Introdução
Na última quarta-feira (4/11), através de uma live independentemente promovido fora das plataformas de seu empregador, o jornalista Rodrigo Constantino comentando o caso de estupro envolvendo a jovem Mariana Ferrer, teria dito em seu canal no Youtube que se sua filha fosse estuprada nessas circunstâncias, iria ficar de castigo feio e que não denunciaria o agressor à polícia.
Por causa disso, o Grupo Jovem Pan emitiu nota pública afirmando ter como premissa a liberdade de expressão e o amplo debate entre os seus comentaristas. Com efeito, o Grupo esclareceu que desaprovava veementemente todo conteúdo apresentado nos canais pessoais do jornalista.
Reafirmou, ainda, que as opiniões de seus comentaristas são independentes e não necessariamente representam a opinião do Grupo. Por fim, em decorrência do episódio, o jornalista estaria desligado de seus quadros de comentaristas.
Aspectos trabalhistas
Houve justa causa nesta despedida?
Pois bem.
A ordem jurídica prevê no art. 482 da CLT as hipóteses que configuram justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Uma parcela da doutrina defende que tais hipóteses constituem rol taxativo, haja vista o princípio da continuidade da relação de emprego, razão pela qual as situações do art. 482 da CLT exigiriam uma interpretação literal.
Considerando que a manifestação do jornalista teria ocorrido numa live independente fora das plataformas de seu empregador, não haveria como demiti-lo por justa causa, uma vez que a alínea “j” do art. 482 da CLT exige que o ato lesivo seja praticado “no serviço”.
Restaria ainda ao empregador a possibilidade de demitir seu funcionário sem justa causa, com o fundamento na quebra de fidúcia/confiança entre patrão e empregado. Afinal, nunca é demais lembrar que a relação de emprego deve ser cotejada junto com a função social da empresa (art. 170, CF), bem como a própria função social do contrato (art.421, CC).
Assim, sem olvidar aos princípios da liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, CRFB) e da liberdade de imprensa (art.220, CRFB), é de se ver que a empresa deixou bem claro em nota pública repudiar veementemente tal manifestação, motivo pelo qual não seria razoável exigir-lhe a manutenção em seus quadros de um empregado que comprovadamente já demonstrou ser uma ameaça aos fins sociais que ela acredita e defende, bem como à sua própria imagem perante o seu público.
Sempre válido lembrar que, no caso de demissão sem justa causa, deve ser pago ao trabalhador todos os consectários legais decorrentes de uma rescisão contratual imotivada.
Por outro lado, há quem defenda a existência de justa causa para a demissão, mesmo na hipótese de o ato lesivo ter ocorrido fora do horário de trabalho e das plataformas de seu empregador. Seria possível enquadrar tal situação no art. 485 da CLT alínea “j” (ato lesivo à honra/imagem), inclusive por atos praticados fora do ambiente de serviço.
Isso se deve a uma interpretação dos chamados deveres laterais/anexos da boa-fé objetiva do contrato (art. 422, CC), que exige a observância de um padrão ético de comportamento antes, durante e mesmo após o término do contrato. Noutras palavras, a observância dos deveres anexos da boa-fé objetiva aplica-se também a todas as etapas do contrato de trabalho, inclusive em períodos em que o trabalhador esteja fora do seu ambiente de serviço.
Assim, apesar de o jornalista não ter praticado o ato durante a prestação de serviços ao patrão, é inegável que as suas manifestações – “ em lives independentes” – podem gerar repercussão deletéria à imagem de seu empregador que possui o direito de não se ver associado a esse conteúdo.
Conclusão
O Direito do Trabalho – como ramo específico de uma ciência – não pode estar dissociado de uma ideia de sistema jurídico, isto é, se uma conduta é ilícita para o direito civil por ofensa à honra objetiva/ imagem e por violação dos deveres laterais/anexos do contrato, também deve ser ilegal para o direito do trabalho, quando a mesma conduta também prejudicar a imagem e os valores sociais defendidos pelo empregador.