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O lado sub da cidadania a partir de uma leitura crítica da mídia

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Enfim... A plenitude do rico e a busca do pobre.

É difícil encontrarmos na mídia uma relação do termo cidadania com o que faça referência às classes A e B, mas sim, com tudo que se refere às classes mais baixas. O povo é tratado como o pobre e o conceito de cidadania é trabalhado como algo não alcançado ainda pelas classes menos favorecidas economicamente.

Fica absolutamente implícito nos discursos a referência à busca pela cidadania quando a palavra cidadão também tem um conceito pejorativo de sujeito menor socialmente falando. Cidadania aparece ligada ao povo, à pobreza, à precariedade. O policial aborda o intelectual e lhe trata por senhor, às vezes por doutor. Mas se aborda o pobre lhe trata por cidadão. Há uma retórica pejorativa de impacto coletivo do significado de cidadania e isso se reflete na sociedade que vai identificando em diversos movimentos a relação de cidadania e pobreza.

Como exemplo, a OVG – Organização das Voluntárias de Goiás mantém o “Restaurante Cidadão”, com características muito populares, e refeições a um real. O cardápio é elaborado com base no Programa de Alimentação do Trabalhador, do Ministério do Trabalho e Emprego. A mesma organização coordena o “Departamento de Apoio ao Cidadão (DASC)” e garante atendimento especial aos portadores de deficiências, temporárias ou permanentes, e pessoas de baixa renda, com doações de benefícios sociais e encaminhamentos para outros órgãos e instituições parceiras da Organização.

Tudo com base na situação socioeconômica do solicitante. Entre os benefícios sociais estão a doação de andadores, bengalas, cadeiras de rodas (padrão e higiênica), colchões d’água e caixa de ovo, enxovais, fraldas descartáveis, malhas compressivas, muletas axilares, muletas canadenses, óculos de grau e leites especiais.

O conceito midiático de cidadania materizaliza-se e reforça-se na figura do assistencialismo estatal, do atendimento emergencial, da resolução parcial dos problemas que, supostamente, já deveriam ter sido suplantados (esgoto, asfalto, segurança, saneamento, educação, etc.).

Ser cidadão está mais para pedinte, deficiente, pobre e ignorante do que para um indivíduo consciente e com uma conduta embasada em valores éticos vigorosos, centrados no individual mas, também, na coletividade, na dignidade e liberdade para decisões!

Ser cidadão, afora a identidade de eleitor, hoje no Brasil, é ser também um indivíduo periférico, alheio e fora dos centros decisórios. Só se é cidadão para votar e não para participar dos processos de decisões!

O discurso midiático se traveste de uma preocupação em esclarecer, munir de informações, didaticamente explicar as formas de alcance da cidadania, em ações que vão desde um mutirão para cortes de cabelo e aquisição de documentos como certidões de casamento, nascimento, registros gerais (RG), carteiras de trabalho, enfim, formas legais de inserção na sociedade.

Se pensarmos que o direito à informação é uma questão de cidadania, poderemos considerar que no momento em que a mídia dá voz ao indivíduo ela está garantindo o seu exercício de cidadania. Na verdade o processo é um direito à voz concedida pelos meios de comunicação de massa para o exercício do direito de reivindicação da cidadania, o que corrobora com a existência da busca e não da concretização do fato.

A mídia apresenta o conceito de cidadania como algo em busca, o ideal de quem ainda não é cidadão e precisa chegar a essa categoria existencial. Não encontramos a palavra subcidadania nos discursos midiáticos, o que poderia nos levar num primeiro momento a compreender que a mídia não considera a subcidadania. Mas isso seria um erro, porque na verdade a mídia trabalha frequentemente com subcidadania em seus discursos e não com cidadania.

Na verdade, fala-se a palavra cidadania, mas sempre no sentido de tudo que falta, de um objetivo a ser alcançado. Os conceitos de cidadania são, na verdade, conceitos de subcidadania. O discurso é feito para o subcidadão, sob o título de “busca pela cidadania”, a subcidadania encontrou um sinônimo capaz de não chocar os pertencentes a esta categoria.

Os desprivilegiados economicamente são subcidadãos, categorizados no discurso midiático dos desejantes, buscadores da cidadania, pedintes de uma doação do Estado que deve lhe oferecer saúde, educação, lazer e segurança para que ele também atinja o status de cidadão.

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Se refletirmos sobre os quatro pilares de sustentação da sociedade anteriormente legitimados, aqui definidos como 4Ps (pai, professor, político, padre/pastor) representantes simbólicos da família, escola, Estado e igreja, veremos que e a própria Igreja se apropria hoje de canais de televisão para que a voz do padre/pastor seja legitimada pela estética televisiva de reconhecimento de valoração e passe a ser utilizada pela sociedade muito mais porque adveio da televisão do que dos templos religiosos e com isso transformam os seus interlocutores em celebridades midiáticas, com reconhecimento de voz.

Também podemos considerar que a existência de um dos elementos de referência da identidade como cidadão pode, ora vir de uma relação do consumo, ora pela prática discursiva midiática, pode ainda vir pela possibilidade de voz na sociedade, pode ainda ser pelo caráter legal, onde quem possui um título de eleitor é considerado cidadão.

Segundo o Artigo 1º da Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, da Casa Civil, Presidência da República (1965), “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público (...) A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”. Ou seja, para o Governo, ser eleitor é a prova da cidadania.

Mas será então que possuir um dos elementos constitutivos da plenitude da cidadania já caracteriza uma pessoa como cidadão, exercendo plenamente seus direitos e deveres na sociedade? A nossa resposta seria não! Possuir um dos elementos marca a busca pela cidadania consagrada pela mídia para que um dia se chegue ao status de cidadão.

O cidadão é aquele que está na sociedade de forma economicamente privilegiada e pode pagar pela cidadania, comprando saúde, educação, segurança, lazer, por exemplo, ou seja, a cidadania é comprada, é privada, disponível e acessível para quem pode pagar por ela. Assim, cidadania tem a ver com o privado e a busca da cidadania tem a ver com o que é público. Cidadania é a plenitude de existência do rico e a busca constante do pobre.


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Sobre o co-autor: Marcelo dos Santos Cordeiro é sociólogo, advogado, professor universitário (titular) junto à IES" Faculdade de Tecnologia GAP "(http://www.gap.edu.br/) das disciplinas" Comportamento do Consumidor "e" Fundamentos de Marketing "(graduação) dos cursos de Gestão Comercial e Gestão Financeira e em outras disciplinas específicas nas pós-graduações da referida Instituição (ver http://lattes.cnpq.br/6994071382772931).

Referência Bibliográfica do texto:

TUZZO, Simone Antoniaci. O lado Sub da Cidadania a partir de uma leitura crítica da Mídia. In: PAIVA, Raquel e TUZZO, Simone Antoniaci. Comunidade, mídia e cidade: Possibilidades comunitárias na cidade hoje. UFG/FIC. Goiânia: 2014.


Notas

[1] Este trabalho é resultado de leituras, reflexões e pesquisas de campo realizadas coletivamente no âmbito da disciplina “Cidadania e Leitura Crítica da Mídia”, ministrada pela professora Simone Antoniaci Tuzzo junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (PPGCOM/FIC/UFG). O curso foi realizado no segundo semestre de 2013. Também envolveu os pesquisadores do Laboratório de Leitura Crítica da Mídia (LLCM/UFG).

[2] Artigo produzido pela Profa. Dra. Simone Antoniaci Tuzzo e os alunos matriculados na disciplina “Cidadania e Leitura Crítica da Mídia”: Adriana Oliveira; Ana Manuela Arantes Costa; André Almeida Nunes; Bruna Ribeiro; Delfino Curado Adorno; Lara Guerreiro; Letícia Fernanda Vieira Santana; Luiza Ribeiro; Marcelo dos Santos Cordeiro; Nauália Gabrielle Amaral Teixeira.

Sobre os autores
Marcelo dos Santos Cordeiro

Sociólogo, advogado, professor universitário (titular) junto à IES Faculdade de Tecnologia GAP das disciplinas Comportamento do Consumidor e Fundamentos de Marketing (graduação) dos cursos de Gestão Comercial e Gestão Financeira e em outras disciplinas específicas nas pós-graduações da referida IES. http://lattes.cnpq.br/6994071382772931 [colar na barra de endereço do navegador e dar um "Enter"]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Marcelo Santos; TUZZO, Simone Antoniaci. O lado sub da cidadania a partir de uma leitura crítica da mídia . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4972, 10 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55607. Acesso em: 22 dez. 2024.

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