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Crime Organizado X Corrupção (parte 1).

O funcionamento histórico e jurídico das Organizações Criminosas

Agenda 29/11/2016 às 06:55

O professor e criminalista J. Haroldos dos Anjos, autor do livro "As Raízes do Crime Organizado", explica, em entrevista, o, funcionamento histórico e jurídico desta prática criminosa no Brasil.

Durante muito tempo, houve um pensamento equivocado de que o crime organizado estava limitado ao narcotráfico. Mas, nos último anos, os noticiários trataram de mudar esta concepção e evidenciar que este tipo de atividade criminosa está inserida em vários setores da sociedade, principalmente na iniciativa pública, onde os escândalos de corrupção não param de aparecer nas manchetes dos jornais. Os casos mais atuais e conhecidos, que podemos citar como exemplos, são o Mensalão e o escândalo da Petrobras. A estatal foi praticamente saqueada, por executivos, parlamentares e empresários, num grande esquema criminoso, graças ao aparelhamento político; como esclareceu um dos delatores do processo, o ex-diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa.

Funcionários de alto-escalão da Petrobras usaram seu poder para direcionar contratos a determinadas empreiteiras e cobrar comissões que enriqueceram seus bolsos e de seus comparsas durante anos, apesar das denúncias só estarem vindo à tona agora.

O assunto é complexo, e, para entendermos melhor o funcionamento histórico e jurídico desta prática criminosa, ninguém melhor que o professor universitário e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “As Raízes do Crime Organizado”, para falar sobre o tema. Confira a entrevista:

1) Explique o que é uma Organização Criminosa.

É a organização de quatro ou mais pessoas para praticar infraçõescriminosas, cujas penas sejam superiores a quatro anos. Funciona com estrutura ordenada e divisões de tarefas típicas de uma empresa. Ela tem organização, divisão de tarefas, "modus operandi" sincronizado e visa o lucro. Uma outra característica marcante é a atuação contínua e permanente de seus agentes. Normalmente, essa organização pressupõe o crime de corrupção. Nas pesquisas que fizemos, para a produção do livro “As Raízes do Crime Organizado”, chegamos à conclusão que quando se fala de organização criminosa, não tenha dúvida, o problema é o agente público infiltrado nos esquemas de corrupção para manter e passar informação e obter vantagens de qualquer natureza. O elemento fundamental de uma organização criminosa é a corrupção do agente público. Não existe organização criminosa sem a participação deste "personagem" na área de repressão, fiscalização ou poder político na esfera dos três poderes.

2) Já foi comprovada a existência desse fator de participação política?

As estatísticas comprovam. Quando iniciei esses estudos, no final dos anos 90, eu ainda fazia mestrado na UERJ. Naquela época, já se falava em algumas organizações criminosas, como "Esquadrão da Morte" e "Falange Vermelha". Hoje, fala-se em "Comando Vermelho" (CV), "Amigo dos Amigos" (ADA), "Primeiro Comando da Capital" (PCC), entre outras organizações que atuam no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Tudo teve início com a Máfia na década de 30, mas a prática começou a se difundir nos anos 60. Logo após a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, pela primeira vez a imprensa norte-americana logo após a segunda guerra mundial em 1945 passou a usar a palavra "organized crime" para definir a expansão desse fenômeno. Quando surgiu essa expressão, o FBI estava procurando mafiosos italianos da facção "Cosa Nostra", que atuava nos EUA, e concluíram que seus integrantes pertenciam a várias raças, principalmente de famílias ítalo-americanas.

Até hoje, não se distingue "máfia" de "crime organizado" e, muito menos, "terrorismo". O termo "máfia" surgiu de uma sigla italiana, originária em Palermo, região da Sicília, por volta de 1282, e significa "Morte á la Francia Italia Anela" (Morte à França, Itália Livre), que nada mais era que uma frase usada por revolucionários italianos que lutavam pela libertação dos sicilianos da colonização francesa. Mas, depois, tomou outros rumos como extorsão, tráfico de drogas, entre outros crimes.

3) Existe um conceito jurídico para este tipo de crime?

Não, em nenhuma legislação. A palavra "Organized Crime" foi criada pela imprensa americana. Hoje, no Brasil, todo e qualquer grupo criminoso que tem estrutura e pratica crime (sequestro, tráfico, corrupção para desvio de verba pública, jogo do bicho...) a imprensa brasileira chama de "Organização Criminosa", mas existe diferença. Com a reforma das leis penais, feita em 2013, o Art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, do Código Penal de 1940, que tratava de bando ou quadrilha, foi alterado. Pelo novo conceito, tais crimes agora são tratados como "Associação Criminosa", e se caracterizam quando três ou mais pessoas se juntam para infringir a lei, mas não tem a estrutura ou a dimensão de uma Organização Criminosa. A organização é algo muito maior, tal como uma empresa. Ela possui uma estrutura e tem o caráter de continuidade e permanência da estrutura dos crimes praticados.

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4) O caso da Petrobras é um exemplo de uma organização criminosa?

Sim, com todos elementos de sua definição legal: poder político, agentes públicos, estrutura ordenada e divisão de tarefas. Um esquema típico de uma empresa organizada, com sólida estrutura em caráter permanente, para assegurar continuidade e estabilidade do negócio, sempre oculto com a finalidade de desvio e verbas públicas para financiamento de campanhas eleitorais. Mas, do ponto de vista jurídico, não existe um conceito fechado de uma organização criminosa porque esta legislação em vigor não é uma norma penal do ponto de vista substancial, apenas traça parâmetros para fins de investigação criminal, com os meios e recursos para obtenção de provas a serem usadas nos procedimentos criminais.

5) Como assim? O prof. Luís Flávio Gomes, de São Paulo, diz o contrário. Ele afirma que agora temos um conceito de crime organizado.

Com todo respeito ao professor, não se define terrorismo ou crime organizado no mundo inteiro, em nenhuma lei ou convenção internacional. Esse tipo de crime é muito complexo, por isso o conceito é aberto, elástico, abstrato e vago. É preciso estar diante de um fato concreto para se dizer se é ou não uma organização criminosa. No meu livro, tentei um conceito, seria: "uma associação de duas ou mais pessoas para prática de ilícitos penais, civis e administrativos, com sólida estrutura permanente para exploração de negócios macroeconômicos, de âmbito nacional e internacionalmente com fins lucrativos."

6) Mas o que a Lei Brasileira diz sobre isto? Afinal, o que é uma Organização Criminosa?

A Lei nº12.250/13 que se encontra em vigor não define precisamente o conceito de uma organização criminosa, mas considera como exemplo, para efeitos legais, que seria a "associação de 4 (quatro) ou mais pessoas que cometem infração penal de qualquer natureza com penas superiores a 4 (quatro) anos, e comina pena de 3 (três) a 8 (oito) anos para seus integrantes". Isso sem considerados  os outros delitos praticados pela organização por serem crimes autônomos

7) Então a lei não tem congruência e o conceito continua com deformação jurídica pela falha legislativa?

Sim. Por exemplo: o jogo do bicho não é considerado uma organização criminosa, mas um grupo de ladrões de bode e de gado no sertão nordestino que se associa para cometer furtos permanentemente, com divisão de tarefas, é uma organização criminosa. Também ladrões de galinhas que se associam para praticar furtos durante a noite, pulando muros de vizinhos, com destruição de portas ou rompimentos de obstáculos é uma organização criminosa, embora a conduta se trate de furto qualificado sem violência ou grave ameaça com pena de reclusão de 2 (dois a 8 (oito) anos.

Já uma quadrilha especializada em golpes de cartões de créditos e extorsão com chantagens de fotos de mulher nua pela internet não é uma organização criminosa.

O crime deles não tem o fator violência ou grave ameaça para ser considerado um grave crime de extorsão, e, segundo a lei penal vigente, associarem-se três ou mais pessoas para  fins específicos de cometer crimes, cuja pena não ultrapasse quatro anos de reclusão, não pode ser considerado, de forma alguma, uma organização criminosas, mesmo diante da gravidade da situação.

Mas, enfim, essa foi a redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013 para definir os crimes de associação criminosas até de milicianos e paramilitares. Na minha opinião, essa lei do crime organizado foi feita para beneficiar os ricos e prender os pobres, principalmente, porque essas infrações por ela tratadas são crimes corporativos praticados sem violência ou grave ameaça, portanto ninguém vai ficar preso, embora, diante da dimensão macroeconômica desses delitos coletivos, são crimes de poder patrocinados sempre por políticos e agentes públicos.

E com cooperação ou delação premiada, cabe uma série de benefícios legais e ninguém vai ficar preso, porque o juiz pode extinguir a pena, conceder perdão, e o Ministério Público pode até não denunciar os réus desse tipo de infração, que inclusive podem usar tornozeleira eletrônica e ficar preso em seu domicílio com regalias.

Tem mais: se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos para negação do benefício. Tampouco são considerados crimes hediondos, apesar da gravidade por se tratar de delito de massa pelo número de vítimas ofendidas por ações de grupos políticos.

8) O que mais motiva essas organizações criminosas em nossos tempos?

O fator preponderante que define o Crime Organizado está no meu livro. Costumo sempre dizer que o crime organizado e o poder público são parceiros, em virtude da cobiça pelo principal instrumento de persuasão: "o poder, como ferramenta de trabalho, e o dinheiro como principal mercadoria". Não existe nenhuma organização criminosa sem a conivência de agentes públicos que visem o lucro e outras vantagens de qualquer natureza.

Existem outras motivações e fatores preponderantes.Mas estes são os principais fatores de uma organização criminosa: poder para ter e dinheiro e dinheiro para se manter no poder. É assim que se estabelece os esquemas entre os agentes membros de organizações criminosas, em uma linguagem mais expressiva. É isso que digo em meu livro sobre as origens ou raízes do crime organizado e os fundamentos da corrupção..

9) E aí surge a corrupção como elemento principal do crime organizado.

Exatamente! Para resumir: a corrupção é o principal instrumento do crime organizado e existe no setor público e privado. Não é por acaso que agora tem uma lei anticorrupção que trata dos crimes de corrupção privada. Costumamos falar apenas da corrupção pública, do agente público, do policial, do funcionário público, do fiscal e até do guarda de trânsito, mas existe a corrupção privada infiltrada no sistema público, bancário e econômico.

Sobre os autores
Mônica Marinho

Jornalista e assessora de imprensa. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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