6 SÍNTESE DOS VOTOS DOS MINISTROS DO STF NA ADI 4.815
O ministro Luís Roberto Barroso, iniciando a votação, destacou que o caso envolve uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e os direitos da personalidade (privacidade, honra e imagem), do outro. Nessa tensão, o Código Civil ponderou em desfavor da liberdade de expressão, que tem posição preferencial dentro do sistema constitucional (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Barroso observa que a subordinação da liberdade de expressão aos direitos de personalidade produz um resultado inconstitucional, ressaltando que o primeiro direito deve ser tratado como uma liberdade preferencial (BRASIL, 2015b, p. 3).
Aponta ainda que a interpretação dos dispositivos do Código Civil tem causado danos reais à cultura nacional e aos legítimos interesses de autores e editores de livros. Citou exemplos de danosa interferência judicial na divulgação de biografias: Ruy Castro, “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha”; Paulo César Araújo, “Roberto Carlos em Detalhos”; Alaor Barbosa dos Santos, “Sinfonia de Minas Gerais – a vida e a literatura de João Guimarães Rosa”; Toninho Vaz, “O Bandido que Sabia Latim”; Eduardo Ohata, “Anderson Spider Silva – o relato de um campeão nos ringues da vida”; Pedro de Morais, “Lampião – O Mata Sete” (BRASIL, 2015b, p. 7).
Em consonância com a ministra Cármen Lúcia, o ministro defende que a regra geral é a proibição da censura e, no caso de abuso da liberdade de expressão, deve-se dar preferência à responsabilização a posteriori, que podem incluir a retratação, a retificação, o direito de resposta, a indenização, a responsabilização penal ou outras vias legalmente previstas (BRASIL, 2015b, p. 5).
Por estes motivos, o ministro Barroso seguiu o voto com a relatora. Dando continuidade à votação, a ministra Rosa Weber manifestou seu entendimento de que controlar as biografias implica tentar controlar ou apagar a história, e a autorização prévia constitui uma forma de censura, incompatível com o Estado Democrático de Direito, seguindo o voto com a relatora (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Na sequência, o ministro Luiz Fux destacou que a notoriedade do biografado é adquirida pela comunhão de sentimentos públicos de admiração e enaltecimento do trabalho, constituindo um fato histórico que revela a importância de informar e ser informado. Em seu entendimento, são poucas as pessoas biografadas, e, na medida em que cresce a notoriedade, reduz-se a esfera da privacidade da pessoa. No caso das biografias, aponta que é necessária uma proteção intensa à liberdade de informação, como direito fundamental, e por tais motivos, acompanhou na íntegra o voto da relatora (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Na ordem, o ministro Dias Toffoli explanou que obrigar uma pessoa a obter previamente autorização para lançar uma obra pode levar à obstrução de estudo e análise da História. O ministro ponderou, no entanto, que a decisão tomada no julgamento não autoriza o pleno uso da imagem das pessoas de maneira absoluta por quem quer que seja, ressaltando que há a possibilidade de intervenção judicial no que diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas e aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa. Toffoli acompanhou a relatora em seu voto (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Continuando a votação, o ministro Gilmar Mendes leciona que fazer com que a publicação de biografia dependa de prévia autorização traz sério dano para a liberdade de comunicação. Destacou também a necessidade de se assentar, caso o biografado entenda que seus direitos foram violados por publicação de obra não autorizada, a reparação poderá ser efetivada de outras formas além da indenização, tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção (NOTÍCIAS STF, 2015b). O ministro votou acompanhando a relatora. Nesse momento, a ministra relatora retirou a alínea b do seu voto, em virtude de polêmica no entendimento e consenso da Corte, e ressaltou que a alínea b somente trazia uma transcrição do inciso X do artigo 5º da Constituição da República. Após sanada a divergência, deu-se continuidade à votação (STF, 2015b).
Na sequência, o ministro Marco Aurélio destacou que há, nas gerações atuais, interesse de preservação da memória do país. Afirmou que biografia, em última análise, quer dizer memória, e assinalou que a biografia, independentemente de autorização, constitui a memória do país. Por fim, o ministro salientou que, havendo conflito entre o interesse individual e o coletivo, deve-se dar primazia ao segundo, dessa forma, acompanhou o voto da relatora (NOTÍCIAS STF, 2015b).
O decano do STF, ministro Celso de Mello, afirmou em seu voto que a garantia fundamental da liberdade de expressão é um direito contramajoritário, ou seja, o fato de uma ideia ser considerada errada por particulares ou pelas autoridades públicas não é argumento bastante para que sua veiculação seja condicionada à prévia autorização (NOTÍCIAS STF, 2015b).
O ministro assinalou que a Constituição Federal veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Mas ressaltou que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, grupo social ou confessional não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Destacou o ministro que a sociedade não deve retroceder no processo de conquista das liberdades democráticas, pois o peso da censura, ninguém o suporta. O decano acompanhou na íntegra o voto da relatora (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Por fim, o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o STF vive um momento histórico ao reafirmar a tese de que não é possível que haja censura ou se exija autorização prévia para a produção e publicação de biografias. O ministro observou que a regra estabelecida com o julgamento é de que a censura prévia está afastada, com plena liberdade de expressão artística, científica, histórica e literária, desde que não se ofendam os direitos constitucionais dos biografados (NOTÍCIAS STF, 2015b).
Finda suas exposições, o presidente proclamou que o plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente a ADI para dar interpretação conforme à Constituição dos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) (STF, 2015b).
7 CONCLUSÃO
Obviamente, não é fácil para nenhum operador do direito a análise dos direitos fundamentais envolvidos na questão das biografias não autorizadas. Antes, durante e até o último momento da decisão proferida pelo STF na Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.815, percebe-se a sensibilidade do tema, em virtude da colisão entre o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à intimidade e vida privada.
A relatora da ADI, ministra Cármen Lúcia, realizou com excelente maestria a missão de encontrar o equilíbrio no exercício dos direitos fundamentais os quais se apresentavam conflitantes no ordenamento jurídico. Como apontado no voto do ministro Luís Roberto Barroso, houve observância à Teoria da Ponderação de Robert Alexy, a técnica jurídica mais adequada para construir-se argumentativamente a solução. Tudo isso, balizado na preservação da própria norma jurídica atacada na ADI, os artigos 20 e 21 do Código Civil.
Apesar de afastada a possibilidade de censura prévia, seja ela administrativa ou judicial, para a publicação de qualquer obra literária ou audiovisual, os ministros não excluíram a possibilidade que o biografado ou qualquer outra pessoa relatada na obra busquem, no Poder Judiciário, a reparação pelos danos causados à sua honra, à imagem, seja através de indenização ou por outros meios, tais como a retratação pública, a reedição da obra, ou outras formas admitidas pelo direito. Mas, em regra, a via judicial deverá ser usada somente a posteriori; qualquer intervenção judicial prévia será exceção, usada somente em casos excepcionalíssimos, teratológicos, extremos e justificados por um exame de proporcionalidade que considere a posição preferencial.
De forma inteligente, clara, didática e realizando uma análise histórica completa do ordenamento jurídico internacional e nacional, a relatora conseguiu dirimir o conflito dos direitos fundamentais aventados. O voto foi construído graças à imparcialidade e conhecimento que a sociedade espera de qualquer magistrado, decidindo pelo bem comum, analisando o todo.
A decisão do pretório excelso oportuniza à sociedade afastar os efeitos negativos da existência de autorização das obras biográficas, elencados pelo ministro Barroso em seu voto, os quais são: o desestímulo à produção de obras biográficas; o incentivo à produção de biografias “chapa-branca” ou autorizadas; o comprometimento da história e da memória nacional.
Na decisão histórica da Corte, seguida pela unanimidade dos ministros, fez mais uma vez a construção da democracia. Não se trata de mero ato do Poder Judiciário, um procedimento normal, um simples julgamento. A decisão proferida na ADI 4.815 em conjunto com outra decisão proferida há alguns anos atrás, na ADPF 130 que julgou inconstitucional a Lei de Imprensa, são etapas necessárias de consolidação do processo democrático. Tais julgados emitem um significativo recado à sociedade: estamos nos distanciando dos grilhões da ditadura sem, contudo, apagar da história a existência desse período.
Na obra A Liberdade, o inglês John Stuart Mill escreveu “Nunca podemos ter certeza de que a opinião que tentamos sufocar é falsa; e se tivéssemos, sufocá-la continuaria sendo um mal.” Entusiasta do direito à liberdade de expressão e do pensamento, a ideia do famoso filósofo deve ser abraçada por todos os defensores do Estado Democrático de Direito. Portanto, a decisão do STF na ADI 4.815 pode ser considerada uma vitória da democracia e do direito à liberdade de expressão.
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