A discussão travada no presente artigo transita acerca da possibilidade de o servidor público que responde a processo administrativo disciplinar receber a verba de abono de permanência, bem como faz análise sobre outros afastamentos que ensejariam a suspensão da verba.
Para adentrar na matéria, mister se faz conceituar a verba. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o abono de permanência, instituído pela Emenda Constitucional nº 41/2003, é o reembolso da contribuição previdenciária devido ao servidor público que, já tendo cumprido todas as exigências legais para se aposentar, decide permanecer em atividade. Assim, para a sua concessão, impõe-se ao servidor público implementar todas as condições para aposentadoria voluntária. (STJ, REsp 1277616 PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, T2, j. 07-02-2012 e DJe 14-02-2012).
Para o STJ, o abono de permanência é indubitavelmente uma vantagem pecuniária permanente, pois essa contraprestação se incorpora ao patrimônio jurídico do servidor de forma irreversível ao ocorrer a reunião das condições para a aposentadoria, associada à continuidade do labor. Não é, portanto, possível atribuir eventualidade ao pagamento da citada vantagem, pois somente com o implemento da aposentadoria ela cessará. (STJ, REsp 1.489.904 RS, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, DJe 4-12-2014).
Na doutrina encontramos a seguinte definição, no escólio de Alexandre de Moraes:
O abono de permanência é uma regra aplicável aos servidores públicos que, podendo se aposentar, optem por permanecer em atividade, prevendo a esses servidores que tenham completado as exigências para a aposentadoria voluntária e que optem por permanecer em atividade, um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para a aposentadoria compulsória[1].
Com relação à natureza jurídica do abono de permanência, entende o STJ que é verba remuneratória para fins tributários. Neste sentido, vale colacionar a ementa do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.795.795 - PR (2019/0031959-9):
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA CONCEDIDA NO TÍTULO JUDICIAL. BASE DE CÁLCULO. REMUNERAÇÃO. INCLUSÃO DO ABONO DE PERMANÊNCIA. 1. Tendo o título executivo estabelecido que a conversão em espécie de licenças-prêmio não gozadas seria feita com base na remuneração do servidor, o abono de permanência deve integrar a base de cálculo. 2. O abono de permanência em serviço consiste em prestação pecuniária devida àqueles servidores que, mesmo tendo reunido as condições para a aposentadoria, optam por continuar trabalhando, conforme arts. 40, § 19, da CF; 3º, § 1º, da EC 41/2003; e 7º da Lei 10.887/2004. 3. Segundo o art. 41 da Lei 8.112/1990, remuneração "é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei". 4. O abono de permanência é indubitavelmente vantagem pecuniária permanente, pois essa contraprestação se incorpora ao patrimônio jurídico do servidor de forma irreversível ao ocorrer a reunião das condições para a aposentadoria, associada à continuidade do labor. Não é, portanto, possível atribuir eventualidade ao pagamento da citada vantagem, pois somente com o implemento da aposentadoria ela cessará. 5. O STJ, sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008, já se manifestou sobre a natureza jurídica do abono de permanência para fins tributários, de forma a assentar o seu caráter remuneratório. A propósito: EDcl no REsp 1.192.556/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 17.11.2010. 6. "Por ser uma vantagem pecuniária não eventual e componente da remuneração do servidor, o abono de permanência deve compor a base de cálculo da licença-prêmio indenizada." (AgRg no REsp 1.480.864/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 21/09/2016). No mesmo sentido, REsp 1.607.588/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/9/2016; REsp 1.479.938/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.12.2014; e REsp 1.491.286/RS, Rel. Ministro Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16.12.2014. 7. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1.795.795 PR, Rel. Min. Herman Benjamin, data do julgamento: 17 de setembro de 2019 e DJe de 11 de outubro de 2019). (Os destaques são meus).
Não há que se olvidar ser o abono de permanência um custo adicional a ser suportado pelos cofres públicos, sendo que este custo acaba por ser minimizado pelo fato de que fica mais barato para o Estado manter em atividade o servidor que cumpriu os requisitos para aposentação do que aposentá-lo e para suprir a vacância ter que nomear outro servidor. Nesta última perspectiva, o Estado paga 2 (dois) servidores ao invés de um.
É, portanto, parte de política assistencialista voltada para o funcionalismo público de impressão providencial. Em última análise acaba sendo o reconhecimento do Estado pelos serviços prestados pelo servidor que quer ver mantido no seu cargo.
Noutro prisma, o abono de permanência é uma verba de natureza compensatória por se tratar de um estimulo à permanência em atividade, sendo que não é levada à composição dos proventos por ocasião da aposentadoria. Portanto, pode-se ao abono de permanência atribuir uma natureza híbrida, ou seja, natureza indenizatória-compensatória de cunho remuneratório.
Vale deixar registrado que sobre a natureza jurídica do abono de permanência bem como sobre a necessidade de tratamento legislativo após a EC nº 103, de 2019, fizemos estudo publicado pelo portal do Jus e intitulado O novo abono de permanência: norma de eficácia limitada. O caso de Alagoas[2].
Para a concessão do benefício, hão de ser cumpridos pelo servidor público os seguintes requisitos: i) ser filiado ao Regime Próprio de Previdência Social d- RPPS do seu estado ou município; ii) ser servidor público ocupante de cargo efetivo; iii) ter completado as exigências para a aposentadoria voluntária que; iv) estar em atividade e assim continuar até o prazo limite da aposentadoria compulsória; v) manifestar seu desejo de permanência em atividade, cuja manifestação pode ser expressa ou tácita; vi) estar sendo tributado pela contribuição social previdenciária; e vii) não haver impedimento para a concessão de aposentadoria.
Sobre essa última exigência, pairam dúvidas sobre a legitimidade da percepção da benesse. O Art. 172 da Lei Federal nº 8.112, de 1990 Regime Jurídico Único dos Servidores da União - RJU, assim disciplina: O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.
Por ocasião do julgamento do REsp 1.795.795, o STJ deixou assentado que: O abono de permanência é indubitavelmente vantagem pecuniária permanente, pois essa contraprestação se incorpora ao patrimônio jurídico do servidor de forma irreversível ao ocorrer a reunião das condições para a aposentadoria, associada à continuidade do labor. Não é, portanto, possível atribuir eventualidade ao pagamento da citada vantagem, pois somente com o implemento da aposentadoria ela cessará.(STJ, REsp 1.795.795, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 17/09/2019 e DJe de 11/10/2019).
E é exatamente acerca da cessação do benefício, que residem algumas nuances que merecem análise acurada. Na observação do STJ no REsp 1.795.795, a limitação temporal é clara, pois cessa com o implemento da aposentadoria.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que em casos de inobservância de prazo razoável para a conclusão do processo administrativo disciplinar, não há falar em ilegalidade na concessão de aposentadoria ao servidor investigado. (STJ, AgInt no AREsp 1348488/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/02/2020, DJe 19/02/2020).
Além da observância da razoável durabilidade do processo [CF/88, Art. 5º, LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação], os tribunais pátrios têm decidido que
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Aplicação da pena de demissão a bem do serviço público ao impetrante, que no exercício de suas funções de Perito Criminal, teria forjado provas para alterar resultado de laudo em favor de terceiros, mediante o recebimento de valor em moeda. Apuração da existência do ilícito administrativo. Superveniência de aposentadoria do impetrante no curso do PAD. Pena de demissão convolada em pena de cassação da aposentadoria. Inadmissibilidade. Caráter retributivo do sistema previdenciário do servidor público que não autoriza a aplicação de tal pena, após o advento das ECs 03/93 e 20/98, que alteraram o artigo 40 da CF/88. Segurança concedida. (TJ-SP - MS: 21357574420148260000 SP 2135757-44.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 25/02/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 03/03/2015). (Destacamos).
Ocorre que as situações concretas devem ser efetivamente analisadas. A cassação da aposentadoria é uma conseqüência severa, no entanto, o servidor público não perde seu tempo contributivo, uma vez que esse tempo pode ser usado para outra aposentadoria que não seja no Regime Próprio de Previdência Social RPPS do qual a aposentadoria foi cassada.
Nesta liça temos que nenhuma punição advinda de processo administrativo disciplinar tem o condão de retirar do servidor público seu tempo contributivo. Assim, o mesmo, tendo sua aposentadoria cassada, pode usar o tempo no Regime Geral de Previdência Social RPGS ou em outro RPPS.
Lamentavelmente alguns tribunais têm posicionamento diverso por desconhecimento da premissa acima levantada. Eis o que revela o TJSP:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Aplicação da pena de demissão a bem do serviço público ao impetrante, que no exercício de suas funções de Perito Criminal, teria forjado provas para alterar resultado de laudo em favor de terceiros, mediante o recebimento de valor em moeda. Apuração da existência do ilícito administrativo. Superveniência de aposentadoria do impetrante no curso do PAD. Pena de demissão convolada em pena de cassação da aposentadoria. Inadmissibilidade. Caráter retributivo do sistema previdenciário do servidor público que não autoriza a aplicação de tal pena, após o advento das ECs 03/93 e 20/98, que alteraram o artigo 40 da CF/88. Segurança concedida. (TJ-SP - MS: 21357574420148260000 SP 2135757-44.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 25/02/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 03/03/2015).
Não há que se confundir o caráter retributivo, ou melhor dizendo, contributivo [que não se perde] com a aplicabilidade de sanção disciplinar pelo não cumprimento dos deveres atinentes ao servidor público. O ilícito administrativo não pode ficar impune sob a argumentação de que o servidor contribuiu para o seu regime próprio de previdência.
Mas pode o servidor que responde a processo administrativo continuar a receber abono de permanência? Entendemos que não, pois o ato volitivo de permanência em atividade não está presente e esta é uma conditio sine qua non para a concessão do abono de permanência.
Vale afirmar que a manifestação pela permanência em atividade pode ser expressa ou tácita. Pode ser exteriorização de vontade tácita porque os tribunais pátrios, com escólio na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5026/Alagoas, firmaram o entendimento da prescindibilidade do requerimento expresso pela permanência em atividade e que o pagamento é justo desde a implementação dos requisitos para a aposentação. Senão Vejamos:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AUXÍLIO-DOENÇA E ABONO DE PERMANÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 53 E 89, § 1º, DA LEI Nº 7.114/2009 DO ESTADO DE ALAGOAS, QUE REESTRUTURA O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES ESTADUAIS, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, XXXVI, 37, XV, 40, § 19, E 194, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. Alegação de inconstitucionalidade material do artigo 53 da lei combatida, que prevê a forma de cálculo da renda mensal do benefício previdenciário de auxílio-doença com estipulação de valor inferior ao do rendimento efetivo do servidor. Inexistência de afronta aos princípios da irredutibilidade dos vencimentos e dos benefícios (artigos 37, XV, e 194, parágrafo único, da Constituição Federal). Os vencimentos recebidos pelo servidor público, pagos em contraprestação pelo seu labor, não se confundem com os valores auferidos a título de benefício previdenciário. O regime previdenciário possui natureza contributiva e solidária, que deve observar o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, CF, e art. 1º, Lei 9.717/98). A vedação que decorre da Constituição Federal é a do pagamento de benefícios com valores inferiores ao do salário mínimo, como estatui o seu artigo 201, § 2. A forma de cálculo do benefício de auxílio-doença pode ser parametrizada pelos Estados como decorrência da sua autonomia. O texto normativo impugnado guarda conformidade e convergência com o desenho constitucional estabelecido para a organização e o funcionamento dos regimes próprios dos servidores públicos dos Estados. Ausência de violação dos parâmetros constitucionais invocados. 2. O abono de permanência deve ser concedido uma vez preenchidos os seus requisitos, sem necessidade de formulação de requerimento ou outra exigência não prevista constitucionalmente. A jurisprudência desta Suprema Corte tem afirmado que cumpridas as condições para o gozo da aposentadoria, o servidor que decida continuar a exercer as atividades laborais tem direito ao aludido abono sem qualquer tipo de exigência adicional. Precedentes. Súmula 359 deste Supremo Tribunal Federal. O artigo 89, § 1º, da Lei alagoana nº 7.114/2009, ao prever que o pagamento do Abono de Permanência será devido a partir do mês subsequente ao que for requerido, impõe condições não constitucionalmente assentadas e afronta, por conseguinte, o direito adquirido do servidor. Inconstitucionalidade material por violação dos artigos 5º, XXXVI, e 40, §19, da Constituição da República. 3. Pedido julgado parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 89, § 1º, da Lei nº 7.114/2009 do Estado de Alagoas. (STF, ADI 5.026/Alagoas, Plenário, Relatora Ministra ROSA WEBER, julgamento 03/03/2020 e DJe de 12/03/2020).
Da decisão do Colendo Excelso subtrai-se que não há necessidade de formulação expressa pela permanência em atividade, ou seja, requerimento do servidor neste sentido. Para a Corte Suprema, basta para a concessão do abono de permanência o preenchimento dos requisitos para a aposentadoria voluntária.
Ocorre que, no caso específico de estar respondendo à PAD, o servidor público [conforme previsão legal no seu RJU ou constituições estaduais e leis orgânicas], não tem o poder decisório, ou seja, não há como decidir continuar a exercer as atividades laborais, uma vez que no caso há obrigação por permanência em atividade o que descaracteriza a voluntariedade do ato.
Todavia, o afastamento preliminar, ou seja, o afastamento requerido para aguardar aposentadoria, tem sido concedido nas situações em que o servidor público se encontra respondendo á PAD. Nestes termos, assim se pronunciou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
EMENTA: Apelação cível. Ação cominatória. Recurso tempestivo. Funcionária pública. Afastamento preliminar à aposentadoria. Processo administrativo disciplinar pendente. Pena de demissão a bem do serviço público. Concessão da aposentadoria. Direito inexistente. Recurso não provido. (...) 2. Preenchidos os requisitos para a aposentadoria, o afastamento preliminar pode ser concedido à funcionária pública, mesmo havendo processo administrativo disciplinar em curso contra ela. 3. Todavia, aplicada a pena de demissão a bem do serviço público, não há que se falar em direito à aposentadoria. TJ-MG, Relator: Caetano Levi Lopes, Data de Julgamento: 21/05/2013, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL.
Pertinente que se abram parênteses no sentido de deixar registrado que o servidor público, durante afastamento sem autorização estando na ativa [o que pode vir a ser caracterizado como abandono de cargo] pode e deve ser compelido a devolver o abono de permanência recebido neste período, posto que a natureza de permanência neste caso foi afastada por culpa do servidor. Contudo, a devolução somente é cabível após a conclusão do processo administrativo disciplinar.
Outrossim, o afastamento preliminar como medida cautelar nos termos do Art. 147 do RJU-União, não enseja a sustação do abono de permanência, uma vez que é fase preliminar e há que ser observado o princípio da presunção de inocência [CF/88, Art. 5º LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória]. Contudo, uma vez o afastamento preliminar sendo convolado em afastamento definitivo com a aplicação de punibilidade de suspensão ou demissão, devem os valores do abono de permanência serem devolvidos aos cofres públicos, em estrita homenagem ao princípio da moralidade administrativa [CF, Art. 37, caput].
Para melhor visualização, eis o teor do Art. 147, da Lei nº 8.112, de 1990:
Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.
Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.
Feito esse aparte, partimos a responder a pergunta: o afastamento preliminar do servidor público para aguardar aposentadoria autoriza o pagamento do abono de permanência?
A título de exemplo, tomemos as disposições contidas no Art. 57, § 3º da Constituição do Estado de Minas Gerais e no Art. 36, § 24, da Constituição do Estado de Minas Gerais, sucessivamente e in verbis:
Art. 36 - Aos servidores titulares de cargos de provimento efetivo do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime próprio de previdência social, nos termos deste artigo, de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do Estado, dos servidores ativos e aposentados e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, que será gerido por instituição previdenciária de natureza pública e instituída por lei. (Caput com redação dada pelo art. 2º da Emenda à Constituição nº 104, de 14/9/2020.)
[...]
§ 24 - É assegurado ao servidor afastar-se da atividade a partir da data do requerimento de aposentadoria, e a não concessão desta importará o retorno do requerente para o cumprimento do tempo necessário à aquisição do direito, na forma da lei.
...........................
Art. 57. Os servidores públicos civis serão aposentados:
[...]
§ 3º Decorrido o prazo de trinta dias a contar da data da protocolização do pedido de aposentadoria voluntária, sem que a Administração conceda ou motivadamente negue a transferência para a inatividade, ficará o servidor automaticamente desobrigado da prestação de serviços, sem prejuízo de sua remuneração, até que publicada a decisão definitiva.
No caso do afastamento preliminar, duas hipóteses podem ser aventadas: i) o afastamento preliminar deve ser requerido e acatado para que o servidor possa se afastar para aguardar a aposentadoria; e ii) o afastamento é decorrente da inércia da Administração Pública ou da complexidade do processo de aposentação, que demanda mais de 30 (trinta) dias para conclusão.
Contudo, seja requerido ou automático o afastamento, resta a dúvida sobre a permanência da verba do abono de permanência.
Note-se que a terminologia permanência acima referenciada tem duas acepções distintas: i) permanência da verba, ou seja, sua continuidade de pagamento; e ii) permanência no serviço público após completude dos requisitos para aposentação. Neste último caso é o abono de permanência em si mesmo, que significa a possibilidade do recebimento de uma benesse por em ato próprio e voluntário o servidor faz opção por permanecer em atividade após completar os requisitos indicados para aposentadoria.
Antes de adentrar especificamente no tema proposto, vale lembrar que o ato de aposentadoria tem efeito prodrômico.
O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do RMS 3.881, Pleno, Rel. Min. Nelson Hungria (RTJ 4/85), consagrou a premissa de que a aposentação é ato Administrativo complexo, que somente se aperfeiçoa com o registro perante o Tribunal de Contas, de modo que não se operam os efeitos da decadência antes da integração da vontade final da Administração, razão pela qual não há falar em aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99 antes da publicação do registro na imprensa oficial (STF, MS 30.830-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 13.12.2012; MS 24.781, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 09.06.2011).
Entretanto, a linha de elucubração, que acolhe o ato de aposentação como ato complexo, não foi acolhida pela Procuradoria Geral da República, que se posicionou em sentido contrário, através do Parecer PGR 8569, exarado no RE nº 636.553, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com Repercussão Geral reconhecida, concluindo o ato administrativo de aposentadoria é um ato composto.
A Repercussão Geral foi reconhecida em relação à obrigatoriedade de o Tribunal de Contas da União observar os princípios do contraditório e da ampla defesa no exame da legalidade de atos concessivos de aposentadoria, reformas e pensões, após o decurso do prazo de cinco anos.
Em seu arrazoado, a Procuradoria Geral da República assim se manifestou:
1. A aposentadoria, ainda que sujeita a registro pelo TCU, não constitui ato administrativo complexo. É que o conceito de ato administrativo complexo pressupõe a conjugação de vontades de órgãos diversos para a produção de um ato único ou de uma única finalidade administrativa. O TCU apenas aprecia a legalidade do ato concessivo (CF, art. 71, III). A vontade do TCU não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa, não se conformando, portanto, à concepção unitária de ato complexo. 2. O controle de legalidade exercido pelo TCU sobre os atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, para fins de registro, se dá sobre o ato já praticado pela autoridade administrativa competente, razão pela qual a aposentadoria se qualifica como ato administrativo composto e não complexo. Por se tratar de controle de legalidade a posteriori de ato administrativo acabado, não há que se falar em inoperância dos efeitos da decadência. Aplicação do prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 aos processos de contas que tenham por objeto a apreciação de legalidade dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão, a contar da data da publicação do ato de concessão inicial. Doutrina e precedentes. 3. O efeito atípico preliminar ou prodrômico impõe a manutenção dos efeitos do ato de concessão inicial da aposentadoria, reforma e pensão, quando presentes a boa-fé do beneficiário e o longo decurso de tempo entre o ato concessivo e a decisão da Corte de Contas, a evidenciar a confiança dos cidadãos nos atos do Poder Público como projeção subjetiva do princípio da segurança jurídica. 4. A proteção da confiança, enquanto um valor constitucional de ordem ético-jurídica e enquanto projeção subjetiva do princípio da segurança jurídica, desautoriza a Administração Publica a exercer o seu imperium de desconstituir ou anular as situações administrativas desconformes com o postulado da legalidade administrativa, quando revestidas de aparência de legalidade, de boa-fé e consolidadas no tempo por inércia do próprio ente público que as originou ou lhes deu causa. Doutrina e precedentes. 5. O controle externo exercido pelo TCU, caracterizado pela atividade de auditoria entre a Corte de Contas e a Administração Pública, está sujeito aos princípios da boa-fé objetiva, da proteção da confiança e da segurança jurídica que se afirma em favor do administrado quando não observada a duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), fazendo incidir sobre tal atividade a indispensabilidade de observância do due process of law . 6. Ultrapassado o prazo razoável de 5 (cinco) anos para a apreciação, pelo TCU, da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, contado a partir da concessão administrativa, deve ser oferecido aos interessados o contraditório e a ampla defesa. 7. Parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso extraordinário. (PGR, Parecer nº 8569 RJMB / RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 636.553 / RS).
Com base nesse entendimento, podemos aferir que a aposentadoria, desde o seu ato concessório, já produz seus efeitos. Nesta liça, o afastamento preliminar, devidamente autorizado e reconhecido pela Administração Pública, já anuncia os efeitos do ato. É como se fosse, in tese, uma antecipação dos efeitos da aposentadoria. E por ser assim, as verbas de caráter transitório são canceladas com o afastamento preliminar.
Não teria razão de existência o afastamento preliminar se não surtisse efeitos jurídicos além do simples afastamento do servidor. O que o afastamento efetivo traz como conseqüências? Uma delas deve ser o cancelamento da verba de abono de permanência.
Partindo da premissa de que o ato de aposentadoria (decreto) já opera efeitos no mundo jurídico, o ato de afastamento preliminar acompanha o raciocínio, uma vez que é antecipação dos efeitos da aposentadoria.
Feitas essas considerações, passamos à análise meritória referente à indagação de poder ou não o servidor público continuar recebendo a verba após seu o afastamento preliminar.
Como dito de proêmio, a demora na concessão da aposentadoria pode dar-se por 2 (dois) fatores: i) inércia da Administração Pública; ou ii) processo de aposentadoria complexo, o qual demanda provas documentais muitas vezes difíceis de serem obtidas, como contagem de tempo de serviço (que pela EC nº 20/1998 passou a ser tida como tempo contributivo).
Desta forma, o servidor poderia ficar afastado por um lapso temporal considerável e não seria pertinente manter as verbas destinadas exclusivamente a serem pagas quando o servidor permanece em atividade. Seria afronta ao princípio da igualdade, posto que o servidor em atividade teria o mesmo tratamento remuneratório do servidor desobrigado de suas funções.
Neste contexto, temos que o afastamento preliminar afasta a permanência em atividade.
Reforçando a tese aqui abraçada, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais firmou o seguinte posicionamento: Considerando que a autora implementou os requisitos para a aposentadoria voluntária, faz jus ao pagamento do abono de permanência até a data do seu afastamento preliminar. (TJ/MG, Processo AC 10000181124264001 MG. Publicação 17/06/2019. Julgamento 11 de Junho de 2019. Relator Lailson Braga Baeta Neves - JD Convocado). (Os destaques são nossos).
Na mesma linha exegética, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, deixou registrado (parte da ementa do Acórdão):
2. Para o recebimento do abono de permanência é necessário que o servidor preencha as condições para a aposentadoria voluntária e queira permanecer em atividade. Verifica-se que a parte autora recorrida obteve as condições para se aposentar, tendo optado por continuar trabalhando, fazendo, portanto, jus ao recebimento do abono de permanência. 3. É legítimo o pagamento do abono de permanência previsto no art. 40, parágrafo 19, da CF/88, ao servidor público que, embora tenha preenchido os requisitos para a concessão da aposentadoria voluntária especial (art. 40, parágrafo 4º, da Carta Magna), opte por permanecer em atividade, tal como pleiteado pela parte autora. (TRF-5, Processo AG 08083962420184050000, Órgão Julgador 4ª Turma, Julgamento 20 de Junho de 2019, Relator Desembargador Federal Lazaro Guimarães). (Grifamos).
Assim, o acréscimo patrimonial deve ser direcionado ao servidor que continua com sua lida laboral, ou seja, constituindo em produto do trabalho do servidor que segue na ativa. Desta forma, é correto afirmar que o abono de permanência cobre o período em que o servidor teve de trabalhar além da data que completou os requisitos para a aposentadoria (Cf. TJMG, AC 10000190177667001, publicação em 28/03/2019). (Sem grifos no original).
Nestes termos, temos que o abono de permanência é pago em virtude da faculdade do servidor continuar na ativa quando já houver completado as exigências para a aposentadoria voluntária [uma vez que as involuntárias por invalidez e compulsória, que se operam ex officio, não dão esse direito], ocorrendo assim acréscimo patrimonial temporário (Cf. TRF-3, Ap 0017085-61.2010.4.03.6100 SP, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2014). (Sem destaques no original).
Nesta senda, não há que se negar ser o afastamento preliminar causa para suspensão do pagamento do abono de permanência.
E se o servidor continuar a receber mesmo depois do afastamento preliminar?
De acordo com a hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, servidor que recebe a mais por erro operacional é obrigado a devolver a diferença, salvo prova de boa-fé. Para clarificação, trazemos à baila notícia veiculada no portal do próprio tribunal:
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em análise de recursos especiais repetitivos (Tema 1.009), fixou a tese de que os pagamentos indevidos a servidores públicos, decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei, estão sujeitos à devolução, a menos que o beneficiário comprove a sua boa-fé objetiva, especialmente com a demonstração de que não tinha como constatar a falha.
[...]
O relator dos recursos especiais, ministro Benedito Gonçalves, explicou que a Primeira Seção, no julgamento do Tema 531, definiu que, quando a administração pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que impede que as diferenças sejam descontadas.
Em relação ao erro administrativo não decorrente de interpretação equivocada de lei, o magistrado lembrou que o artigo 46 da Lei 8.112/1990 estabelece que as reposições e indenizações ao erário serão previamente comunicadas ao servidor, para pagamento no prazo máximo de 30 dias, ressalvada a possibilidade de parcelamento.
Apesar de se tratar de disposição legal expressa, o relator destacou que a norma tem sido interpretada com observância de alguns princípios gerais do direito, como a boa-fé.
Por outro lado, o ministro ressaltou que impedir a devolução dos valores recebidos indevidamente por erro perceptível da administração, sem a análise da eventual boa-fé em cada caso, permitiria o enriquecimento sem causa do servidor, com violação do artigo 884 do Código Civil[3]
Para tal, são aventadas duas hipóteses: i) o servidor recebeu de boa fé, ou seja, desconhecendo quaisquer empecilhos para a continuação dos pagamentos; e ii) o servidor mesmo cônscio de que a verba deveria ser suspensa ou cancelada, quedou silente e continuou a recebê-la.
Desta forma, a boa fé deve ser averiguada, não podendo nos olvidar que o princípio da boa-fé, apesar de implícito no texto constitucional sob a rubrica do princípio da moralidade, tem dois aspectos:
1º) Aspecto objetivo: diz respeito à conduta leal e honesta, objetivamente considerada;
2º) aspecto subjetivo: se refere à crença do sujeito de que está agindo corretamente. Ao contrário, se o sujeito sabe que seu comportamento não está em conformidade com as regras jurídicas, ele estará agindo de má-fé.[4]
Contudo, a verificação da boa-fé não é tarefa das mais simples, pois em certas ocasiões, exige esforço hercúleo do intérprete. Ocorre que
Quando a administração se manifesta expressamente, demonstrando qual o seu entendimento acerca de certa matéria, é natural que o administrado se submeta à orientação administrativa e passe a, de boa-fé, por ela guiar seu comportamento.
O direito evolui, novas doutrinas surgem, alguns posicionamentos mais modernos passam a substituir outros que são considerados superados. A Administração interpreta a lei, aplicando-a aos casos concretos. Obviamente no exercício de seu nobre mister, a administração também pode vir a evoluir nos seus entendimentos, sendo-lhe lícito aplicar a nova interpretação aos novos caos que lhe sejam submetidos[5].
Com base no acima assimilado, temos que, na falta de norma expressa sobre o término do abono de permanência após a concessão do afastamento preliminar, deve ser atentada a interpretação local e orientação jurisprudencial.
A título de ilustração, temos que no caso do Estado de Alagoas o § 1º do Art. 89, da Lei Estadual/Alagoas nº 7.114, de 2009[6], assim assevera: § 1º O pagamento do Abono de Permanência será devido a partir do mês subsequente ao que for requerido e subsistirá até que se conceda aposentadoria em favor do servidor beneficiado.
Ocorre que o aludido parágrafo 1º foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.026, cuja ementa transcrevemos linhas acima.
A declaração de inconstitucionalidade no presente caso operou no sentido de trazer dúvida a respeito da observância da parte in fine do dispositivo, apesar do julgado não ter adentrado neste contexto, uma vez que cuidou da primeira parte do dispositivo.
Neste contexto, tem-se que antes da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, poder-se-á falar em boa-fé do servidor alagoano pelo recebimento do abono de permanência após o afastamento previsto no Art. 57, § 3º da Constituição Estadual.
No entanto, a situação sofre reversão após a decisão do STF na ADI 5.026, uma vez que declarou inconstitucional o dispositivo que permitia a interpretação da boa-fé. Neste contexto, após o referido julgamento, o servidor que recebeu o abono de permanência, deve devolver as parcelas recebidas ao Erário Público[7].
Vale o realce de que os entes federativos que disponham de normas de conteúdo idêntico, ou seja, a previsão de que o abono de permanência pode ser pago até a concessão da aposentadoria [o que culmina com a expedição do decreto concessório - lembrando do efeito prodrômico], devem se atentarem para a situação concreta, uma vez que como visto, esse direito não é absoluto.
Pelo exposto, não há que se negar ser o abono de permanência verba que não comporta pagamento se o servidor não se encontrar em plena atividade do exercício do seu cargo. Pensar diferente é pensar em regalias, o que vem sendo austeramente rechaçado em todas as esferas e níveis de governo.
NOTAS DE RODAPÉ
- MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2006. p. 356.
- MORENO, Rosana Colen. O novo abono de permanência: norma de eficácia limitada. O caso de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6782, 25 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96032. Acesso em: 11 fev. 2022.
- RECURSO REPETITIVO. Servidor que recebe a mais por erro operacional é obrigado a devolver a diferença, salvo prova de boa-fé. Notícia veiculada no portal do Superior Tribunal de Justiça em 17 de março de 2021. Disponível no link https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17032021-Servidor-que-recebe-a-mais-por-erro-operacional-e-obrigado-a-devolver-diferenca--salvo-prova-de-boa-fe-.aspx. Acesso em 09/02/2022.
- DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo esquematizado. São Paulo: Método Grupo Gen, 2016, p. 190. .
- Cf. ob. citada, p. 188.
- Antes da nova sistemática estabelecida pela EC 103/2019. Confere linha de rodapé 2.
- Aqui não discutimos a respeito da Súmula Administrativa Alagoana nº 36/2012, com o seguinte teor: O pagamento do abono de permanência deve ser imediatamente suspenso quando o servidor público afastar-se voluntariamente do exercício de suas atividades funcionais, sendo a disposição final do parágrafo primeiro do art. 89 da Lei Estadual 7.114/2009 voltada exclusivamente para o servidor que continuar em exercício., uma vez que nos atemos à análise da legislação local com interpretação própria e no sentido de servir de parâmetro para incursão na matéria. A observação é pertinente uma vez que ao se adotar o conteúdo da orientação administrativa alagoana, o entendimento seria reverso, ou seja, não haveria boa-fé antes da decisão do STF na ADI 5.026.