A pandemia do coronavírus (covid-19) envolve o planeta em um cenário passageiro, mas que deixará heranças ásperas. Os reflexos na saúde, na sociedade e na economia vão além de meses para recuperação e nos preparam para o início de um período difícil.
Em situações como estas, a função do direito é adaptar-se para atender às necessidades do momento, ajustando-se com a realidade e com as dificuldades sociais. Garantir os direitos e exigir as obrigações, porém respeitando os prejuízos de cada um, invocando os institutos da boa-fé, da equidade, da dignidade da pessoa humana e sua efetiva conjugação com os direitos sociais garantidos constitucionalmente.
As relações jurídicas e as obrigações decorrentes destas dependem de reajustes para se manterem. Ademais, toda a legislação que está sendo adaptada e modificada, através de medidas provisórias, precisa de amparo jurídico para garantia da sua eficácia e validade.
Para tanto, o direito oferece alguns dispositivos, quais sejam o caso fortuito e de força maior, a cláusula rebus sic stantibus, a álea extraordinária, entre outros. Estas exceções do mundo jurídico são estudadas na graduação e sempre parecem muito distantes da realidade, uma vez que são exemplificadas com situações extremas, por exemplo, uma pandemia.
O coronavírus vem demonstrar uma situação extrema, que permite a realização de reajustes contratuais, haja vista se tratar de um fato superveniente, inevitável e fora do alcance do poder humano, equiparado a tufões, tempestades, incêndios, inundações e seca. O caso fortuito e de força maior está previsto no Código Civil, especificando que o devedor não responde por prejuízos ocasionados por estes fatos, ou seja, com efeitos que não eram possíveis de se evitar ou de se impedir.
Para tanto, é necessário demonstrar que existe um impedimento para cumprir a obrigação. Se este impedimento for passageiro, como espera-se que seja a pandemia, a obrigação pode ficar suspensa ou as partes podem ajustar um novo cronograma de pagamentos e até de execução contratual.
Isso significa que, na iminência de acontecimentos assim, é possível negociar reajustes de aluguel, de prestação de serviços, de fornecimento de produtos e, conforme prevê a MP 936, até de contratos de trabalho.
Vale lembrar que é importante que prevaleça a boa-fé contratual, uma vez que o momento é de dificuldade para todos. É necessário estabelecer uma negociação que amenize os prejuízos de todos os envolvidos, evitando o desequilíbrio contratual com cláusulas abusivas, ilegais ou tendenciosas.
As relações contratuais se baseiam no princípio pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser cumpridos, representando a necessidade das partes respeitarem o disposto no contrato, atendendo às obrigações impostas. Aliado a isto, mas com muita discussão sobre sua incidência no ordenamento jurídico brasileiro, existe a cláusula rebus sic stantibus, que explica que o contrato faz lei entre as partes enquanto as coisas permanecerem na forma estabelecida na época do contrato, ou seja, a teoria da imprevisão.
Desta forma, em atendimento à função social dos contratos, os seus reajustes são possíveis e necessários, uma vez que a pandemia do coronavírus enquadra-se perfeitamente na teoria da imprevisão.
Além das possibilidades de alterações contratuais na esfera cível, o direito administrativo também prevê exceções para situações extremas como a pandemia.
Nos contratos administrativos, a Lei de Licitações dispõe sobre o reequilíbrio, quando ocorre a modificação de preços dos insumos, decorrentes da criação ou alteração de tributos. Além disso, a lei requer a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, quando ocorrerem fatos imprevisíveis, ou até previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos de executar o que foi inicialmente pactuado.
Neste caso, verifica-se a ocorrência da álea econômica extraordinária, onde ocorrem situações macroeconômicas absolutamente imprevisíveis ou de consequências incalculáveis, afetando negativamente a prestação contratual.
Ou seja, a proposta realizada pelo contratado no momento na licitação não atende mais à situação atual, devido à variação cambial ou a outros fatores. Ocorre, ainda, o atraso no fornecimento de produtos, tornando necessário o reajuste dos prazos e cronogramas, entre outras situações.
Tanto na esfera cível quanto na administrativa, é necessário consultar um advogado para elaborar o reajuste, formalmente, para que ele tenha efeitos jurídicos e não acarrete nulidades e problemas futuros.