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A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado

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Agenda 20/07/2016 às 14:24

5.   Conclusão

Do quanto exposto, infere-se que a racionalidade deve estar na base do sistema penal, para que este seja considerado lógico e justo - como assim exige o Estado Democrático de Direito - e respeite as liberdades individuais dos particulares em detrimento de qualquer arbitrariedade que possa advir dos poderes estatais.

Assim, a razão penal deve permear todas as esferas estatais, isto é, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Ao primeiro, exige-se a logicidade e razoabilidade no momento da elaboração das leis, seja ao criminalizar fatos típicos, seja estabelecendo – in abstrato - suas penas. O legislador deve, portanto, estabelecer critérios para a cominação das penas, tendo que ser proporcional ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal respectivo.

O princípio da proporcionalidade – que decorre implicitamente do princípio do devido processo legal, contido no art. 5º, inc. LIV, da CF – é, porém, em alguns momentos, lesado pelo legislador no Diploma Penal, que prevê penas desproporcionais ao bem jurídico tutelado. É o que se comprova, por exemplo, pela análise dos artigos 273 e 121, ambos do Código Penal:

“Art 121. Matar alguem:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”

“Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.”

Ora, a pena mínima cominada pelo crime de falsificação de medicamentos é quase o dobro da prevista para o crime de homicídio simples, cujo bem jurídico tutelado é a vida.

Em relação ao Judiciário, a proporcionalidade (e também a razoabilidade) deve preponderar no momento da aplicação das penas, visto que a pena deve ser justa e suficiente para o réu, não podendo ultrapassar o que as circunstâncias do fato, a lesividade do delito e as características da vítima exijam. É nesse sentido que dispõe o art. 59, do Código Penal, in verbis:

“Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”

Dessa forma, o juiz está adstrito a esses requisitos, que se impõem com o fito de afastar qualquer tentativa de arbitrariedade por parte do julgador, uma vez que ele deve-se pautar em fundamentos que possam ser objetivamente – no todo ou em parte, ainda que digam respeito a características subjetivas do agente e da vítima – auferidos.

No que diz respeito aos tipos de penas aplicáveis, conforme incisos expostos supra, deve-se ter em mente que a pena privativa de liberdade deve ser de caráter excepcional e subsidiário, tendo em vista que se trata de pena mais gravosa e que pode trazer consequências ainda maiores ao indivíduo que a cumpre e à sociedade. No entanto, não é essa, infelizmente, a tendência que acompanhamos no Judiciário brasileiro, que supervaloriza, muitas vezes, a pena privativa de liberdade em detrimento das penas alternativas, ainda que o caso concreto autorize-as.

Essa realidade é explicada, em parte, pela própria cultura da nossa sociedade, que possui a ideia de que para que seja punido, o criminoso deve necessariamente passar por um presídio, pois, caso contrário, haverá a sensação de impunibilidade.

Quanto ao Executivo, por sua vez, tem-se, talvez, o maior problema do Sistema Penal pátrio, concernente à falta de estrutura dos presídios, com a consequente superlotação das unidades destinadas ao cumprimento de pena em regime fechado.

Nesse diapasão, o princípio da humanização e os direitos assegurados aos presos contidos explicitamente na Carta Magna (art. 5º, incs. III, XLVI, XLVII e XLIX), conforme exposto no item 4.4 acima, são pouco respeitados, visto que os criminosos vivem em situação degradante, em presídios superlotados, não havendo, ainda, estabelecimentos prisionais destinados ao cumprimento de pena em regime semiaberto.

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Do outro lado, falta a devida fiscalização aos que cumprem a pena em regime aberto, sendo, na maioria das vezes, desrespeitados os deveres impostos a eles pelos juízes, de maneira que facilita até mesmo o cometimento de novos delitos.

Portanto, inobstante a racionalidade penal contida na Constituição Federal de 1988 seja preponderante, o que torna o diploma digno de aplausos por ser altamente avançado – do ponto de vista técnico –, sendo inclusive conhecido como Constituição Cidadã, muitas vezes esses preceitos restringem-se ao papel, isto é, na prática são pouco respeitados.

Assim, o principal objetivo do ordenamento jurídico penal, qual seja, o de ressocializar o preso, para que este não volte a delinquir e se insira novamente na sociedade, torna-se difícil de ser alcançado, uma vez que as circunstâncias encontradas por ele nas unidades prisionais o tornam ainda mais sem esperanças na realidade social, o que facilita a sua futura reincidência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Prefácio da 1a edição italiana, Norberto Bobbio. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

SCHÜNEMANN, Bernd. El sistema moderno del Derecho penal: cuestiones fundamentales. Tradução e notas de Jesús-María Silva Sánchez. Editora Tecnos, 1991.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.


Notas

[1] El sistema moderno del Derecho penal: cuestiones fundamentales,

[2] Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, 2002, Editora Revista dos Tribunais LTDA.

[3] , Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-10-2007, Segunda Turma, DJ de 31-10-2007

[4] HC 27779 / RS, STJ, MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, RELATOR, Julgado em 19/02/2004

[5] REsp 154137 / PB, STJ, MIN. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Julgado em 06/10/1998

[6] HC 97256 / RS, STF, MIN. AYRES BRITTO, Julgado em 01/09/2010.

[7] RMS 19385 / RJ, STJ, MIN. LAURITA VAZ, RELATORA, Julgado em 26/04/2005

[8] HC 107318 / SP, STF, MIN. MARCO AURÉLIO, RELATOR, Julgado em 05/06/2012

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Matheus. A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50761. Acesso em: 24 nov. 2024.

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