Breves considerações acerca da isonomia em concursos públicos

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4. DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA VIOLAÇÃO DA IGUALDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM CONCURSOS PÚBLICOS

Em razão de vasta jurisprudência que versa sobre a violação do princípio da igualdade por parte da Administração Pública na avaliação de candidatos a cargos ou empregos públicos efetivos e em virtude da limitação deste trabalho, selecionar-se-ão apenas alguns julgados que serão separados por tópicos conforme o discrímen.

4.1. Do Candidato Tatuado em Concurso Público

Assunto bastante polêmico é o que se refere à proibição de ingresso a cargos e empregos públicos de pessoas que ostentam tatuagem pelo corpo. Até hoje não se sabe ao certo se é lícito à Administração Pública obstar, em seus quadros, a admissão de cidadãos que possuam tatuagem em seus corpos, mesmo tendo sido aprovados nas demais fases do concurso público. Aliás, não se sabe ainda se fere o princípio da igualdade estabelecer essa discriminação no próprio edital.

Recentemente, em agosto de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n.º 898.450, em que um candidato à vaga de Soldado de 2ª Classe da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi excluído do concurso público pelo fato de, na etapa do exame médico, fora constato que possuía uma tatuagem, em forma de “tribal”, medindo 14 x 13 cm, em sua perna esquerda, que, segundo a autoridade coatora, estaria em desacordo com as normas do edital do concurso. Conforme consta do presente julgado, o candidato foi avaliado por médico psiquiatra que o considerou “inapto” por ferir o edital em relação ao “grande porte e em locais visíveis quando da utilização de uniforme de educação física”.

Destarte, o STF julgou inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público, tendo fixado a seguinte tese em sede de repercussão geral:

1. Os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material.

2. Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. (Recurso Extraordinário n.º 898.450, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 17/08/2016).

Conforme o referido julgado, revela-se inconstitucional toda e qualquer restrição ou requisito estabelecidos em editais, regulamentos, portarias, se não houver lei dispondo sobre a matéria. Eis que viola o princípio da legalidade a falta de previsão em “lei” toda e qualquer forma que estabeleça discriminações entre candidatos a certames públicos. A simples imposição, no edital, de limitações, diferenciações ou restrições aos candidatos se mostra arbitrária, ilegal e, portanto, inconstitucional. Como foi espancado neste trabalho, a Administração Pública só pode agir, restringindo direitos aos administrados, conforme dispuser a lei e não o edital.

Ademais, ainda que haja previsão legal de limitações, conforme bem assentado no referido Recurso Extraordinário:

O Legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras arbitrárias para o acesso às funções públicas, de modo a ensejar a sensível diminuição do número de possíveis competidores e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores. Assim, são inadmissíveis, porquanto inconstitucionais, restrições ofensivas aos direitos fundamentais, à proporcionalidade ou que se revelem descabidas para o pleno exercício da função pública objeto do certame.

(Recurso Extraordinário n.º 898.450, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 17/08/2016).

Assim, não é dado ao Legislador, nem mesmo a Administração Pública, ampla discricionariedade para criar discriminações que violem direitos fundamentais. Por isso, obstáculos para o acesso a cargos públicos devem estar estritamente relacionados com a natureza e as atribuições das funções a serem desempenhadas. Eis que o discrímen deve guardar pertinência lógica com a finalidade de resguardar o interesse público e ser pautado na razoabilidade e proporcionalidade.

O caso em testilha apresenta a violação do princípio da igualdade, pois fora dado tratamento desigual ao candidato, tendo sido preterido ao cargo de Policial Militar por razões absolutamente injustificáveis. Eis que a isonomia permite (e determina) o tratamento diferenciado, desde que em situações específicas, quando pessoas estão em condições desiguais. Como bem assevera o Ministro Luiz Fux, no referido julgado:

O reconhecimento de que este princípio não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação se faz impositivo. Dentro deste preceito, há espaço para tratamento diferenciado entre indivíduos diante da particularidade de situações, desde que o critério distintivo seja pautado por uma justificativa lógica, objetiva e razoável.

O tratamento desigual empregado deve estar diretamente associado ao motivo de sua necessidade, sendo certo que sua utilização injustificada é vedada, como o fato eliminar candidato por ostentar uma tatuagem no corpo.

Assim, o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não, não pode ser tratado pelo Estado como fator discriminatório para indeferir a sua participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública, pois inexiste a correlação na diferenciação e os ditames constitucionais. Trata-se, pois, de pura arbitrariedade administrativa, sem qualquer relação com as funções a serem desempenhadas por Policial Militar. Nos dizeres do Ministro Luiz Fux: “Um policial não é melhor ou pior nos seus afazeres públicos por ser tatuado”.

Contudo, tatuagens que representam obscenidades, ideologias terroristas, discriminatórias, que preguem a violência e a criminalidade, a discriminação de raça, credo, sexo ou origem, são contrárias ao Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual podem impedir o acesso a um cargo, emprego ou função pública, sem ferir a isonomia. Nesse sentido, tem-se o seguinte:

[...] é cediço que alguns tipos de pigmentações podem simbolizar ideias, valores e representações inaceitáveis sob uma ótica plural e republicana e serem, pour cause, capazes de impossibilitar o desempenho de uma determinada função pública. A opção do cidadão, exteriorizada de forma livre e deliberada, por tatuar ideias e/ou símbolos largamente repudiados pela sociedade, demonstra uma adesão a ideais totalmente incompatíveis com a própria função pública. Tatuagens que, verbi gratia, representam formas obscenas, que fazem referência a organizações ou condutas criminosas (v.g., “157”, em referência ao crime de roubo; “121”, em referência ao tipo do homicídio), ou que denotem condutas inaceitáveis sob o prisma da dignidade humana, como as de incentivo ao ódio, à discriminação, ao racismo e ao sexismo, exorbitam do que é aceitável de quem é remunerado para servir a uma sociedade plural sociedade.

(Recurso Extraordinário n.º 898.450, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 17/08/2016).

Ocorre que o caso ora narrado não se amolda a esta exceção, pois a tatuagem em forma de “tribal” não atenta aos valores constitucionais, nem à ordem legal. Se a tatuagem não se enquadra em simbolismos repudiados acima, é forçoso concluir que o fato de o candidato possuir tatuagens pelo corpo macula, por si, sua honra pessoal, o profissionalismo, o respeito às Instituições e lhe diminui a competência. Assim, as tatuagens não podem, em uma análise meramente estética, ser inseridas no rol dos critérios para o reconhecimento de uma inaptidão.

4.2. Do mesmo Teste Físico para Candidatos Homens e Mulheres

Um caso curioso, que, na época, ganhou as páginas dos noticiários do País foi o de um julgado do TJ-SP, que versa sobre um concurso público realizado no Município de Tambaú-SP.

Em apertada síntese, trata-se do Recurso de Apelação, n.º 0001875-21.2014.8.26.0614, interposto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por uma candidata ao cargo de ajudante geral daquele Município, em cujo edital constava que o certame seria composto de uma prova objetiva de conhecimentos gerais e de uma prova prática, consistente no carregamento de “um saco de 50 Kg de cimento, por um percurso de 60 metros, no menor tempo possível”. A apelante pleiteou indenização por danos morais por ter passado mal ao tentar cumprir a desproporcional tarefa, bem como pela falta de banheiros, água ou alimentação em decorrência do atraso de três horas para a realização da referida prova prática.

A Apelação foi provida e a candidata apelante recebera, a título de indenização, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tendo como fundamento a violação do princípio da igualdade, conforme segue a ementa abaixo:

AÇÃO ORDINÁRIA Ação de indenização por danos morais, em virtude de constrangimento sofrido durante a realização de concurso público para o cargo de ajudante geral. Prova prática do certame consistente no carregamento de um saco de 50 kg de cimento durante um percurso de 60 metros, no menor tempo. Não distinção entre os candidatos do sexo feminino e os do sexo masculino. Adstrita que está a Administração Pública ao princípio da igualdade, essa circunstância não a obriga a tratamentos jurídicos lineares, podendo e devendo, em hipóteses específicas, proceder a discrímenes para a sua perfeita concretização. Não se trata, aqui, de uma desigualdade de direitos, valores ou semelhantes, casos estes em que se impõe a imprescindível igualdade de gênero, mas de uma desigualdade física, da qual não se duvida, tampouco se discute em sede de conquistas históricas de direitos. Atraso na realização da prova e ausência de condições adequadas para o certame. Responsabilidade Civil configurada Sentença reformada. Recurso provido.

(Recurso de Apelação, n.º 0001875-21.2014.8.26.0614. Relator (a): Magalhães Coelho; Comarca: Tambaú; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 07/12/2015; Data de registro: 12/01/2016).

No referido decisum, os ínclitos julgadores deixaram assente que o concurso público é o meio de contratação da Administração, que deve assegurar a igualdade de oportunidades de acesso e o atendimento ao interesse público, vez que é regida pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Ademais, em que pese ser uma discricionariedade da Administração Pública a escolha de critérios de seleção dos candidatos ao cargo ou emprego público, a referida discricionariedade não é ilimitada, não podendo a Administração agir ao seu “bel prazer”. Ao contrário, deve estrita observância ao cumprimento da lei, bem como aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Assim, constatou-se, no caso em apreço, que a Administração Pública violou os princípios da igualdade material e da dignidade da pessoa humana, isto porque submeteu à candidata ao esforço físico sem qualquer distinção entre os candidatos sexo feminino e os do sexo masculino, e em condições inadequadas, dado o atraso e a ausência de fornecimento de água, alimentação e banheiro aos concorrentes.

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Não bastasse essa afronta aos vetores axiológicos estruturados pelo texto constitucional, causa espanto a tese defendida pela Municipalidade, segundo a qual o certame “deu-se em consonância com a máxima de que ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’”, insculpida na Constituição Federal, revelando-se uma total incompreensão do sentido teleológico conferido ao princípio da igualdade. Não se trata de uma igualdade formal, “ao pé da letra”, que o legislador está a se referir, mas de uma igualdade material, em que os desiguais devem ser tratados de forma desigual, na medida de suas desigualdades, motivo pelo qual a Administração Pública pode e deve proceder a desigualdade de tratamento, para aqueles que em situação inferior possam competir de maneira mais justa. Em outras palavras, é dizer:

[...] a Administração Pública poderá desigualar o tratamento de seus cidadãos se fundada na correlação lógica: discrímen desigualdade de tratamento e fundada em valores superiores do ordenamento jurídico. E, no processo de discrímen, é preciso respeitar, também, a legalidade, e a razoabilidade, além da consagração de um bem constitucionalmente protegido. Isso considerado, há de se constatar que, no concurso em que participou a Apelante, o discrímen a ser realizado entre os candidatos do sexo masculino e os do sexo feminino não somente era permitido, como, também, devido, uma vez que não se trata, aqui, de uma desigualdade de direitos, valores ou semelhantes casos estes em que se impõe a imprescindível igualdade de gênero , mas de uma desigualdade física, da qual não se duvida, tampouco se discute em sede de históricas de direitos. Ora, valer-se do direito à igualdade para embasar e justificar uma medida e/ou exigência totalmente ilegítima é, no mínimo, inconcebível e beira o absurdo.

(Recurso de Apelação, n.º 0001875-21.2014.8.26.0614. Relator (a): Magalhães Coelho; Comarca: Tambaú; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 07/12/2015; Data de registro: 12/01/2016).

Notadamente, um candidato do sexo masculino tem vantagem sobre o do sexo feminino na prova de esforço físico do referido concurso público, que é o carregamento de 50 Kg de saco de cimento. Destarte, não vigoraria o princípio da igualdade material neste caso, eis que são tratados linearmente homens e mulheres, os quais possuem condições distintas de força física. Neste caso, há que se dar um tratamento diferenciado às candidatas. O tratamento distinto aos candidatos desiguais serviria, justamente, para que se igualassem, e, assim, pudessem concorrer de maneira equânime.

4.3. Do Candidato com Obesidade para Cargo de Professor

Destaca-se este importante julgado, oriundo da justiça bandeirante, em que deu provimento à candidata ao cargo de professor que fora desclassificada por ter o IMC (Índice de Massa Corpórea) acima do limite determinado pelo concurso. Resumidamente, trata-se de ação ordinária ajuizada por uma candidata que alegou ter sido aprovada em concurso para o cargo de Professor de Educação Básica II - Biologia, mas que foi considerada inapta pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado em decorrência de obesidade “grau III”, com IMC de 45,5. Consta, no referido julgado, que a candidata já exercia cargo de professora da rede pública desde 2006 e que jamais se ausentou ou tirou licença médica por problemas decorrentes de seu peso, bem como não apresenta qualquer problema de saúde.

No decisum, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou injustificada a desclassificação da candidata em virtude exclusivamente do IMC, vez que a obesidade não limita o exercício das funções de professor, o que viola a igualdade, conforme segue abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL – Inaptidão em razão de obesidade grau III – Concurso público – Professor de Educação Básica II – Restrição que não se justifica – Obesidade que não limita nem compromete a capacidade funcional da autora – Ilicitude na exclusão do certame - Recurso da autora parcialmente provido.

(TJ-SP - Apelação: 1010018-35.2014.8.26.0564, Relator: Maria Laura Tavares, Data de Julgamento: 29/05/2015, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 30/05/2015)

A Eminente Relatora Maria Lara Tavares asseverou que a aferição da incompatibilidade da saúde com as funções exercidas no cargo público deve ser no caso concreto e não in abstrato. Em outras palavras,

[...] não pode ser baseada em mero fator de risco ou juízo de probabilidade de desenvolvimento futuro de doenças. Não é razoável ou proporcional declarar a inaptidão em razão de quadro que não se mostra, no momento da aferição, de extrema gravidade e que se funda apenas na mera potencialidade.

(TJ-SP - Apelação: 1010018-35.2014.8.26.0564, Relator: Maria Laura Tavares, Data de Julgamento: 29/05/2015, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 30/05/2015)

Verificou-se, no caso em tela, a violação do princípio da igualdade, vez que o critério de discriminação – isto é, a obesidade – não guarda qualquer relação com o exercício do cargo público que é o de professor.

Em que pese a Lei n.º 10.261/68 (Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo) prever, dentre os requisitos para a posse em cargo público, “gozar de boa saúde, comprovada em inspeção realizada em órgão médico oficial”, nos termos de seu artigo 47, inciso VI, bem como a previsão da necessidade de submissão à avaliação médica oficial também no Decreto nº 58.973/13 e nos itens 1, é desarrazoado e desproporcional preterir um candidato pelo simples fato de ser obeso.

Ainda que a Administração possa impor pré-requisitos para a admissão de servidores, conforme disposto no artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, é certo que é garantida a acessibilidade aos cargos públicos e são vedados os preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, nos termos dos artigos 3º, IV; 7º, XXX; 37, I e 39, § 3º todos da Constituição Federal.

Os critérios para a admissão de servidores devem respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma que as exigências podem ser feitas quando necessárias em razão das atribuições a serem exercidas, o que não é o caso em tela.

Causa espécie o fato de o juízo de primeira instância ter considerado legal e compatível com a exigência do cargo de professor o requisito discriminatório do IMC.

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Sobre os autores
Luís Fernando Dodorico

Formado em Letras pela UNESP / São José do Rio Preto (2004). Bacharel em Direito pela UNIP - São José do Rio Preto (2013-217). Pós-graduado em Ciências Criminais pela PUC. Fez estágio profissional no Ministério Público do Estado de São Paulo. Atualmente trabalha no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Sidnei José Teixeira

Estuda Direito na UNIP de São José do Rio Preto. É Contador.

Karina Silva Nascimento

Estuda Direito na UNIP de São José do Rio Preto-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo é fruto de trabalho de pesquisa, apresentado à Disciplina Direito Público, do Curso de Direito da UNIP, São José do Rio Preto-SP.

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