5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, verificou-se que os princípios são de grande importância para o ordenamento jurídico, vez que são mandamentos nucleares, alicerce e vetores que guiam/norteiam todo o sistema legal, bem como são de observância obrigatória a todos. Desse modo, não é forçoso dizer que violar um princípio é mais grave que violar uma norma, pois há uma violação de todo o sistema jurídico.
Demonstrou-se, neste trabalho, que há princípios explícitos e implícitos aplicáveis à Administração Pública. Dentre eles, destacou-se o superprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado que, entre outras funções, coloca o particular em situação de desigualdade com o Estado, haja vista o interesse da coletividade defendido por este. Entretanto, há situações em que o Estado tem o poder-dever de igualar as pessoas, seja nas suas políticas públicas, seja quando há necessidade de se estabelecer um vínculo jurídico com a Administração Pública, que pode se iniciar, por exemplo, com o concurso público.
Dentre os diversos princípios aqui debatidos, deu-se maior destaque ao princípio da igualdade (ou isonomia), o qual deve ser observado também pela Administração Pública.
Consignou-se, brevemente, que o concurso público é o meio de acesso aos brasileiros a cargo ou emprego público de caráter efetivo, sendo certo que é de sua natureza assegurar entre os concorrentes a equidade. Por esta razão, quaisquer requisitos, discriminações e condições impostos aos candidatos devem estar previsto em lei e não apenas no edital, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da igualdade. É, pois, um engodo acreditar-se que o “edital é a lei do concurso”, como diz o senso comum. É bem verdade que o edital estabelece as diretrizes, requisitos, formas, critérios de avaliação e aplicação do concurso público, no entanto, tais elementos não devem ser realizados ao arrepio da lei, tampouco apartados dos princípios constitucionais. A Administração Pública deve agir somente quando e se a lei autorizar, conforme demonstrado alhures.
Debateu-se, ainda, que a lei não é ilimitada, isto é, mesmo havendo previsão no texto legal de requisitos ou discriminações a serem seguidos pela Administração Pública e pelos concursandos, a lei deve guardar relação com a razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de incorrer em discriminações injustificadas, o que viola fatalmente o princípio da igualdade.
Ademais, constatou-se que a igualdade deve ser um dos princípios vetores no concurso público, uma vez que segue no rol dos direitos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A igualdade veda discriminações a pessoas que se encontram em situações iguais, impondo ao Estado e ao particular o dever de dar tratamento desigual àqueles que se encontram em situação de desigualdade justamente para que possam se igualar aos demais. Ocorre que isso nem sempre se dá de forma nos diversos setores da sociedade, inclusive na seara estatal, dado o sentido abstrato que possui o princípio da igualdade.
Desse modo, foram empregadas, como critério mais palpável de aferição da igualdade, em especial no âmbito do concurso público, as reflexões do ilustríssimo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua majestosa obra Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, onde estabelece a correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida. Assim, para se verificar se a Administração Pública violou ou não a isonomia, quando da aplicação das regras do concurso público, basta analisar os requisitos ou critérios de discriminação e sua relação com as funções exigidas no cargo a ser provido pelo candidato. Em outras palavras, a discriminação não pode ser gratuita, injustificada, mas deve guardar estrita relação com as exigências do cargo ou emprego público, além de estar prevista em lei e ser razoável e proporcional.
Destarte, como bem destacado neste trabalho, poderá, sim, haver tratamento discriminatório por parte da Administração Pública em concurso público, sem, no entanto, atentar-se contra a igualdade, desde que tal discriminação, prevista em lei (e não só no edital), esteja relacionada com a natureza do cargo e seja razoável.
Infelizmente, durante as pesquisas em sítios oficiais, foram encontrados inúmeros julgados em que a Administração Pública notadamente viola o princípio da igualdade em face de seus administrados, sobretudo dos candidatos a cargos e empregos públicos. Pior: juízes de primeira instância, por vezes, dão-lhe razão só porque o concurso público ocorreu “conforme o edital”. Daí porque os candidatos, vítimas destas injustiças, socorrem-se aos Tribunais.
Demonstrou-se, por exemplo, que, no julgado acerca do teste físico de carregamento de saco de cimento, a Administração Pública interpreta de forma equivocada o princípio da igualdade (insculpido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988), ao afirmar que não feriu a isonomia, pois homens e mulheres devem ser tratados de forma igual. Ora, este princípio não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação. Dentro deste preceito, há espaço para tratamento diferenciado entre indivíduos diante da particularidade de situações, desde que o critério distintivo seja pautado por uma justificativa lógica, objetiva e razoável.
Vislumbrou-se também que o Supremo Tribunal Federal pôs fim à grande celeuma acerca da vedação de candidatos que ostentam tatuagem pelo corpo a cargo ou emprego público. A Corte afirmou que barrar um cidadão em concurso público porque possui tatuagem é inconstitucional e viola o princípio da igualdade. Contudo, a restrição só deve ocorrer em situações excepcionais, quando os desenhos e as mensagens ofendam a lei ou a Constituição Federal, por meio de mensagens de ódio, incitação ao crime, racismo, etc. A sociedade evoluiu e as tatuagens são, na maioria dos casos, marcas estéticas e expressam a identidade e imagem das pessoas, elementos consagrados na Constituição Federal em seu artigo 5.º.
Por fim, evidenciou-se outra discriminação violadora da isonomia: a obesidade. Não bastasse o preconceito existente no seio social contra pessoas obesas, estas ainda são preteridas pelo Estado, quando, na verdade, este deveria ser o principal meio de minorar as diferenças e desigualdades de acesso ao trabalho dessas pessoas.
Sabe-se que, em diversas situações, empregadores preferem admitir trabalhadores com boa aparência física, acreditando, falsamente, que pessoas obesas são sinônimo de doença. Por este motivo, muitos obesos ficam de foram do mercado de trabalho, não restando alternativa senão a de ingressar no cargo ou emprego público por meio do concurso público. No apelo em que a candidata pleiteou seu direito de ser aprovada ao cargo de Professora de Educação Básica II - Biologia, constatou-se que, equivocadamente, a Administração Pública estabeleceu uma simples marca numérica no IMC (Índice de Marca Corpórea) como critério de eliminação no concurso público, sem ao menos verificar se, mesmo estando com peso acima no limite permitido, a candidata possuía boa saúde, por meio de exames médicos complementares e mais precisos. Além disso, a obesidade detectada pelo médico perito não constituía óbice para que a candidata exercesse o cargo de professor, vez que ela trabalha usando seu intelecto e não a força física. Desse modo, o critério discriminador - a obesidade – não guarda qualquer relação de pertinência lógica com a natureza do cargo.
Malgrado esta triste realidade, o Poder Judiciário tem corrigido distorções e injustiças na interpretação do princípio da igualdade, porém há muito que se percorrer na capacitação dos agentes públicos e no esclarecimento dos agentes políticos, a fim de se construir, de forma mais rápida e eficaz, uma sociedade justa, solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme estatuído no artigo 3.º da Constituição Federal de 1988.
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