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"Diretas Já": a constitucionalidade de eleições diretas com a queda de Michel Temer

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Agenda 24/05/2017 às 17:29

A POSSIBILIDADE DE EMENDAR A CONSTITUIÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES DIRETAS

Contudo, caso o presidente Michel Temer renuncie, sofra um impeachment ou se entenda que a cassação do mandato pela Justiça Eleitoral acarreta uma eleição indireta, pergunta-se: poderia uma emenda constitucional instituir a realização de eleições diretas para qualquer dos casos? A questão mostra-se pertinente pelas crescentes manifestações por “Diretas Já”17, além de existir uma proposta de emenda constitucional nº 227/16, de autoria do deputado Miro Teixeira (REDE-RJ), que pretende alterar o artigo 81 para que, independentemente da causa, eleições diretas sejam realizadas na perda de mandato a mais de seis meses do seu término. A referida PEC busca, em verdade, expressamente constitucionalizar o entendimento esposado no tópico passado pela realização de eleições diretas. Segundo a referida proposta18, assim deveria constar do artigo 81 da Constituição Federal:

Art. 81. – Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos seis meses do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Como se disse, em termos políticos, a realização de eleições diretas aparece como uma solução muito mais adequada para a crise de representatividade atual, que tende a ser agravada na hipótese de uma eleição presidencial indireta, colocando em risco o frágil modelo representativo que ainda pode ser considerado existente. “E, nesse sentido, o modo mais apropriado para reinventar a democracia, com o fim de aprimorá-la e preservá-la, é garantir ao cidadão uma maior participação nas decisões políticas do seu país, conferindo, então, a legitimidade necessária ao sistema.”19 Do contrário, o abismo entre representados e representantes necessariamente aumentará, comprometendo ainda mais o experimento democrático.

Para aqueles que não admitem a possibilidade de uma PEC prever eleições diretas no caso de queda do presidente, haveria ofensa a uma cláusula pétrea, no sentido de que se estaria modificando norma referente ao exercício do voto popular. Vale, nesse ponto, trazer uma síntese dessa posição20:

Em seu artigo 60, a Carta Magna estabelece de forma clara e inequívoca os impeditivos para a deliberação de proposta de emenda constitucional. Art. 60. – “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.

Tomando por base o fato de o artigo 60 da CF ser considerado cláusula pétrea, a antecipação de eleições não é possível nem mesmo por emenda constitucional. Para que isso ocorra é preciso convocar uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de fazer uma nova Carta. Se antecipar eleições é vedado pela Constituição, a lei máxima do País também define, no artigo 81, como se deve dar uma nova eleição em caso de vacância da Presidência da República e da Vice-Presidência.

Em verdade, a PEC nº 227/16 não trata de antecipar as eleições presidenciais de 2018, mas tão somente de regulamentar o pleito que completaria o mandato presente. Ademais, é sabido que as cláusulas pétreas não significam imutabilidade absoluta das matérias tratadas, mas, sim, a proteção do seu núcleo essencial. Em outras palavras, normas referentes a direitos fundamentais, a título de exemplo, podem ser alteradas para garantir uma maior efetividade a eles. Necessárias se fazem as palavras de Luís Roberto Barroso21:

A locução tendente a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando determinado status quo. (...)

Sob a vigência da Constituição de 1988, o tema foi enfrentado em mais de uma ocasião. Nelas o STF reafirmou que os limites materiais ao poder constituinte de reforma não significam a intangibilidade literal da disciplina dada ao tema pela Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos protegidos por cláusulas pétreas. O que se protege, enfatizou-se, são as decisões políticas fundamentais, e não qualquer tipo de metafísica ideológica.

Ora, o artigo 60, §4 º, IV da Constituição veda qualquer “proposta de emenda tendente a abolir (...) o voto direto, secreto, universal e periódico”. Nesse ponto, deveria ser óbvio dizer que uma alteração no sentido de privilegiar o voto direto no lugar de uma eleição indireta está a fortalecer o princípio da soberania popular, e não o contrário. Segundo a lição doutrinária de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “estes princípios, desde que não sejam eliminados, podem ter o seu regime de aplicação alterado, sem que se infrinja a proibição. (...) Trata-se de expressão do princípio democrático. No fundo, é a democracia que se pretende resguardar por meio dessa vedação.”22

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Sendo assim, não merece prosperar a afirmação de que uma proposta de emenda constitucional buscando modificar o artigo 81 da Constituição para, nos casos de dupla vacância a mais de seis meses do término do mandato, serem realizadas eleições diretas, constitui uma afronta aos limites materiais de reforma. Tal alteração vem justamente ao encontro do princípio democrático, prestigiando “o voto direto, secreto, universal e periódico”, em total consonância para com os artigos 1º, parágrafo único, e 14, ambos do texto constitucional. Haveria, com a eventual alteração, um fortalecimento da democracia e do voto direto, como pede o espírito da Constituição, haja vista ser o voto indireto uma exceção.

Ademais, essa solução – repita-se – parece ser a mais adequada para conferir legitimidade ao sistema e trazer o cidadão de volta ao jogo da política, a fim de que se sinta participante da democracia e representado pelos políticos que eleger de forma direta. É fato que o Brasil precisa urgentemente de uma reforma política, mas só isso não basta. “Precisa de um choque de legitimidade democrática, de governabilidade e de resgate das virtudes republicanas.”23 Nesse ponto, parece óbvio que eleições diretas mostram-se como o melhor caminho para, ao menos, amenizar o vácuo de legitimidade e a crise de representatividade que vem comprometendo o funcionamento de todo o sistema, sem que isso represente qualquer ofensa ao ordenamento constitucional vigente.


CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado, verifica-se que o Brasil enfrenta um momento de grande instabilidade institucional, potencializada por uma crise do sistema representativo, que pode ser perigosamente agravada com a eventual realização de eleições presidenciais indiretas por parte de um Congresso Nacional bastante fragilizado em relação à opinião pública, em consequência de denúncias cotidianas de corrupção envolvendo os mais diversos partidos e correntes ideológicas.

Tendo em vista essa realidade, torna-se forçoso reconhecer que, em caso de queda do presidente Michel Temer, as eleições diretas mostram-se como o caminho mais apto a conferir a legitimidade necessária ao sistema, evitando um verdadeiro colapso do próprio Estado de Direito, além de ser, inequivocamente, a solução mais democrática, ao chamar o cidadão para decidir o seu próprio destino, no lugar de conferir essa incumbência a um corpo de políticos há muito desacreditado pela população – o que pode agravar ainda mais a crise de representatividade e inviabilizar a governabilidade do país.

Com isso, a primeira possibilidade que surge é, no caso de uma eventual cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral a mais de seis meses do término do mandato, a realização de eleições diretas com base na interpretação de que o artigo 81 da Constituição Federal não contempla as hipóteses de invalidade da eleição, mas apenas os casos de dupla vacância decorrente de eleições legítimas. Trata-se, em verdade, de uma questão bastante polêmica, cuja solução envolverá um forte componente político. Argumentos há para ambos os lados, tanto pela realização de eleições diretas quanto indiretas, contudo, a realização de eleições diretas parece melhor se coadunar para com o espírito da Constituição, além de se mostrar mais efetiva no enfrentamento do problema.

De todo modo, em qualquer das hipóteses de queda do presidente, eleições diretas podem ser convocadas por meio de uma previsão em emenda constitucional, devolvendo ao cidadão o direito de eleger o seu representante máximo. Disposição nesse sentido viria para fortalecer o princípio da soberania popular, em total atenção para com o Estado Democrático de Direito, em nada afrontando cláusula pétrea que protege o voto direto. Significaria, sim, privilegiar o voto popular no lugar da excepcional eleição indireta, não representando qualquer ameaça ao experimento democrático garantido pela Constituição de 1988.

Em conclusão, os cenários são muitos, assim como as possibilidades. No entanto, é preciso saber que, para evitar um colapso geral do sistema e uma ruptura ainda maior da institucionalidade vigente, a saída mais plausível para a crise de legitimidade existente deve, necessariamente, contemplar diretamente o cidadão, cada vez mais alijado das decisões políticas fundamentais do país. A democracia deve ser aprofundada, e o povo chamado a decidir. Do contrário, o distanciamento entre representados e representantes tende perigosamente a aumentar, alargando o abismo no qual, fatalmente, pode cair a já combalida democracia brasileira.


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Notas

1 AYRES, Rodrigo Santa Maria Coquillard. Constituinte exclusiva: a democracia participativa na reforma política. Rio de Janeiro: EMERJ, 2014. p. 22. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/biblioteca_videoteca/monografia/Monografia_pdf/2014/RodrigoSantaMariaCoquillardAyres_Monografia.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2017.

2 CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Tradução Carlos Aberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 178-180.

3 BONAVIDES, Paulo. Teoria geral do estado. 9. ed. rev. e. atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 523; 534.

4 COMPARATO, Fábio Konder. Viva o povo brasileiro!. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_viva_o_povo_brasileiro.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2017.

5 JOTA. Crise de Temer expõe lacuna legal sobre eleição indireta. 19. mai. 2017. Disponível em: <https://jota.info/justica/crise-expoe-lacuna-em-legislacao-sobre-nova-eleicao-19052017>. Acesso em 20 mai. 2017.

6 El País. Eleições indiretas ou diretas: o que ocorre se Temer deixar a presidência. 18. mai. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/18/politica/1495112029_832139.html> Acesso em 20 mai. 2017.

7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Procuradoria-Geral da República. ADI 5525. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Brasília, 12 mai. 2016. Disponível em: <https://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADI5525.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2017.

8 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 847.

9 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 692.

10 LEITE. Gauco Salomão. Eleição direta deve ser convocada caso chapa Dilma-Temer seja cassada. 6. jan. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-06/eleicao-direta-convocada-chapa-dilma-temer-for-cassada>. Acesso em: 20 mai. 2017.

11 LEITE. Gauco Salomão. Eleição direta deve ser convocada caso chapa Dilma-Temer seja cassada. 6. jan. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-06/eleicao-direta-convocada-chapa-dilma-temer-for-cassada>. Acesso em: 20 mai. 2017.

12 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 848.

13 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Ordinário nº 2246-61.2014.6.04.0000. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília, 4 mai. 2017. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/5/art20170505-07.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2017.

14 FRAZÃO, Carlos Eduardo. Aspectos controvertidos da Minirreforma Eleitoral de 2015: a inaplicabilidade do art. 224, § 4º, do Código Eleitoral, a eleições para o Poder Executivo. 6. mai. 2016. Disponível em: <https://www.oseleitoralistas.com.br/2016/05/06/aspectos-controvertidos-da-minirreforma-eleitoral-de-2015-a-inaplicabilidade-do-art-224-%C2%A7-4o-do-codigo-eleitoral-a-eleicoes-para-o-poder-executivo-por-carlos-eduardo-frazao/>. Acesso em: 21 mai. 2017.

15 LEITE. Gauco Salomão. Eleição direta deve ser convocada caso chapa Dilma-Temer seja cassada. 6. jan. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-06/eleicao-direta-convocada-chapa-dilma-temer-for-cassada>. Acesso em: 20 mai. 2017.

16 Ibid.

17 El País. Os pedidos de “Diretas Já” voltam à avenida Paulista. 18. mai. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/18/politica/1495079103_377396.html>. Acesso em 21 mai. 2017.

18 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de emenda à Constituição nº 227/2016. Brasília, 1 jun. 2016. Disponível em: <https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=146278>. Acesso em: 22 mai. 2017.

19 AYRES, Rodrigo Santa Maria Coquillard. Constituinte exclusiva: a democracia participativa na reforma política. Rio de Janeiro: EMERJ, 2014. p. 79. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/biblioteca_videoteca/monografia/Monografia_pdf/2014/RodrigoSantaMariaCoquillardAyres_Monografia.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2017.

20 Ucho.Info. JBSGate: se Michel Temer for apeado da Presidência, Constituição permite apenas eleição indireta. 18. mai. 2017. Disponível em: <https://ucho.info/2017/05/18/jbsgate-se-michel-temer-for-apeado-da-presidencia-constituicao-permite-apenas-eleicao-indireta/>. Acesso em 21 mai. 2017.

21 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional – tomo IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 191; 194.

22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 261-263.

23 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional – tomo IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 477.

Sobre o autor
Rodrigo Santa Maria Coquillard Ayres

Advogado. Indigenista Especializado da FUNAI, com atuação na Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena. Graduado em Direito pela PUC-Rio. Pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AYRES, Rodrigo Santa Maria Coquillard. "Diretas Já": a constitucionalidade de eleições diretas com a queda de Michel Temer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5075, 24 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57952. Acesso em: 22 nov. 2024.

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