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A qualificadora do feminicídio na República Federativa do Brasil

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Agenda 25/11/2016 às 14:55

Por que ainda precisamos dessa qualificadora do crime em pleno século XXI?

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca do feminicídio na República Federativa do Brasil. Para tanto, serão apreciadas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Feminicídio será considerado enquanto qualificadora acrescentada pela lei 13.104, de 2015, a norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro, para elevar o patamar de pena nos casos em que haja a prática de homicídio em razão da condição de sexo feminino. Afinal, qual a razão para a existência dessa nova qualificadora do crime na República Federativa do Brasil? Não estaríamos nos valendo da pena pra diminuir os crimes numa vã tentativa, quando o fato poderia ser qualificado por outros aspectos e manter o mesmo patamar de pena? Por que ainda precisamos dessa qualificadora do crime em pleno século XXI?

PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio. Violência Doméstica e Familiar. Qualificadora do Crime. Código Penal. Políticas Públicas.

SUMÁRIO: 1. FEMINICÍDIO, DIREITOS HUMANOS E A MULHER; 1.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE FEMINICÍDIO; 1.1.1 Feminicídio e Femicídio; 1.1.2 Os Tipos de Feminicídio; 1.1.3 Estereótipo de Mulher; 1.2 A PRÁTICA DE “FEMINÍCIDIO” NO CONTEXTO MUNDIAL E NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL; 2. O “FEMINICÍDIO” NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL; 2.1 A LEI 13.104/15; 2.2 A QUALIFICADORA DO “FEMINICÍDIO” NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL; 2.2.1 Violência doméstica e Familiar; 2.2.2 Menosprezo á condição de mulher; 2.2.3 Discriminação á condição de mulher; 2.3 AS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO FEMINICÍDIO; 3. O FEMINICÍDIO E O DIREITO: CRÍTICAS A LEI 13.104/15; 3.1 A QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO NO PLANO JURÍDICO; 3.2 O PARÁGRAFO 2º- A, DO ARTIGO 121, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO; 3.3 A LEI 13.104/15 E O DIREITO SIMBÓLICO; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

THE QUALIFYING THE “FEMICIDE” THE FEDERAL REPUBLIC OF BRAZIL

ABSTRACT

The present work is about to make an analysis about feminicide in the Federative Republic of Brazil. For that, will be appreciated doctrinal and jurisprudential currents on the subject. Feminicide will be considered as a qualifier added by law 13.104, of 2015, the norm of article 121, of the Brazilian Penal Code, to raise the level of penalty in cases in which there is the practice of homicide due to the condition of female sex. After all, what is the reason for the existence of this new qualifier of crime in the Federative Republic of Brazil? Would not it be worth it to reduce the crimes in a vain attempt, when the fact could be qualified by other aspects and maintain the same level of penalty? Why do we still need this crime qualifier in the 21st century?

KEYWORDS: Femicide; Domestic and Family Violence; Qualifying crime; Penal Code; Public policy.

INTRODUÇÃO

No íntimo de muitos lares, parques, estabelecimentos comerciais, faculdades e outros, prevalece ainda uma triste realidade caracterizada por violências, discriminações e menosprezo à figura da mulher.

E, embora tenhamos evoluído no sentido de não mais concebê-las como indivíduos despersonalizados e submissos, tal como fazíamos na família tradicional, o contexto que visualizamos nos noticiários, processos e dia-a-dia são devastadores para o século em que vivemos.

Buscando atribuir um tratamento legal a questão da morte das mulheres é que o legislador infraconstitucional brasileiro criou a qualificadora do “feminicídio” no ano de 2015, por intermédio da norma legal 13.104.

Neste aspecto, o presente trabalho sem a intenção de esgotar a problemática, ou, afirmar um juízo de valor absoluto abordará o tema em três capítulos.

No primeiro deles, apresentando o conceito e definição de feminicídio, bem como as diferenças entre ele e a expressão “femicídio”. Ainda, os tipos de feminicídio e a sua recorrente prática no mundo e na República Federativa do Brasil.

No segundo capítulo, os pormenores da Lei 13.104/15, que instituiu a qualificadora em nosso ordenamento, suas causas de aumento e a sua íntima relação com a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

No terceiro e último capítulo, as críticas e controvérsias trazidas pela inserção da qualificadora no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo, as referentes ao Direito penal simbólico.

Afinal, qual (is) a(s) real (is) mudança (s) trazida (s) pela qualificadora do feminicídio na República Federativa do Brasil? Ela por si só resolveria o problema de violência e menosprezo a figura da mulher? Por que ainda precisamos dessa qualificadora do crime em pleno século XXI?

1.FEMINICÍDIO, DIREITOS HUMANOS E A MULHER

1.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE FEMINICÍDIO

Considerando que nosso objetivo se volta à discussão da Lei 13.104/15, que inseriu a qualificadora do Feminicídio no crime previsto na norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro, neste primeiro capítulo resguardaremos espaço para abordar o conceito e definição de Feminicídio.

Utilizada pela primeira vez por Diana Russel e Jill Radford no livro “The Politics of Womem killing”, a expressão “feminicídio” indicaria a nominação dos homicídios de mulheres, pautados em questões de gênero e dentro de um contexto de dominação e subordinação, apesar de ser confundida com o termo “femicídio”.[1]

Conhecido também como crime fétido a terminologia além de designar aquela misoginia, compreenderia semelhantemente à agressão física, a perseguição sexual, o espancamento, o suplício, o estupro, a escravidão, intervenções sexuais imotivadas, esterilizações forçadas e o aborto.[2]

Trata-se, como se denota, de expressão que cuida da morte de mulheres em razão da sua condição de pertencer ao sexo feminino, incutindo-se aqui, aquela ideia de fragilidade e insignificância.

Na concepção do professor Francisco Dirceu Barros:

O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos os assassinatos em contexto de violência domestica/familiar, e o menosprezo ou discriminação á condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico a destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher.[3]

Dessa forma, o feminicídio é a terminologia utilizada para designar a morte e violências praticadas em face das mulheres em razão da condição de pertencerem ao sexo feminino, considerado sujeito inferior e incapaz de exercer determinadas atribuições. É uma clara motivação política.

1.1.1 Feminicídio e Femicídio

Tratado o conceito e definição do feminicídio, importa para uma melhor elucidação do tema que façamos uma breve colocação acerca das diferenças entre feminicídio e femicídio, termos que comumente são confundidos pela mídia e a sociedade.

Como anteriormente salientado o feminicídio é a expressão utilizada para caracterizar a prática de violências e morte de mulheres em razão da condição de pertencer ao sexo feminino.

O femicídio, por sua vez, derivado do grego “phemi” e do latim “cídio” cuida-se de terminologia que indica a morte de uma mulher, tal como o homicídio designa a morte de um homem, aqui se entendendo o homem como ser humano e não pertencente ao sexo masculino[4].

Neste diapasão, diferente da expressão feminicídio que se encontra ligada a uma questão de motivação política, o femicídio é apenas o indicativo da morte de uma mulher, indivíduo pertencente ao sexo feminino, não havendo razão para o Estado-Juiz oferte um tratamento diferenciado em seu julgamento, pois homens e mulheres devem ser tratados de forma igualitária pelo ordenamento jurídico.

Neste ponto, o leitor certamente se questionará acerca dessa igualdade no que tange a inserção do feminicídio em nossa órbita jurídica e inclusive a questionar se não seria ela uma expressa violação ao princípio da igualdade. Pois bem, explicamos a razão de não haver tal violação a esse princípio, sobretudo, por ser ela na República Federativa do Brasil uma qualificadora do crime previsto na norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro.

A qualificadora denominada de feminicídio não diz respeito à morte de mulheres, mas a uma questão muito mais profunda e complexa: a questão de gênero, atinente a sociologia e aos padrões sociais do papel que cada sexo desempenha na sociedade.[5]  

Logo, feminicídio e femicídio são expressões que definem objetos diferentes e das quais a natureza jurídica é essencialmente peculiar. O primeiro para caracterizar a morte e violências em face das mulheres por pertencerem ao sexo feminino e o segundo, referente à morte de uma mulher.

1.1.2 Os Tipos de Feminicídio

Salientadas as devidas considerações acerca das diferenças entre as expressões feminicídio e femicídio, passaremos neste tópico a tratar das classificações do feminicídio já exaltadas pela doutrina brasileira nesses poucos meses de vigência da Lei 13.104/15.

Segundo o professor Pereira em análise aos comentários doutrinários sobre o assunto as principais diriam respeito a três espécies distintas denominadas de feminicídio íntimo, não íntimo e por conexão ou “aberratio ictus[6].

Para o professor Francisco Dirceu Barros[7] outras poderiam ainda ser acrescentadas tais como: feminicídio homoafetivo, simbólico heterogêneo, simbólico homogêneo, “aberratio criminis”, “error in persona”, “aberratio causae” ou Dolo Geral.

O feminicídio íntimo também conhecido como feminicídio “intra lar”, pressupõe uma relação íntima, familiar ou de convivência entre a vítima e o agente. Em outras palavras, trata-se daqueles casos em que a vítima geralmente tem ceifada a sua vida, ou, machucada pela violência empregada pelas mãos de seu marido ou companheiro dentro de um contexto de violência doméstica e familiar.[8]

O feminicídio não íntimo, por sua vez, cuida daqueles casos em que a vítima não tem qualquer relação íntima ou familiar com o seu agressor, diga-se, agente responsável por sua morte.[9] Note que aqui não há incidência de uma intimidade entre as partes e mesmo assim a morte e a violência são empregadas considerando uma motivação preconceituosa por parte do agente.

Por conexão ou “aberratio ictus”, pressupõe-se um feminicídio que tem por objeto um acidente ou erro nos meios de execução e assim produzindo um ou mais resultados. Trata-se de um golpe de desvio.[10]

O feminicídio homoafetivo seguindo a linha de reconhecimento dos direitos homoafetivos em nossa sociedade e ordenamento jurídico indica a morte de uma mulher por outra mulher num contexto de violência doméstica e familiar. [11]

Observe que a conquista dos direitos homoafetivos no plano civil e constitucional acaba felizmente por repercutir na esfera penal, abrindo espaço para uma nova interpretação e inserção de relações e casos que anteriormente não seriam elucidados.

O feminicídio simbólico heterogêneo dentro do contexto de espécies de feminicídio retrataria a morte de uma mulher por um homem motivada pela discriminação á condição de mulher ou menosprezo e que no campo simbólico indica a destruição da identidade da vítima e de sua condição de pertencer ao sexo feminino, ao passo que, o feminicídio simbólico homogêneo implicaria na morte de uma mulher por outra mulher considerando semelhantemente a discriminação a condição de mulher ou menosprezo.[12]

Atente-se que tais espécies de feminicídio se diferenciam em razão dos sujeitos ativos heterogêneos e homogêneos, ou seja, respectivamente, diferentes do sujeito passivo e iguais a ele.

O feminicídio “aberratio criminis”, segundo apontamentos da doutrina ocorrerá quando fora dos casos de “aberratio ictus”, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevier resultado diverso do pretendido. O agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo, mas se igualmente o resultado pretendido ocorre, responderá em concurso formal. [13]

O feminicídio “error in persona”, é aquele no qual o agente erra a identidade da vítima num contexto de violência doméstica e familiar. Frise-se que tal erro segundo a norma do §3º, do artigo 20, do Código Penal brasileiro não isentará o agente de pena. [14]

Por fim, o feminicídio “aberratio causae” ou Dolo Geral é aquele que levando em conta o erro sobre o nexo causal dentro de um contexto de violência doméstica e familiar pressupõe já ter consumado o fato delituoso e pratica um novo ato, dando-se assim a consumação do crime. É o típico exemplo desenhado pela doutrina quando, Tício supondo ter matado sua namorada escava um buraco em seu quintal e a enterra, vindo à mesma a falecer em razão da asfixia. [15]

Assim, as classificações de feminicídio enumeram espécies variadas e que comportam em seu bojo situações que as doutrinas e as jurisprudências brasileiras já vinham reconhecendo nos casos julgados sob a égide da Lei Maria da Penha.

1.1.3 Estereótipo de Mulher

Enumeradas as espécies de feminicídio levantadas pela doutrina brasileira, incumbe-nos para finalizar essa primeira leitura tratar da definição e estereótipo de mulher. Em outros termos, quem poderia ser considerada mulher para fins da qualificadora do feminicídio?

Tratando do tema Francisco Dirceu Barros[16] levanta algumas questões que certamente serão objetos de discussão nesse campo; como interpretar a qualificadora do feminicídio nos casos em que a pessoa tenha realizado um procedimento cirúrgico denominado de neocolpolvulvoplastia? E se a pessoa tiver os dois sexos e predominar o masculino? E para os casos em que a pessoa promova ação judicial para a mudança de nome?

Para o professor e delegado Rogério Greco[17] essas e outras inúmeras questões poderão ser resolvidas através da análise de três critérios distintos: o psicológico, o biológico e o jurídico.

Por critério psicológico, entende-se o caso em que embora alguém tenha nascido com o sexo masculino psicologicamente acredita pertencer ao sexo feminino, ou vice e versa, vale dizer, mesmo tendo nascido mulher acredita em seu íntimo ser pertencente ao sexo masculino, a exemplo, do que ocorre com os chamados transexuais.[18]

Por critério biológico, argumenta-se que a identificação de homens e mulheres deve ser feita por meio da análise da natureza biológica, ou seja, pela concepção genética, o sexo morfológico, o sexo genético e o sexo endócrino.[19]

E por critério jurídico, a problemática se resolveria em razão da decisão judicial ou registro civil onde a pessoa figure como mulher, pertencente ao sexo feminino, possibilitando assim, que o transexual e o homossexual figurem como vítima do crime de homicídio qualificado pelo feminicídio. [20]

Observe que os critérios acima comentados trazem cada qual pontos diferentes para definir o que viria a ser mulher, isto é, o indivíduo pertencente ao sexo feminino, ora restringindo o conceito, ora ampliando.

Contudo, temos também de argumentar que há posicionamentos contrários a qualquer análise do estereótipo de mulher nos planos jurídico e psicológico, pois morfologicamente o conceito de mulher seria único. Neste sentido, Aline Bianchini e Luiz Flávio Gomes[21] salientam que o sujeito passivo da qualificadora do feminicídio nos moldes da Lei 13.104/15, faz referência expressa a figura da mulher, traduzida num dado empírico e sensorial que não admite analogia contra o réu.

Semelhante posição é adotada por Gabriel Habib[22] em vídeo tratando da inserção da Lei 13.104/15, no ordenamento jurídico brasileiro, quando debate a questão do transexual no crime de estupro e as modificações trazidas pela autorização na mudança do nome civil das pessoas. No mais, o professor afirma ainda que aquele que mata um transexual não age motivado por uma razão de gênero, mas por conta da intolerância, preconceito e discriminação.

Atente-se que o argumento empregado pelo professor Habib para excluir a figura do transexual como sujeito passivo da qualificadora do feminicídio não pode ser no todo desconsiderado, pois a morte de tais indivíduos não ocorre motivada pelos mesmos elementos que definem a qualificadora em comento, mas pelo preconceito e discriminação a posição sexual e comportamental do indivíduo.

O estereótipo de mulher como se denota traz uma discussão envolta às características físicas, psicológicas e aos direitos já reconhecidos da mudança de sexo e de identidade civil pelo ordenamento jurídico brasileiro e que exigirá da jurisprudência e das doutrinas uma análise aprofundada.

Assim, o conceito e estereótipo de mulher não podem ser vislumbrados como meros elementos que se firmariam no ordenamento jurídico brasileiro pela concepção biológica e características físicas do indivíduo.

1.2 A PRÁTICA DE “FEMINÍCIDIO” NO CONTEXTO MUNDIAL E NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Debatido o estereótipo de mulher e os recorrentes questionamentos levantados pela doutrina acerca de quem é o sujeito “mulher” para fins de aplicação da qualificadora prevista na lei 13.104/15, passaremos, nesse segundo tópico a tratar da prática do “feminicídio” na República Federativa do Brasil.

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Entretanto, antes de apresentarmos esse contexto é razoável destacarmos alguns pontos sobre a confusão terminológica acerca do gênero e sexo, bem como mundialmente o problema é identificado.

Durante milhares de anos fizemos uma imperiosa interpretação acerca de gênero e sexo como se fossem eles termos indicativos de uma mesma ideia nos esquecendo de suas características e nuances particulares.

Segundo Ana Maria D’Avilla Lopes e outros [23] o gênero é o conjunto modificável de características culturais, sociais e educacionais atribuídas pela sociedade a um comportamento humano, qualificando-o como masculino ou feminino. E sexo, o conjunto de características físicas, biológicas, psicológicas, naturais e imodificáveis que qualificam o ser humano como homem ou mulher.

Como se denota, trata-se de expressões de cuidam de dimensões distintas e colaboram para definir quem são os sujeitos pertences ao sexo masculino e feminino. A primeira, englobando questões comportamentais na sociedade e perante o Estado, e por isso modificáveis no tempo e no espaço; e a segunda, caracterizando os aspectos físicos e biológicos do ser humano.

E em meio a essa confusão terminológica acabamos por considerar a discriminação e a segregação dos indivíduos, abrindo espaços para a prática de violências, maus tratos e mortes, sobretudo, de mulheres e crianças.

Interessando-nos apenas o sujeito feminino “mulher”, dada a temática tratada nesse artigo científico, é preciso considerar não apenas o crescente número de vítimas fatais assoladas por seus companheiros, pais e irmãos, e que segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tem atingido também as lactantes, mas igualmente o contexto histórico e cultural que legitima muitas vezes tais práticas.[24]

Para se ter uma noção superficial da problemática apenas entre os anos de 2000 e 2010, cerca de 50 (cinqüenta) mil mulheres foram mortas violentamente em seu círculo familiar, sendo esse percentual em Honduras, no ano de 2014, para cada 100 (cem) mil habitantes, de 8,8 (oito vírgula oito) mulheres. [25]

Certamente o leitor ao visualizar tais dados se voltará a analisar igualmente a entrada da mulher no mercado e nos demais segmentos da sociedade, podendo inclusive questionar tão elevado percentual. 

Observe que desde as sociedades primitivas essas noções controvertidas de sexo e gênero se faziam denotar, a ponto inclusive de influenciar na divisão de tarefas na família, importância, e, ou, papel dos indivíduos no desenvolvimento daquele núcleo. Lembre-se, como frisa Fustel de Coulange na obra “A Cidade Antiga”, que as mulheres eram incumbidas do trato com o lar e a criação da prole e aos homens, o exercício de atividades de pesca, caça e exploração de vegetais e raízes.

Tal cenário ilustrava a força física masculina e o seu poder de mando dentro do contexto familiar e, em contrapartida salientava uma natureza frágil e inferior da mulher, que dependente do homem deveria se voltar apenas a coser e limpar. Neste contexto, se desenvolvia a violência, os maus tratos e a morte das mulheres.

Ainda, como salienta Olsen[26] para além de indicar as diferenças entre homens e mulheres afirmadas nesses preceitos, gênero e sexo demonstram ainda questões afetas a racionalidade do homem no desenvolvimento de trabalhos, fato que em relação às mulheres se projetava de forma inferior. Significa dizer que as mulheres além de mais frágeis e fracas eram tidas também como seres não dotados de razão e inteligência suficientes para exercer trabalhos fora do contexto familiar.

E embora não tenhamos condições precisas para debater se tal posicionamento era certo ou errado, ou, se a violência, os maus tratos e mortes eram “legítimas”, pois eram circunstâncias e contextos históricos diferentes, não é possível que hoje diante de uma sociedade contemporânea “evoluída” admitamos a sua ocorrência, sobretudo, diante da consciência de que são elas pertencentes igualmente a natureza humana e capazes de exercer  atividades além das domésticas.

Contudo, ainda que os indivíduos tenham evoluído a realidade fática das mulheres em muitos países, inclusive, na República Federativa do Brasil, nos apresenta um contexto deprimente, no qual mulheres são mortas e violentadas todos os dias e anos no núcleo doméstico e familiar.

Na Índia essa prática encontra-se relacionada ao “dote”, costume do país de se ofertar quantia de bens ou dinheiro ao noivo pela família da noiva para o aceite do casamento. Segundo a Organização das Nações Unidas, calcula-se que 25 mil mulheres recém-casadas são mortas ou mutiladas todos os anos, principalmente, por queimaduras, constituindo a sétima maior causa de morte de mulheres no mundo, entre 15 e 44 anos.[27]

Ligado a cultura e costumes, a violência e morte de mulheres podem ser visualizadas ainda no campo dos crimes contra a honra, sendo assinada autorização para que meninas e mulheres sejam assassinadas por sua própria família em casos de suspeita ou transgressão sexual, isto é, quebra de tabus ou regras de comportamento, a exemplo, a prática de adultério, relação sexual ou gravidez fora do casamento, inclusive por estupro. Frise-se que o crime é realizado para não macular a honra da família e segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), atinge cerca de 5 mil mulheres todos os anos. [28]

Na mesma seara de tradições e costumes o casamento forçado, prática comum nos países do Sul da Ásia, na África, em Bangladesh, na Índia e Níger, autoriza a morte de mulheres em razão da proteção da honra e segurança econômica todos os anos. Segundo a UNICEF estima-se que mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década. [29]

Para além de crimes que retiram a vida de mulheres todos os anos em nome de tradições e costumes, a prática de violências e maus tratos em face das mulheres é comumente desenvolvida em forma de mutilações femininas, que vão desde a remoção do clitóris até os grandes lábios, sendo possível em casos extremos a costura do órgão feminino por inteiro. Tais práticas são comuns na África, no Egito, no Oriente Médio e na Somália, e segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), poderão até o ano de 2030, atingir cerca de 86 milhões de mulheres.[30]

Como se observa a prática de violências, maus tratos e até a morte das mulheres é legitimada por contextos históricos e de tradição de determinados povos não havendo em tese questionamentos acerca da equidade de tais medidas.

E não apenas “legitimado” por culturas e tradições, esse contexto de violência e morte de mulheres é apresentado na América Latina na forma de estupros, assédios e assassinatos por discriminação de gênero. Estima-se que pelo menos 400 mulheres foram brutalmente assassinadas na década passada em “Cuidad” Juarez, na fronteira do México com os Estados Unidos da América e em 2008, mais de 700, só nas localidades da Guatemala.[31]

Na República Federativa do Brasil essa realidade não é tão diferente quanto gostaríamos que ela fosse, pois desde que fomos colonizados tivemos a presença de portugueses e estrangeiros tentando escravizar os índios e negros vindos da África. Posteriormente, o poderio dos senhores donos dos cafezais e engenhos de açúcar, que dentro dos lares era o proprietário das mulheres e filhos. E se era dono da mulher ao casar, poderia bater e até matá-la sem que isso gerasse qualquer conseqüência. Neste diapasão, Dutra[32] salienta que no Brasil antes da República, era legítimo o assassinato de mulheres, sob o pretexto do adultério pautando-se no livro V, das Ordenações Filipinas. Em outras palavras, o marido que surpreendesse a mulher em relações sexuais fora do casamento poderia matá-la juntamente com o amante. No Código Criminal de 1830, atenuava-se o homicídio praticado pelo marido quando houvesse adultério, valendo ressaltar que a relação extraconjugal do homem era tida como “concubinato”. Essa realidade perduraria até que o Código Civil de 1916, realizasse alterações na forma de dissolução do casamento, incluindo o chamado “desquite” na legislação brasileira.

E embora tenhamos evoluído legislativamente, sobretudo, após a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na atualidade a República Federativa do Brasil ocupa a quinta posição de país mais violento do mundo, pois entre o ano de 1980 e 2013, o número de mulheres assassinadas subiu de 2,3 para 4,6 para cada 100 mil habitantes. Convenhamos que da caça as bruxas até  os dias atuais pouca coisa mudou em termos de violência, maus tratos e morte de mulheres entre nós. [33]

 E se analisarmos o perfil das mulheres agredidas e o contexto das mortes verificaremos majoritariamente que são elas “negras”, “pobres” e jovens de baixa escolaridade. Trata-se de correspondente perfil de nosso Estado e do tratamento que ele concede a educação, aos direitos e a saúde das brasileiras.  É possível se visualizar outros perfis minoritariamente.

Desse modo, na República Federativa do Brasil ainda que tenhamos um ordenamento jurídico considerado promissor em comparação a outros países latinos e que nossa sociedade seja tida como “evoluída”, é possível encontrarmos vestígios da sociedade patriarcal que durante tantos anos perdurou em nossa sociedade e que se reflete hoje na forma como as mulheres são tratadas enquanto sujeito de direitos.

2. O “FEMINICÍDIO” NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

2.1 A LEI 13.104/15

Finalizada essa primeira leitura acerca das particularidades que envolvem o feminicídio, neste capítulo, nos voltaremos à análise dos pormenores da Lei 13.104/15, que institui a qualificadora em nosso ordenamento jurídico, primeiramente tratando do contexto no qual se idealizou.

Promulgada em 9 de Março de 2015, e publicada no Diário Oficial da União em 10 de março do mesmo ano, a Lei 13.104, é oriunda do projeto de Lei do Senado nº 8305/2014, e criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher.

Seguindo uma recomendação global, sobretudo, após a 57ª Comissão sobre a Situação da Mulher da ONU, realizada em Nova York em 2013, a Lei traria a tona uma séria problemática que aflige milhares de mulheres todos os dias e anos no nosso país: a morte em razão de pertencer ao gênero feminino.[34]

A época de sua discussão, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito havia coletado dados da violência ocorrida contra as mulheres nos estados brasileiros de março de 2010 á julho de 2013, chegando à conclusão de que teríamos uma taxa de 4,4 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Ainda, que entre os anos de 2000 e 2010, esses números teriam a expressão de 43,7 mil mulheres mortas, sendo 41 % delas mortas em suas próprias casas e por seus companheiros ou ex-companheiros, contribuindo para que nosso país viesse a ocupar a quinta posição dentre os mais de 80 países que mais matam mulheres. E se no Direito Comparado o feminicídio já vinha sendo tutelado por diversos países como o México, Chile, Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Espanha, Peru, entre nós não poderia ser diferente, sobretudo, após a edição da Lei Maria da Penha. [35]

Não obstante que a lei tenha sido alvo inúmeras controvérsias durante a sua fase de elaboração, principalmente, quanto aos vocábulos empregados, a exemplo, do gênero que foi suprimido, esse comando normativo poderá trazer grandes impactos na República Federativa do Brasil como a visibilidade do assunto, a identificação de entraves á aplicação da Lei Maria da Penha que até hoje persistem e um instrumento voltado a coibir a impunidade.

Assim, a Lei 13.104, é um comando normativo que salienta a luta das mulheres durante as últimas décadas e expressa em tese o comprometimento da República Federativa do Brasil com os direitos humanos.

2.2 A QUALIFICADORA DO “FEMINICÍDIO” NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Apresentado o contexto no qual se idealizou a Lei 13.104, já temos condições de debater os elementos que compõem a sua estrutura e, nesse aspecto, começar uma avaliação acerca de suas pretensões e efeitos produzidos na sociedade e perante o Estado.

Contudo, para fins didáticos e de compreensão do tema é necessário que façamos anteriormente uma breve retomada acerca do conceito e definição de qualificadora do crime e de sua função no âmbito penal e processual penal.

As qualificadoras são circunstâncias que mudam o patamar de pena fixado para um crime a um quantum já delimitado, em razão dos motivos, meios e modos em que é praticado o fato delituoso. Para estamparmos um exemplo, basta tomar o artigo 121, “caput”  e o  §2º, do mesmo artigo do Código Penal brasileiro e visualizar , respectivamente, que as penas fixadas entre seis e vinte se elevam para doze a trinta anos, quando diante das circunstâncias subscritas no tipo legal. [36]

Classificáveis em subjetivas e objetivas, as primeiras referentes à esfera interna do agente e que se ligam a motivação do fato delituoso, tais como o motivo fútil, torpe, mediante paga ou promessa de recompensa e outros, e as segundas, ao fato praticado e não ao aspecto pessoal do agente, mas a execução do crime, se consubstanciando pelo emprego de fogo, veneno, tortura e outros, é possível denotar que se tratam de enunciados que qualificam condutas do agente mais sérias e reprimíveis por parte da sociedade.[37]

Em outras palavras, são circunstâncias que desenham o crime sob uma óptica mais grave, merecendo uma punição por parte do Estado mais considerável em termos numéricos, ainda que a pena não seja um elemento ligado á vingança.

Especificamente acerca da qualificadora acrescida pela lei 13.104/15, vulgarmente denominada de “feminicídio”, é imperioso destacarmos a sua natureza para que não comentamos um erro grosseiro ao admití-la como uma nova figura delitiva, isto é, como um novo crime dentre o rol do homicídio. Frise-se não se trata de um novo crime, mas de uma nova qualificadora do crime.

Para o professor Rogério Sanchez Cunha[38] a qualificadora expressa no novo inciso VI, do artigo 121, do Código Penal brasileiro, in verbis “contra a mulher por razões de condição de sexo feminino”, trata-se daquela que reclama a situação de violência praticada contra a mulher em um contexto caracterizado por uma relação de poder e submissão praticada por homem ou mulher em face de mulher em situação de vulnerabilidade e, neste aspecto, intimamente ligada a esfera interna do agente. Logo, uma qualificadora subjetiva.

Atente-se as expressões utilizadas pelo legislador ao transcrever a qualificadora, sobretudo, as referentes á “por razões de sexo feminino” que já num primeiro olhar nos apresenta certa ambigüidade e indefinição de sentido, levando aquele velho questionamento: o que o legislador infraconstitucional quis dizer com isso? O que são razões de sexo feminino?

E para evitar esse e outros questionamentos que pudessem vir a prejudicar a sua interpretação e aplicação no caso concreto, é que o legislador acrescentou o §2º- A, ao artigo 121, do Código Penal brasileiro, elucidando a questão ao salientar que “considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação á condição de mulher”.

Ainda é imperioso destacar que a qualificadora do feminicídio foi prevista expressamente no rol da Lei dos Crimes hediondos, cujas penas somam-se entre 12 a 30 anos, não admitindo graça, anistia, indulto ou fiança e cujo, regime inicial de cumprimento da pena é fechado.

Dessa forma, na República Federativa do Brasil a qualificadora do feminicídio é um instrumento que tem vistas a concretizar um tratamento penal específico direcionado aquele que pratica um crime de homicídio em face de uma mulher em razão de pertencer ela ao gênero feminino.

2.2.1 Violência doméstica e Familiar

Salientado o conceito e definição de qualificadora do crime e apresentada uma primeira ideia do campo de abrangência da qualificadora do feminicídio, neste tópico, passaremos a exposição de seus pormenores, iniciando pela análise da “violência doméstica e familiar”.

Contudo, é conveniente dada à expressão do tema que seja apresentado anteriormente um breve conceito do termo violência e relatados alguns aspectos ligados ao seu berço de nascimento.

Segundo Zaluar[39] a expressão “violência” vem do latim consubstanciada na forma de uma junção entre o prefixo “vis” e o verbo “violare”, indicando o primeiro a noção de vigor, força e impulso e o segundo, a transgressão, força bruta que rompe e ultrapassa um determinado limite.

Trata-se, consoante definição empregada pelo minidicionário da Língua Portuguesa Ediouro[40] de termo indicativo da qualidade de violento, coação e força destrutiva. Em outras palavras, o ato que destrói e corrompe.

Especificamente em relação à violência doméstica e familiar de que trata a qualificadora do feminicídio é preciso salientar de antemão que buscamos substratos para compreendê-la na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), em seu artigo 5º, no qual é conceituada como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral e patrimonial.

Frise- se que a redação da norma do artigo 61, do Código Penal brasileiro atribui a Lei Maria da Penha a mesma tarefa, quando disciplina as agravantes do crime e argumenta que a violência contra a mulher será tratada na forma da lei específica.

A lei Maria da Penha traz o contexto da violência doméstica e familiar baseada no gênero, no âmbito da unidade familiar, doméstica ou qualquer relação íntima de afeto. O componente é assim, verificar a existência de uma violência baseada no gênero, por exemplo, marido que mata mulher pelo fato de ela pedir o divórcio.[41]

Observe que não se trata de uma espécie de violência comum, mas de uma caracterizada por aspectos peculiares e envolta ao âmbito familiar e as relações íntimas mantidas entre dados indivíduos, nas quais quase sempre há cumplicidade e afeição.

Nas palavras de Rocha [42]a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma violência dominadora, escondida, legitimada por contextos históricos e acima de tudo, silenciosa, não porque o chicote não tenha feito barulho, mas porque o choro foi embargado.

Para Dutra [43]apud CRYFERE a violência de gênero retira a dignidade do outro reduzindo o sujeito a partir daquilo que podemos chamar de “assujeitamento”, haja vista o poder externo que o oprime ser por ele mesmo interiorizado, constituindo, portanto, sua própria identidade. Em outras palavras, existe um poder que reprime e reproduz sujeitos sociais, prendendo-os a estereótipos de gênero que atribuem comportamentos baseados em regras de feminilidade e masculinidade.

Denote que, trata-se, de agressões e transgressões ligadas a uma ideologia de superioridade e força física, da qual perdurava o modelo de família tradicional e dos primórdios da humanidade. Neste sentido, Hannah Arendt[44] argumenta que a violência não é legitimada por nada, ela é justificada por uma causa maior. A violência é por natureza instrumental como todos os meios, ela sempre depende de orientação e da justificação pelo fim que almeja.

Fica claro que essas raízes nefastas e prejudiciais á família e a saúde da mulher continuam presentes ainda que tenhamos modificado leis, orientações e pensamentos sobre o papel da família na sociedade, da mulher, do homem e dos filhos. É uma chaga que insistirá em nos perseguir enquanto não nos tornarmos conscientes acerca da importância da vida e dignidade humana da qual todos nós somos dotados. E aqui não estamos tratando apenas do amor ao próximo, como bem Jesus e as religiões em todo mundo pregam, mas do respeito que devemos atribuir ao outro.

Na visão de Ramos, Santos e Dourado[45] para além de conceituar a violência doméstica e familiar é preciso compreender o ciclo de sua formação através dos relatos de mulheres agredidas. Segundo eles, é preciso considerar uma tríplice estrada, na qual se consegue destacar três fases distintas: a da tensão, explosão e arrependimento. A fase da tensão, via de regra, ocorreria com o início do conflito acarretando inúmeros problemas psicológicos as mulheres. A segunda fase, a explosão, as ameaças anteriormente declaradas se exteriorizariam e a violência física se tornaria concreta. A terceira fase, o arrependimento, ou comumente “lua de mel”, o agressor considerando o contexto prometeria mudanças á vítima, ou, em alguns casos a própria vítima entenderia que a agressão foi um momento passageiro.

Como se vê, a violência no âmbito doméstico e familiar é a expressão da triste realidade vivida por muitos lares brasileiros e estrangeiros, que somados a ignorância de muitos e a falta de conhecimentos e recursos de outros continua a manter esse cenário.

Dessa forma, a violência doméstica e familiar na qualificadora do feminicídio é aquela referente na Lei Maria da Penha, em seu artigo 5º, e indicativa de ações e ou omissões de gênero que no âmbito familiar ou de relações íntimas cause danos, lesões e mortes as mulheres pelo fato de serem elas mulheres.

2.2.2 Menosprezo á condição de mulher

Sopesado alguns pontos da violência doméstica e familiar, a seguir, trataremos do segundo elemento que compõe a qualificadora do crime de homicídio previsto no artigo 121, §2º, A, do Código Penal brasileiro; o menosprezo á condição de mulher.

A expressão menosprezo, segundo definição do minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa[46] é aquela indicativa da ação ou efeito de menosprezar, o desprezo, desdém. Em outras palavras, trata-se de ato voltado a depreciação de algo ou alguém por motivos de cunho ideológico ou social, ao qual aquele indivíduo tenha aderido e que o faz desconsiderar sem juízo algum o valor de outro que não tenha a sua mesma ideologia ou “valor”.

Para Rogério Greco[47] o menosprezo trazido pela Lei 13.104/15, cuida desse sentimento de aversão, repulsa e repugnância a uma pessoa do sexo feminino pelo simples fato de ser ela pertencente ao gênero feminino.

Neste mesmo sentido, salientam Aline Bianchini e Luiz Flávio Gomes[48] ao transcreverem artigo sobre o tema, que se trata de expressão verificada quando o agente pratica o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela vítima, configurando dentre outros, desdém, desprezo, depreciação, desvalorização.

Por óbvio esse menosprezo é produto ainda de uma sociedade caracterizada por velhos dilemas e problemas deixados pela família tradicional, na qual se ensinava a todos que as mulheres eram seres submissos e fracos, quer seja em termos de inteligência, força e estado psicológico.

Observe que não se analisa o papel da mulher na formação da família e da sociedade com as devidas considerações, sobretudo, quando ela e somente ela carrega em seu ventre os filhos, futuros homens e mulheres que irão povoar e formar a sociedade.

Frise-se que não estamos aqui tentando promover falas do feminismo para estampar a grandiosidade que é a figura da mulher, mas demonstrar que pessoas, quer sejam homens e mulheres, que pensem a respeito da mulher com menosprezo não compreenderam ainda a real natureza do ser humano e o papel que cada um de nós desempenha na sociedade, no Estado e nas nossas próprias famílias.

Assim, o menosprezo de que trata a qualificadora do feminicídio é expressão caracterizadora do desprezo e desdém atribuído a mulher pelo fato de ser ela pertencente ao sexo feminino. É o elemento que ainda precisa constar em lei e atribuir pesada punição.

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2.2.3 Discriminação á condição de mulher

Tecidas considerações acerca do menosprezo á condição de mulher, comentaremos por fim, a discriminação á condição de mulher, circunstância que qualifica o crime de homicídio previsto no artigo 121, §2º, “A”, do Código Penal brasileiro.

O termo discriminação segundo o minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa[49] é afeto ao ato de distinguir, diferenciar e dentre os elementos que formam a qualificadora do feminicídio, talvez seja um do mais recorrente na mídia, sobretudo, porque a discriminação aparece envolta a cor da pele, orientação sexual, liberdade religiosa e outros temas.

Frise-se, inclusive, que a República Federativa do Brasil é signatária de inúmeras convenções sobre a eliminação de discriminações e especificadamente sobre a discriminação contra a mulher ratificou em 1984, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.

Segundo Rogério Greco[50] a discriminação á condição de mulher estampada na qualificadora do feminicídio deve ser entendida no sentido de tratar de forma diferente, distinguir pelo fato da condição de mulher da vítima. Em outras palavras, atribuir um tratamento diferente considerando a natureza física, mental e psicológica das mulheres, além dos aspectos relacionados à força física, como se não fossem elas também seres humanos dotados de dignidade e valor.

Para Ana Maria Lopes e outros [51] essa ideia de discriminação contra a mulher teria sido construída na antiguidade a partir da distribuição das tarefas entre os membros da família. A mulher se incumbiu à tarefa de tratar do lar e dos filhos e ao homem a busca por alimentos.

Denote que tal como no menosprezo, tratado anteriormente, novamente incorremos na velha questão ligada à superioridade, inteligência e força física que alguns homens acham possuir para além das mulheres, sem considerar as particularidades que definem cada ser humano.

Igualmente, essa discriminação pode envolver ainda o comportamento, forma de se vestir e a prática de determinados atos por parte das mulheres e que cuja parcela da sociedade não concorde.

Desta feita, a discriminação contra a mulher é o ato de diferenciar, distinguir em razão do gênero pertencente à mulher, que em seu bojo nutre ainda uma ideologia de superioridade, inteligência e força física das quais as mulheres não seriam detentoras.

2.3 AS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO FEMINICÍDIO

Especificados os pormenores da qualificadora do feminicídio na República Federativa do Brasil, a esse capítulo importará a tarefa de tratar das causas de aumento de pena previstas para os crimes de homicídio praticados contra a mulher em razão do gênero.

Consoante §7º, do artigo 121, do Código Penal brasileiro, trata-se das circunstâncias que envolvam a presença de ascendente ou descendente; durante a gestação, ou, nos três meses posteriores ao parto, e contra pessoa menor de 14 anos e maior de 60 anos, que dada a maior “reprovabilidade” da conduta do agente autorizam o aumento de 1/6 a 2/3 da pena. Senão vejamos, uma a uma.

A primeira delas “durante á gestação, ou, nos três meses posteriores ao parto”, estampada no §7º, inciso I, da norma do artigo anteriormente citado, deve ser conhecida pelo agente, pois exige o dolo de sua parte. Ante a ausência de vontade e consciência do agente não haverá o aumento, por ser caracterizado pelo erro de tipo. [52]

No que tange aos três meses posteriores ao parto, segundo especialistas da área da saúde esse seria o tempo considerável para a ocorrência do desmame da criança, o que não significa o aleitamento materno.

Em comentário ao inciso I, Rogério Greco[53] argumenta que para além de conhecermos as particularidades da gestação e o lapso temporal de três meses posteriores ao parto, temos também de analisar as inúmeras hipóteses que podem ocorrer e salientar a responsabilidade subjetiva do agente, quais sejam: a da mulher e o feto morrerem e o agente responder pelos crimes de aborto e feminicídio consumados; a mulher sobreviver e o feto morrer, o agente responder por aborto consumado e tentativa de feminicídio; a mulher morrer e o feto sobreviver, o agente responder por tentativa de aborto e feminicídio consumado.; a mulher e o feto sobreviverem, o agente responderá pela tentativa de aborto e tentativa de feminicídio.

Note que não incidirá a causa de aumento prevista no artigo 61, II, h, tão pouco a do artigo 61, II, “f”, ambas do Código Penal brasileiro, pois a causa de aumento do §7º, inciso I, é específica do crime de homicídio qualificado pelo feminicídio.

A segunda causa de aumento trazida pela lei “contra pessoa menor de 14 anos e maior de 60 anos”, leva em conta a idade dos sujeitos envolvidos e fixa como regra a ideia de que quanto mais velho for o sujeito maior será o aumento. Em outras palavras, trata-se de causa de aumento específica que tende a prevalecer sobre qualquer outra, excetos nos casos especiais, a exemplo, se envolver deficiente físico se regulamentará pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.[54]

Referendada a causa de aumento prevista no inciso II, do §7º, da norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro, a terceira delas; “na presença de descendente ou ascendente”, representa tal como às outras uma maior “reprovabilidade” da conduta do agente por deixar marcas profundas nas vítimas e nas pessoas que se encontram envolvidas ao caso. Segundo o professor Gabriel Habib[55] em vídeoaula divulgada no ano de 2015, a causa de aumento “na presença de descendente ou ascendente”, é uma norma restritiva que não admite uma interpretação diferente da ofertada pelo legislador, posto que quando fala em “presença”, estamos diante de uma apresentação física do indivíduo, quer seja ele descendente ou ascendente da vítima.

Entretanto, é importante frisar que a interpretação dada a esse dispositivo por outros autores não é a mesma seguida por Habib, sobretudo, por autorizar o Processo Penal brasileiro e o ramo civil a realização de audiências virtuais, que são procedimentos solenes na busca pela verdade dos fatos e a concretização da justiça. Se um fato como este pode ser realizado não presencialmente não haveria motivos justos para afirmar que a violência, o menosprezo, a discriminação que resultem na violência ou morte de uma pessoa na presença de seus descendentes ou ascendentes não pudesse também admitir o uso das tecnologias, tais como “skype”, telefone, “whatsapp” e outros.[56]

Assim, as causas de aumento previstas no §7º, incisos I, II e III, do artigo 121, do Código Penal brasileiro estampam a preocupação do legislador em reprimir com maior veemência os fatos que causam uma maior reprovação por parte da sociedade, sobretudo, aqueles que envolvam crianças, idosos e parentes da vítima.

3. O FEMINICÍDIO E O DIREITO: CRÍTICAS A LEI 13.104/15

3.1 A QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO NO PLANO JURÍDICO

Vislumbradas as minudências da Lei 13.104, que institui em nosso ordenamento jurídico a qualificadora do feminicídio, neste capítulo, abordaremos algumas críticas feitas pela doutrina acerca de seus conceitos, finalidades e implementação.

Tal como toda norma relativamente nova a lei tem em torno de si uma grande expectativa de promover mudanças e desencadear processos favoráveis a punição dos indivíduos que pratiquem homicídio de mulheres, mas não diferente de outras normas acaba ela por se deparar com aspectos da realidade social que não foram devidamente visualizados pelo legislador, surgindo daí inúmeras controvérsias.

Como bem pondera Filho[57] uma delas seria a sua aparência progressiva, dado que para o governo e o Congresso Nacional o tema é ainda agenda positiva em meio a um turbilhão de más notícias, agradando aliados e inibindo severos críticos. Contudo, é um grande desastre técnico, que conspira contra o equilíbrio, a equidade e a lógica do Código penal brasileiro.

Frise-se que o referido autor faz uma crítica baseado nas rápidas mudanças promovidas pelo legislador e que no plano fático e jurídico levam a reformas do Código Penal brasileiro desconexas e sem uma responsabilidade adequada.[58]

Ainda, atente-se, que a qualificadora seria desnecessária para fins de punição no mesmo patamar das penas de 12 a 30 anos, em face da existência das qualificadoras transcritas no artigo 121,§ 2º, I e II, do Código Penal brasileiro, que expressam os motivos do agente na prática do crime, tal como o faz a qualificadora do feminicídio.

Em mesmo sentido á desnecessária existência da qualificadora do feminicídio em nosso ordenamento jurídico, extrai-se outra crítica referente à pessoa do crime de homicídio e a sua classificação pautada na vulnerabilidade. Segundo Filho[59] não faria sentido algum compartimentar o alguém do artigo 121, do Código Penal em razão da vulnerabilidade da vítima, pois a expressão “pessoa” designa o homem, enquanto ser humano dotado de dignidade, direitos e deveres. Igualmente, levaria a abertura de caminho para outras demandas semelhantes, ao concretizar a violação do princípio da universalidade do homicídio.

Note que tal crítica se assenta na preocupação de que o homicídio deixe de se pautar na “pessoa” e passe a designar indivíduos dotados de certas particularidades como, por exemplo, homossexuais. As pessoas não devem ter o valor atribuído por suas características ou escolhas pessoais, enquanto componentes da sociedade, tão pouco o Direito Penal deve a elas se dirigir assim. A punição pela morte de pessoa deve ser realizada em razão do seu valor, enquanto indivíduo dotado de dignidade, independente de quaisquer elementos.

Discriminar indivíduos em razão do sexo, cor, opção sexual e outros quaisquer elementos para fins de punição do crime de homicídio é exercer uma discriminação sem tamanho, que atenta contra os princípios sob os quais nos baseamos, sobretudo, os da igualdade e dignidade humana. Não atribuíamos valor diferente a um e outro, todos somos seres humanos e mereceremos igual respeito.

Dessa forma, a qualificadora do feminicídio no plano jurídico brasileiro se mostra em meio a uma série de divergências doutrinárias e jurídicas que afastam a sua maestria, enquanto norma voltada à proteção e punição das mulheres vítimas de violência e morte em razão de pertencerem ao sexo feminino, abrindo espaço para uma velha conhecida questão brasileira: a desigualdade entre homens e mulheres.

3.2 O PARÁGRAFO 2º- A, DO ARTIGO 121, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Referidas algumas críticas relativas à qualificadora do feminicídio de uma forma ampla, passaremos a exposição das críticas feitas ao parágrafo 2º, “A”, da norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro.

O dispositivo em questão considerando o artigo 121, §2º, VI, do Código Penal brasileiro, objetiva apresentar uma definição do que viria a ser razão de condição de sexo feminino, ao ligá-lo a violência doméstica  e familiar,  menosprezo ou discriminação á condição de mulher, tal como anteriormente debatido por nós.

Entretanto, observe que o legislador ao inserí-las acaba por provocar certa redundância e confusão com o termo “femicídio”, já anteriormente debatido, levando o intérprete a concluir pela sua inutilidade.

Frise-se que a redundância a qual nos referimos implica no fato de que os próprios termos “razão de condição de sexo feminino” já guardam consigo a violência, o menosprezo e a discriminação á mulher. A confusão, por sua vez, aparece quando o homicídio é praticado sem considerar a razão de condição de sexo feminino, denominando-se “femicídio” e não feminicídio. Neste sentido, esclarece o professor Rogério Sanches Cunha[60]:

[...] feminicídio, comportamento objeto da lei em comento, pressupõe violência baseada no gênero , agressões que tenham como motivação a opressão á mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou discriminação á condição de mulher da vítima. A previsão deste (infeliz) parágrafo, além de repisar pressuposto inerente ao delito, fomenta a confusão entre feminicídio e femicídio, matar mulher na unidade domestica e familiar (ou em qualquer ambiente ou relação), sem menosprezo ou discriminação á condição de mulher é femicídio. Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação á condição de mulher, ai sim temos “feminicídio”.

Assim, o parágrafo 2º, A, do artigo 121, do Código Penal brasileiro ao tentar trazer uma definição do que viria a ser razão de condição do sexo feminino acaba por resultar em uma confusão terminológica e redundância de termos ao invés de auxiliar o intérprete da norma.

3.3 A LEI 13.104/15 E O DIREITO SIMBÓLICO

Comentadas as críticas ao parágrafo segundo da norma do artigo 121, do Código Penal brasileiro, por fim, comentaremos algumas nuances acerca da simbologia envolta a qualificadora do feminicídio na República Federativa do Brasil.

A expressão “simbólico” segundo o minidicionário da Língua Portuguesa Ediouro[61] designa algo alegórico e representado por símbolos. Em outras palavras, algo abstrato ou ausente, que no plano jurídico se volta a caracterizar basicamente normas que não resolvem os problemas, mas apenas salientam a atenção do legislador.

Segundo o professor Júlio Gomes Duarte Neto, Direito penal simbólico[62] é:

[...] aquele que tem fama de ser rigoroso demais e por esse motivo acaba sendo ineficaz na prática, por trazer meros símbolos  de rigor excessivo que, efetivamente, caem no vazio, diante de sua não aplicação efetiva, justamente pelo fato de ser tão rigoroso. [...].

Em outras palavras, trata-se de uma rápida resposta legislativa aos clamores da sociedade ou de dado grupo social pautado na falsa ideia de repreensão. Frise-se que há aqui uma distorção quanto à finalidade da lei, ante ao estado de emergência vivido.

Observe que o legislador se volta ao atendimento do problema de forma mais rápida sem levar em conta as devidas particularidades, isto é, suas características, efeitos e indivíduos envoltos, pois o que importa é a resposta a sociedade, que pouco entendendo do assunto acredita na solução.

Infelizmente a qualificadora do feminicídio, estampada na lei 13.104/15, está inserida no rol desse direito penal simbólico quando não resolve o problema da morte de mulher em razão da condição de sexo feminino, mas apenas ressalta a atenção do legislador. Segundo Filho[63] essa ineficácia foi percebida inclusive pelo editorial da Folha, quando destacou que o preconceito de jurados e juízes ainda permite a impunidade de homicídio contra a mulher e que a realidade não desaparecerá por toque de mágica.

Saliente-se que a lei por si só não é capaz de diminuir delitos e operar na sociedade uma paz social, é preciso antes de tudo que os indivíduos compreendam o problema e os efeitos que ele produz. Isso não é diferente no tema em que tratamos, pois apenas com a conscientização e educação de homens e mulheres é que a violência, o menosprezo e a discriminação poderão desaparecer.

Neste sentido, a Organização das Nações Unidas afirma que para se combater o feminicídio é preciso reforçar a vigilância e o rastreio, capacitar e sensibilizar profissionais de saúde e policiais, aumentar a prevenção e pesquisa de intervenção, reduzir a posse e uso de armas, incentivar a investigação e a consciência acerca desses tristes assassinatos em nome da “honra”. [64]

Note que se trata muito mais do exercício de políticas públicas que não são exercidas do que propriamente de legislações infraconstitucionais, até mesmo porque nossa Constituição em diversas passagens ressalta a igualdade, o respeito e a dignidade da mulher, enquanto indivíduo componente da sociedade.

Não podemos deixar de ressaltar também nesse plano de simbologia da lei que essa realidade é fruto de uma velha cultura brasileira e quiçá mundial, na qual a figura da mulher deveria ser oprimida e hostilizada. Tal como o conceito de família levou décadas para permitir a inserção de novos modelos que não os tradicionais, lutamos ainda para extirpar de nossa sociedade essa injusta e preconceituosa violência contra a mulher.

Assim, a Lei 13.104/15, enumera uma simbologia ao tentar repreender o crime de homicídio pautado com uma nova qualificadora em razão da condição de sexo feminino, quando na realidade não traz ela nenhum efeito jurídico concreto que demonstre uma mudança real e favorável as mulheres vítimas de violência, menosprezo e discriminação.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos o presente trabalho salientando que nossa pretensão não se voltou ao esgotamento do tema, mas apenas a fomentar pontos que levem o leitor e intérprete da norma a questionar o seu conteúdo, eficácia e o contexto no qual ela se insere.

Do mesmo modo que não estamos a afirmar que a referida qualificadora não possa vir a produzir algum ou alguns efeitos favoráveis as mulheres, apesar das incongruências salientadas em seu bojo.

Em verdade, nosso objetivo foi demonstrar que sob o aspecto jurídico a lei em questão não traz mudanças significativas, a ponto de se falar em uma considerável inovação, pois pelos argumentos expostos vimos que o patamar legal não foi modificado, se comparado com as outras qualificadoras já existentes e que inclusive se amoldam as “razões de condições de sexo feminino”.

Ainda que inserções legislativas por si só não implicam em mudanças nos contextos fáticos da sociedade, pois uma norma legal não tem o condão de transformar indivíduos em bons ou maus. A pena tem o papel de punir o infrator e ressocializá-lo e não de promover intimamente a sua educação e respeito ao direito do próximo.

Uma realidade como esta vivida por nós e outros inúmeros países só se muda com educação, respeito e políticas públicas voltadas às mulheres e, principalmente, aos homens, que em sua grande maioria são os autores desses tristes acontecimentos. Isso só demonstra que ainda não aprendemos a respeitar e valorizar o nosso próximo. Pensemos nisso.

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Sobre a autora
Bruna Conceição Ximenes de Araújo

Advogada. Graduada em Direito. Pós-Graduada em Direito Constitucional.

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