2. CONCLUSÃO
Tanto doutrina quanto jurisprudência questionam a possibilidade do protesto de certidões de dívida ativa, restando mais do que evidente a inadequação do protesto cambial de títulos de natureza pública, implicando em grave sacrifício aos direitos do contribuinte.
O crédito tributário já nasce instrumentalizado por uma série de garantias e privilégios que permitem ao Estado impelir o contribuinte ao pagamento da dívida tributária, de sorte que há nítido desiquilibro nesta jurídica.
Ao Estado apenas é dado agir nos estritos termos da lei (em sentido estrito), não podendo realizar a cobrança de tributos de forma indireta e somente através da execução fiscal é possível exigir o adimplemento de obrigação tributária.
O protesto tem por finalidade específica a comprovação do inadimplemento, ausência ou recusa de aceite em dívidas originadas em título de crédito ou outros documentos de dívida, desde que tenham natureza cambial. A certidão de dívida ativa, todavia, não tem natureza cambiária.
O protesto apenas pode ser realizado por tabelião em ato único de forma célere e informal, sendo vedada a substituição do protesto por ato emanado de qualquer outra autoridade pública, denotando-se a natureza marcadamente cambiária do instituto.
Todos os procedimentos e regras relativas ao protesto dizem respeito à títulos de natureza cambial e não de natureza tributária, como é o caso das certidões de dívida ativa.
A realização de protesto de certidões de dívida ativa é absolutamente desnecessária pois tal título é legalmente dotado de liquidez, exigibilidade e certeza não necessitando do protesto para comprovação da ausência de pagamento ou, ainda, de aceite.
O que verdadeiramente se tem buscado com o protesto de certidões de dívida ativa foi a exigência do crédito tributário através de meios indiretos de cobrança, o que se sabe configura sanção política, sendo vedado pelo ordenamento jurídico.
O regime jurídico aplicável ao protesto cambial não possui qualquer compatibilidade com a exigibilidade de obrigações tributárias, razão pela qual o protesto de certidões de dívida ativa é absolutamente inadequado.
Relevante salientar que enquanto as obrigações cambiais nascem da vontade das partes que livremente pactuam a criação de obrigação sob um regime de direito privado, as obrigações tributárias não nascem pela vontade das partes, mas sob comando da lei e submetidas a um regime jurídico de direito público.
A mera possibilidade de protesto de certidões de dívida ativa implica na atribuição excessivas de poderes ao Estado, que já possui os meios legais e todas as prerrogativas necessárias para exigir o tributo através de execução fiscal.
Ao que parece, a velha noção de que a relação jurídica tributária implica em mera sujeição do contribuinte ao Estado continua vigente, pois o Poder Judiciário inclusive tem referendado a possibilidade de protesto de certidões de dívida ativa.
Ora, as obrigações de direito privado e as obrigações tributárias são estruturalmente idênticas, mas funcionalmente diversas. Tais distinções implicam em submissão a regimes jurídicos diversos, sobretudo em vista dos interesses a que se submetem.
Daí a absoluta impossibilidade de realização do protesto de certidões de dívida ativa, haja vista que o procedimento previsto em lei para a cobrança do tributo é através da execução forçada, não se admitindo meios indiretos de cobrança, tais como o protesto da certidão de dívida ativa.
A jurisprudência tem considerado válido o protesto de certidões de dívida ativa, ainda que reconheça ser tal procedimento um meio indireto de cobrança do tributo. A lei, por si mesma, define que o meio correto para a exigência do tributo é através da execução fiscal.
Qualquer meio alternativo de exigência do tributo que esteja amparado por lei ou pela jurisprudência é vedado, de sorte que convictamente aduz-se que o regime jurídico aplicável ao protesto cambial não possui qualquer compatibilidade com obrigações tributárias.
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a higidez do protesto de certidões de dívida ativa, sob o fundamento de que há norma autorizando tal procedimento.
Ora, como a simples existência de norma autorizativa aposta em lei extravagante seria o suficiente para dar aparência de legalidade à prática de sanção política contra contribuintes e, além disso, subvertendo toda as normas processuais relativas à cobrança de tributos.
Ademais, a possibilidade de protesto de certidões de dívida ativa implica em atribuição de capacidade tributária ativa de ente político a tabelionatos, o que é absolutamente ilegal.
A realização de protesto de certidões de dívida ativa é inconstitucional pois sua lei instituidora padece de vício formal, implicando ainda em violação aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de concorrência e contrária a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
A realização de protesto de certidões de dívida ativa claramente configura a prática de sanção política, assim entendida como um meio indireto de cobrança de tributos por parte do fisco.
Não existe norma autorizando de modo específico o protesto de títulos que tenham origem tributária, inclusive também não há qualquer norma autorizando a restrição de crédito tendo por base o protesto de certidões de dívida ativa.
Ademais, existe a necessidade de criação de norma geral criando a figura do protesto de certidões de dívida ativa, atendo-se as particularidades da obrigação tributária, assegurando ao contribuinte o exercício à ampla defesa e ao contraditório, o que somente pode ocorrer quando houver norma geral tributária prevendo tal hipótese.
Além disso, cada regra matriz de incidência tributária deverá prever especificamente a possibilidade de protesto das certidões de dívida ativa tendo por base os respectivos tributos protestáveis. Não havendo tal autorização, é perfeitamente ilegal a exigência de tributos por meio de protesto.
A realização de protesto de certidões de dívida ativa da forma como vem sido realizado é inconstitucional, pois viola a estrita legalidade, representa sanção política ao contribuinte, intromissão indevida do poder público na atividade empresarial e é violadora do devido processo legal.
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