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Pluriparentalidade: reconhecimento simultâneo da paternidade biológica e socioafetiva

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Agenda 24/06/2022 às 19:10

6. STF: RESPONSABILIDADE SIMULTÂNEA DA PATERNIDADE BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA

O Supremo Tribunal Federal reconheceu em sede de Recurso Extraordinário, com fixação da tese para semelhantes casos, no dia 21 de setembro de 2016, a pluriparentalidade e, consequentemente, a responsabilidade simultânea dos pais socioafetivo e biológico, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à busca da felicidade, in verbs:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLOGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELACONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FA MÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. 2SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICOPOLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060, SÃO PAULO RELATOR 9:MIN. LUIZ FUX RECTE.(S), DATA DE JULGAMENTO: 21/10/1..)

No caso concreto, o procurador do pai biológico sustentou a tese de que deveria ser mantido somente o vínculo biológico sem o reconhecimento da paternidade e dos efeitos patrimoniais oriundos desta, tendo em vista que a filha do recorrente ratificou a pretensão no sentido de manter os laços com o pai socioafetivo.

Ora, o Ministro Luiz Fux, Relator do RE 898060, entendeu que os vínculos de filiação socioafetiva e biológica devem ser tutelados pelo ordenamento jurídico, em observância ao princípio da paternidade responsável.

Conforme o Relator, existe a possibilidade do reconhecimento concomitante da paternidade socioafetiva e biológica, desde que respeitado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Dessa forma, não há mais que se falar na prevalência de uma filiação sobre a outra, mas, sim, no reconhecimento jurídico dos dois vínculos, sempre que for mais favorável aos filhos.

Assim, consoante o entendimento do Ministro, o qual negou provimento ao Recurso Extraordinário, a paternidade socioafetiva, ainda que não declarada em registro público, possibilita o reconhecimento jurídico do vínculo biológico, simultaneamente, exceto, nas hipóteses de abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais. Desse modo, foi fixada pelo STF, a referida tese com repercussão geral reconhecida para a aplicação nos casos semelhantes:

(...) 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060 SÃO PAULO RELATOR: MIN. LUIZ FUX RECTE.(S):A. N. ADV.(A/S):RODRIGO FERNANDES PEREIRA RECDO.(A/S):F. G. 2 invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem.

  1. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo.
  2. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade.
  3. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinarse e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187).
  4. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana.
  5. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, 3 autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011.
  6. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei.
  7. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).
  8. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação nãoreducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011).
  9. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou 4 (iii) pela afetividade.
  10. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser.
  11. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio).
  12. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.
  13. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina.
  14. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que 5 merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).
  15. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060, SÃO PAULO RELATOR 9:MIN. LUIZ FUX RECTE.(S), DATA DE JULGAMENTO: 21/10/16).

Conforme demonstrado acima, o entendimento jurisprudencial firmado pela Cúpula do Judiciário consiste no sentido de que tanto os pais biológicos, quanto os socioafetivos possuem direitos e responsabilidades para com o seu filho, em observância ao direito fundamental à busca da felicidade, à dignidade da pessoa humana e à paternidade responsável.

Nesse diapasão, é fundamental destacar que qualquer forma de hierarquia entre a paternidade socioafetiva e biológica constitui violação as diretrizes fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, especialmente, a igualdade, a dignidade humana e o princípio do melhor interesse do menor, bem como o direito de ser feliz.


7.EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE

Nesse diapasão, havendo o reconhecimento da pluriparentalidade, vislumbrase uma série de efeitos jurídicos, dentre eles o ato registral, seguido do vínculo parental, poder familiar, direito da criança de utilizar o nome do pai/mãe (biológico e afetivos), obrigação alimentar recíproca entre pais e filhos, guarda e visitas, bem como os direitos sucessórios, observando a ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil vigente.

 7.1.  Filiação e inclusão do nome

Uma das consequências do instituto da pluriparentalidade ocorre na relação de filiação. Desse modo, constrói-se um vínculo de paternidade/maternidade socioafetivo, o qual se estende aos restantes dos graus e linhas de parentesco, com os devidos efeitos jurídicos e patrimoniais, em todo o corpo familiar.

Importa trazer à baila o entendimento jurisprudência dominante acerca deste tema:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70064909864, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16/07/2015).(TJ-RS - AC: 70064909864 RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 16/07/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 22/07/2015)

(...)

DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. EXAME DE DNA. PAI BIOLÓGICO QUE VINDICA ANULAÇÃO DO REGISTRO DO PAI REGISTRAL. EXCLUSÃO DO NOME DO PAI REGISTRAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INCLUSÃO DO PAI BIOLÓGICO SEM PREJUÍZO DO PAI REGISTRAL. INTERESSE MAIOR DA CRIANÇA. FAMÍLIA MULTIPARENTAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. 1. Resguardando o melhor interesse da criança, bem como a existência de paternidade biológica do requerente, sem desconsiderar que também há paternidade socioafetiva do pai registral, ambas propiciadoras de um ambiente em que a menor pode livremente desenvolver sua personalidade, reconheço a paternidade biológica, sem, contudo, desfazer o vínculo jurídico oriundo da paternidade socioafetiva. 4. Recurso provido na parte em que foi conhecido para reformar a sentença. (TJ-RR - AC: 0010119011251, Relator: Des. ELAINE CRISTINA BIANCHI, Data de Publicação: DJe 29/05/2014).

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Como também é fundamental o direito à utilização do nome do pai pelo filho, oriundo do principio da dignidade humana, conforme se verifica no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988. 

O ilustre Mestre Plácido e Silva (1993) conceitua o nome civil como "o sinal de identidade, instituído pela sociedade, no interesse comum, a ser adotado obrigatoriamente pela pessoa". 

Ademais, o brilhante doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2011) explica o nome como sendo a "designação pela qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade".

Nesse sentido, reconhecido o instituto da multiparentalidade, o nome do filho socioafetivo poderia ser formado legalmente pelo prenome e o apelido familiar de todos os genitores. 

Ressalte-se que a mudança do nome oriunda da pluriparentalidade não confronta com quaisquer dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, nem mesmo com a Lei dos Registros Públicos, a qual em seu artigo 54, não veda a referida alteração.  

A jurisprudência entende, veementemente, pela permanência de ambos os pais (biológico e socioafetivo) no registro da criança/adolescente, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, in verbs: 

DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. EXAME DE DNA. PAI  BIOLÓGICO QUE VINDICA ANULAÇÃO DO REGISTRO DO PAI REGISTRAL. EXCLUSÃO DO NOME DO PAI REGISTRAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INCLUSÃO DO PAI BIOLÓGICO SEM PREJUÍZO DO PAI REGISTRAL. INTERESSE MAIOR DA CRIANÇA. FAMÍLIA MULTIPARENTAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. 1. Resguardando o melhor interesse da criança, bem como a existência de paternidade biológica do requerente, sem desconsiderar que também há paternidade socioafetiva do pai registral, ambas propiciadoras de um ambiente em que a menor pode livremente desenvolver sua personalidade, reconheço a paternidade biológica, sem, contudo, desfazer o vínculo jurídico oriundo da paternidade socioafetiva. 4. Recurso provido na parte em que foi conhecido para reformar a sentença.(TJ-RR - AC: 0010119011251, Relator: Des. ELAINE CRISTINA BIANCHI, Data de Publicação: DJe 29/05/2014)

(...)

EMENTA: RELAÇÕES DE PARENTESCO – FAMILIA MULTIPARENTAL – VINCULO FAMILIAR QUE NÃO PODE SER ATRIBUIDO APENAS AO ELEMENTO GENÉTICO – DUPLA PATERNIDADE – PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE ENTRE PADASTRO E ENTEADO – POSSIBILIDADE – MEDIDA QUE NÃO VIOLA O ORDENAMENTO JURIDICO – RECONHECIMENTO TANTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA QUANTO A BIOLÓGICA – INCLUSAO DO NOME DO PADASTRO – ANUENCIA DO GENITOR – DESNECESSIDADE – AUSENCIA DE PREJUIZO E DE ALTERAÇÃO DO NOME REGISTRAL – O ACRESCIMO DO NOME DO PADASTRO OU DA MADASTRA ENCONTRA PREVISÃO LEGAL NO ARTIGO 57, §8º, DA LEI Nº 6015/73, FAZENDO-SE  POSSÍVEL QUANDO HOUVER CONCORDANCIA EXPRESSA  DAQUELES E NÃO IMPLICAR PREJUIZO AOS APELIDOS DA FAMILIA DO REQUERENTE – PATERNIDADES CONCOMITANTES – SENTENÇA – EXTINÇÃO AFASTADA E REFORMADA NA FORMA DO ARTIGO 515, §3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO PROVIDO.(TJ-SP APL 2014.0000586175 SP 1101184-67.2013.8.26.0100, Relator Neves Amorim, Data de Julgamento: 18/09/2014, 2ª Câmara de Direito Privado, Data da publicação: 25/09/2014)

7.2. Da obrigação Alimentar

A obrigação alimentar consiste, de fato, no desdobramento do principio da solidariedade familiar, previsto no artigo 229 da Carta Magna/1988, o qual contempla o aspecto patrimonial, bem como o afetivo e psicológico.  

Importa trazer à baila os ensinamentos do brilhante doutrinador Flavio Murilo Tartuce Silva (2006) acerca da matéria: “solidariedade familiar justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso da sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do atual Código Civil/2002”.

Saliente-se que, no instituto da multiparentalidade, também se aplica o disposto no artigo 1.696, do Código Civil vigente, o qual versa sobre a prestação alimentar: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”

Dessa forma, vislumbra-se que os tanto os pais biológicos quanto os socioafetivos, observando sempre o binômio possibilidade/necessidade, são credores e devedores de alimentos no que tange ao seu filho, nos termos do artigo 1.694, § 1°, do Código Civil/2002.

O entendimento da jurisprudência dos Tribunais vem considerando que os alimentos, por serem essenciais a subsistências dos filhos, a inexistência do vínculo biológico é insuficiente para afastar tal obrigação: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIADDE. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA E VÍCIOS DE CONSENTIMENTO NÃO AFASTADOS. I – Não obstante a ausência de relação biológica entre as partes, remanesce a necessidade de comprovação de inexistência paternidade sócio-afetiva. II – A invalidação do reconhecimento voluntário de filhos pode ocorrer por força do reconhecimento de vício de consentimento do próprio autor do ato; por recusa do reconhecido; e quando contrário à verdade, por provocação de qualquer pessoa com justo interesse. III - Impõe-se a subsistência da obrigação alimentar até a instauração do contraditório, quando as questões poderão ser examinadas com a prudência que o caso requer. IV - Negou-se provimento ao recurso.(TJ-DF - AGI: 20140020302925 DF 003085687.2014.8.07.0000, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 25/02/2015, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/03/2015 . Pág.: 423)

Sobre o tema, incumbe acrescentar o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual vem amplamente reconhecendo a imposição do dever de prestar alimentos por parte dos pais socioafetivos, quando estiver caracterizada a posse do estado de filho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. INTEMPESTIVIDADE. REQUISITO DO ART. 526 DO CPC. NEGATIVA DA PATERNIDADE.

[...] Negativa da paternidade. A obrigação alimentar se fundamenta no parentesco, que é comprovado pela certidão de nascimento. O agravante alega não ser o pai biológico do menor. Enquanto não comprovar, não se pode afastar seu dever de sustento. A rigor, mesmo esta prova não será suficiente, pois a paternidade sócio-afetiva também pode dar ensejo à obrigação alimentícia.”(AI nº 70004965356; Rel. Des. Rui Portanova; TJRS; Órgão Julgador: 8ª Câmara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2002)

Importa acrescentar também o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais acerca deste tema, sendo que no Processo nº. 1.0024.08.9573430/001, o Desembargador Relator decidiu pela ocorrência do vínculo afetivo entre o apelante e criança, alicerçando-se na prova da posse do estado de filha, já que existentes o nome, o trato e a fama, mantendo-se, portanto, o dever de prestar alimentos por parte do pai socioafetivo: 

ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE -  INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO - ERRO - LAÇO SÓCIOAFETIVO ENTRE PAI E FILHO - "POSSE DE ESTADO DE FILHO" - APLICABILIDADE. - Comprovada a vinculação socio-afetiva entre pai e filho, não é possível a anulação do registro civil, tampouco a desconstituição de paternidade.”(AC nº. 1.0024.08.957343-0/001; Rel. Des. Silas Vieira; TJMG; Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível; Data do Julgamento: 02/09/2010; Data da Publicação: 23/09/2010)

7.3. Da Guarda do Menor  

Em relação à questão da guarda, é fundamental analisar o caso em comento, observando-se sempre o principio do melhor interesse da Criança e do Adolescente, o qual possui previsão na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput, e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, em seus artigos 4º, caput, e 5º.  

De fato, o critério mais adotado pelos tribunais acerca deste tema, consiste na afetividade, de modo que os pais afetivos possuem uma imensa vantagem na aquisição da guarda dos menores. Eis o entendimento jurisprudencial dominante neste sentido:

Guarda de filho. Interesse da adolescente. Paternidade socioafetiva e biológica. Oitiva da menor. Peculiaridades. Convívio entre irmãos. 1 - No pedido de guarda, desde que possível e razoável, recomendável ouvir a criança ou adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre a guarda, ainda mais se verificada a existência de afetividade da adolescente com aqueles que demandam a guarda – pai socioafetivo e pai biológico. 2 – No conflito sobre a guarda de filhos, prestigia-se o interesse da criança ou adolescente e a situação que lhe seja mais benéfica. 3 - Não existe preferência ou prioridade entre os vínculos socioafetivo e biológico. O pedido de guarda deve ser examinado considerando as peculiaridades do caso e, sobretudo, o interesse da adolescente, que, em juízo, declarou que deseja permanecer na companhia da pessoa com quem vive desde que nasceu. 4 – Manter a adolescente, com treze anos de idade, na guarda do padrasto - que com ele vive desde que nasceu – mantendo, inclusive, seu convívio com a irmã, atende melhor aos interesses dessa. 5 – Apelações não providas. (TJ-DF - APC: 20090710312698 DF 0028723-27.2009.8.07.0007, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 25/03/2015, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 31/03/2015 . Pág.: 287)

Nesse sentido, segue o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA PROVISÓRIA. CONCORDÂNCIA DA MÃE BIOLÓGICA. CONVIVÊNCIA DA CRIANÇA COM OS AGRAVADOS DESDE O SEU NASCIMENTO, HÁ DEZ MESES. EXISTÊNCIA DE MATERNIDADE/PATERNIDADE AFETIVA. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DEFERIU A GUARDA PROVISÓRIA EM DETRIMENTO DO ABRIGAMENTO INSTITUCIONAL. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70045421583, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 14/03/2012) (TJRS - AI: 70045421583 RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 14/03/2012, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/03/2012)”

Outrossim, é possível a aplicação da guarda compartilhada no instituto da multiparentalidade, desde que haja harmonia no relacionamento de ambos os pais.

O conceito de guarda compartilhada está previsto na Lei 11.698 de 13 de junho de 2008, em seu art. 1583 §1º, como sendo “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.”

Ressalte-se que, em regra, os juízes vêm aplicando a guarda compartilhada, sendo que, apenas em casos excepcionais, existindo razões que o justifiquem, os magistrados concedem a guarda unilateral. Ex. Na prática de maus tratos e abandono do menor por parte de um dos pais. 

Nesse diapasão, é o posicionamento do grande doutrinador Welter (2009):

“somente por exceção será admissível a fixação da guarda unilateral, já que a regra geral passou a ser o direito fundamental à criança e aos adolescentes da convivência integral e absoluta em família” 

Importa salientar o entendimento do Ilustre Mestre Ramos (2011) acerca deste tema: “o que deve ser analisado na guarda, independentemente se foi requerida por causa do divórcio ou se foi fruto de um relacionamento não jurídico, e também se for compartilhada ou unilateral, é o melhor interesse do menor.” 

Dessa forma, é obvio que se o melhor interesse da criança/adolescente consistir na educação ofertada tanto pelo pai biológico quanto pelo afetivo, é fundamental que seja dado o direito dos pais compartilharem a guarda do menor.

Nesse diapasão, se na constância do relacionamento conjugal entre o pai socioafetivo juntamente com a mãe biológica da criança, o mesmo criou, zelou, amou, educou e supriu todas as necessidades básicas (afetivas e materiais) do menor, não há que se falar em rompimento deste relacionamento com o filho socioafetivo, na hipótese de término da relação amorosa com a genitora da criança ou no caso do pai biológico requerer a guarda de seu filho. 

Nesse caso, torna-se essencial o compartilhamento da guarda da criança, em observância ao principio da proteção dos interesses do menor, que, no caso em comento, obteve também a ternura e o carinho do pai socioafetivo. 

7.4. Direito de Visitas

O direito de visitas constitui desdobramento do principio da convivência familiar, constituindo, assim, o direito de que a criança/adolescente possui de vivenciar, rotineiramente, na companhia dos demais integrantes de sua família. 

Nesse sentido, posiciona-se o Mestre Lôbo (2011, p.72): “a convivência familiar é a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum”. 

Tal direito encontra-se regulamentado no artigo 1.589, caput e parágrafo único do Código Civil/2002:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.

Importa trazer à baila o posicionamento do Ilustre Mestre Boschi (2006, p. 3233; 75) sobre o tema:

O direito de visita não decorre única e exclusivamente do poder familiar, assim como não está adstrito somente às relações de parentesco, pois existem situações específicas em que um terceiro não parente, como, por exemplo, uma pessoa que tenha exercido por longo período a guarda de fato de uma criança na ausência dos pais tem o direito de manter os laços afetivos que criou e desenvolveu; e, na hipótese de essa guarda de fato pelo terceiro não mais se verificar, cremos que ele terá o direito de visitar aquele com quem mantinha vínculos sentimentais. 

(...)

Amar o semelhante e receber amor do próximo é questão imanente ao homem, é da sua própria essência, independe de uma norma autorizante expressa. Se há amor entre duas pessoas, se elas compartilham carinho e afeto, parece-nos que têm o direito de manter essa troca de emoções sempre que a convivência entre elas for coarcta, independente de estarem ou não ligadas por laços de parentesco ou vinculadas pelo poder familiar”.

Nesse diapasão, vislumbra-se que o direito de visita, observando sempre o melhor interesse do menor, objetiva a manutenção da convivência dos pais com os filhos, para que os mesmos permaneçam com a relação afetiva (amor, carinho, zelo, cuidado), bem como que os pais não percam o poder familiar sobre a criança/adolescente. 

 Dessa forma, não faz jus apenas os avós e pais biológicos o direito de visitar seus netos/filhos, mas também o pai socioafetivo, tendo em vista que a extinção da convivência diária entre um pai e filho socioafetivo, obviamente, acarretaria um abalo emocional profundo no menor.

Eis o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais neste sentido:

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO - PEDIDO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITA - PATERNIDADE SOCIOAFETIVA -  POSSIBILIDADE.- Com base no princípio do melhor interesse da criança e no novo conceito eudemonista socioafetivo de família consagrado pela Constituição Federal de 1988, o direito de visita, que anteriormente era concebido apenas a quem detinha a guarda ou o poder familiar da criança, deve ser estendido a outras pessoas que com ela possuam relação de amor, carinho e afeto. Assim, considerando que o requerente conviveu com o requerido, menor de idade, durante cinco preciosos anos de sua vida, como se seu pai fosse, não se pode negar o vínculo sócioafetivo que os une, advindo daí a fundamentação para o pedido de visita.  (Apelação Cível Nº 1.0024.07.803449-3/001 - Comarca de Belo Horizonte. Relator: Eduardo Andrade. Julgamento: 31/01/2009).

Nessa mesma linha, vem entendendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. REGULAMENTAÇÃO PROVISÓRIA DE VISITA. PATERNIDADE BIOLÓGICA. VÍNCULO GENÉTICO INEXISTENTE. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. INTERESSE DA CRIANÇA. PREVALÊNCIA. CONVIVÊNCIA MATERNA E PATERNA. IMPORTÂNCIA. ESTUDO PSICOSSOCIAL. RELEVANTE.

  1. O mero vínculo genético inexistente no caso sub judice, por si só, não é suficiente para afastar a paternidade de cunho afetiva. Em algumas situações, a filiação afetiva pode-se sobrelevar à filiação biológica, em razão da relação de carinho e afetividade construída com o decorrer do tempo entre pai e filho.
  2. Com amparo na proteção do bem-estar e do bem desenvolvimento do menor, o direito de visitas deve ser sempre regulamentado com lastro na solidariedade familiar, nas obrigações resultantes do pátrio-poder e, notadamente, em face dos interesses do menor, a fim de lhe propiciar um melhor desenvolvimento moral e psicológico.
  3. Há que se enaltecer a importância da convivência tanto materna e quanto paterna, ao passo em que o direito do menor de conviver com seu genitor mostra-se de fundamental relevância para o desenvolvimento e formação da criança, máxime quando inexiste qualquer motivo que não a recomende.
  4. Mostra-se de fundamental importância a realização de estudo psicossocial a fim de aferir a intensidade do vínculo afetivo existente entre as partes, bem com as consequências da desconstituição deste vínculo para a criança.
  5. Agravo provido para determinar a realização do estudo psicossocial do caso em questão e autorizar que o genitor possa visitar o filho em domingos alternados. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravo de Instrumento: 143037220088070000 DF 0014303-72.2008.807.0000, Relator: Flavio Rostirola, Data de Julgamento: 22/01/2009, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 09/03/2009)

Dessa forma, o direito de visita é concebido também como um direito de personalidade, pois promove o desenvolvimento das relações familiares (mormente quando se trata do instituto da multiparentalidade), por meio da convivência harmônica e afetiva entre pais e filhos, evitando, assim, o aparecimento de transtornos psicológicos em desfavor da criança/adolescente.

7.5. Direitos Sucessórios

Os direitos sucessórios, no fenômeno da pluripaternidade, irão observar a ordem de preferência e vocação hereditária, nos termos dos artigos 1.829 a 1.847, do Código Civil vigente. 

Nesse diapasão, convém salientar o disposto no artigo 1.829 do Código Civil/2002:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

  1. - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
  2. - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
  3. - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

Desse modo, observa-se que a herança recai, inicialmente, sobre os descendentes, os quais concorrem, em regra, com o cônjuge sobrevivente. Todavia, na falta de descendentes herdam ascendentes juntamente com o cônjuge, o cônjuge sobrevivente, e, por último, na ausência de todos os entes acima mencionados, os colaterais.

Nesse sentido, vislumbra-se que, na hipótese de falecimento do pai/mãe, seja biológico seja afetivo, o filho será herdeiro em concorrência com os irmãos bilaterais ou unilaterais. Da mesma forma, se o menor vier a óbito, os pais serão sucessores, partilhando os bens do falecido entre estes.  

Importa salientar o entendimento do Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo acerca do tema:

Maternidade socioafetiva. Preservação da maternidade biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde os dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes. A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e na solidariedade. Recurso provido (TJSP. Apelação Cível n. 0006422-26.2011.8.26.0286. Primeira Câmara de Direito Privado. Relator: Juiz Alcides Leopoldo e Silva Júnior. Julgado em 14.08.2012). 

 Verifica-se, portanto, que a pluriparentalidade viabiliza e torna vantajosa a herança em favor do filho, o qual teria, simultaneamente, direito sucessório em relação ao patrimônio deixado pelos pais biológicos e socioafetivos. 

Ressalte-se, ainda, que a multiparentalidade pode ser requerida post mortem, se restar provado que o parente falecido possuía fortes laços afetivos e harmônicos, bem como ficar caracterizada a posse do estado de filho, podendo, nesse caso, haver o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte e, consequentemente, a transmissão dos direitos sucessórios. 

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1500999/RJ, reconheceu o direito de declaração da paternidade socioafetiva após o óbito, conforme se verifica através da seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO PÓSTUMA. SOCIOAFETIVIDADE. ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. ART. 42, § 6º, DO ECA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. CERCEAMENTO DE  DEFESA.  INEXISTÊNCIA.

  1. A socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do Código Civil, no sentido de que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem".
  2. A comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, prevista no art. 42, § 6º, do ECA, deve observar, segundo a jurisprudência desta Corte, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
  3. A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos.
  4. A posse de estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, restou atestada pelas instâncias ordinárias.
  5. Os princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz (art. 130 do CPC) permitem ao julgador determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, bem como indeferir aquelas que considerar inúteis ou protelatórias.
  6. Recurso especial não provido.

(REsp 1500999/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016)

Por outro lado, decorrido muitos anos, a declaração da paternidade socioafetiva não significaria, necessariamente, que houvesse a possibilidade do ajuizamento da ação da herança, já que está ultima é prescritível, conforme se vislumbra, através da Súmula n° 149 do STF (Ano 1963): “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.” 

Ademais, deve-se acrescentar que a Carta Magna/1988, no seu artigo 5°, inciso XXX, veda a descriminação dos filhos havidos, ou não do casamento, adotivos ou por quaisquer outros meios. Nesse sentido, verifica-se que restam protegidos, igualmente, os direitos de todos os filhos, mesmo na hipótese da pluripaternidade, incluindo, assim, os direitos sucessórios.

Sobre a autora
Kelly Rabelo Santana Alves

Graduada em Direito pela UCSAL Especialista em Direito Civil pela PUC - MG Especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Kelly Rabelo Santana. Pluriparentalidade: reconhecimento simultâneo da paternidade biológica e socioafetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6932, 24 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98436. Acesso em: 22 dez. 2024.

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