Autos (judicial): nº XYZ
Autos (administrativo): Processo Administrativo nº XYZ
Interessados: Direção do Foro e Sr. XYZ
Parecer. Titular de serviço notarial e de registro. Aposentadoria. Delegação do poder público. Perda da titularidade.
I – O titular de serviço notarial ou registral que se aposenta não pode continuar no exercício de suas atividades cartorárias, uma vez que a concessão de aposentadoria, voluntária ou por invalidez, é causa extintiva da delegação.
II – Inteligência do art. 39, incisos II e III, da Lei 8.935/94.
01. Versam os autos sobre consulta formulada por XYZ– titular do Cartório de Registro Civil de XYZ– à Direção do Foro da Comarca de XYZ. Omeritíssimojuiz diretor do Foro houve por bem, antes de sentenciar, encaminhar a indagação a este Instituto, tendo o feito por intermédio do Ofício nº XYZ, o qual foi autuadonesta Agência da Previdência Social sob nº XYZ.
02.Em linhas gerais, o Interessado alega que é o oficial titular do cartório de registro civil e, bem por isso, filia-se à Previdência Social como contribuinte individual empresário. Apresentou cópia de documentos comprobatórios da filiação à Previdência, extrato de contribuições e contagem simulada do tempo de contribuição, com indicativo que já possui mais de 35 anos de contribuição e poderia obter a concessão de aposentadoria a qualquer momento. Questiona, ao fim, se poderá exercer suas atividades como titular da delegação cartorária mesmo depois de estar aposentadopelo regime geral de previdência.
03.É o relatório.
04. Inicialmente, convém destacar que a consulta formalizada pela Direção do Foro surpreende bastante, pois não é praxe do Poder Judiciário solicitarpareceres do INSS antes de proferir sentenças, mormente em se considerando que a consulta foi efetuada com a cláusula “sob pena de desobediência”, como se fosse atribuição deste Instituto emitir pareceres para orientar as decisões judiciais.
05.Pois bem. A dúvida suscitada pelo Sr. Oficial do Registro Civil merece análise sobre a ótica do Direito Previdenciário e do Direito Administrativo.
06. Em nível de legislação previdenciária, aquele que obtém alguma das aposentadorias voluntárias (aposentadoria por idade, por tempo de contribuição ou especial) pode continuar no exercício das atividades profissionais. Aqui, cabe notaapenas quanto ao titular de aposentadoria especial, que pode trabalhar depois de aposentado, mas não em atividades que o sujeitem a agentes nocivos (art. 69, parágrafo único, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99).
07. A única imposição legal é que, uma vez aposentado, o trabalhador que se mantém na ativa deve continuar a recolher as contribuições previdenciárias como forma única e exclusiva de custeio da Previdência –típico do modelo de repartição simples de receitas – e que atualmente tem fundamentado os pedidos da chamada “desaposentadoria”. Vale dizer: a contribuição do aposentado somente se prestará a terceiros, pois quem recebe aposentadoria não pode receber outro benefício na condição de segurado[1]. É o que dispõe a Lei 8.213/91:
Art. 11.Omissis
§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
Art. 18.Omissis
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
08. Já no que se refere à aposentadoria por invalidez, a qual pressupõe total e definitiva incapacidade para o trabalho, não pode o aposentado retornar à atividade. Caso o faça, o benefício é cessado, conforme disposto no art. 46 da Lei 8.213/91, verbis:
Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
09. Assim, em primeira leitura – feita à luz do Direito Previdenciário – poderia o Sr. Notário se manter no exercício das atividades notariais e registrais caso lhe seja concedida uma das aposentadorias voluntária; todavia, não o poderia caso titular de aposentadoria por invalidez.
10. Entrementes, a indagação também deve ser analisada sob o prisma da legislação administrativa, como forma de se interpretar sistematicamente o ordenamento jurídico.
11. Para regulamentar o art. 236 da Constituição Federal, que dispõe sobre os serviços cartorários, foi sancionada a Lei 8.935/94.Apelidada de Lei dos Cartórios, essa norma jurídica fixa as regras a serem observadas pelos titulares das serventias. No que se refere à previdência do tabelião e do registrador, a Lei 8.935/94 traz regra específica a ser observada:
Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:
II – aposentadoria facultativa;
III – invalidez;
§ 1º Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da legislação previdenciária federal.
12. Verifica-se, pois, a existência de um conflito aparente de leis: enquanto a legislação previdenciária prevê que as aposentadorias voluntárias permitem o retorno ao trabalho, a Lei dos Cartórios é clara em dizer que uma vez concedida a aposentadoria, não pode o oficial continuar no exercício da atividade, tanto que é causa de perda da delegação.
13.Para solucionar tal conflito, preciosas são as lições de Norberto Bobbio[2],que dissertou sobre os critérios para solução das antinomias. No caso em questão e valendo-se dos ensinamentos do eminente jusfilósofo, há que ser aplicado o critério da especialidade, segundo o qual norma específica prevalece sobre genérica:lex specialis derogat generali.
14. Destarte, a Lei 8.935/94, por trazer regras específicas aos cartorários, deve prevalecer sobre os genéricos comandos da Lei 8.213/91, motivo pelo qual se pode concluir que:
a) O notário ou registrador que se aposentar não pode continuar no exercício de atividades notariais e de registro como titular de cartório, uma vez que a aposentadoria extingue a delegação;
b) Caso seja concedida aposentadoria voluntária, o trabalhador poderá exercer outras atividades,exceto ser titular de delegação cartorária, na condição notário ou registrador,com a manutenção do efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias como forma de custeio à Previdência;
c) Após concessão de aposentadoria voluntária, não há impedimento para que o antes notário ou registrador seja empregadode qualquer empesa, inclusive de cartório; o que é não pode é ser o próprio titular da delegação;
d) Em caso de aposentadoria por invalidez, não poderá exercer nenhum tipo de atividade, nem de natureza notarial, nem de natureza diversa.
15. É o parecer.
16. Oficie-se à Direção do Foro, com cópia do inteiro teor deste parecer.
17. Em razão do exíguo prazo estipulado para resposta, oficie-se eletronicamente ao e-mail institucional indicado no ofício de fl. 01.
Notas
[1]Embora possa receber pensão por morte ou auxílio-reclusão, pois são benefícios pagos na condição de dependente de outro segurado. Ainda há exceção quanto às peculiaridades da cumulação de aposentadoria e benefícios de natureza indenizatória, atualmente consolidados sob a nomenclatura “auxílio-acidente”, e que dependem da análise da data de início da lesão incapacidade para aferir se a acumulação é possível ou não.
[2]BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone (Coleção Elementos do Direito). Vide Capítulo V: a teoria do ordenamento jurídico.