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Breves considerações acerca da isonomia em concursos públicos

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O objetivo deste artigo é verificar como deve ser observada a isonomia pela Administração Pública e de que forma ocorre a sua violação em sede de concurso público.

1. INTRODUÇÃO

Como delimitação do tema, será discutida a isonomia como princípio no contexto da Administração Pública, especialmente no que concerne ao concurso público. Destarte, o objetivo deste trabalho é verificar como deve ser observada a isonomia pela Administração Pública, de que forma ocorre a sua violação em sede de concurso público, bem como se é possível haver discriminações por parte daquela sem que atente a este princípio e sem que incorra em injustiças.

Para tal, serão debatidos alguns princípios constitucionais expressos e implícitos aplicáveis à Administração Pública (itens 2 a 2.2). Em seguida, abordar-se-á sobre o concurso público como garantia constitucional da igualdade e sobre seus princípios específicos (Itens 3 e 3.1). Como desdobramento, discutir-se-á acerca do princípio da igualdade como vetor do concurso público na busca pela justiça. Com isso, adotando os parâmetros da correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida, empregados pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, verificar-se-á em que circunstância ocorrerá a violação da isonomia por parte da Administração Púbica e em qual situação será possível discriminar um candidato a cargo púbico, sem afrontar o princípio da igualdade (Itens 3.2 e 3.2.1). Após, far-se-á um recorte jurisprudencial, por meio do qual serão demonstrados (e discutidos) alguns julgados em que houve nítida violação da igualdade pelo Estado em face de candidatos durante a sua avaliação em concursos públicos (Itens 4 a 4.3). Por fim, com base nos princípios e conceitos apresentados neste trabalho, serão tecidas algumas considerações (Item 5).


2. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPRESSOS E IMPLÍCITOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os princípios são importantes no ordenamento jurídico, pois são eles mandamentos nucleares ou alicerces que irradiam todo o sistema jurídico, servindo, portanto, de vetores interpretativos da norma ao caso concreto. Por esta razão, dada a importância dos princípios para o sistema de leis, é que se diz:

Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais. (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 53).

Destarte, faz-se mister o destaque dos princípios constitucionais do Direito Administrativo, a fim de que se possa analisar a equidade (igualdade) entre a Administração Pública e o particular, em especial quando este está prestes a fazer parte dos quadros de servidores públicos daquela.

2.1. Dos Princípios Implícitos ou Supraprincípios do Direito Administrativo

A Constituição Federal de 1988 não esgota o rol de princípios aplicáveis à Administração Pública, razão pela qual a doutrina pátria acaba por acrescentar outros princípios igualmente importantes ao ordenamento jurídico. Ressalta-se que os princípios não expressos na Constituição Federal de 1988 são, também, de observância obrigatória ao operador do Direito e a todos aqueles sobre os quais devam incidir, vez que o próprio texto constitucional traz, expressamente, no artigo 5.º, § 2.º, in verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”.

A doutrina administrativista chama de “supraprincípios” ou “superprincípios” aqueles dos quais derivam todos os demais princípios e normas do Direito Administrativo. São dois, a saber: a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público.

O superprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, motivo pelo qual a Administração Pública recebe da lei poderes especiais que não se estendem aos particulares (MAZZA, 2015, p. 95/96). Por este motivo, é possível afirmar que, em determinadas situações, a Administração Pública está em posição de superioridade em relação ao particular. Como decorrência deste superprincípio, é criada uma “desigualdade jurídica” entre Administração e os administrados, justamente para que os interesses particulares não se sobreponham aos da coletividade.

A supremacia do interesse público é tão vital para a atividade administrativa que, conforme nos ensina Di Pietro (2012, p. 65), “Esse princípio está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação”. Como exemplos de supremacia do interesse público, previstos na Constituição Federal de 1988 e em normas infraconstitucionais, tem-se a desapropriação, que, grosso modo, transforma, compulsoriamente, a propriedade privada em pública, mediante justa e prévia indenização; a requisição de bens, que é o uso pela Administração Pública da propriedade privada em situações de iminente perigo público, com ulterior indenização se causar dano; e o exercício do poder de polícia pelo Estado.

Ao lado deste, há o superprincípio da indisponibilidade do interesse público, que consiste na atuação dos agentes públicos não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela lei. Assim, diz-se que os atos administrativos são “poderes-deveres”, pois

[...] são poderes que ela (a Administração Pública) não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão. Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são outorgadas por lei; não pode deixar de punir quando constate a prática de ilícito administrativo; não pode deixar de exercer o poder de polícia para coibir o exercício dos direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; não pode deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não pode fazer liberalidade com o dinheiro púbico. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o interesse público que está sendo prejudicado (DI PIETRO, 2012, p. 67).

Com efeito, a Administração Pública não pode transigir ou obrigar a fazer ou deixar de fazer, ou ainda se omitir nos atos afetos à coletividade ao seu bel prazer, mas tão-somente quando a lei o assim determinar ou autorizar. Por exemplo, não pode o agente de vigilância sanitária deixar de aplicar uma sanção a um estabelecimento comercial, quando constatar alguma irregularidade nos alimentos nele vendidos só pelo fato de o proprietário ser seu amigo ou lhe oferecer propina. Com o interesse público não se negocia.

2.2. Dos princípios Constitucionais Expressos da Administração Pública

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, prevê, expressamente, alguns princípios da Administração Pública, in verbis: “A administração púbica, direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”.

De acordo com o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode praticar atos autorizados em lei. Nota-se que tal princípio difere do princípio da legalidade previsto no artigo 5.º, inciso II da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Neste último caso, a legalidade, aplicada nas relações particulares (isto é, entre pessoas – físicas ou jurídicas na seara privada), significa que se pode fazer ou deixar de fazer tudo o que a lei não proíba. Assim, se nada disser a lei, o particular está autorizado a praticar qualquer conduta. Por isso, diz-se que a legalidade, prevista no artigo 5.º da Constituição Federal, é lato sensu, sentido amplo. Já a legalidade, inserida no artigo 37, caput, do texto constitucional, é dirigida exclusivamente ao agente público quando investido de poderes para administrar a res pública. Destarte, esta legalidade é denominada pela doutrina de stricto sensu, ou legalidade restrita, pois a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei (DI PIETRO, 2012, p. 64). Desse modo, um decreto regulamentar não poderá criar obrigações ou direitos aos administrados (não pode inovar na ordem jurídica) se não estiverem previstos em lei.

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O princípio da impessoalidade estabelece uma atuação imparcial e objetiva da Administração Pública na busca pelo interesse público, sendo vedados discriminações e privilégios a particulares. Assim, não pode o agente público, por exemplo, desapropriar imóvel de seu desafeto, alegando supostamente necessidade pública, sob pena de violação da impessoalidade. Tampouco lhe é autorizado nomear parentes para ocuparem cargos ou funções públicas (nepotismo), pois estaria atuando de forma parcial, privilegiando os seus. Tal princípio guarda estrita relação com outro, o da igualdade, vez que ao agir de forma discriminatória ou com privilégios indevidos, o agente público violaria a igualdade material. Ademais, relaciona-se ao princípio da impessoalidade a vedação de promoção pessoal de autoridades públicas, como prefeitos, governadores ou presidente da república que se utilizam das obras públicas para fazerem propagandas de seus partidos ou de si próprios. Aliás, sensibilizado pelos abusos cometidos por tais autoridades em períodos eleitorais, o legislador constituinte inseriu, no artigo 37, § 1.º da Constituição Federal uma norma limitadora da atuação do administrador público, conforme segue: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Dentre os exemplos, citamos alguns apontados pela doutrina, quais sejam: ofende a impessoalidade batizar logradouro público com nome de parente para eternizar o famoso sobrenome do político; também ofende o princípio da impessoalidade o uso de logomarcas de partidos políticos ou que identifiquem o agente político em equipamentos públicos.

Nota-se, portanto, que, pelo princípio da impessoalidade, há um caminho de mão dupla, isto é, de um lado, o administrado deve receber tratamento sem discriminações ou preferências, de outro, o agente público não pode imprimir pessoalidade, associando sua imagem pessoal a uma realização governamental (MAZZA, 2015, p. 108).

Com relação ao princípio da moralidade administrativa, pode-se afirmar que tal princípio consagra o respeito a padrões éticos, de boa-fé objetiva, decoro, honestidade e probidade por parte do agente público.

O princípio da publicidade determina à Administração Pública o dever de divulgação oficial dos seus atos administrativos. Deste conceito, decorrem três importantes objetivos destacados pela doutrina pátria: a transparência, a eficácia e o controle de legalidade do ato administrativo. Ao dar publicidade em suas condutas, a Administração Pública age de forma transparente, permitindo que seus administrados possam, ao mesmo tempo, ter acessos às informações de seu interesse ou de interesse coletivo e fiscalizar a atuação administrativa, inclusive batendo às portas do Poder Judiciário, que exerce o controle de legalidade dos atos administrativos. A publicidade da vontade administrativa desencadeia a produção de seus efeitos, sendo certo que se trata de condição de eficácia dos atos administrativos a sua publicação oficial. Se o governador assina decreto e não o publica, embora o ato já exista, ele não irradiará seus efeitos, razão pela qual o administrado não estará ainda obrigado a agir de determinado modo ou não terá direitos efetivados.

Por último, destaca-se o princípio da eficiência administrativa, inserido pela Emenda Constitucional n.º 19/98. Tal princípio consiste em fazer com que a Administração Pública seja econômica, de qualidade, rápida, produtiva, agindo sem desperdícios. Assim, “o conteúdo jurídico do princípio da eficiência consiste em obrigar a Administração Pública a buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei” (MAZZA, 2015, p. 122). Nota-se que, para alcançar a eficiência, o agente público não poderá violar a lei, pois, conforme já se afirmou, neste trabalho, há que se pautar na estrita observância da legalidade.


3. DO CONCURSO PÚBLICO E A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Embora se tenha demonstrado até aqui que, na relação jurídica existente entre o Estado e o particular, vigora um desequilíbrio ou uma desigualdade, tendo em vista a preponderância, via de regra, do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, deve-se consignar que, durante a atuação da Administração Pública, seja na implementação de políticas públicas, seja quando esta estabelece um contrato com os seus administrados, deverá, por vezes, propiciar igualdade entre os particulares.

Como já bem assentado neste trabalho, viola a impessoalidade o administrador público que dá preferências ou privilégios ao nomear seus parentes para cargos e funções públicas sem o devido concurso público, bem como contrata empresa particular de sua preferência ou em conluio com ela para prestar serviço ou fornecer produtos à Administração Pública em desrespeito ao processo licitatório. Por conseguinte, tais atitudes violam frontalmente o princípio da igualdade, pois não foram dadas as condições ou tratamentos igualitários para que os demais particulares participassem, em pé de igualdade, com aqueles, para fazerem parte dos quadros da Administração Pública ou para lhe prestarem serviços ou ainda lhe fornecerem produtos.

Antes de se adentrar nos pontos nevrálgicos – isto é, nos casos concretos – da aplicação (ou a sua falta) do princípio da igualdade na Administração Pública em sede de concurso público, cabem aqui algumas considerações fundamentais acerca do concurso público, bem como reflexões acerca deste princípio, como se verá a seguir nos próximos tópicos deste trabalho.

3.1. Do Concurso Público

O nosso sistema jurídico pátrio garante igual acesso a todos os brasileiros interessados que desejam ingressar no serviço público, tendo fortíssimas raízes constitucionais, que consagram, em regra, a obrigatoriedade do concurso para ingresso nos quadros da Administração, conforme previsto no artigo 37, inciso II da Lei Maior, in verbis:

a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Em resumo, todo brasileiro – nato ou naturalizado - tem constitucionalmente assegurado o direito de participar da administração pública, direta ou indireta, via concurso público, mesmo quando ela se apresenta com uma modelagem de pessoa jurídica de direito privado. E tal participação deve se dar de forma equânime, ou seja, isonômica.

Para se ter uma ideia da importância de se assegurar a igualdade de condições entre aqueles que concorrem a uma vaga de cargo ou emprego público, a Declaração Geral dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, prevê que “Cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço de seu país.”

Ademais, como bem assegura a Constituição, em seu artigo 37, inciso I, “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Assim, estrangeiros também poderão prover os quadros da Administração Pública, desde previsto em lei. Importante decorrência desta norma é a “proibição de que editais de concursos públicos estabeleçam exigências que não tenham base legal.” (ALEXANDRINO; PAULO, 2014, p. 271). Dito de outra maneira, a Administração Pública, na elaboração de seus editais de concursos para ingresso em cargos ou empregos públicos, não pode impor condições, vedações ou discriminações para a participação no certame, sem expressa disposição legal. É, pois, a consagração do princípio da legalidade à qual está adstrita a Administração Pública. Aliás, nem mesmo a lei é livre para criar requisitos legais como condição para participação em concursos públicos ou o ingresso em cargos e empregos públicos, pois sempre deverão ser respeitadas a isonomia, a razoabilidade e a impessoalidade. Conforme se verá, é vedado à própria lei o estabelecimento de exigências desnecessárias, desarrazoadas, desproporcionalmente restritivas ou puramente discriminatórias (ALEXANDRINO; PAULO, 2014, p. 272).

O concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios constitucionais já discutidos neste trabalho, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos e empregos públicos de provimento “efetivo”. Ademais, o concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, atender ao princípio da isonomia, uma vez que propicia igual oportunidade de acesso aos cargos e empregos públicos a todos os que atendam aos requisitos estabelecidos em lei (ALEXANDRINO; PAULO, 2014, p. 274). É, pois, um procedimento que deve respeitar os princípios inerentes ao conceito de procedimento. Isso significa a necessidade de observância das etapas sucessivas, destinadas a evitar decisões infundadas, apressadas ou insuscetíveis de controle. Conduzido por autoridade pública específica, constituída para esse fim, a comissão de concurso deve ser integrada por sujeitos dotados de poderes próprios para a seleção dos candidatos. A condição de membro de comissão de concurso depende de conhecimento especializado. Portanto, não é valido o concurso conduzido por comissão integrada por sujeitos destituídos de conhecimento especializado sobre o tema objeto do concurso. Os membros da comissão de concurso devem ser dotados de requisitos de imparcialidade objetiva, subordinado a um ato administrativo prévio que contemplará o regulamento do concurso e traduzirá o exercício de competências administrativas discricionárias, de modo a impedir o julgamento fundado em critérios puramente subjetivos. O procedimento de seleção se vincula ao edital, sob pena de nulidade da decisão.

Cabe destacar que o concurso público é norteado, pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, dentre outros. O princípio da objetividade consiste na eliminação de julgamentos subjetivos, fundados em impressões, preferência ou concepções puramente individuais dos julgadores. Já a isonomia (igualdade) significa a aplicação do critério da proporcionalidade, ao se elaborar o regulamento, vez que o Estado deverá identificar as virtudes desejáveis para o futuro ocupante do cargo público, sem discriminações. A impessoalidade, como já debatido neste trabalho, veda qualquer preferência de cunho subjetivo, vinculada à identidade do candidato e aos vínculos que ele apresente com autoridades, agentes estatais, partidos políticos. A legalidade, conforme já explicitado, determina que somente é possível estabelecer critérios de discriminação compatíveis com a Constituição e autorizados por lei. O princípio da publicidade, aplicado ao concurso público, consiste na necessidade de o concurso ser antecedido de ato convocatório de forma tal que alcance o maior número de interessados possível, bem como estabeleça, de forma clara, todas as condições de participação, os critérios de julgamento e o modo de sua promoção. Por último, o princípio do controle público significa que a realização do concurso público envolve interesse coletivo, e todos os integrantes da comunidade têm interesse na condução ilibada e perfeita do concurso.

Assim, o concurso público para provimento de cargos e empregos públicos efetivos deve ser aberto por um edital pela Administração Pública, anunciando publicamente seu propósito de selecionar interessados e estabelecer as regras do certame. Deve ter ampla divulgação, mediante a afixação e a publicação em locais e veículos de comunicação de grande acesso ao público, com tempo hábil e suficiente para que os candidatos possam reunir toda documentação necessária, façam a inscrição e se preparem para as provas.

3.2. Do Princípio Constitucional da Igualdade como Vetor do Concurso Público

Prima facie, o princípio da igualdade está insculpido no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal, no Capítulo dos Direitos e Deveres individuais e Coletivos, no artigo 5.º, caput e inciso I, in verbis:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

O princípio da igualdade (ou isonomia) veda qualquer discriminação a pessoas que se encontram em situações equivalentes, impondo, contudo, que sejam tratados de maneira desigual os desiguais na medida de suas desigualdades. Tal princípio obriga o legislador a elaborar leis sem desrespeitar a isonomia, bem como o aplicador da lei (seja o juiz ou a própria Administração Pública), proibindo-o de aplicar a lei ao caso concreto que viole a igualdade. É dizer:

[...] a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar a garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’) contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos. (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p.23).

Também impõe o dever entre os particulares, na realização de seus negócios jurídicos, de tratamento com equidade.

Destarte, cabe perquirir se é possível a Administração Pública adotar tratamento discriminatório em concursos públicos, sem que esta viole o princípio da igualdade. Assim, em situações como a de cargos públicos previstos para ambos os sexos, deve-se ter em mente se existe alguma possibilidade de haver tratamento que privilegie um sexo em detrimento do outro, como forma de efetivação do princípio da igualdade. Ou ainda, é necessário verificar se, mesmo entre indivíduos do mesmo sexo, a exigência de critério máximo de idade, compleição física ou a discriminação de pessoas com marcas de tinta pelo corpo (tatuagem) violariam a equidade imposta à Administração Pública.

Antes de se desvelar esta celeuma, é preciso descobrir quais os critérios que a Administração Pública deve utilizar para aplicação do princípio da igualdade como vetor obrigatório, quando pretende que particulares façam parte de seus quadros de servidores. É o que passaremos expor a seguir.

3.2.1. Do Princípio da Igualdade e a Correlação Lógica entre o Fator de Discrímen e a Desequiparação Procedida

Para a verificação de uma situação violadora ou não do princípio da igualdade, é necessário estabelecer uma correlação lógica entre o fator de discrímen e a discriminação legal. Como bem se expõe:

[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro, se há justificativa racional, para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p. 38)

Com efeito, o critério de diferenciação escolhido pela lei ou pela Administração Pública (como idade, altura, marcas pelo corpo, sexo, peso, etc.) – o fator de discriminação -, a fim de delimitar quem serão os atingidos por esta discriminação, necessita guardar relação de pertinência lógica com a finalidade prevista, sob pena de fatal violação do princípio da igualdade. Conforme assevera Bandeira de Mello (1999, p. 39), “[...] a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo.”. Grosso modo, poderá haver tratamento discriminatório por parte da Administração Pública, sem atentar à igualdade, em certames públicos, quando tal discriminação guarde relação (pertinência lógica) com a natureza e exigência do cargo, desde que haja previsão legal e razoabilidade para esta discriminação, sob pena de se incorrer em injustiças. Assim, por exemplo, é lícito à Administração Pública prever em lei a criação de vagas para agentes penitenciários somente do sexo feminino que preencherão cargos públicos em penitenciárias onde só há presas as mulheres. Também não fere o princípio da igualdade a previsão em lei de concurso público que estabeleça limite máximo de idade e limite de altura mínima no caso de preenchimento de cargos para a Polícia Militar de determinado estado, haja vista a pertinência lógica entre esses requisitos discriminatórios e as atribuições do cargo, os quais exigem significativo vigor físico.

Desse modo, como bem assentado, a lei e a Administração Pública não poderão conceder tratamento específico ou discriminatório vantajoso ou desvantajoso acerca de traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver uma adequação racional, razoável e proporcional com a finalidade a ser atingida.

Também, é necessário que, in concreto, o vínculo de correlação lógica entre a discriminação exigida e a situação fática existente deve estar em consonância com a Constituição Federal para atingir o bem público (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p. 41). Eis que a Administração Pública deve sempre perseguir a prevalência do interesse da coletividade. Não é, pois, qualquer fundamento lógico que autoriza desequiparar ou desigualar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordem jurídica máxima. Fora disso, ocorrerá incompatibilidade com o princípio da igualdade (BANDEIRA DE MELLO, 1999, P.43).

Ora, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso II, estabelece que

a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de libre nomeação e exoneração.

Assim, quando a Constituição fala em concurso público, está ela exigindo procedimento aberto a todos os interessados, bem como que tal procedimento os ponha em pé de igualdade para concorrerem aos cargos da Administração Pública, embora o artigo 39, § 3.º, parte final, do texto constitucional, estabeleça que a lei poderá criar critérios diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Não é forçoso dizer que a Constituição Federal privilegia a essência do princípio da igualdade neste aspecto, pois, em situações desiguais, é necessário adotar critérios diferenciados para os concorrentes, desde que não haja abuso ou não sejam as discriminações desarrazoadas.

Podemos estabelecer que o sentido teleológico do princípio da igualdade, aplicado aos casos de ingresso no serviço público, é a vedação de desequiparações fortuitas, injustificadas. Fere a isonomia, por exemplo, a admissão de candidatas do sexo feminino para o cargo de guarda de presídio masculino. Cabe ao legislador, portanto, estabelecer critérios para a admissão com obediência ao princípio da isonomia, só estabelecendo exigências ou discriminações específicas quando necessárias em razão das atribuições a serem exercidas. (DI PIETRO, 2012, p. 601). Não é por acaso que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 683, segundo a qual “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

Mesmo havendo este dever de observância, é possível encontrar inúmeros casos em que a Administração Pública viola o princípio da igualdade e, por conseguinte, o da legalidade, conforme se terá oportunidade de se discutir adiante.

Sobre os autores
Luís Fernando Dodorico

Formado em Letras pela UNESP / São José do Rio Preto (2004). Bacharel em Direito pela UNIP - São José do Rio Preto (2013-217). Pós-graduado em Ciências Criminais pela PUC. Fez estágio profissional no Ministério Público do Estado de São Paulo. Atualmente trabalha no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Sidnei José Teixeira

Estuda Direito na UNIP de São José do Rio Preto. É Contador.

Karina Silva Nascimento

Estuda Direito na UNIP de São José do Rio Preto-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo é fruto de trabalho de pesquisa, apresentado à Disciplina Direito Público, do Curso de Direito da UNIP, São José do Rio Preto-SP.

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