SUMÁRIO: Introdução; 1. Recuperação Judicial; 2. Classificação de Créditos na Recuperação Judicial. 3. A Classificação do Crédito Condominial na Recuperação Judicial. Considerações Finais; Referência das Fontes Citadas.
RESUMO: O presente artigo tem por escopo estudar a classificação do crédito condominial como concursal ou extraconcursal durante a fase de recuperação judicial. Sendo assim, especificou-se como objetivo analisar a jurisprudência e doutrina recente sobre o tema. Para alcançar tal enfoque, a pesquisa foi dividida em três momentos. No primeiro se analisa o instituto da Recuperação Judicial. No segundo momento se avalia a classificação de créditos na Recuperação Judicial. Num terceiro momento se avalia a classificação específica do crédito condominial. Destarte, diante de todo o estudo realizado se traça considerações finais que constatam que o crédito condominial na Recuperação Judicial possui natureza extraconcursal. Quanto à Metodologia, foi utilizada a base lógica Indutiva, além das Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica
PALAVRAS-CHAVE: Taxa Condominial. Recuperação Judicial. Extraconcursal. Lei 11.101/05.
INTRODUÇÃO
O objeto deste artigo cientifico é fomentar um debate teleológico acerca da classificação das referidas taxas condominiais, exemplificando e argumentando quanto ao assunto, em razão da dúvida na forma de classificação do crédito condominial na Recuperação Judicial Seus objetivos são: a) Institucional: produção de Artigo Científico acadêmico; b) geral: analisar a legislação a doutrina e a jurisprudência acerca da classificação do crédito condominial na Recuperação Judicial. Os Objetivos Específicos são: a) compreender, em breve resumo, o instituto da Recuperação Judicial b) entender os aspectos gerais da classificação dos créditos; c) analisar as correntes doutrinárias favoráveis e desfavoráveis acerca do caráter extraconcursal de créditos; d) identificar qual é o entendimento acerca da classificação dos créditos condominiais junto à Recuperação Judicial.
O artigo está dividido em três momentos: no primeiro se fez uma análise do instituto da Recuperação Judicial; no segundo momento se avalia a classificação de créditos na Recuperação Judicial. Posteriormente se faz um breve estudo acerca da classificação específica do crédito condominial.
O método utilizado tanto na fase de investigação quanto no tratamento dos dados e no relato dos resultados que se consiste neste ensaio, foi a base lógica indutiva[1].
As técnicas empregadas foram a do referente[2], da categoria[3], do conceito operacional[4] e da pesquisa bibliográfica[5] e documental, esta última, pela via eletrônica.
1. DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A recuperação judicial é, em apertada síntese, o instituto pelo qual o ente empresarial busca reequilíbrio entre o ativo e o passivo, a fim de não decair em insolvência.
Conforme ensina Waldo Fazzio Júnior[6] “recuperar significa readquirir, reconquistar, reaver, recobrar [...] que, a exemplo da concordata, consiste em procedimento preventivo, porque tem a intenção de evitar a situação de falência. Contudo, persegue um objetivo muito mais amplo que o do instituto da concordata.”
A recuperação de empresas também é conceituada por Everaldo Medeiros Dias[7]:
A Recuperação de Empresas se constitui, genericamente, em um meio pelo qual o empresário devedor propõe a seus credores, de forma judicial ou extrajudicial, uma forma de reorganização de sua empresa e composição de suas obrigações, objetivando, assim, a manutenção de sua fonte produtiva e a continuidade de suas atividades empresariais e o cumprimento de suas funções sociais. [...] A recuperação judicial é um processo peculiar, em que o objetivo buscado (a reorganização da empresa explorada pela sociedade empresária devedora, em benefício desta, de seus credores e empregados e da economia) pressupõe a prática de atos judiciais.
Ainda, nas palavras de Maria Carla Pereira Ribeiro[8], "os principais objetivos da recuperação judicial são:a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho, a defesa do interesse dos credores, a preservação da empresa e de sua função social e o estímulo à atividade econômica."
Francisco Satiro Junior Souza[9] considera que: “o legislador brasileiro atendeu à demanda social de se preservar as empresas, o que se faz por reorganização da atividade empresarial, mas, no entanto, a norma preferiu denominar o instituto de recuperação”.
O autor afirma que “recuperar” tem o sentido de reaver, restaurar, repor em condições de operar. Quer dizer, que se possa ter condições de continuar uma atividade empresarial acometida por crise.
Para Fábio Ulhoa Coelho[10], a crise de uma empresa pode ser econômica, financeira ou patrimonial, conforme discorre:
Crise econômica ocorre quando as vendas dos produtos ou a prestação de serviços não são realizadas em quantidade suficiente à manutenção do negócio. A crise financeira acontece quando o empresário tem falta de fluxo de caixa, dinheiro ou recursos disponíveis para pagar suas prestações obrigacionais. Já a crise patrimonial se faz sentir quando o ativo do empresário é menor do que o seu passivo, logo, seus débitos superam os seus bens e direitos.
Portanto, conceituada a recuperação judicial pela doutrina majoritária brasileira, necessário também discorrer acerca da natureza dos créditos no referido instituto da recuperação judicial, conforme veremos adiante.
Para tanto, se faz necessário esmiuçar o conceito jurídico de crédito, em sua acepção jurídica, a fim de elaborar a ligação entre o “crédito” e o procedimento recuperatório.
Quanto a esse conceito, versa Carvalho de Mendonça[11]:
Crédito é a obrigação no aspecto ativo, ou seja, o direito do sujeito ativo numa relação obrigacional que lhe assegura a possibilidade de exigir a prestação do devedor. O crédito é um direito de fruição. O credor é aquele em proveito de quem a prestação deve ser executada. Partindo da distinção civilista entre os direitos absolutos, cujo sujeito passivo é indeterminado, recaindo o dever jurídico sobre todos os membros da coletividade (erga omnes) e direitos relativos, com sujeito passivo determinado, a obrigação pode ser definida como relação jurídica, em virtude da qual o sujeito passivo (devedor) tem o dever jurídico de caráter patrimonial em favor do sujeito ativo (credor).
Portanto, créditos são direitos advindos, entre outros, de obrigações entre as partes envolvidas, que podem ser realizadas nas mais variadas modalidades.
Entendido esse conceito preliminar, passamos à análise da natureza jurídica dos créditos.
Como dito, não é de hoje que se tem a ideia de que o Direito é batizado por princípios fundamentais, isto é, princípios que buscam efetivar aos nacionais ou estrangeiros, condições básicas para que exista o mínimo de segurança jurídica, proporcionando, assim, a igualdade jurisdicional e a eficácia das normas.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), tornou-se claro que sua pretensão era resguardar os cidadãos, para que não fossem novamente usurpados de seus direitos legítimos.
A força da CRFB, bem como do povo, se deu exemplificada no decorrer da constituição. José Afonso da Silva[12] define os princípios fundamentais como "prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas".
Com base nisso, no ano de 2005 foi promulgada a Lei 11.101/05, chamada de “Lei de Falência e Recuperação Judicial” (LFRE), visando o cumprimento dos princípios basilares do direito, bem como regular o rito procedimental inerente à tais situações, que anteriormente eram aplicados à bel prazer pelos juízos singulares fulcrados no Decreto-Lei 7.661/1945, já ultrapassado.
Assim, passou-se, ao menos em tese, à levar em consideração o interesse social em relação à recuperação, no intuito de criar um binômio entre os interesses da empresa e dos grupos (credores, trabalhadores), trazendo um equilíbrio entre os aspectos materiais e procedimentais.
Se as normas inseridas na Lei 11.101/05 (LFRE) são apropriadas é uma questão passível de análise, vez que as concepções divergem, dando ênfase, ainda, a alguns pontos específicos, passiveis de controvérsias.
Portanto, diante da impossibilidade de exaurimento dos temas, o foco se dará em relação à classificação dos créditos conforme lei e as suas implicações em relação à dividas condominiais, especificamente na questão da classificação destes no procedimento recuperatório previsto na Lei 11.101/05, conforme se passa a discorrer.
2. CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Inicialmente, se faz necessário conceituar a classificação de créditos, quanto ao tema, aduz Franciso Sátiro Souza[13]:
Os créditos são classificados de acordo com sua natureza e com a ordem de privilégios estabelecida pela Lei, atribuindo-se direitos similares àqueles da mesma classe. Somente entre os credores de uma mesma classe a igualdade de tratamento é absoluta: mesmos direitos a serem exercidos no procedimento falimentar, e rateio em caso de insuficiência de recursos para pagamento integral de todos. Mas há uma ordem de prioridade de pagamento entre as diversas classes de credores. Uma vez habilitados os créditos e definida sua classificação, uma classe só terá acesso ao resultado da liquidação do ativo do devedor se e quando não existirem créditos não pagos nas classes precedentes.
Os créditos podem ser concursais ou extraconcursais, estando os primeiros definidos no art. 83[14] da Lei n 11.101/05, in verbis:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, [...]
V – créditos com privilégio geral [...]
VI – créditos quirografários [...]
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas [...]
VIII – créditos subordinados [...]
De pronto, importante esclarecer que ainda que o caput do referido artigo faça menção somente à falência, a doutrina entende que o mesmo rol também se aplica no procedimento de recuperação.
Portanto, vemos que quase a totalidade dos créditos se submete ao chamado concurso de créditos, pertencendo a grupo de credores distintos, diante da imensa maioria de hipóteses previstas no referido artigo.
Cumpre elucidar que o crédito oriundo de negócio firmado anteriormente ao ajuizamento da ação de recuperação judicial fica submetido ao procedimento recuperatório e às condições ali impostas, mesmo que ainda não vencidas, conforme discorre o art. 49[15] da LFRE, sendo tais créditos caracterizados como concursais. Versa o referido artigo:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. [...]
Everaldo Medeiros Dias disserta sobre os créditos concursais[16]:
Os Créditos Concursais, sujeitos ao concurso de credores portanto, são aqueles constituídos pelo empresário individual, pela sociedade empresária e pela EIRELI antes da decretação da Falência. A ordem de pagamentos dos Créditos Concursais obedece a seguinte ordem de classificação estabelecida pelo art. 83 da LRFE.
Portanto, via de regra os créditos se enquadram na modalidade concursal, por ser mais abrangente e favorável ao empresário recuperando.
Desta feita, as exceções são os créditos que não se subrrogam à recuperação, chamado de extraconcursais, conforme se discorre a seguir.
Os créditos extraconcursais não estão sujeitos ao processo de habilitação, pois decorrem de fatos geradores de caráter sui generis ou posteriores à instauração de recuperação judicial.
Esses créditos também não se submetem à recuperação, sendo que o rol taxativo dos créditos extraconcursais esta previsto no art. 84[17] da Lei 11.101/05, transcrito abaixo:
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência [...]
Enquanto os credores listados no art. 83 adquiriram seus créditos a partir de atos ou fatos ligados ao empresário e à empresa sob sua administração antes da recuperação judicial, as obrigações listadas no art. 84 são, na sua maioria, resultado da atuação do administrador judicial na gestão dos interesses dos envolvidos na recuperação judicial[18].
Ainda que a Lei 11.101/05 tenha exemplificado que os créditos constituídos durante a recuperação seriam extraconcursais, existe uma lacuna no que tange termo inicial, pois não é expressa nesse sentido, havendo o questionamento se este se daria do deferimento do processamento da recuperação ou da aprovação do plano.
A divergência quanto ao termo inicial para a classificação dos referidos créditos tem pretexto para que as empresas recuperandas busquem minimiza-los, além de tentar impor as condições do plano de recuperação.
Nesse ponto é importante citar a doutrina majoritária e notar que o entendimento é o de que ao definir a prioridade do pagamento dos créditos extraconcursais, o pagamento destes deveria ocorrer antes do início da fase de satisfação dos créditos concursais, sendo vedado entretanto o pagamento indiscriminado destes a medida que surgirem.
O imbróglio torna-se ainda maior à medida que enfrentamos também a questão de preferência de créditos, pois não se tratando de falência não há norma norteadora para firmar um rol taxativo de preferências, o que acarreta muitas vezes em divergência jurisprudencial e doutrinária.
Somente no ano de 2014 houve julgamento quanto ao tema pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a Ministra Nancy Andrighi firmou jurisprudência sobre o tema após análise dos dispositivos da LFRE, aduzindo que se classificam como extraconcursais os créditos de obrigações que se originaram após o deferimento do processamento da recuperação, conforme in verbis:
DIREITO EMPRESARIAL. CRÉDITOS EXTRACONCURSAIS E DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. São extraconcursais os créditos originários de negócios jurídicos realizados após a data em que foi deferido o pedido de processamento de recuperação judicial. Inicialmente, impõe-se assentar como premissa que o ato deflagrador da propagação dos principais efeitos da recuperação judicial é a decisão que defere o pedido de seu processamento. Importa ressaltar, ainda, que o ato que defere o pedido de processamento da recuperação é responsável por conferir publicidade à situação de crise econômico-financeira da sociedade, a qual, sob a perspectiva de fornecedores e de clientes, potencializa o risco de se manter relações jurídicas com a pessoa em recuperação. Esse incremento de risco associa-se aos negócios a serem realizados com o devedor em crise, fragilizando a atividade produtiva em razão da elevação dos custos e do afastamento de fornecedores, ocasionando, assim, perda de competitividade. [...] Desse modo, afigura-se razoável concluir que conferir precedência na ordem de pagamentos na hipótese de quebra do devedor foi a maneira encontrada pelo legislador para compensar aqueles que participem ativamente do processo de soerguimento da empresa. Não se pode perder de vista que viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da sociedade devedora – objetivo do instituto da recuperação judicial – é pré-condição necessária para promoção do princípio maior da Lei 11.101/2005 consagrado em seu art. 47: o de preservação da empresa e de sua função social. Nessa medida, a interpretação sistemática das normas insertas na Lei 11.101/2005 (arts. 52, 47, 67 e 84) autorizam a conclusão de que a sociedade empresária deve ser considerada “em recuperação judicial” a partir do momento em que obtém o deferimento do pedido de seu processamento. (REsp 1.398.092-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014)[19].
Com essa afirmação, passamos à análise da classificação do crédito condominial na recuperação judicial.