ao princípio da separação dos poderes[33].   

            Dessa forma, no ano de 2014 foi julgado o Agravo Regimental do Recurso Extraordinário com Agravo 761.127[34] pelo Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, na qual definiu a possibilidade do Poder Judiciário determinar ao Executivo a implementação de políticas públicas para avalizar o acesso à educação básica, sem que isso violasse a separação tripartite dos poderes.

            Contudo, a maior controvérsia sobre a judicialização do direito à educação envolve a cláusula da reserva do possível no que tange a disponibilidade dos recursos financeiros estatais.

A contenda chegou a ser núcleo de discussões no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 45)[35] pelo Supremo Tribunal Federal, sob a autoria do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em desfavor do Presidente da República.

O julgamento da medida cautelar da ADPF 45 definiu a legitimidade constitucional sobre a intervenção do Judiciário em questões que versam sobre a implementação de políticas públicas e também sobre a inoponibilidade do arbítrio estatal à concretização dos direitos sociais sob a alegação da cláusula da reserva do possível.  O Supremo Tribunal Federal julgou por prejudicada a presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em razão da perda superveniente do seu objeto.

            Diante disso, a defesa dos órgãos públicos tem alegado a insuficiência financeira para a implementação da eficácia destes direitos. Assim sendo, tem julgado a Suprema Corte sob a tese da chamada “escolhas trágicas”, na qual devem ser sopesados os direitos fundamentais, e dentre eles um deverá ser sacrificado em prol de outro que servirá melhor ao interesse da coletividade.

            Para esclarecer, em 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 639337[36], de relatoria do Ministro Celso de Mello determinou ao Município de São Paulo a matrícula de crianças de até cinco anos de idade em creches e pré-escola próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, sob sanção de multa diária por criança que não fosse atendida.  

            O Supremo fundamentou a decisão sob a elucidação de ser obrigação do Estado em respeitar os direitos da criança, dentre eles o direito à educação infantil, sendo este um dever imposto pela Constituição Federal ao Município. Advertiu que a escassez de recursos financeiros não pode ensejar na exclusão do mínimo existencial do direito social à educação. Dessa forma, entendeu a Corte Suprema que ao Estado cabe o encargo de resolver o antagonismo imposto pela cláusula da reserva do possível e deve proceder às “escolhas trágicas” sob o fulcro da preservação da dignidade da pessoa humana.

            Asseverou ainda que os órgãos do Poder Público não podem invocar a cláusula da reserva do possível com o intuito de frustrar ou inviabilizar a concretização das políticas públicas exigidas pelas normas programáticas constitucionais.

            Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça também tem seguido o mesmo raciocínio para a se fazer valer a concretização dos direitos de cunho programático. André Ramos Tavares aponta uma das decisões do Superior Tribunal de Justiça ao definir que é dever processual do Estado provar a cláusula da reserva do possível:

Uma das polêmicas da judicialização desses direitos está na disponibilidade orçamentária limitada e da invocação, por parte do administrador, da insuficiência orçamentária. Contudo, a alegação desta insuficiência, em juízo, por parte da Administração Pública, implica, como decidiu o STJ no REsp 474.361-SP (rel. Min. Herman Benjamin), tornar incontroverso o fato constitutivo do direito dos interessados (dispensando-os de prova), porque aduz a Administração, nessas hipóteses, fato supostamente impeditivo do direito. Assim, passa a ser dever processual da Administração o provar a insuficiência orçamentária. Essa inversão do ônus da prova tem conduzido ao provimento dos pedidos para assegurar o direito a creche e pré-escola (e, pelo mesmo raciocínio, a educação gratuita obrigatória em geral). (TAVARES, 2013, p.747).

            Diante do exposto, os tribunais superiores brasileiros tem proferido julgados que orientam a concretização do direito à educação através da sua intervenção de forma excepcional quando da inatividade dos órgãos públicos.

            A inércia governamental caracteriza em abuso aos direitos fundamentais constitucionais. Portanto, é admissível a intervenção do Judiciário em sede da eficácia dos direitos de cunho social, tendo em vista a inaceitável aplicabilidade da cláusula da reserva do possível quando utilizada em prol de decisão arbitrária pela negligência estatal.

            Como já referido pela Suprema Corte, a interpretação das normas constitucionais programáticas não podem ser transformadas em “promessa constitucional inconsequente”, é preciso que se dê vida a essas normas através do acesso e da permanência da criança e do adolescente em creches e escolas, bem como do provimento de recursos financeiros para materiais didáticos, transporte escolar, alimentação, e dentre outras necessidades básicas do ensino e da aprendizagem. 

            Destarte, a cláusula da reserva do possível quando invocada em virtude de real escassez orçamentária deverá respeitar o mínimo essencial do direito à educação, pois este é o representante do postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

Assim sendo, o Estado não pode tergiversar ou descumprir a obrigação constitucionalmente vinculada sob a tentativa de frustrar ou inviabilizar os objetivos educacionais que se motivam no exercício da cidadania, no direito à profissionalização e no pleno desenvolvimento da pessoa humana.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Elencada como um direito social em inúmeros ordenamentos jurídicos, a educação se tornou um pressuposto dos direitos fundamentais, e é reconhecida constitucionalmente como um direito público subjetivo. Considerado um direito de prestação estatal, o direito fundamental à educação faz com que surja para aos órgãos do poder público o dever de atuar em prol da sua efetividade.

Essa atuação pode-se dar com a criação de normas que devem se adequar ao exercício do ensino e da aprendizagem, bem como a implementação de prestações materiais suficientes para a criação de instituições e planos de ensino que promovam uma educação digna de qualidade.

Todavia, a discussão que reside sobre a realização do direito à educação, assim como dos demais direitos sociais, está associada ao dispêndio de recursos econômicos por parte do Estado. A doutrina se posiciona afirmando que os direitos sociais são efetivados na medida do possível, dentro do que se resolveu denominar de “reserva do possível”

            Diante da inatividade governamental e legislativa surge ao indivíduo a possibilidade de proteger e assegurar o seu direito através de demandas judiciais que retiram o Poder Judiciário da sua inércia.

            Conclui-se, portanto, que o problema da não efetivação do direito à educação de qualidade e digna não está na função legislativa, mas sim na forma como tem se dado o gerenciamento e a alocação das verbas públicas para a implementação desse direito.

            Assim sendo, o Poder Judiciário poderá intervir de forma excepcional na esfera legislativa e executiva sem que esteja configurada violação ao princípio da separação dos poderes em prol do resguardo dos direitos fundamentais sociais.

            O direito à educação infantil que se entende por pré-escola ou creche é um direito que não pode se aguardar sob pena do perecimento do seu objeto. Por esta razão, de acordo com os julgados e precedentes dos Tribunais Superiores pátrios, o que tem prevalecido diante da contraposição da cláusula da reserva do possível e do princípio do direito fundamental à educação básica é que o Poder Público não pode desincumbir do seu dever de satisfazer as pretensões educacionais com o intuito de fraudar, frustrar ou inviabilizar esse direito sob a invocação da cláusula da reserva do possível.

            Assim sendo, a prevalência resultante da contraposição desses postulados pelos julgamentos e precedentes jurisprudenciais, está em preservar o melhor interesse da criança e do adolescente, bem como resguarda a importância do direito fundamental à educação como um postulado básico que não deve ter seu núcleo essencial infringido.  

            Portanto, deverá o Estado, quando da alegação desta cláusula provar a sua insuficiência financeira pela indisponibilidade do bem jurídico que se almeja em demanda oferecida ao Judiciário.

Não cabe ao Poder Público eliminar o conteúdo essencial do direito fundamental à educação. Desrespeitar o núcleo existencial desse direito é, pois o mesmo que transgredir o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Thays Pessoa Tanajura

Advogada<br>Bacharela em Direito pela Universidade Jorge Amado<br>Pós Graduada em Direito Público pela UNIFACS<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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