10 RESPONSABILIDADES
A responsabilidade acerca do assunto vai além do que a teoria mostra, embora devesse a justiça punir de plano quem se aventurasse nesse esquema de fraude. Como visto até agora, o protesto indevido dos boletos bancários provoca um mal de difícil e impossível reparação. Alegam os trangressores em sua defesa, que decisões favoráveis aos devedores fomentam a chamada "indústria dos danos morais”.
Segundo eles, causa um enriquecimento ilícito àqueles que não honram seus compromissos. Não há razão para tal fundamento, pois, é claro que a reparação atenderá aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ou seja, deve ser aplicada de modo que não extrapole a capacidade de pagamento do condenado e muito menos aumente o patrimônio do devedor em detrimento do credor.
Esse argumento é derrubado pela justiça, pois, não há que se falar em enriquecimento ilícito ocasionado por sentença judicial. Para que se esclareça tal afirmação, o enriquecimento ilícito é aquele obtido pelas vias da corrupção, dos crimes do “colarinho branco”, dos super faturamentos em obras, dos roubos, furtos e até mesmo pela fraude, como é o caso desse tipo de protesto.
A reparação oriunda de sentença judicial deve ser analizada caso a caso, deve-se preencher uma lacuna ou um prejuízo ocasionado pela prática, que de certa forma, denegriram e arranharam a boa imagem do devedor de boa fé. Ainda que se repare o dano, esse devedor levará um bom tempo até recuperar a credibilidade no mercado, por isso a importância da reparação. Conforme o dito popular,
10.1 Responsabilidade do credor
O credor tem no protesto o suporte da lei para que possa se resguardar contra aqueles devedores que não cumprem suas obrigações. Deve ele agir dentro da lei para que tenha sucesso em sua investida contra o devedor.
Para tanto, no caso da vendas a prazo, deverá emitir as duplicatas, que são o único título de crédito a ser utilizado nesse tipo de negociação, conforme art.2° da lei 5.474/68. Isto é, se quizer ter seu protesto devidamente efetuado e ainda, nos casos de uma execução, ter o amparo legal de que necessita. Importante salientar que duplicatas deverão ter lastro com a nota fiscal de origem.
A emissão boletos aos seus clientes para que se facilite seus negócios não é ilegal, desde que envie as duplicatas para que o comprador dê o aceite ou não,possa ou não devolver as mercadorias. O procedimento correto é este, a razão é simples, os títulos de crédito devem circular e a economia crescer de maneira sustentável.
Indicar boletos ao protesto é de sua responsábilidade juntamente com os mandatários, no caso os Bancos, além dos tabeliães. Todos num processo, podem compor o polo passivo da lide e responderem na medida de suas respectivas atribuições e responsábilidades, pelos danos ocasionados ao devedor.
10.2 Responsabilidade dos bancos e financeiras
Estes talvez, sejam os maiores causadores desse mal que assombra e confunde o direito cambiário. Literalmente destroem aqueles que tiveram seus boletos protestados como se títulos de crédito fossem.
Como é sabido o poderio econômico dos Bancos faz com que, de uma certa forma, ditem as regras em todas as negociações, quaisquer que seja. Não há como fugir dessa regra, apesar de exercerem papel fundamental no crescimento da economia juntamente com sua função social no recolhimento de impostos e fomentando a circulação do crédito.
Ocorre que a duplicata, por ser um título de crédito devidamente disciplinado em lei, necessita para sua emissão, de ter o nexo de causalidade. É preciso ter lastro com a nota fiscal fatura de venda ou prestação de serviços, além do aceite do comprador. Requisitos que os boletos bancários dispensam, o que facilita e muito as fraudes e as simulações praticadas inescrupulosamente pelas instituições financeiras, sem a menor observância da lei.
É sob o manto da instrução normativa 24044-4/94 do Banco Central que eles fundamentam suas atrocidades, acobertadas ainda pelo silêncio da lei, pela falta de fiscalização e ausência de punição severa, motivos que causam tormenta na doutrina e judiciário. Eles agem como mandatários ou endosso-mandatários, ou seja, nomeiam outros Bancos para que se cobrem o boleto e o indiquem a protesto.
Devido a todos esses atributos, compõem o polo passivo como principal responsável. A jurisprudência os tem condenado de maneira unânime à reparação em tais casos, devido a questão da hipossuficiência frente aos devedores e ao dolo com que praticam a ilicitude.
10.3 Responsabilidade do Tabelião
Os cartórios, por seus Tabeliães representados, têm fé pública e credibilidade perante a sociedade. Seja por meio de autenticação, seja pela firma de assinaturas ou de protesto de títulos, como analizado na presente pesquisa, eles são o braço da justiça que atesta a veracidade acerca dos fatos.
Diante de toda atribuição positiva, em torno de sua inatacável reputação, deve-se delegar a eles a fiscalização acerca da legalidade. Os cartórios têm papel importante no direito cambiário. Eles lavram em registro todos os protestos, efetuam cobrança e recebem o débito, garantindo aos credores a possibilidade e satisfação pelo adimplemento obrigacional cumprido pelos seus clientes devedores. São uma espécie de suporte aos negócios jurídicos dentro da legalidade. Na prática, não é exatamente isso que ocorre. O protesto de boleto bancário é ato ilegal, pois, os boletos não têm nenhuma lei anterior que os disciplina como títulos de crédito.
A responsabilidade do Tabelião deve sim, ser apurada. Ele tem o dever de verificar os documentos ou títulos de crédito que lhes são entregues, devendo observar se têm algum vício ou irregularidade, porém, não questionando-se prescrição ou caducidade, no caso de irregularidade deverá obstar o protesto (Art.9° da Lei 9.492/97). O grande problema é o fato de inúmeros protestos tirados com base em indicação de boletos bancários. Não se sabe o motivo, mas os Tabeliães têm efetuado o protesto de boletos como se duplicatas fossem, o que configura uma irregularidade praticada por ele e seus serventuários.
Eles respondem civil e criminalmente por danos civil e criminal causados à terceiros por atos de serventia (Art. 22 da Lei 8.935/94). Essa lei atribui aos Tabeliães e oficiais de cartório a responsabilidade pelos seus atos, garantido a quem vier a sofrer algum dano, o direito de reparação. A ação civil correrá separado da criminal e cada um responderá na medida de sua culpa ou dolo.
É de se admirar então tamanha coragem desses có-partícipes nas fraudes, uma vez que poderão ser punidos pela justiça. Tudo aponta à um possível conluio entre cartórios de protestos e instituições financeiras, que diante de toda a legislação, ainda assim insistem nessa prática absurda, que é a indicação de boleto bancário á protesto. O legislador ainda não criou um dispositivo legal de que possa inibir, de forma severa, essa prática. Em esfera punitiva exemplar, bastaria para que se tirassem os maus serventuários do mercado e do direito cambiário.
É sabido que o “lobby” desses contraventores é expressivo no congresso e que vez por outra conseguem algum privilégio da lei. Mas nada justifica atitude que não condiz com o verdadeiro propósito de sua existência. Devem ser responsabilizados sim, e punidos, nos rigores da lei para que se garanta à sociedade a segurança de ter, nos cartórios, uma instiuição de reputação inatacada. Prova disso, dispõe-se com amparo legal na jurisprudência, que diante de tais abusos, vem responsabilizando Tabeliães em função de sua legitmidade passiva conforme enunciado abaixo do TJMG:
EMENTA: AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA - QUESTÃO DECIDIDA - IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO - PRECLUSÃO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - PROTESTO DE MERO BOLETO BANCÁRIO - DUPLICATA INEXISTENTE - IMPOSSIBILIDADE - NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE NÃO COMPROVADO - DESRESPEITO A REGRAMENTO DA LEI N. 9492/97 - RESPONSABILIDADE DO TABELIÃO PELA AVALIAÇÃO DO TÍTULO PROTESTADO - CANCELAMENTO DO PROTESTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. É vedada pela norma processual, através do artigo 471 do CPC, nova decisão de questão já decidida no mesmo processo, devido à ocorrência de preclusão (coisa julgada formal). A contagem do prazo prescricional se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação. O boleto bancário não é tipificado em nosso sistema comercial como título de crédito e por isso não há como se admitir o seu protesto quando não comprovado o lastro em duplicata correspondente, sendo o protesto do mesmo claramente abusivo. A duplicata é título de crédito causal, de emissão facultativa, tendo que ser comprovada a emissão da cártula, sob pena de reconhecimento da nulidade do protesto, por protesto de título inexistente. Age com culpa o tabelião que não examina os caracteres formais dos títulos levados a protesto, conforme determina o artigo 9º da Lei n° 9.492/97, devendo ser responsabilizado civilmente. O abalo do crédito pelo protesto indevido dos títulos, por si só comprova o dano moral. (Apelação cível n. 1.0016.07.064582/002 Relator: Valdez Leite Machado. Data do Julgamento: 19/02/2009Data da publicação: 24/04/2009).
Está disciplinado no art.38 da Lei n° 9.492/97, a responsabilidade civil atribuída ao Tabelião de protesto, por todos os prejuízos causados por culpa ou dolo, pessoalmente, a terceiros no exercício de suas funções ou de seus substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
Como se vê, o Tabelião é a peça chave nos casos em que a lei determina com rigor, a responsabilidade dos danos ocasionados pelo protesto tirado com base em boletos bancários. Então, pergunta-se, como e por que os Tabeliães são omissos quanto a essa prática irresponsável? E mesmo tendo ciência da lei e de suas sanções, eles não parecem se intimidar com a possibilidade de serem responsabilizados pelas conseqüências dessa fraude. Tudo aponta para uma única hipótese, a de que haja uma espécie de “parceria”, entre Instituições financeiras e cartórios de protestos. Essa conduta criminosa só vem a confirmar a irresponsabilidade com que gerem seus ofícios, pouco se importando com o mal que produzem e provocam a terceiros de boa fé.
11 CONCLUSÃO
Conclui-se ao final da pesquisa que, apesar da impossibilidade jurídica acerca dos protestos de boletos bancários, pode-se afirmar com toda a certeza que o problema continua a fazer vítimas. Estas, sequer têm noção dos seus direitos. Embora a boa doutrina alerte incessantemente sobre a falta de fiscalização, cobrando mais rigor da lei, os fraudadores não se intimidam com o fato de serem ilícitas suas práticas.
Os Bancos e Financeiras continuam cada vez mais, disceminando esse mal. Seja por meio de portarias, carta circular ou instrução normativa, não faz a menor diferença, eles usam e abusam do poder que o BCB lhes confere. Importante salientar que tais poderes são delegados para que as demais Instituições financeiras a sigam com a devida observância da lei e não como meio ardil e tendencioso na questão que envolve os protestos de boletos, como se estes fossem títulos de crédito.
A questão dos protestos tirados com base em meros boletos bancários, como se duplicatas fossem, já está mais do que comprovado que é fruto de uma engenhosidade ardil e irresponsável de quem pouco se importa com o prejuízo que venha a ocasionar em terceiros.
Ainda com relação às instituições financeiras, o fato é que, a instrução normativa, expedida pelo BCB, que criou e regulamentou a utilização dos boletos bancários, não deve e nem deveria ter força de lei, como prega a doutrina dos bancos ao fundamentarem suas atrocidades. Apesar de sua agilidade nos processos de compensação, os boletos estão conseguindo um feito lamentável, que é a desmaterialização dos títulos de crédito, sobretudo a duplicata, que por sua vez, acaba por ficar em desuso, deixada de lado. E isso dá espaço para a fraude, uma vez que nessas operações, nenhum desses documentos tem lastro com a nota fiscal.
Os Tabeliães de protesto de títulos continuam a compactuar com as instituições financeiras nessa farsa. Acredita-se que só devam parar a partir do momento em que as sentenças que os condenarem à reparação do dano, começarem a pesar realmente nos seus bolsos. E que o legislador tenha a sensibilidade de criar dispositivos legais que proíbam, literalmente, essa prática que tanto prejuízo tem causado a terceiros de boa fé.
Valendo-se pela lógica, os Tabeliães seriam os maiores responsáveis por qualquer dano causado a quem quer que seja em virtude do protesto dos boletos bancários. O motivo é simples, eles sabem o que são duplicatas e o que são boletos.
Têm fé pública para serem os mantenedores do direito cambiário, bem como a observância de vícios, defeitos e demais vedações, no que diz respeito ao registro de protesto no art. 9º da lei 9.492/97.
Daí questiona-se o porquê da sua omissão acerca desse fato. Alegar que não tenha conhecimento de que os boletos bancários não têm o alcance do protesto, isso é inaceitável, ele estudou e se preparou para seu ofício.
Considerando a necessidade desses agentes em exercerem, de maneira regular, seus direitos, será preciso uma ampla reformulação de nossas leis, no sentido de definir o que são documentos de dívida, disposto no art.1° da lei 9.492/97, já que este tem sido utilizado de maneira ardilosa por empresários e instituições financeiras e com o aval dos Tabeliães, embasam nesse dúbio entendimento para justificarem os inúmeros protestos de boletos bancários, como se duplicatas fossem, trazendo para a sociedade insegurança jurídica, que só se restabelece pelas vias da justiça.
Por fim, o instituto do protesto está diretamente atrelado aos títulos de crédito, ou seja, foi criado especialmente para atendê-los nos casos de inadimplência do comprador. Só se alcança o protesto aqueles títulos de crédito que estiverem lei anterior que o regularize. É de utilidade única e exclusiva dos títulos de crédito.
Indicar ao protesto boletos bancários, utilizando-se dessa via para se fazer meio de prova, nada mais é do que fraude e abuso da lei. É para o bom entendimento dessa questão que tudo não passa de uma criminosa tentativa de se enquadrar os boletos dentro do instituto do protesto. É espécie de improviso, em que os transgressores utilizam-se de uma norma legal, para conseguirem valorar suas fichas de compensação, avisos de cobrança ou simplesmente, boletos bancários.