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A demissão de jornalista por manifestação no caso Mari Ferrer.

Agenda 05/11/2020 às 23:29

Um jornalista foi demitido por seu empregador devido às suas manifestações fora de seu ambiente de trabalho. Entenda a repercussão jurídica dessa dispensa: com ou sem justa causa?

Introdução

Na última quarta-feira (4/11), através de uma live independentemente promovido fora das plataformas de seu empregador, o jornalista Rodrigo Constantino comentando o caso de estupro envolvendo a jovem Mariana Ferrer, teria dito em seu canal no Youtube que se sua filha fosse estuprada nessas circunstâncias, iria ficar de castigo feio e que não denunciaria o agressor à polícia.

Por causa disso, o Grupo Jovem Pan emitiu nota pública afirmando ter como premissa a liberdade de expressão e o amplo debate entre os seus comentaristas. Com efeito, o Grupo esclareceu que desaprovava veementemente todo conteúdo apresentado nos canais pessoais do jornalista.

Reafirmou, ainda, que as opiniões de seus comentaristas são independentes e não necessariamente representam a opinião do Grupo. Por fim, em decorrência do episódio, o jornalista estaria desligado de seus quadros de comentaristas.


Aspectos trabalhistas

Houve justa causa nesta despedida?

Pois bem.

A ordem jurídica prevê no art. 482 da CLT as hipóteses que configuram justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Uma parcela da doutrina defende que tais hipóteses constituem rol taxativo, haja vista o princípio da continuidade da relação de emprego, razão pela qual as situações do art. 482 da CLT exigiriam uma interpretação literal.

Considerando que a manifestação do jornalista teria ocorrido numa live independente fora das plataformas de seu empregador, não haveria como demiti-lo por justa causa, uma vez que a alínea “j” do art. 482 da CLT exige que o ato lesivo seja praticado “no serviço”.

Restaria ainda ao empregador a possibilidade de demitir seu funcionário sem justa causa, com o fundamento na quebra de fidúcia/confiança entre patrão e empregado. Afinal, nunca é demais lembrar que a relação de emprego deve ser cotejada junto com a função social da empresa (art. 170, CF), bem como a própria função social do contrato (art.421, CC).

Assim, sem olvidar aos princípios da liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, CRFB) e da liberdade de imprensa (art.220, CRFB), é de se ver que a empresa deixou bem claro em nota pública repudiar veementemente tal manifestação, motivo pelo qual não seria razoável exigir-lhe a manutenção em seus quadros de um empregado que comprovadamente já demonstrou ser uma ameaça aos fins sociais que ela acredita e defende, bem como à sua própria imagem perante o seu público.

Sempre válido lembrar que, no caso de demissão sem justa causa, deve ser pago ao trabalhador todos os consectários legais decorrentes de uma rescisão contratual imotivada.

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Por outro lado, há quem defenda a existência de justa causa para a demissão, mesmo na hipótese de o ato lesivo ter ocorrido fora do horário de trabalho e das plataformas de seu empregador. Seria possível enquadrar tal situação no art. 485 da CLT alínea “j” (ato lesivo à honra/imagem), inclusive por atos praticados fora do ambiente de serviço.

Isso se deve a uma interpretação dos chamados deveres laterais/anexos da boa-fé objetiva do contrato (art. 422, CC), que exige a observância de um padrão ético de comportamento antes, durante e mesmo após o término do contrato. Noutras palavras, a observância dos deveres anexos da boa-fé objetiva aplica-se também a todas as etapas do contrato de trabalho, inclusive em períodos em que o trabalhador esteja fora do seu ambiente de serviço.

Assim, apesar de o jornalista não ter praticado o ato durante a prestação de serviços ao patrão, é inegável que as suas manifestações – “ em lives independentes” – podem gerar repercussão deletéria à imagem de seu empregador que possui o direito de não se ver associado a esse conteúdo.   


Conclusão

O Direito do Trabalho – como ramo específico de uma ciência – não pode estar dissociado de uma ideia de sistema jurídico, isto é, se uma conduta é ilícita para o direito civil por ofensa à honra objetiva/ imagem e por violação dos deveres laterais/anexos do contrato, também deve ser ilegal para o direito do trabalho, quando a mesma conduta também prejudicar a imagem e os valores sociais defendidos pelo empregador.

Sobre o autor
Fernando Magalhães Costa

Autor do PODCAST_Fernando Magalhães: https://bit.ly/fernandomagalhaes. Servidor público federal, Analista Judiciário do TRT da 2ª Região. 2006/2012 - servidor público federal, Técnico Judiciário do TRE-SP. Atuação como Assessor Jurídico Substituto da Presidência na área de Licitações e Contratos. Membro da Comissão Permanente de Licitações e da Equipe de Apoio ao Pregão. Gestor de Contratos. 2001 - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Lotação: Departamento de Contas Nacionais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fernando Magalhães. A demissão de jornalista por manifestação no caso Mari Ferrer.: Justa causa, liberdade de expressão e a preservação da imagem e os valores sociais da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6336, 5 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86550. Acesso em: 25 dez. 2024.

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