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A pornografia de vingança e os desafios da proteção da privacidade online

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6. OS PROJETOS DE LEI 5.555/2013 E 6.630/2013.

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.555/2013, que objetiva alterar a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – a fim de criar mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na Internet ou em outros meios de propagação da informação.

Dentre as mudanças, tal projeto objetiva acrescer o inciso VI ao artigo 7º da referida lei, passando a vigorar com a seguinte redação:

“VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.”

Assim, a Lei Maria da Penha passaria a prever, expressamente, dentre as formas de violência contra a mulher, a pornografia não consensual, caracterizada como uma transgressão da intimidade da mulher por meio da exposição não autorizada de imagens, vídeos, áudios e outros, obtidos pelo parceiro ou ex-parceiro, valendo-se da condição de coabitação ou de hospitalidade.

A justificação para a criação desse Projeto de Lei, contida no próprio texto do projeto, afirma que “há uma dimensão da violência doméstica contra a mulher que ainda não foi abordada por nenhuma política pública ou legislação, que é a violação da intimidade da mulher na forma da divulgação na Internet de vídeos, áudios, imagens, dados e informações pessoais da mulher sem o seu expresso consentimento”.

Apesar de já terem sido emitidos diversos pareceres sobre a constitucionalidade do projeto, atualmente se aguarda o comparecimento do Presidente da SaferNet Brasil, na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, para discorrerem sobre esse diploma legislativo.

Apensado a esse Projeto de Lei, há também o Projeto de Lei 6.630/2013, cujo objetivo, diferentemente do primeiro - alterar a Lei Maria da Penha -, é alterar o Código Penal, acrescentar o artigo 216-B, que passará a vigorar com a seguinte redação:

“Divulgação indevida de material íntimo

Art. 216-B. Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima.

 Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

§1º Está sujeito à mesma pena quem realiza montagens ou qualquer artifício com imagens de pessoas.

§2º A pena é aumentada de um terço se o crime é cometido:

I - com o fim de vingança ou humilhação;

 II – por agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima com ou sem habitualidade;

§3º A pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa com deficiência.”      

O projeto de lei também prescreve, em seu artigo 3º, uma obrigação de caráter indenizatório ao agente em favor da vítima, de forma que ela seja ressarcida das despesas oriundas de mudança de domicílio, instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos, assim como perda de emprego, não excluindo este dever o direito da vítima em demandar reparação civil por outras perdas e danos de natureza material e moral.

Tal projeto é extremamente interessante, visto que aborda, como causa de aumento de pena, o fim de vingança ou humilhação, ou seja, aborda exatamente a questão do pornô de vingança.

Na justificação de criação do Projeto de Lei, é afirmado que “analisando a legislação vigente, especificamente o Código Penal, não encontramos, a princípio, uma norma penal específica que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo. As autoridades acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a gravidade da conduta.”.

Atualmente, o projeto se encontra na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, apensado a outros projetos.


7. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS SOBRE O TEMA

Tendo em vista o fato de esses e outros Projetos de Lei sobre o tema ainda estarem em tramitação, bem como o da ausência de normatização legal para a conduta de pornô de vingança, a jurisprudência sobre o assunto ainda é deveras escassa.

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Um dos casos brasileiros mais emblemáticos que, mesmo não se tratando especificamente do pornô de vingança, incitou o debate acerca da exposição da privacidade na internet, foi o caso da atriz Daniela Cicarelli, que teve seu momento de intimidade com seu namorado à época, na Praia de Tarifa, Espanha, filmado e veiculado online. Além do mais, vários jornais e revistas noticiaram o ocorrido, fornecendo o link para o acesso.

Tanto a apresentadora quanto seu namorado acionaram o Judiciário a fim de ter o vídeo retirado da plataforma YouTube sob pena de multa diária. A demandada apresentou contestação afirmando que o local onde ocorreu o vídeo e as imagens é público e, dessa forma, os autores não teriam direito à privacidade. Argumentou também sobre a impossibilidade técnica de retirar todos os vídeos da plataforma.

Em sede de Apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que as rés, plataformas YouTube e IG, removessem os vídeos, sob o fundamento de que o fato de a apresentadora ser figura pública não retirava nem seu direito à privacidade nem tampouco à ilicitude do ato.

Algumas empresas demandadas firmaram acordo com os Coautores, tendo o processo se extinguido em relação a elas. O Youtube segue discutindo nos autos somente o valor da multa astreintes, que lhe foi aplicada pelo descumprimento da decisão que deferiu a antecipação de tutela.


CONCLUSÃO

A pornografia de vingança é fruto da reprodução da cultura machista e misógina também no ciberespaço. Dessa forma, faz-se mister a proteção não somente dos dados, bem como da intimidade e da privacidade das mulheres afetadas por esse crime.

Todavia, sendo a internet uma rede mundializada e cada vez mais sem fronteiras, os desafios para se alcançar essa proteção são inúmeros. Além do mais, o próprio direito à privacidade possui contornos difíceis de serem delineados, sendo necessária uma análise fática para saber sempre até aonde seus liames foram feridos ou não.

Vale ressaltar que no meio virtual esses desafios ainda são maiores do que no meio físico pela dificuldade de separação do que é público e do que é privado, visto que esse é um meio de comunicação cada vez mais acessível e livre e há a falsa sensação de que apenas o destinatário participa da comunicação, esquecendo-se que há um provedor que intermedia todas as relações.

Apesar do importante avanço legislativo do Brasil no tocante à regulação da internet, muito ainda deve-se avançar, especialmente no que se refere à pornografia da vingança, visto que o Estado ainda aborda o tema da de forma muito superficial.

Fato é, todavia, que não existe resposta trivial para evitar que mais mulheres tenham mídias íntimas divulgadas online como forma de vingança pelos parceiros/ex-parceiros. O Marco Civil da Internet busca, ainda que de forma incipiente, proteger as vítimas de pornografia de vingança, e é importante todos os envolvidos no processo atendam suas normas, sejam os autores, os provedores e, até mesmo o Poder Judiciário.

Provavelmente, a solução mais eficaz para o problema da pornografia de vingança não é sua tipificação ou sua normatização, mas sim uma mudança sobre como a mulher e sua sexualidade são pensadas na sociedade, no espaço físico. As maiores ameaças à privacidade das mulheres estão nos aspectos culturais.


BIBLIOGRAFIA

BAMBAUER, D. E. Exposed. Minessota Law Review, Minessota, v. 98, n. 6, p. 2025-2102, junho 2013/2014.

BRASIL. Lei nº 12.737, 2012. Disponivel em: <planalto.gov.br>. Acesso em: novembro 2016.

BRASIL. Projeto de Lei nº 5.555, 2013. Disponivel em: <camara.gov.br>. Acesso em: Novembro 2016.

BRASIL. Lei nº 12.965, 2014. Disponivel em: <planalto.gov.br>. Acesso em: Novembro 2016.

JUNIOR, M. M. M. Pornografia de Vingança e Lei Maria da Penha, 2016.

THOMAZINI, J. N. Universidade de Brasília. A proteção da privacidade online em casos de pornografia de vingança, Brasília, p. 68, Dezembro 2015.

Sobre os autores
Matheus Fellipe de Paula

Graduando em Direito pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Sorhaya Allana R.; PAULA, Matheus Fellipe. A pornografia de vingança e os desafios da proteção da privacidade online. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4894, 24 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54022. Acesso em: 23 dez. 2024.

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