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A autodeterminação do menor transexual nas decisões sobre o próprio corpo e os limites da autoridade parental no Brasil

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Agenda 27/04/2017 às 11:00

Analisa-se a condição das crianças e adolescentes transexuais como sujeitos de direitos, bem como seus direitos à tomada de decisões sobre seus próprios corpos e suas vidas.

INTRODUÇÃO

A transexualidade, mesmo se tratando de um comportamento que remonta à idade antiga, ainda hoje é estigmatizada por grande parte da sociedade, o que gera preconceito, discriminação e repressão às pessoas transexuais.

A situação se torna mais delicada ainda quando se trata da transexualidade na infância e adolescência, período este em que grande parte dos pais tentam negar sua existência nos filhos, o que é um grave erro, pois ao menor é garantido o livre desenvolvimento de sua personalidade e caso isso não ocorra é possível que haja seqüelas por toda sua vida.

O presente trabalho tem como enfoque a autodeterminação do menor transexual sobre o próprio corpo e os limites da autoridade parental, a fim de que se possa analisar até onde o menor, considerado incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil de acordo com o art. 3º do Código Civil, tem autonomia para exercer efetivamente as decisões que dizem respeito a seus direitos existenciais.

Dessa forma, foram analisadas questões referentes à definição de transexualidade como patologia, à figura do menor como sujeito de direitos, à descoberta da transexualidade adolescência, além da análise sobre o discernimento do menor e sua direta ligação com a autoridade parental.

Em um segundo momento foram analisados os possíveis tratamentos disponíveis ao menor transexual, como o de supressão hormonal que atualmente pode ser utilizado no intuito de se retardar o desenvolvimento das características do gênero físico na adolescência, a hormonoterapia, além da cirurgia de redesignação sexual e a adequeação do prenome no registro civil.

O Brasil não conta com lei específica que ampare o transexual em questões referentes à cirurgia e as alterações que dela derivam. Temos disponíveis somente Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), que versam sobre a cirurgia de redesignação sexual, Portarias do Ministério da Saúde, que tratam dos procedimentos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e por fim temos dezenas de Projetos de Leis que aguardam apreciação do Congresso Nacional.

Não se tem como intuito nesta pesquisa chegar a conclusões definitivas, mas sim analisar a posição do menor como sujeito de direitos dono de si, responsável por suas escolhas na seara existencial quando o mesmo dispuser de grau de discernimento compatível com o ato desejado, tendo a autoridade parental função educativa no desenvolvimento do discernimento do menor.

 


TRANSEXUALIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA 

A despeito de a experiência científica comprovar, como se demonstrará a seguir, há mais de décadas, que o discurso biologizante e dual de gênero, entre macho e fêmea, é insuficiente, nota-se que ainda hoje crescemos e vivemos em uma sociedade com base na sexualidade heterossexual, fortemente influenciada pela religiosidade cristã, que, ao reger os comportamentos tidos como “normais” e “aceitáveis”, faz com que o indivíduo não se enquadra nos padrões de normalidade que são impostos, passe a ser estigmatizado e discriminado, o que pode lhe acarretar sequelas irreparáveis.

O transexual erroneamente sempre foi tratado como doente por existir a inadequação entre seu gênero físico e mental, razão pela qual os tratamentos desenvolvidos tinham por escopo gerar o alinhamento entre tais gêneros como forma de alcançar o bem-estar da pessoa em conflito.

A inconformidade entre gênero físico e mental pode se manifestar na mais tenra idade e começar a demonstrar desde esse período sua identificação com o sexo oposto ao físico, sobre o tema, Andrew Solomon, em seu livro “Longe da Árvore”, assevera que:

A dissonância de gênero pode se apresentar muito cedo. Aos três ou quatro anos, às vezes menos, a criança pode perceber uma incongruência entre aquilo que lhe dizem que ela é e aquilo que ela sente ser. Essa incongruência é chamada de transtorno de identidade de gênero (TIG). Na primeira infância, a não conformidade de gênero muitas vezes é tolerada, mas por volta dos sete anos as crianças são forçadas a assumir estereótipos de gênero. As crianças trans podem reagir a essas pressões com ansiedade e depressão. Contar para os pais normalmente é terrível para elas. (SOLOMON,2013, p. 697).

Entretanto, algo que deve ser levado em consideração principalmente nessa fase é a participação dos pais de forma equilibrada no processo de desenvolvimento da criança, onde se deve educar sem sufocar sua identidade, ainda conforme o autor:

Os pais precisam determinar se essas crianças estão expressando uma obsessão transitória ou uma identidade fundamental; devem avaliar o que torna o filho feliz quando ainda é pequeno, e como chegar a isso da melhor forma. Esse equilíbrio é muito difícil para os pais: vigiar sem controlar, prevenir sem exigir, incentivar sem insistir, proteger sem sufocar. Eles precisam ter cuidado para não esmagar a identidade dos filhos nem reforçá-la a ponto de criar a verdade à qual estão pretendendo responder (SOLOMON, 2013, p. 470).

Entretanto, o que ocorre muito na infância é a existência de repressão por parte da família e da sociedade, crescemos com a definição do que é brincadeira de menino e de menina, quais as atitudes que são aceitáveis para cada sexo, roupas e demais regras que não dão margem para a criança transexual agir de forma livre.

Ao se fugir do padrão estabelecido como ‘normal’, repressão e constrangimento são quase inevitáveis, a começar pelo âmbito familiar e escolar, onde os pais e educadores, baseados no padrão social, tendem a educar a criança tendo como referência o padrão estabelecido, não levando em conta a sua satisfação pessoal.

Muitas vezes a criança pode apresentar comportamento mais masculino ou feminino e isso não significar nada, por isso é importante que os pais também realizem essa análise, ainda que seja difícil estabelecer-se uma diferenciação precisa, já que faz parte da infância a troca entre papéis de gênero, conforme asseverou o Dr. Alexandre Saaedh em entrevista para a revista veja SP (2015):

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A troca de papéis de gênero faz parte do desenvolvimento da criança. Se o menino brinca de boneca, isso pode não significar nada. Existem crianças com comportamento mais masculino ou feminino, segundo os padrões culturais vigentes, por variados motivos, como a expectativa da família de ter tido filho de outro gênero. Vêm ao ambulatório vários meninos afeminados, mas não têm nada de menina, e podem se tornar homossexuais ou não.[1]

Frisa-se a necessidade de um acompanhamento responsável e individual para cada caso, e se houver realmente o transtorno de identidade de gênero, e o fato de tratar a criança com violência e censurá-la pode piorar muito a situação (SAADEH, 2013).

No ambiente escolar não é diferente, a criança não deve ser reprimida ou tratada como doente:

A escola também não deve reprimir, mas chamar os pais, explicar o que está acontecendo e aproveitar essa oportunidade para educar também com as diferenças. E não é porque uma criança vê outra fazendo algo que vai querer imitá-la, elas não são macaquinhos (SAADEH, 2013)

Sobre a normatização dos padrões masculino e feminino e a repressão, Adriano Senkevics (2012), apresenta:

Sem pretender entrar nos confins da psicologia infantil, existe outro claro processo de construção de gênero: a repressão. Educadores/as, mães, pais e pares trabalham frequentemente na adequação forçada das crianças a determinadas expectativas. Proíbe-se que meninos brinquem de boneca ou que meninas calcem tênis de dinossauros. Logo, se nas idades iniciais (até quatro anos, aproximadamente), as diferenças de gênero são ínfimas, com o passar do tempo elas tendem a se acentuar, quando a conformação a modelos tradicionais trabalha na produção de uma cultura infantil que já é, em si, discriminadora. (SENKEVICS, 2012)

Algo complexo de se realizar na infância é saber se atitudes e brincadeiras são “normais”, principalmente para os pais se de fato estão diante de um filho trasgênero ou não, de acordo com o psiquiatra Alexandre Saadeh[2], coordenador do Ambulatório de Transtornos de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) em São Paulo, é importante diferenciar uma simples brincadeira de um comportamento constante:

É muito comum crianças inverterem os papéis, e quando é algo pontual não há maiores problemas. Mas, se isso se tornar um hábito freqüente, diário, o menino querer mudar de nome, usar presilha e brinco, é indicado que os pais e o filho passem por uma avaliação profissional antes de qualquer coisa, para ver se essa é uma questão familiar que a criança está tentando resolver dessa forma ou se já é um transtorno de gênero (SAADEH, 2013).

Muitas vezes, além da repressão no intuito de corrigir certos comportamentos da criança, os pais ignoram o fato de ela ser ‘diferente’ das demais, o que só prolonga seu sofrimento, deixando assim de ser protagonista da sua própria história e vivendo somente como um personagem que cumpre o papel desejado pela sociedade.

O transexual enquanto não for capaz de resolver sua inconformidade com o gênero físico, viverá limitado e infeliz, sentindo insatisfação e impotência em relação à sua própria vida, o que acarretará diversos prejuízos durante sua construção como indivíduo, não é à toa que de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Williams, nos EUA, publicada em 2014, estimou-se que 40% das pessoas transgênero já tentaram cometer suicídio em algum ponto da vida.[3]

Para que a criança transexual consiga enfrentar sua inconformidade, os adultos precisam aceitar a vontade subjetiva dela e buscar entender as manifestações apresentadas, pois se ela é aceita e entendida em sua família, seu desenvolvimento como pessoa será muito mais fácil do que em casos onde a família trata como se não fosse algo ‘natural’,a Psicóloga Veronica de Carvalho, sobre o assunto, apresenta:

Falta de informação, vergonha, culpa e outros sentimentos impedem muitos adultos de tratarem a sexualidade das crianças como algo natural. Na tentativa de querer “corrigir” comportamentos infantis (ao invés de compreendê-los) criam conceitos e regras que impedem a criança de experimentar e descobrir coisas e conceitos sobre a vida e tudo que ela lhe mostra de diferente. Ou ainda, criam rótulos com os quais a criança às vezes tem que carregar por toda vida, sem compreender qual o seu sentido. (CARVALHO, 2015)[4]

Mesmo que em passos curtos, tem-se evoluído em relação ao tratamento dado às crianças e adolescentes transexuais, e o passo mais importante é a conscientização dos pais em relação a importância do apoio a seus filhos, pois a partir desse apoio, eles irão juntos em busca da realização pessoal do filho.

Hoje já existem locais especializados para atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes transexuais, destaca-se o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual que faz parte do instituto de psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), coordenado pelo já mencionado Dr. Alexandre Saadeh, reconhecido por diversos estudos na área da transexualidade.

A jurisprudência timidamente também vem evoluindo em relação ao tema, em janeiro de 2016, tivemos a primeira decisão judicial em que uma criança de 9 anos de idade, foi autorizada a realizar mudança de nome e gênero em seu assento de registro civil, a decisão do magistrado da comarca de Sorriso, Mato Grosso do Sul, teve como base a realização de psicossocial pelo instituto supramencionado, bem como a oitiva da criança.

A decisão vai de encontro com o que já foi dito anteriormente no que diz respeito ao respeito no processo de desenvolvimento da criança, onde cabe aos pais realizar uma análise sobre os comportamentos, atitudes e desejos da criança e procurar ajuda caso necessário, e foi o que ocorreu.

A mãe da criança (que não teve seu nome divulgado para preservar sua identidade) afirma que a filha demonstrou desde muito nova a discordância com seu gênero de origem:

Desde bem pequena, ela tinha gestos femininos, apontava para objetos cor de rosa na TV, tirava o tênis do pé na escola para calçar as sandálias das colegas. Não aceitava vestir roupa de menino. Tirava o short e ficava de camiseta para ficar parecida com um vestido.[5]

Os pais acompanharam todo o processo da filha e perceberam que não seria algo passageiro. Relata a mãe que em episódio extremo de discordância com o gênero a filha veio a pegar uma tesoura no intuito de cortar seu pênis e disse que “queria cortar o ‘piu-piu’ porque queria ser menina”.

Antes de recorrer ao judiciário, a família procurou o já mencionado Instituto de Psiquiatria da USP, onde foi constatado pela equipe multidisciplinar o transtorno de identidade de gênero da menor.

A psicóloga Cristiane Guerra, que acompanhou o caso desde o início, afirma que o diagnóstico do transtorno de identidade de gênero não foi precoce e defende que as manifestações podem ocorrer nas mais diversas idades, porém, no caso em análise afirma ter sido o momento certo:

Não é cedo demais porque não foi algo que aconteceu da noite para o dia. Foram feitos estudos e acompanhamentos. Foi avaliado o desconforto e o constrangimento que ela passava em algumas situações. Talvez com outra criança acontecesse em outro momento. Mas com ela aconteceu no momento necessário.

Além do acompanhamento pela equipe, o juiz também ouviu a criança por duas vezes em uma sala adaptada para o público infantil, a psicóloga através de objetos lúdicos obteve as informações necessárias para o caso.

O magistrado Dr. Anderson Candiotto, fundamentou a sentença com base no princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no Art.1º, inciso III da Constituição Federal, além de jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) e enunciados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).[6]

O Juiz que foi pioneiro em uma decisão de mudança de nome e gênero de uma criança de 9 anos, ainda disse[7]:

Esse registro público, ele não pode ser maior do que a própria pessoa que ele espelha, é o ato público que tem que ser corrigido para se moldar através dessa moldagem, dessa retificação, impedir situações de constrangimento para essa criança.

Com a decisão o registro da criança deixa de constar o gênero masculino e passa a constar o gênero feminino. Perguntada sobre a decisão, ela respondeu:

Eu gostei bastante. Foi muito interessante porque não vai dar aquela correria quando eu chego no postinho [de saúde]. Minha mãe chega lá e ela tem que falar que esqueceu a identidade e que eu sou transexual.


AUTONOMIA DO MENOR E OS LIMITES DA AUTORIDADE PARENTAL

Ao se analisar a figura da família no passar dos anos, podemos constatar uma evolução significativa no modo de organização, bem como a função a ser desempenhada por ela no pré e pós código de 1916 em contraponto à concepção de família contemporânea.

Antes, tínhamos a imagem da família com base fortemente patriarcal, patrimonializada, matrimonializada e hierarquizada, tendo a figura do pai e marido como chefe da família. O pai era tido como titular do patrimônio e se encontrava no topo da hierarquia doméstica. Ele era responsável por decidir o destino de todas as pessoas que a ele eram subordinadas, haja vista que enquanto chefe da família, era ele quem melhor sabia defender e realizar os interesses da instituição familiar (MACHADO, 2013, p. 176).

Todavia, a família não mais se firma sobre a cultura patriarcal, vivemos hoje com a figura de uma entidade familiar pactuada na afetividade, no diálogo, no pluralismo e na dignidade das pessoas, as famílias da contemporaneidade tem o direito como ferramenta para proteger não mais a família-instituição e sim a família-instrumento, ou seja, a família assume aqui figura importante na construção dos indivíduos que a ela pertencem, dando especial atenção às crianças e aos adolescentes (MACHADO, 2013, p. 177).

Esse giro de perspectiva com relação ao que vem a ser família implicou, por óbvio, mudanças no papel desempenhado pelos pais. Dito de outra forma, a autoridade parental também foi conformada à contemporânea noção de família-instrumento. Assim, os menores são tratados como pessoas em desenvolvimento e exercem papel ativo no próprio processo educacional, e não mais como objeto das ações e dos direitos de terceiros. Tornaram-se co-participes das diretrizes da própria vida, à medida que vão criando discernimento. Por meio desse processo, principalmente através da relação com seus pais, é possível que o menor construa sua dignidade e edifique sua personalidade. Esse relacionamento com o outro também é considerado de extrema importância, pois assim se dá a oportunidade de se lidar com o diferente, apurando assim a percepção da alteridade do menor (TEIXEIRA, 2009, p. 84).

A autonomia do menor não pode ser considerada somente com base no regime das incapacidades, regime este que pode ser perfeitamente relativizado de acordo com o grau de discernimento do menor:

Percebemos que quando consideramos o menor em sua real dimensão, ou seja, como um ser ainda em formação, a criticada presunção de incapacidade ora vigente, quer seja total ou parcial, pode ser perfeitamente relativizada de acordo com o seu grau de discernimento. E, claro como se trata de indivíduos em formação, o discernimento apurado pode ser suficiente para a prática de alguns atos e não para outros. Como, por exemplo, ele pode ter maturidade e responsabilidade para praticar atos existenciais e compreender a gravidade e extensão de suas conseqüências, mas este mesmo discernimento pode não ser satisfatório para a realização de atos patrimoniais. Evidencia-se, portanto, que nenhuma resposta pode ser dada sem a análise da situação fática (TEIXEIRA, RODRIGUES, 2010, p. 47).

Dessa forma, o menor é parte ativa no núcleo familiar e na sociedade, tendo a oportunidade de lidar com o outro e com suas diferenças, assim terá a possibilidade de ver a si mesmo como autor da sua própria história, criando assim vínculos afetivos que contribuem para o crescimento e construção de sua personalidade.

Sobre a autoridade parental como forma de garantir o melhor interesse do menor, Ana Carolina Brochado Teixeira (2009), ensina:

[...] a autoridade parental deve ser um instrumento de garantia dos direitos fundamentais do menor, bem como uma forma de resguardar seu melhor interesse, tendo em vista que deve ser voltada exclusivamente para a promoção e desenvolvimento da personalidade do filho (TEIXEIRA, 2009, p. 85).

Essa nova roupagem do instituto da autoridade parental, onde os genitores têm o dever de guiar a vida da prole dando condições para que se construa sua personalidade e autonomia, traz consigo também o dever de se respeitar o espaço dos filhos, à medida em que estes, através do processo educacional, adquiram gradativamente o discernimento necessário para a tomada de decisão relativas à sua própria vida (MACHADO, 2013, p. 183).

É necessário então que se busque um equilíbrio entre a autonomia dos filhos e os limites necessários à proteção e educação deles. Essa proteção deve ser inversamente proporcional ao desenvolvimento físico, psíquico e intelectual destes (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 59).

Do nascimento até o alcance da maioridade, o menor passa por diversas etapas em sua vida e durante esse período há notória alteração no que diz respeito ao grau de zelo que os pais necessitam doar ao menor. Sobre essa progressividade, Anna Cristina de Carvalho Rettore e Beatriz de Almeida Borges e Silva ensinam:

É certo, todavia, que por relevante período na vida da criança ela não dispõe de discernimento suficiente para articulação de sua vontade, razão pela qual, nessa fase, atribui-se aos pais o poder-dever de atentar-se à garantia de sua proteção integral. Ainda que com o avançar da idade do infante e o seu gradual desenvolvimento, paulatinamente se franqueie sua participação no processo decisório dialógico sobre sua vida, isso não retira dos pais a função protetiva atinente à autoridade parental, mas sim diminui sua preponderância (RETTORE; SILVA, 2016, no prelo).

Sendo assim, pode-se constatar que com o passar dos anos houve uma mudança significativa no instituto da autoridade parental – antigo pátrio poder-, que antes era tratado principalmente para fins patrimoniais e pautado no autoritarismo, e hoje temos ele tratando também sobre situações existenciais, pautado no afeto e utilizado em conjunto entre genitores e prole como mecanismo de se alcançar o melhor interesse do menor, sendo além de tudo um propiciador de autonomia para ele.

Durante essa fase onde a razão maior da autoridade parental é conduzir a criança e o adolescente por caminhos que eles ainda desconhecem, por estarem construindo sua maturidade e discernimento, o menor vive uma fase de “liberdade-vigiada”, cujo raio de amplitude de seu exercício aumenta à medida que cresce seu discernimento (TEIXEIRA, RODRIGUES, 2010, p. 59).

Por isso, tem o menor transexual que construir progressivamente sua maturidade e discernimento durante sua infância e adolescência, independentemente de representação quando se tratar de questões existenciais, para assim se alcançar a conseguir se realizar consigo mesmo, pois é através da busca do espaço de sua autonomia onde o discernimento se revela (TEIXEIRA, RODRIGUES, 2010, p. 59).

Sobre o autor
João Vitor Teofilo Oliveira

Pós Graduando em Direito Civil no IEC/PUC Minas. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.Advogado no Escritório Teixeira & Miranda Advogados Associados nas áreas de Direito Civil, Família e Sucessões.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEOFILO, João Vitor Oliveira. A autodeterminação do menor transexual nas decisões sobre o próprio corpo e os limites da autoridade parental no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5048, 27 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57287. Acesso em: 23 dez. 2024.

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